Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0756/08.2BELLE 0990/17
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL
CONTRADITÓRIO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
NATUREZA
CLASSIFICAÇÃO
PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO
VERIFICAÇÃO
PRESSUPOSTOS
MÉTODOS INDICIÁRIOS
RELAÇÕES ESPECIAIS
REENVIO PREJUDICIAL
TEORIA DO ACTO CLARO
Sumário:I - Visto que o acórdão do TCAS não deixou de se ocupar das causas de pedir alegadas, para o que entendeu necessário servir-se dos factos fixados na ajuizada alínea do probatório e que estavam articulados a partir de documentos existentes nos autos, não cometeu erro de actividade jurisdicional, sendo em tal conspecto indevido o accionamento da regra da substituição ínsita no nº 3 do artº 665º do CPC, restando à recorrente suscitar o eventual erro de julgamento sobre a matéria de facto vertida na dita al. do probatório no instrumento recursório.
II - É que, relativamente a esse conhecimento que a recorrente e o Ministério Público entendem que foi “em substituição” e que foi cometida uma nulidade processual, por, em violação do princípio do contraditório, se ter omitido a prévia audição das partes, imposta pelos art°s. 665.°, n.°3, do CPC, sendo também certo que este normativo se destina a evitar decisões-surpresa, no caso, não se verificou qualquer surpresa na decisão em “substituição”, visto que a questionada matéria constava de documentos que já eram do conhecimento das partes.
III - A matéria relativa à natureza das inspecções tributárias -ou, mais especificamente, ao critério caracterizador do conceito de inspecção externa e de inspecção interna-, reveste-se de alta importância, atentas as consequências que daí advém, nomeadamente para os efeitos previstos no art.º 63º nº 3 da LGT, por se tratar de situações em que a Administração Tributária, socorrendo-se de elementos que não estão na sua posse, qualifica a inspecção como “interna” com vista a possibilitar uma nova inspecção a um período que já fora objecto de inspecção “externa”.
IV - Decorrendo do conteúdo do relatório e dos fundamentos que serviram de base às liquidações que a questionada inspecção teve por objecto exclusivo o IVA relativo ao segundo trimestre de 2003 e esgotou-se numa apreciação formal, realizada no Serviço de Finanças, da declaração apresentada pelo contribuinte e assentado na análise de alguns recibos, enviados com em fax em que se justificava a inexistência de comprovativos por se encontrar a aguardar licenciamentos, justificação que, à data, foi aceite como boa, é indubitável que a inspecção parcial em sede de IVA — 2° semestre — efectuada à recorrente foi uma inspecção interna, porque integralmente concretizada nos serviços de finanças, e que os actos praticados naquele procedimento se consubstanciaram na análise formal e na coerência de documentos detidos pela Administração Tributária e foram integralmente concretizados nas suas instalações, soçobra a pretensão da recorrente de ser atribuída outra qualificação ao procedimento.
V - Destarte, tratando-se de actos praticados pela administração fiscal como preliminar do procedimento de inspecção devem ser apreciados como tal e não como parte de um procedimento informal, não se verifica a nulidade da prova tida em consideração em sede da acção inspectiva, como pretende a impugnante.
VI - Tendo a determinação da matéria tributável por avaliação indirecta de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AT tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautados por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos desconhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
VII - Assim, a AT tem de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, para que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributada quantificada.
VIII - In casu o Relatório de Inspecção Tributária (RIT) justifica o recurso aos métodos indirectos para determinação da matéria tributável, na circunstância de ter sido detectado um contrato de arrendamento, não declarado, celebrado entre a recorrente e uma outra sociedade com a qual detém relações especiais (nos termos do artigo 58.°, n.°4, do CIRC), tendo resultado das diligências desenvolvidas e devidamente discriminadas no relatório, que o valor declarado é manifestamente inferior ao que em regra se encontra a ser fixado em contratos de arrendamento de natureza semelhante ao omitido na declaração
IX - Perante o iter cognitivo e valorativo é lícito inferir que os elementos carreados para os autos pela AT integram indubitavelmente indícios robustos de que a contabilidade da recorrente não merece credibilidade e que os dados a que foi possível aceder, como o contrato de arrendamento em apreço, não merece igualmente credibilidade atenta a disparidade ou discrepância com o “valor de mercado médio” para o tipo de contrato em questão, tendo, ainda, nessa determinação, sido atendidos, de forma sensata e coerente, os valores de majoração declarados por a alternativa ser a aplicação de coeficientes demasiado elevados para o tipo de contrato (arrendamento rural) em questão.
X - Acresce que a recorrente não tinha declarado o contrato de arrendamento, o que logo gera desvantagem ou desconfiança adensada pelo facto da existência de relações especiais entre os contraentes, tudo criando a necessidade de a AT considerar anómalas essas circunstâncias e o valor da própria renda pois, estando na normalidade a formalização do contrato em que se se estabeleceram os termos e as condições essenciais, como sejam, o objecto do contrato, a renda, o facto de não ter sido inscrito na contabilidade e declarado à administração fiscal, a patente discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado do serviço de arrendamento rural e considerando a apresentação continuada de prejuízos fiscais, não é descabida a consideração de que a existência e não exibição do mesmo poderia constituir um elemento objectivo seguro da inveracidade do valor da renda, o que só não se alcançou dada a inexistência de tal instrumento na contabilidade, jogando esse facto contra a recorrente tanto mais que, como constataram os serviços da AT e decorre do Relatório a contabilidade deixou de ser digna de credibilidade tendo também em conta a disparidade ou discrepância com o “valor de mercado médio” para o tipo de contrato em questão.
XI - Sem embargo de ter sido perante os referidos indícios existentes nos autos que a AT, secundada pelo tribunal, julgou cessada a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte, a recorrente vem opor que os valores da renda correspondem à realidade e correspondem ao critério empresarial que reputou adequado o que, a aceitar-se, significaria que tal critério empresarial é insindicável e que não basta invocar preços simbólicos para o afastar.
XII - É que, a existência de valores significativamente inferiores ao normal constitui indício seguro de inveracidade, sendo critério legal de admissão do recurso a métodos indiciários com base nos indicadores objectivos de base técnico - científica que está consagrado hoje no artigo 87.° da Lei Geral Tributária.
XIII - Assim sendo, incumbia à recorrente infirmar tal conclusão carreando factos que permitissem credibilizar não os dados da sua escrita onde nem sequer figurava o contrato de arrendamento, designadamente através de circunstâncias excepcionais que justificassem terem sido tão comedido o valor das rendas.
XIV - Porque a recorrente não provou a falta ou insuficiência de indícios aptos a provarem que o valor da renda constante do contrato de arrendamento não tinha adesão à realidade do mercado de arrendamento, nem tão pouco que exista erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável, haverá que aceitar a legalidade do método presuntivo ou indirecto e da consequente liquidação adicional.
XV - Todavia, a possibilidade de correcção da determinação do lucro tributável a que se refere o art. 58º do CIRC, configura-se como um poder quase discricionário da AT, pelo que esta deve descrever os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.
XVI - Embora o citado normativo não defina o que deve entender-se por "relações especiais", a doutrina fiscal vem considerando que tais relações existem quando haja situações de dependência, nomeadamente no caso de relações entre a Sociedade e os sócios, entre empresas associadas ou entre sociedades com sócios comuns ou ainda entre empresas mães e filiadas.
XVII - No caso vertente, como consta do RIT demonstrou-se a existência de relações especiais entre a impugnante e a outra sociedade, sem que a ora recorrente ponha em causa a sua existência pelo que não há qualquer insuficiência nesta fundamentação pois o raciocínio silogístico é claro e encontra-se devidamente suportado em factos concretos enunciados relativos a valores erradamente contabilizados e em outras diligências de prova.
XVIII - E, se por um lado se pode aceitar, num juízo de normalidade, que aquelas referidas circunstâncias determinaram necessariamente o estabelecimento de condições diferentes das que decorreriam normalmente entre pessoas independentes, também, por outro lado, se prova que a AT logrou demonstrar os termos em que, normalmente, operações da mesma natureza decorreriam se fossem efectuadas entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.
XIX - Quanto ao método usado, importava averiguar se a sua escolha – e não de outro, porventura mais adequado à realidade da recorrente -, se encontra acompanhada de uma fundamentação precisa e objectiva, para, em função da mesma, sindicar a sua adequação ao caso concreto e ficou evidenciado que foi adoptada pelo Fisco uma fundamentação específica no que respeita à escolha do método adoptado, de entre os diversos métodos elencados no artigo 90º da Lei Geral Tributária.
XX - A pura decisão quantitativa tem de ser necessariamente corroborada por outros elementos – actividade de investigação da Administração, deveres de cooperação que evitem o puro raciocínio quantitativo – e a escolha do método constante do Relatório Final de Inspecção Tributária contém a fundamentação exigida pelo artº 58º do CIRC, na medida em que a sua adopção, em detrimento de outros métodos de quantificação indirecta da matéria tributável, foi acompanhada de uma fundamentação concreta, passível de sindicância por parte da Impugnante.
XXI - O TJUE já concluiu que, saber se um sujeito passivo, num caso concreto, adquiriu bens para os fins das suas actividades económicas, constitui uma questão de facto cuja apreciação deve ter em conta o conjunto dos dados do caso concreto, entre os quais a natureza dos bens em causa e o período decorrido entre a sua aquisição e a respectiva utilização ao serviço das actividades económicas do sujeito passivo, sendo que os períodos de ajustamento previstos no artigo 20.º n.°2, da Sexta Directiva não têm, enquanto tais, qualquer relação com a questão de saber se os bens são adquiridos com vista à sua utilização nessas actividades económicas.
XXII - E que se um particular adquire bens para os fins de uma actividade económica, na acepção do artigo 4.°, actua na qualidade de sujeito passivo, mesmo que os bens não sejam imediatamente utilizados para essas actividades económicas. Em consequência, é a aquisição de bens por um sujeito passivo agindo nessa qualidade que determina a aplicação do regime do IVA e, portanto, do mecanismo da dedução.
XXIII - A utilização que é dada às mercadorias, ou a que lhes é destinada, apenas determina o montante da dedução inicial a que o sujeito passivo tem direito, nos termos do artigo 17.°, e o âmbito dos eventuais ajustamentos durante os períodos seguintes pelo que a utilização imediata de bens para operações tributáveis ou isentas não constitui, por si só, um pressuposto da aplicação do artigo 20.°, n.°2 da Sexta Directiva.
XXIV - O direito de dedução pode ser exercido a partir da realização das despesas de investimento sem que seja necessário esperar pela realização de operações sujeitas a imposto, e das posições assumidas pelo TJUE decorre que as despesas iniciais de investimento efectuadas com vista ao exercício da actividade económica projectada pela empresa devem ser consideradas como constituindo uma actividade económica.
XXV - Partindo dessa premissa, hodiernamente é líquido, que a questão não é a de saber se é ou não dedutível o IVA quanto às actividades em fase de investimento, direito que a recorrente se arroga e que funda a sua pretensão de ser ponderado um eventual reenvio da questão por si apresentada para o TJUE que nesta matéria tem já posição consolidada mas, sim, saber se resultou apurado que os custos apresentados e o IVA deduzido corresponderam precisamente a qualquer investimento nessa actividade realizado pela Impugnante.
XXVI – E o que resultou comprovado pela Administração Tributária foi que os custos suportados na aquisição dos terrenos e imóveis assim como os custos suportados nas ajuizadas obras não tiveram como consequência a realização de operações tributadas, porque, apesar de o sujeito passivo manifestar a sua intenção de exercer uma actividade turística que confere direito à dedução, tal actividade nunca foi efectivamente iniciada, não resultando minimamente indiciada a intenção de a iniciar, atenta a inexistência de quaisquer diligências, mínimas ou elementares, nesse sentido, como o sejam os procedimentos administrativos tendentes à obtenção de quaisquer licenciamentos.
XXVII - Por assim ser e porque no acórdão que admitiu a presente revista se salvaguardou que, quanto à arguida nulidade processual por falta de reenvio prejudicial para o TJUE, constitui jurisprudência consolidada que o reenvio só é obrigatório se a questão for pertinente ou relevante para a decisão da causa, competindo ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a decisão como analisar a pertinência das questões que as partes pretendem submeter ao TJUE, significa que o reenvio não é uma faculdade processual das partes e, como tal, a falta de reenvio não pode constituir uma nulidade processual.
XXVIII - Mas há excepções, a primeira das quais (falta de pertinência da questão) cabem os casos em que o tribunal nacional considere que o litígio sub judice não deve ser decidido de acordo com as normas comunitárias mas tão-somente na conformidade das disposições do direito interno; na verdade, a ser assim, não pode ser-lhe imposta a obrigação de solicitar a interpretação ou apreciação da validade de uma norma comunitária desprovida de interesse para o julgamento da causa - e isto ainda que alguma das partes tenha indevidamente invocado e suscitado a questão da sua interpretação ou validade, como aconteceu no caso concreto.
XXIX - É que, como é manifesto, nesse caso a questão da interpretação ou da apreciação de validade é totalmente desprovida de pertinência; existem anteriores decisões interpretativas do TJUE da normação em causa e existe total clareza da norma em causa, ou seja, a norma comunitária aplicável é perfeitamente clara, não suscitando a mínima dificuldade de interpretação, sendo desrazoável forçar o tribunal nacional a reenviar ao Tribunal Comunitário, isso honrando o velho princípio jurídico segundo o qual «in claris nonfit interpretado» que condensa a comumente chamada teoria do acto claro.
Nº Convencional:JSTA00071184
Nº do Documento:SA2202106230756/08
Data de Entrada:01/23/2019
Recorrente:Z........., LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO DO TCA SUL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
Legislação Nacional:ARTIGOS 87º DA LGT E 58º DO CIRC
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1– Relatório

Vem interposto recurso de revista excepcional por Z………., Lda., com os demais sinais dos autos, ao abrigo do artigo 150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 12/01/2017, que negou provimento ao recurso que deduzira da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que, por sua vez, julgara improcedente a impugnação judicial instaurada contra os actos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios referentes aos exercícios de 2003, 2004 e 2005.

Inconformada nas suas alegações, formulou a recorrente Z…………, Lda. as seguintes conclusões:

a. O Acórdão recorrido, ao não notificar a Recorrente para se pronunciar antes da prolação do Acórdão emanado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do nº 3 do artigo 665º do Código de Processo Civil, ex vi alínea e) do artigo 2º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, comprometeu a discussão do mérito da causa, na medida em que impossibilitou a Recorrente de, oportunamente, nesta instância (Tribunal superior), expor, aditar ou complementar, as razões de facto e de Direito sobre a questão (substantiva) que veio a ser apreciada pelo Acórdão, razão pela qual padece de irregularidade, configuradora de uma nulidade processual, com consequências anulatórias dos termos subsequentes a tal omissão e dela absolutamente dependentes, nos termos do artigo 195º do Código de Processo Civil (ex vi alínea e) do artigo 2º do Código de Procedimento e de Processo Tributário);

b. A falta de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia antes da prolação da decisão determina que o Acórdão recorrido padeça de irregularidade, configuradora de nulidade processual, com consequências anulatórias dos termos subsequentes a tal omissão e dela absolutamente dependentes, nos termos do artigo 195º do Código de Processo Civil (ex vi alínea e) do artigo 2º do Código de Procedimento e de Processo Tributário) e, ainda, viole manifestamente o artigo 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia e do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa, o qual consagra o princípio do primado do direito internacional sobre o direito interno;
c. Nos termos do nº 1 do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, Revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando verificados os seguintes requisitos: i) estar em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou ii) ser a admissão do recurso claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

d. De acordo com a interpretação do Supremo Tribunal Administrativo quanto a cada um dos anteditos requisitos legais, verifica-se que, revestindo as questões em apreço nos autos uma relevância manifestamente prática, em atenção à suscetibilidade da questão controvertida de se expandir para além dos limites da situação singular, independentemente da sua relevância teórica, resultando da mesma a possibilidade de repetição da questão noutros casos e da necessidade de garantir a uniformização do direito pela instância de cúpula do sistema judicial tributário, estão reunidos os pressupostos para o conhecimento do mérito do presente Recurso de Revista;

e. No caso vertente está em causa a apreciação, por parte do Supremo Tribunal Administrativo, (i) da natureza da inspeção efetuada aos 1.º e 2.º trimestres de 2003 e (ii) da aplicação dos métodos indirectos no caso sub judice.

f. Em concreto e, no que concerne à natureza da inspeção efetuada aos 1.º e 2.º trimestres de 2003, está-se perante uma questão em que se denota a manifesta necessidade e utilidade de intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, dada a evidente forma errada e juridicamente insustentável com que o Tribunal de primeira instância e o Tribunal a quo trataram a relevante matéria aqui em apreço, não se compadecendo a ordem jurídica com os clamorosos erros interpretativos plasmados na decisão a que, verificando-se estar preenchido o segundo requisito a que alude a 2.ª parte do nº 1 do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (necessidade de garantir a “melhor aplicação do direito”) para efeito de admissão do Recurso de Revista;

g. Acresce que esta questão não tem natureza meramente casuística, sendo previsível que a sua solução tenha, ou possa vir a ter, repercussões noutras situações, dada a sua abrangência, que de facto é extensível a todas as situações em que a Administração Tributária, socorrendo-se de elementos que não estão efetivamente na sua posse, qualifique a inspeção como de natureza interna, com vista a possibilitar uma nova inspeção a um período já anteriormente inspecionado, conclui-se, igualmente, que se está perante uma situação de relevância social fundamental, prevista na 1.ª parte do nº 1 do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que estão preenchidos os pressupostos legais para a admissão do presente Recurso de Revista, interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual deverá ser admitido por Vossas Excelências.

h. No que respeita à aplicação dos métodos indiretos no caso sub judice há que concluir que nas decisões proferidas em sede de primeira instância e pelo Tribunal recorrido “as instâncias [trataram] a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão da regulação do sistema”;

i. De facto, também é objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema na definição do que é que se considera de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável (cfr. alínea b) do nº 1 do artigo 87º e n.º 1 do artigo 90º, ambos da Lei Geral Tributária), isto é, se essa impossibilidade é uma verdadeira impossibilidade ou uma mera dificuldade (com algum trabalho acrescido);

j. No caso concreto, constata-se que a análise e resolução da referida questão revela especial complexidade do ponto de vista intelectual e jurídico e reveste relevância superior à comum, na medida em que a operação em causa - correção da contabilidade com base em métodos indiretos, quando, na realidade, a base da argumentação dessa mesma correção é a alegada existência de preços de transferência - requer a necessidade de compatibilização do regime jurídico que lhe é aplicável, constatando estar preenchido o segundo requisito a que alude a 2.ª parte do nº 1 do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (necessidade de garantir a melhor aplicação do direito) para efeito de admissão do Recurso de Revista;

k. Por outro lado, a questão subjacente ao presente recurso não tem uma natureza meramente casuística, sendo previsível que a sua solução tenha, ou possa vir a ter, repercussões noutras situações, dada a sua abrangência, que de facto é extensível a todas as situações em que a Administração Tributária aplica os métodos indiretos em face da mera dificuldade na reconstituição da contabilidade dos sujeitos passivos, razão pela qual se está perante uma questão de relevância social fundamental, verificando-se estarem preenchidos os requisitos a que alude a 1.ª parte do nº 1 do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos para efeito de admissão do recurso de revista, o qual deverá ser admitido por Vossas Excelências;

l. A inspeção efetuada aos 1º e 2º trimestres de 2003 é ilegal uma vez que o exercício de 2003 já tinha sido inspecionado até ao 2º trimestre, aquando do pedido de reembolso de € 94.771,60, sendo que nos termos do nº 3 do artigo 63º da Lei Geral Tributária apenas pode existir uma segunda inspeção externa, sobre os mesmos factos tributários, caso existam "factos novos" situação que tem que ser devidamente fundamentada, o que não se verificou no caso em apreço:

m. Os pedidos de reembolso operados no alegado procedimento inspetivo interno tiveram por base, não apenas a documentação à disposição e na posse da Administração Tributária, mas ainda toda a documentação solicitada e fornecida pela Recorrente em relação aos períodos a que respeitavam (até ao 2º trimestre de 2003), pelo que a mesma consubstanciou uma verdadeira inspeção externa à Recorrente, devendo retirar-se as respectivas consequências desse facto;

n. As liquidações de imposto efetuadas por recurso à avaliação indireta são ilegais, na medida que sendo a avaliação indireta um método subsidiário e excecional, nos termos do nº 1 do artigo 85º da Lei Geral Tributária, a interpretação correta a efetuar é a de que só se não for possível corrigir os elementos que permitam apurar a matéria tributável corretamente é que se poderá avaliar indiretamente o rendimento, sendo que no caso em apreço a contabilidade da Recorrente merece credibilidade;

o. O facto de o arrendamento dos terrenos à sociedade B…….., Lda, não estar refletido na contabilidade da Recorrente não valida o recurso, por parte da Administração Tributária, aos métodos indiciários, uma vez que era possível reconstruir a contabilidade da Recorrente, dado que a Administração Tributária teve acesso ao contrato de arrendamento, o qual foi efetuado pelo prazo de 6 anos e com a renda anual de € 498.80. Assim sendo, a contabilidade da Recorrente era facilmente corrigida através da avaliação direta (através da consideração do valor do arrendamento), pelo que a Administração Tributária, ao efetuar correções, com base na aplicação de métodos indiretos – quando, na realidade, fundamenta com base na existência de relações especiais entre a Recorrente e a sociedade B…….. – violou o disposto no nº 1 do artigo 85º e artigo 87º da Lei Geral Tributária;

p. Os bens e serviços adquiridos pela Recorrente no período em apreço (2003 a 2005), consubstanciados na edificação das infraestruturas de apoio à atividade turística (estábulo, armazém, adega, recepção, piscina e restaurante), tiveram em vista, única e exclusivamente, a prossecução da atividade turística que a Recorrente pretendeu (no futuro) exercer e, nessa medida, mostram-se adequados ao objecto social da Recorrente;

q. A dedução do IVA suportado pela Recorrente é legítima, na medida que se trataram de investimentos iniciais com vista à prossecução da atividade turística, a qual apenas não se iniciou em virtude de questões alheias à vontade da Recorrente, relacionadas com os processos de licenciamento das obras edificadas - armazém e estábulo e não quaisquer outros licenciamentos - que se encontram pendentes junto da Câmara Municipal de Loulé;

r. Relativamente à dedução do IVA nos investimentos iniciais de uma atividade, a Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (nomeadamente o Caso Rompleman) e a Doutrina têm entendido que as mesmas são incluídas no rol das despesas dedutíveis;

s. A Recorrente tem (e sempre teve) intenção de exercer, de facto, a atividade turística, situação que sempre demonstrou pelos investimentos que efetuou nas suas propriedades, aliás constantes das faturas que foram de apreciação pela Administração Tributária em sede do pedido de reembolso do IVA;

t. Constata-se que os atos de liquidação (de imposto e seus juros) devem ser anulados, por errónea qualificação do facto tributário e violação da Sexta Diretiva Comunitária (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, que veio substituir a Sexta Diretiva), bem como do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 1º da Lei Geral Tributária;

u. Merece, pois, censura, na ótica da Recorrente, a decisão proferida pelo Tribunal a quo, a qual deverá ser anulada por Vossas Excelências, dando-se provimento ao presente recurso, nos termos supra expostos e abaixo peticionados;

v. À cautela e subsidiariamente, para o caso de se entender estarem subjacentes ao processo questões de Direito Comunitário prejudiciais ao conhecimento do mérito da causa, solicita-se o reenvio da presente ação, para esclarecimento das questões acima enunciadas, para o Tribunal de Justiça da União Europeia.


Não foram produzidas contra-alegações.

A revista foi admitida por Acórdão de 5 de Dezembro de 2018 e que se transcreve na parte que interessa:

“(…)
No caso vertente, as questões que a Recorrente coloca traduzem-se em saber (i) se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento no que toca à questão da natureza da inspeção efetuada aos 1.º e 2.º trimestres de 2003 e no que toca à questão da legalidade do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável; (ii) se ocorreu uma nulidade processual no âmbito do recurso que deu origem ao acórdão recorrido, por não ter sido notificada para se pronunciar sobre a ampliação da matéria de facto que nele foi realizada, (iii) e se ocorreu uma nulidade processual por falta de reenvio prejudicial para o TJUE antes da prolação do acórdão recorrido.
Vejamos.
Uma das questões que a Impugnante/Recorrente colocara no recurso que interpôs da sentença de improcedência da impugnação judicial traduzia-se em saber se esta padecia de erro de julgamento em matéria de direito, por, contrariamente ao decidido, ser ilegal a inspecção realizada aos 1º e 2º trimestres de 2003, porquanto este exercício já fora inspeccionado até ao 2º trimestre e a lei não permite uma segunda inspecção externa sobre os mesmos factos tributários, salvo a existência de “factos novos” e prévia emissão de despacho fundamentado (art.º 63º nº 3 da LGT), o que não se verificava no caso.
No acórdão recorrido, depois de se ter procedido, de modo oficioso e sem audição das partes, a um aditamento à matéria de facto julgada provada em 1ª instância, aditamento que se traduziu na inclusão da alínea P) ao probatório e onde ficou a constar que «A impugnante foi objecto de um procedimento de inspecção, designado pela Administração Tributária como “Procedimento Interno de Inspecção” que se mostra materializado de fls. 588 a 592 dos autos e cujo teor aqui se dá por integramente reproduzido», foi decidido que embora assistisse razão à Recorrente «do ponto de vista das normas e princípios jurídicos plasmados na Lei Geral Tributária», na medida em que «o artigo 63º, nº 3, da LGT, na redacção então vigente, dispunha, para o que ora releva, que só podia haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço (…)» a sua pretensão não podia proceder perante a factualidade vertida na aditada alínea P), pois «como se extrai com facilidade da matéria de facto por nós aditada, a recorrente relativamente ao ano de 2003 apenas foi objecto, para além da presente acção de inspecção externa em apreço, de uma inspecção interna que teve por exclusivo objecto o segundo trimestre do referido exercício ou ano fiscal.».
O que levou a Recorrente a suscitar, neste recurso de revista, uma nulidade processual, por não ter sido assegurado o contraditório no que toca à factualidade que, em sede de recurso e de modo oficioso, foi aditada pelo TCA e no que toca à conclusão que dela foi extraída no acórdão recorrido sobre a natureza da inspecção realizada aos 1º e 2º trimestres/2003 e que suporta os actos de liquidação impugnados.
Esta questão - relativa ao dever de observância do contraditório quando, em sede de recurso, o tribunal procede à ampliação da factualidade provada à revelia das partes, prolatando uma decisão surpresa a nível de julgamento de matéria de facto - carece de ser esclarecida pela intervenção do órgão de cúpula e regulação do sistema, para uma maior segurança e mais eficaz funcionamento da justiça tributária, uma vez que é de prever que surja repetidamente em litígios pendentes ou futuros e não se conhece pronúncia expressa desta Secção do STA sobre o assunto.
O que justifica a admissão da revista excepcional quanto a esta questão.
Por outro lado, a matéria relativa à natureza das inspecções tributárias - ou, mais especificamente, ao critério caracterizador do conceito de inspecção externa e de inspecção interna - é de grande relevância e manifesta utilidade, atentas as consequências que daí advêm, nomeadamente para os efeitos previstos no art.º 63º nº 3 da LGT, assumindo não só relevância para a boa decisão desta causa, como, também, relevância expansiva ou mais geral, sobretudo para situações em que a Administração Tributária, socorrendo-se de elementos que não estão na sua posse, qualifica a inspecção como “interna” com vista a possibilitar uma nova inspecção a um período que já fora objecto de inspecção “externa”.
Deste modo, quer pela sua relevância social quer pela necessidade de intervenção do STA com vista a uma clarificação de conceitos, justifica-se admitir a revista excepcional também quanto a esta questão.
Quanto à questão relativa à legalidade do recurso à avaliação indirecta, sustenta a Recorrente que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento na medida em que valida o entendimento de que a Administração Tributária pode socorrer-se de métodos indiretos numa situação, como a dos autos, em que deveria ter aplicado o regime dos preços de transferência previsto do art.º 58º do CIRC.
Com efeito, a Recorrente entende que a avaliação indirecta é um método subsidiário e excepcional de determinação da matéria tributável, que só é admissível se não for possível apurar e/ou corrigir os elementos que permitam efectuar uma avaliação directa, o que manifestamente não é o caso, porquanto a base da argumentação oferecida pela Administração Tributária para a correcção que efectuou consubstancia a existência de preços de transferência.
Trata-se de questão que revela especial complexidade do ponto de vista jurídico e que reveste relevância superior à comum, exigindo a necessidade de compatibilizar o regime jurídico da determinação da matéria tributável por métodos indirectos com o regime jurídico dos preços de transferência. Por outro lado, da própria natureza da questão decorre a necessidade de uma resposta pelo órgão de cúpula da justiça tributária como condição para dissipar dúvidas e alcançar uma melhor aplicação do direito, por ser objectivamente útil a definição do que deve ser considerado como “impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável” (constante da alínea b) do nº 1 do art.º 87º e do nº 1 do art.º 90º, da LGT), isto é, se essa impossibilidade é uma verdadeira impossibilidade ou uma mera dificuldade (com algum trabalho acrescido).
Verifica-se, assim, estarem preenchidos, também quanto a esta questão, os requisitos para a admissão da revista excepcional.
Finalmente, quanto à arguida nulidade processual por falta de reenvio prejudicial para o TJUE, constitui jurisprudência consolidada (Cfr., entre outros, os Acórdãos do TJUE de 4/11/1997, Parfums Christian Dior, C-337/95; de 4/06/2002, Lyckeskog, C-99/00; de 15/09/2005, Intermodal Transports, C-495/03. No STA, entre outros, os Acórdãos de 30/11/2011, proc. nº 284/11; de 16/11/2011, proc. nº 636/11; e de 2/11/2011, proc. nº 193/11.) que o reenvio só é obrigatório se a questão for pertinente ou relevante para a decisão da causa, competindo ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a decisão como analisar a pertinência das questões que as partes pretendem submeter ao TJUE.
O reenvio não é, pois, uma faculdade processual das partes e, como tal, a falta de reenvio não pode constituir uma nulidade processual. Razão por que esta arguida nulidade não pode verificar-se e, como tal, não constitui motivo para a admissão da revista.
Todavia, tendo em conta que a revista vai ser admitida, o Tribunal examinará, no âmbito da apreciação do objecto do recurso, a questão da necessidade de proceder ao pretendido reenvio.”

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, no seguinte parecer:

“1 – Z………, LDA vêm interpor recurso de revista excecional, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, do douto acórdão proferido pelo TCA/S que negou provimento ao recurso que interpôs da sentença do TAF de Loulé, que por sua vez julgou improcedente a impugnação judicial instaurada contra os actos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios respeitantes aos exercícios de 2003, 2004 e 2005.
Para o efeito, alega nos termos das conclusões que constam de fls. 910 a 912 vº, e em síntese, imputa ao acórdão recorrido vários vícios, tal como não ter sido notificada para se pronunciar antes da prolação do Ac. Do TCA/S, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 665º do CPC, o que comprometeu a discussão do mérito da causa, o que configura uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195º do CPC, aplicável “ex vi” artigo 2º, al. e), do CPPT; a falta de reenvio para o TJUE, antes da prolação da decisão determina que o acórdão recorrido padeça de irregularidade, configurando nulidade processual, prevista no citado artigo 195º; vício de violação da lei por erro de julgamento quanto ao direito, estando em causa a apreciação da natureza da inspecção efectuada aos 1º e 2º trimestres de 2003 e a aplicação dos métodos indirectos no caso “sub judice”.
Pede a final, que seja admitida a revista e anulada a decisão recorrida, com as legais consequências e à cautela subsidiariamente, para o caso de se entender estarem subjacentes ao processo questões de Direito Comunitário prejudiciais ao conhecimento do mérito da causa, solicita o reenvio da presente acção para o TJUE.
2 – A recorrida, A.T.A., não contra-alegou.
3 – Por douto acórdão que antecede foi admitida a revista.
4 – Assim, passamos a pronunciarmos sobre o mérito do recurso.
O recurso de revista previsto no artigo 150º, nº 1 do CPTA, consagra um duplo grau de jurisdição jurisdicional, funda-se em critérios qualitativos e tem natureza excecional, só sendo admissível quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social tenha importância fundamental ou a sua admissão seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Ora, é o que sucede no caso presente.
Assim, e desde logo, no que toca à invocada nulidade processual, prevista no artigo 195º, nº 1 “in fine”, do CPC, aplicável “ex vi” artigo 2º, al. e) do CPPT, suscitada pelo facto de no TCA/S ter sido ampliada matéria de facto à dada como assente na 1ª instância – a que resulta da al. P), inserida a fls 857 - , matéria que era susceptível de influir na decisão da causa não tendo sido observado o disposto no artigo 665º, nº 3 do CPC, temos por certo ter ocorrido uma nulidade secundária, face às citadas disposições legais e que no caso se não mostra sanada, tendo em conta o presente recurso.
Nulidade que deve ser sanada, devendo revogar-se a decisão sob recurso por ter sido preterida uma formalidade legal. E, uma vez sanada, deverá, em obediência ao princípio fundamental do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, conhecer-se do demais objecto do recurso.
Porém, quanto ao mais diremos, e na esteira do já expresso pelo Mº Pº, no Parecer proferido na 2ª instância que corroboramos e cujos fundamentos nos abstemos de repetir, dever a pretensão da recorrente improceder.”
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

No acórdão recorrido foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) Em 21-3-2007 foram emitidas Ordens de Serviço n°s. 01200700454, 0120070455 e 01200700456 que originaram uma acção externa de inspecção levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária II, da Direcção de Finanças de Faro abrangendo os exercícios de 2003, 2004 e 2005 (cfr. fls. 192 dos autos);
B) O procedimento de inspecção externa referido na alínea anterior terminou em 3-5-2007, de acordo com as notas de diligências emitidas nesta data (cfr. fls. 192 dos autos);
C) Em 11-5-2007 foi elaborado o projecto de relatório final de inspecção (cfr. fls. 187 a 207 dos autos);
D) Em 24-5-2007, através do ofício n°13897, foi comunicado à Impugnante o projecto de relatório de inspecção tributária (cfr. fls. 186 dos autos);
E) Em 12-6-2007, veio a Impugnante apresentar um requerimento a pronunciar-se sobre o projecto de relatório referido na alínea precedente (cfr. fls. 208 dos autos);
F) Em 22-6-2007 foi elaborado o relatório final, o qual se tem reproduzido para todos os legais efeitos e de onde, nomeadamente, consta o seguinte:
“I - Conclusão:
De acordo com os factos descritos e as conclusões explicitadas no capítulo II, propõe-se:
Em sede de IVA:
O envio à Direcção de Serviços de Reembolsos de IVA (DSRIVA) da Informação Externa sobre os pedidos de reembolso de IVA dos períodos 03.061 e 05.031, nos montantes de € 94.771,60 e € 130.000,00, respectivamente, em que é proposto o seu indeferimento, considerando que o crédito de IVA se refere a imposto suportado indevidamente deduzido porque não contribuiu para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, nos termos da alínea a) do nº 1 do art.° 200 do IVA. (vide ponto 28 e 29) – e consequentemente a correcção aritmética da dedução indevida de IVA nos anos de 2003, 2004 e 2005, anos em análise (vide ponto 29)

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- a correcção aritmética da falta de liquidação de IVA na aquisição intracomunitária efectuada no período 05.031, no montante de €4.592,70 (vide ponto 30)
Em sede de IRC
- a correcção aritmética de custos no aceites fiscalmente nos anos de 2003, 2004 e 2005.
Resumindo, propõe-se as seguintes correcções meramente aritméticas: (referido no ponto 33).
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De acordo com o explicitado nos capítulos IV e V, nos termos da alínea d) do ad.° 880 da Lei Geral Tributária (LGT) e da alínea b) e e) do art.° 87° da LGT, propõe-se a correcção dos proveitos de rendimentos de Imóveis omitidos de € 7.671,15 para 2003, € 7.515,61 para 2004 e € 16.372,11 para 2005, determinados por métodos indirectos nos termos das alíneas c) e d) do art. ° 90° da LGT e de acordo com o art. ° 58° do CIRC, conjugado com a Portaria 1446-C/2001, de 27 Dez.
Resumindo, propõem-se as correcções constantes no quadro seguinte e o Lucro Tributável a fixar pelo Sr. Director de Finanças nos termos do art° 54º do CIRC, nos montantes de € 7.023,32 para 2003, € 1.344,85 para 2004 e € 228,23 para 2005.
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3. O s. p. exerceu o direito de audição devidamente comentado conforme explicitado no capítulo IX.
4. Face aos factos descritos no Capítulo III, verificou-se que a única actividade efectivamente exercida pelo s. p. desde 2000 até à data, foi a do arrendamento rural de imóvel rústico, pelo que se informa que nesta data é elaborado Boletim de Alteração Oficiosa (BAO), a enviar para a Direcção de Serviços do Cadastro alterando a actividade principal de — Culturas destinadas à preparação de bebidasll, CAE 01134, para a actividade de —Arrendamento de bens imobiliários, CAE 70200, de acordo com pelo Decreto-Lei n°197/2003 de 27/Ago. (...)
II- Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva:
II.1. - Credencial e período em que decorreu a acção:
Ordens de Serviço nº 06 01200700454, 0120070455 e 07200700456, emitidas a 2007/03/27 pela Direcção de Finanças de Faro para 2003, 2004 e 2005, assinadas pelo sócio gerente a200 7/05/03, bem como as respectivas Notas de Diligências.
A acção de inspecção foi precedida de procedimento de recolha e consulta de elementos, ao abrigo do Despacho n° Dl20060 1855, de 2006/OS/03, emitido pela Direcção de Finanças de Faro.
II.2 - Motivo, âmbito e incidência temporal
PNAIT: 221.20 — Sujeitos passivos que se encontrem em reporte de crédito em períodos sucessivos
Âmbito: IRC e IVA Incidência. 2003, 2004 e 2005
II.3- identificação e Enquadramento Fiscal do sujeito passivo (s p.)
S.P. Z…………, Lda, NIPC ………… Sede Fiscal: R. ……… Edifício …. — ……., ., 8200 – ……… Albufeira Serviço de Finanças: Albufeira 7007
Técnica de Oficial de Contas (TOC). X…………… NIF. …………. De acordo com a Matrícula Comercial da Conservatória do Registo Comercial de Albufeira, de que se junta cópia em anexo (Anexo 7), a firma Z…………, Lda tem por objecto social a — Compra e construção de propriedades e empreendimentos turísticos, exploração de hotéis, restaurantes e outras actividades turísticas, aquisição e gestão, de participações em sociedades com objectos similares, tendo a natureza jurídica de sociedade por quotas, cuja titularidade, nos anos em apreço, se esquematiza no seguinte quadro:
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Verifica-se que o s. p. Z……………, Lda, é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto a prática de actos de comércio de acordo com o n°2 do art. 1º do Código das Sociedades Comerciais, Decreto-lei n°262/86, de 2 Set, e por conseguinte deverá ter por objectivo o lucro. Assim sendo, é um s. p. de IRC nos termos da alínea a) do n°1 do art. ° 2° do CIRC; e, nos termos do n° 1 do art°3 do CIRC, o IRC incide sobre o seu lucro, que é apurado pela diferença positiva entre os proveitos e os custos, de acordo com as normas contabilísticas definidas no POC e apurado de acordo com as regras estipuladas nos art. 15° e 17º do CIRC.
Nos anos em apreço, esteve colectado com enquadramento:
-Em sede de IVA, no regime normal trimestral
-Em sede de IRC, no regime geral com contabilidade organizada
III- Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria Tributável:
A — Análise Fiscal prévia
1.Em sede de IRC, apresenta prejuízos desde 1996, dado que apenas apresenta custos e não declara quaisquer proveitos de vendas ou prestações de serviços;
2. Em sede de IVA, encontra-se permanentemente em situação de crédito, na medida em que deduz IVA desde o início de actividade (1996) em imobilizado e outros bens e serviços e não apresenta quaisquer operações activas desde 1996 até 2005, tendo solicitado os seguintes pedidos de reembolso:
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3. Cumpre informar que os reembolsos dos períodos 98.09T e 03.06T foram deferidos por procedimento de análise interna com base nas informações prestadas:
- Pela TOC, conforme Fax de 2004/01/22, de que a empresa adquire vários terrenos na zona de Alte para construção e exploração de um empreendimento turístico, mas que se debate com problemas de licenciamento e de acesso à zona de construção do mesmo, estando a investir em infra estruturas para um novo projecto de lazer, que englobará um projecto de campos de golfe, restaurante, clube de equitação e também projecto agrícola.
- No Relatório de Inspecção de 200/11/06 aos anos de 2000 a 2002, credenciada pela Ordem de Serviço n° 15898, sendo indicado que o imposto anteriormente deduzido e todos os custos suportados pela empresa são devidos na premissa de que num futuro próximo, ocorra a venda dos produtos agrícolas e do vinho produzido, gerando proveitos sujeitos a IVA. -A verificação desta premissa será analisada posteriormente no ponto C — Conclusões da presente acção inspectiva.
- Importa referir que o s. p. entregou a sua Declaração de Inicio de Actividade reportada a 1996/O 7/22, tendo indicado na mesma o objecto social na Actividade Principal e inscrito a CAE 70120 que corresponde a compra e venda de bens imobiliários de acordo com a Classificação Portuguesa das Actividades Económicas designada CAE, definida pelo Decreto Lei n° 797/2003 de 27/Ago. Esta Inscrição foi alterada pelo Boletim de Alteração Oficiosa para alteração da actividade para o CAE 07734 — Culturas destinadas à preparação de bebidas e de especiarias, conforme Relatório de Inspecção aos anos de 2000 a 2002 credenciada pela acima referida Ordem de Serviço n° 75898.
B - Procedimentos/Diligências efectuados e elementos recolhidos:
4. Na sede fiscal do s. p., que corresponde às instalações da empresa de contabilidade …………., Lda., procedeu-se à recolha de informação contabilística/documental relativa aos anos de 2003, 2004 a 2005, verificando-se a dedução de IVA em documentos relativos à aquisição de bens e serviços referentes a imóveis e equipamentos contabilizados no imobilizado nas contas 42 e 44, cujas amortizações foram contabilizadas na conta 66 e constam dos mapas de amortização.
5. Nos referidos documentos, consta investimento em construção de restaurante, campo de ténis, armazém, estábulos, pavimentação e construção de acessos, adega e aquisição de equipamentos para a mesma, aquisição de planta e plantação de vinha, e equipamento agrícola.
6. Foi efectuada verificação in loco do investimento efectuado pela empresa, localizado no sítio com a designação de ………., ……………, …………. na freguesia de Salir, concelho de Loulé, tendo-se verificado que a maior parte do imobilizado que consta nas contas 42 e 44, designadamente a plantação de vinha, diversas árvores, jardins, a construção de acessos, campo de ténis, piscina por concluir, imóvel por concluir, armazém, estábulos com cavalos, adega em funcionamento, trilhos preparados para equitação, etc.. Verificou-se ainda que os referidos equipamentos continham uma designação com uma ……. e com a nome —V………II.
7. Verificou-se que um dos actuais sócios da empresa Z……….. é a —V…….., Lda com o NIPC …………., cuja sede fiscal e local de laboração são idênticos aos da Z………….., Lda, e que ambas têm o mesmo sócio- gerente U…………, não residente em Portugal.
8. Solicitou-se informação sobre licenciamentos turísticos e ou agrícolas e eventuais subsídios e ou comparticipações financeiras às entidades oficiais Direcção-Geral do Turismo, Região do Turismo do Algarve, Direcção Regional de Agricultura do Algarve, as quais comunicaram a inexistência de registos em nome da firma Z……… Turismo, Lda.
9. Solicitou-se informação sobre licenças de construção emitidas em nome de Z……….., Lda. pela Câmara Municipal de Loulé, a qual apenas enviou os Alvarás de Construção nº 1212/07, 980/02, 1307/02, 844/03 referente à construção de Armazém Agrícola (Artigos Matriciais n° R…… e U-………) e Estábulo (Artigos Matriciais n°….. U-……….., R-……… e R-……..), em ………, ………. da freguesia de Salir.
10. No âmbito do despacho de recolha de elementos foi o s. p. notificado pelo oficio n° 17078 de 2006-09-7 8, com AR a 2006-09-20, para exibir no prazo de dez dias, os seguintes elementos:
- Projecto de Investimento de Turismo, que englobe todo o imobilizado que consta na conta 42 e 44 da empresa até à presente data;
- Licenciamento Turístico emitido pelas Entidades Oficiais para o referido projecto;
- Explícitação escrita precisa e concreta das actividades já desenvolvidas e a desenvolver pela referida empresa.
- Indicação precisa da localização da(s) actividade(s).
11. Conforme Termo de Declarações de 2006/09/28, foi o Sr. U………, NIF ………, na qualidade de sócio-gerente do s. p. em apreço, Z…………., Lda, NIPC ………….., e da empresa V……….., Lda, NIPC …………, questionado sobre os elementos anteriormente tendo declarado que:
- A empresa Z………….., Lda desenvolveu as actividades de compra de propriedades e construção das mesmas, tendo em vista a exploração de actividades turísticas, nomeadamente restauração, equitação e outros equipamentos de lazer.
- Não foi apresentado projecto de, investimento de turismo junto de entidades oficiais, não tem licenciamento turístico e apenas tem licenças para armazém agrícola e estábulos, não havendo quaisquer licenças para os restantes edifícios e equipamentos.
- Não recebeu quaisquer subsídios ou comparticipações financeiras para as empresas Z………., Lda e V…………, Lda.
- Não existem custos nem proveitos comuns entre as empresas Z……….., Lda e V……….., Lda, nem há qualquer contrato de cedência de exploração dado os proveitos pouco significativos até à data.
- A empresa V……………, Lda desenvolve as actividades de agricultura, transformação de produtos agrícolas, nomeadamente a plantação de vinha, venda de cortiça, azeitona, alfarroba e uvas, e que estas actividades são desenvolvidas em …………, ………..
72. A 2006/10/04, foi remetido pela Dr.ª X………….. (TOC) por e-mail, um documento datado de 02/10/2006, enviado pelo Sr. U…………. sócio- gerente) com o título — O Passado, Presente e Futuro da empresa Z…………..que: denominamos por — Projecto V………….IIII. Neste documento é referido a replantação de carvalhos, alfarrobeiras, produção de vinho, conversão do armazém numa adega, no local da Casa Nova.
13. Face a estes elementos, foi o s. p. notificado pelo oficio n° 72488 de 2006/11/03, para apresentar cópia de:
- Autorização das entidades oficiais para converter o armazém numa adega no local da Casa Nova e Licenças Vinícolas;
- quaisquer requerimentos entregues junto de entidades oficiais para o exercício de actividades agrícola e/ou turística.
14. A 2006-11-73 deu entrada nestes serviços um ofício em nome de V…………….., Lda e de Z………….., Lda, acompanhado de diversos documentos, entre os quais:
- Despacho favorável do Instituto da Vinha e do Vinho sobre — Transferência de Direitos de Replantação de 1,554 7ha da parcela de terreno sito em …………, freguesia de Salir, concelho de Loulé, registada sob o artigo matricial n° ……..;
- Vistoria da Vinha da Direcção Regional de Agricultura do Algarve;
- Outros requerimentos agrícolas e transferências emitidas em nome de V…………, Lda;
- Declaração de colheita de produção em ………., …………..;
15. No sentido de confirmar esta informação, foi solicitado ao Instituto da Vinha e do Vinho, informação sobre quaisquer licenças emitidas em nome da empresa Z……….., Turismo, Lda e em nome da empresa V………….., Lda, tendo o Instituto Informado a 2007/02/14 da existência de duas candidaturas com despacho favorável, em nome da entidade adquirente V…………., Lda, relativa a Transferência de Direitos de Replantação, sendo o destino de utilização da totalidade dos direitos numa nova plantação no prédio — ………..ll registado sob o artigo matricial ………, tendo para tal apresentado na Zona Agrária de Loulé documento comprovativo da exploração da terra, nomeadamente, contrato de arrendamento celebrado entre Z………., Lda e V…………., Lda sobre o referido artigo pelo prazo de seis anos e sendo a renda anual de € 498,80. No referido contrato é indicado que o imóvel se destina à plantação de vinha regional.
16. Face a estes elementos, verificou-se que:
- foi omitido a existência do contrato de arrendamento entre as duas empresas, quer quanto à sua forma jurídica, quer quanto à sua substância económica, não constando esta operação na contabilidade do s. p.,
- o artigo matricial em causa está revistado no Sistema do Património da DGI em nome de Z…………,, Lda e contabilizado no imobilizado desta, conforme documentação contabilística (Anexo VI);
- não existem até à data quaisquer licenças de exploração vitivinícola em nome de Z……….Lda, mas existem em nome de V…………., Lda.
17. O s. p. foi notificado pelo oficio n° 1437, de 2007/02/72, para justificar a contabilização de custos com pessoal de 1998 a 2004, face à inexistência de proveitos, indicando a função e a identificação de cada funcionário à empresa. A 007-02-27 a TOC apresentou os registos contabilísticos da conta de custos com pessoal, e declarou verbalmente — que qualquer empresa precisa de pessoal para laborar. II
18. Notificou-se o s. p. Z………., Lda, pelo oficio n. ° 7328, de 08-02-2007, para apresentar cópia das fichas de imobilizado e para o preenchimento do seguinte quadro:
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19. O s. p. apresentou a resposta a 2007/02/2 7, indicando no referido quadro plantações de vinha e outras em terrenos registados sob os artigos matriciais n° …….. e 4905, cuja propriedade pertence a Z………., e quantidades produzidas de vinhas em 2004, 2005 e 2006, que no constam em existências ou matérias-primas na contabilidade do s. p. em apreço Z………., Lda. Salienta-se que foi enviado fax de 75/02/2007, em nome de ambas as empresas, com informação relativa à produção de vinho nos anos de 2004 a 2007, referentes ao artigo matricial ………..
20. Com vista a esclarecer qual a entidade que efectivamente tinha produção vitivinícola, foi solicitada informação sobre as referidas firmas à Comissão Vitivinícola Regional Algarvia, a qual informou que não tem qualquer conhecimento da actividade do s. p. Z………., Lda, tendo recebido Declarações de Colheita e Produção de Vinho dos anos 2004, 2005, 2006 da firma V…………., Lda.
21. A 2007/02/21, foi o s. p. notificado para no prazo de quinze dias, esclarecer:
- Existência de quaisquer contratos ou protocolos, celebrados entre as empresas Z………., Lda NIPC ………… e V…………., Lda NIPC ………;
- Explicitação das relações económicas entre Z………. e V…………., Lda relativa aos débitos e créditos, por contrapartida de entradas e saídas das contas de banco, registados na conta de outros devedores e credores 26803 — V…………., com um saldo devedor de € 587.370,76 em 2003, € 759.685,21 em 2004 e € 968.506,02 em 2005, sendo que nos balancetes analíticos e extractos contabilísticos apenas consta na conta de sócios 255903 de 2005.
22. Devido a dificuldades de tempo disponível do sócio gerente de ambas as empresas, foi efectuada reunião a 2007/03/06, e elaborado nessa data Termo de Declarações tendo-se questionado o mesmo sobre as questões já solicitadas no ponto anterior e outras questões que se considerar» relevantes para o apuramento da actividade efectiva de cada uma das empresas, per si (ou seja, individualizadas), com o objectivo de apurar os efectivos proveitos, custos e impostos devido por cada uma das empresas.
23. Conforme Termo de Declarações de 200 7/03/06, o Sr. U…………, declarou que:
- A Z………., Lda é uma empresa de investimento em terrenos, edifícios, equipamento, maquinaria, vinhas e quaisquer plantações agrícolas com vista a lazer, entretenimento e actividades turísticas. Nos anos de 2003 a 2006 a Z………., Lda não teve quaisquer proveitos.
- A V…………., Lda desenvolveu as propriedades de Z………., Lda. e esta não tem pessoal, estando todo o pessoal afecto à V…………., Lda;
- As receitas declaradas na contabilidade da V………….como apanha de uvas, alfarrobas, azeitonas, cortiça são obtidas/apanhadas nos terrenos arrendados por Z……….
24. A 2007/03/2 7 foi enviado a este serviço por e-mail, adicional Termo de Declarações, em que é declarado a existência do contrato de arrendamento rural do prédio rústico, destinado a plantação de vinha, registado sob o artigo matricial n. ° …….., entre as empresas Z………., Lda e V…………., Lda,
25. Nos Termos de Declarações de 2007/03/06 e de 2007/03/27 não é indicado qual a entidade que efectuou a produção de vinha, e valorização da mesma não consta da contabilidade de 2003 a 2005, quer da Z………., quer da V…………., sendo que é indicado que a produção será vendida na totalidade à Z………., conforme consta das declarações de colheitas declaradas pela mesma à Comissão Vitivinícola Algarvia.
26. Relativamente ao ponto 15 do Termo de Declarações de 2007/03/06, quanto à questão colocada da indispensabilidade dos custos contabilizados na Z………., não foi dada qualquer justificação, nem no Termo de Declarações de 2007/03/27.
C - Conclusões:
27. Das informações e elementos recolhidos, da verificação in foco do investimento da empresa Z………. Lda e da consulta ao sistema informático da Direcção Geral de Impostos, verificou-se nos anos em apreço que:
- A empresa Z………., em sede de IRC, contabilizou apenas custos e não declarou proveitos decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, e em sede de IVA não declarou operações tributáveis sujeitas a imposto e dele não isentas.
- A empresa Z………., Lda não tem pessoal afecto conforme declarações do sócio-gerente.
- A empresa V…………., Lda — desenvolve., ou seja, explora terrenos agrícolas cuja propriedade é da empresa Z………., Lda e vende produtos agrícolas extraídos dos referidos terrenos, tendo a Z………., Lda omitido a existência de um contrato de arrendamento rural, isento de IVA, nos termos do n° 30 do art.° 9º do CIVA.
- Salienta-se que a Z………., Lda não declarou até à data, quaisquer transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas realizadas, decorrentes de actividade normal da empresa, apenas declarou no 2º T de 2006, como operação activa a venda de imobilizado que corresponde a uma retoma de máquinas, efectuada ao respectivo fornecedor (conforme fax do fornecedor, o qual faz parte integrante do Processo de Evidência de Trabalho).
- Com excepção do que respeita ao estábulo e armazém agrícolas, (dos quais a Z………. declara não obter proveitos), não existem quaisquer licenciamentos, nem sequer o requerimento dos mesmos às entidades oficiais, quer para a construção dos imóveis e acessos, quer para a utilização turística das infra- estruturas construídas e equipamentos adquiridos, que é o objecto social da empresa Z………. e a actividade pela qual se registou em sede de IVA
- Relativamente ao estábulo e armazéns agrícolas, verificou-se in loco a presença de cavalos e máquinas em funcionamento na adega construída junto do armazém agrícola. Conclui-se que estes equipamentos também não estão a ser explorados pela Z………., Lda, na medida em que esta não declara quaisquer proveitos derivadas destas actividades.
28. Sobre esta matéria, foi emitida pela Direcção de Serviços de Imposto sobre o Valor Acrescentado (DSIVA), a Informação no 1255 de 2007/03/20 com Despacho Concordante do Subdirector-Geral a 2007/03/27, da qual se transcreve as conclusões: — (...) verifica-se que os custos suportados na aquisição os terrenos e imóveis assim como os custos suportados nas referidas obras não tiveram como consequência a realização de operações tributadas, porque, apesar de o sujeito passivo manifestar a sua intenção de exercer uma actividade turística que confere direito à dedução, o certo é que tal actividade nunca foi, efectivamente iniciada não possuindo quaisquer licenciamentos, nem tão pouco demonstrando os ter solicitado.
Assim sendo, somos de opinião que o sujeito passivo não possuiu legitimidade para efectuar a dedução do IVA suportado na construção de imóveis com base numa hipotética actividade turística pelo que o reembolso não merece deferimento.
29. Atendendo aos factos descritos, considera-se que o imposto suportado pelo s.p. em apreço foi indevidamente deduzido porque no contribuiu para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas (...)
30. Verificou-se ainda a falta de liquidação de IVA no montante de € 4.592, 70, nos termos da alínea a) do art.° 1°, art.s 17° e 18° e alínea) a) do n° 1 do art.° 32° do RJTI referente à taxa normal de 21% relativo à aquisição intracomunitária de bens (AICB) à empresa …………. Ltd, com o VAT GB ………….., no 1° Trimestre de 2005, no valor de € 21.870,00, referente à aquisição de uma máquina e respectiva instalação, de acordo com o fax enviado pelo s. p., que junto se anexa. A referida AICB e o respectivo IVA não estão contabilizados na Z………., Lda., pelo que se propõe a liquidação de IVA à taxa normal (21%), em falta no período 05-03T: €4. 592,70.
Conforme informação constante do sistema informático do VIES — Trocas Comunitárias, consta a AICB no montante de 15.620 libras e a taxa de câmbio 286,948, resultando em euros o montante de € 22.357,00, contudo a factura envida pelo s. p. datada de 11/02/2005 indica o valor global de € 21.870,00. Esta factura indica o valor de aquisição da máquina no montante de € 21.000100 e o serviço de instalação da referida máquina no montante de € 870,00, sujeito a liquidação de IVA à taxa normal em Portugal, nos termos da alínea a) do art. ° 1°, art. ° 2°, art. ° 8°, n° 2 do art. ° 9°, art.s 17°, 18° e 28° do RITI, cabendo a responsabilidade da liquidação ao adquirente Z………., nos termos dos arts. 23°, 24° e 28° RITI, conjugado com a alínea g) do n°7 do art.° 2° e art.° 29° do CIVA.
31. De acordo com os factos descritos no ponto 15, foi detectada a existência de um contrato de arrendamento rural celebrado entre Z………., Lda e V…………., Lda sobre o prédio rústico sito em ……….. da freguesia de Salir, concelho de Loulé, inscrito na matriz sob o artigo matricial …….., propriedade de Z………., Lda, sendo que no referido contrato é indicado que o Imóvel se destina à plantação de vinha regional.
Apesar de não estar contabilizado foi admitida pelo s. p. a existência de tal contrato, conforme Termo de Declarações de 20077(4/06, após a informação prestada pelo Instituto da Vinha e do Vinho sobre a existência do mesmo.
A V…………., Lda obteve produção de vinha recolhida nesse imóvel conforme Declarações de Colheita de 2004/2005/2006 apresentadas na Comissão Vitivinícola Algarvia.
Perante estes factos, não há qualquer dúvida sobre a veracidade da operação económica de arrendamento rural deste imóvel.
Consideram-se rendimentos de imóveis não declarados, nos termos da alínea b) do n°1 do art. ° 20° do CIRC: as rendas decorrentes do Contrato de Arrendamento Rural do imóvel rústico inscrito na matriz sob o artigo …………, adquirido pela Z……….em 2001.
No referido contrato não há referência ao IVA. Nos termos do n° 30 do art. ° 9° do CIVA, a locação de imóveis encontra-se isenta de IVA. Concordante, o Oficio Circulado n° 30022 de 2000.06.16, da DSIVA, afirma que a locação de terrenos agrícolas está isenta de IVA.
Tratando-se de uma operação isenta de IVA, o IVA referente a qualquer aquisição de bens ou serviços relativo a este imóvel não poderá ser deduzido, nos termos do n° 1 do art. ° 20° do CIVA.
32. Face ao ponto anterior, comprovou-se que a Z………. exerceu nos anos em apreço a actividade de arrendamento rural de imóveis rústicos, operação económica isenta de IVA, nos termos do n° 30 do art. ° 9° do CIVA.
33. Considerando que para o exercício da actividade de arrendamento rural apenas serão necessários os imóveis objecto de arrendamento e os custos de natureza geral, despesas administrativas, custos financeiros e os custos com fornecimentos e Serviços Externos, tais como: serviços de contabilidade, honorários de advogados, e considerando que não foi possível comprovar o exercício de qualquer outra actividade, conclui-se que os custos de 2003, 2004 e 2005, descriminados no seguinte quadro, não são comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, nem para a manutenção da fonte produtora, nos termos do art. ° 23° do CIRC, e por conseguinte não deverão ser aceites fiscalmente propondo o seu acréscimo ao Lucro Tributável em cada ano.
(…)
IV— Motivos e exposição dos factos que implicam recurso a métodos indirectos:
Em sede de IRC:
Face ao facto descrito dos pontos 15, 16, 23 e 24 do capítulo anterior, apurou-se a omissão de rendimentos de imóveis, nos termos da alínea b) do n° 1 do art.° 20° do CIRC, resultante da operação económica de arrendamento imobiliário, decorrente do contrato de Arrendamento Rural omitido do Imóvel rústico inscrito na matriz sob o artigo ……….., celebrado entre as empresas Z…………,, Lda e V…………., Lda, em 2000.
Este imóvel foi adquirido pela empresa Z…………,, Lda em 2007 e contabilizado no imobilizado da mesma na conta 42707103 pelo montante de € 716.753,72, como se pode visualizar nos balancetes. No ponto 7 do contrato é indicado que o prazo de arrendamento é de 6 anos, e por conseguinte está em vigor nos períodos em análise (2003, 2004 e 2005).
Quanto ao valor das rendas anuais indicadas no ponto 2 do contrato, no montante de € 498,79 (cem mil escudos), considera-se que não obsenia o princípio da plena concorrência nos termos do art. ° 58° do CIRC e Portaria n° 1446-C/2001 de 27 Dez, nos quais são estipuladas as regras gerais:
- o preço praticado numa operação entre empresas relacionadas, ou em situação de relações especiais, deve ser o preço que seria praticado entre empresas independentes em operações comparáveis e em circunstâncias similares;
- As entidades pertencentes a um mesmo grupo são tratados como empresas distintas e não como um todo.
Quanto às relações existentes entre as duas empresas e o respectivo sócio- gerente, cumpre informar que, nos anos em apreço, afigura-se existir relações especiais nos termos do n° 4 do art. ° 58° do CIRC, suas alíneas a) e d), conforme informação recolhida das matrículas comerciais registadas na Conservatória Comercial de Albufeira (...)
Cumpre ainda informar que de acordo com o ponto 4 do Termo de Declarações de 2007103106, foi o sócio-gerente inquirido sobre a Explicitação das relações económicas entre Z………. e V…………., Lda relativa aos débitos e créditos, por contrapartida de entradas e saídas das contas de banco, contabilizados na:
i) Z………., Lda registados na conta de outros devedores e credores 26803 — V…………., com um saldo devedor de € 587.370,76 em 2003, € 79.685,27 em 2004 e € 968.506,02 em 2005;
ii) V…………., Lda registados na conta de outros devedores e credores 26801 — Z………., Lda, com um saldo credor de € 587.370,76 em 2003, € 172314,45 em 2004 e €208.820,87 em 2005.
A resposta a esta questão foi prestada no Termo de Declarações de 2007/03/27, indicando que se referem a pagamentos e recebimentos efectuados por uma empresa por conta da outra empresa. Não se indica, todavia, a natureza das operações.
Não obstante no Termo de Declarações de 20007/03/27 declarar não ter conhecimento dos administradores/gerentes da S.........., de acordo com o Termo de Declarações de 2007/03/06, o Sr. U………. declarou ser o sócio maioritário da empresa S............. SA, que se trata de uma off-shore (ou seja, uma empresa não residente sem estabelecimento estável), sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, que constam na região n° 81 da Portaria n°750/2004 de 13 Fev — Lista dos países, regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favorável.
Verificou-se ainda que os suprimentos contabilizados nas contas de sócios 255902- S......... Ltd e 255907- U……….., têm como documentos de suporte os extractos bancários e documentos bancários de transferências que têm como ordenante — U……… sendo o valor da transferência repartido na contabilidade pelas contas 255902 e 255907 pelas percentagens nas quotas detidas por S........ e U……….., conforme documento que se junta a título exemplificativo.
Quanto ao preço comparável de mercado, foi solicitada informação sobre contratos de arrendamento rural e cedência de terrenos agrícolas no concelho de Loulé, à Direcção Regional de Agricultura, a qual forneceu em Abril de 2007 diversos contratos, constantes do processo de evidência de trabalho, tendo-se reunido a informação relativa a vinte e cinco contratos de arrendamento rural de imóveis rústicos localizados no concelho de Loulé para exploração agrícola, celebrados entre entidades não relacionadas. (...)
O valor de € 498,80 da renda anual indicada no contrato da empresa Z………. Lda, ao arrendamento de 200.000 m2 de um terreno agrícola, cujo artigo matricial n°………., consta na contabilidade na conta 42107103 no montante de € 116.753,12, como se visualiza, é inferior ao preço normal de mercado, ou seja, o valor de € 24,94 do contrato da Z………. é inferior ao valor médio apurado por hectare (ha) face à informação reunida, e considera-se que o valor da operação difere dos que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes.
Face ao exposto no capitulo anterior, considerando a manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado do serviço de arrendamento rural nos termos do disposto no art.º 58° do CIRC, e nos termos da alínea d) do art.º 88° da Lei Geral Tributária (LGT), considerando a apresentação continuada de prejuízos fiscais nos termos da alínea e) do art. 87° da LGT, propõe-se que o valor dos proveitos de rendimentos de imóveis omitidos seja determinado por métodos indirectos nos termos das alíneas c) e d) do art.° 90° da LGT, face à impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da operação económica de arrendamento rural.
IV— Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos:
Atendendo aos seguintes pontos:
- O imóvel rústico ……… foi adquirido pela Z………., Lda em 2001. Foi contabilizado no imobilizado dessa empresa na conta 4210170$ pelo montante de € 716.75312, como se pode visualizar nos balancetes).
- Não foi registada contabilisticamente a operação económica sobre activos da Z………., isto é, esta empresa não contabilizou quaisquer rendimentos de imóveis. Foi contudo, detectado um contrato de arrendamento rural celebrado entre Z………., Lda e V…………., Lda, sobre o imóvel rústico ……. referido no ponto anterior.
- O sócio-gerente admitiu que a empresa V…………., Lda obteve receitas da venda de produtos recolhidos de terrenos da propriedade da empresa Z………., Lda;
- A empresa V…………. entregou a entidades oficiais declarações de colheita de vinha extraída de imóvel rústico registado sob o artigo matricial ………. pertencente à propriedade de Z………., Lda;
- A empresa V…………., Lda não tem quaisquer imóveis, e foi declarado pelo sócio-gerente a inexistência de acordos de custos/proveitos ou cedências de exploração;
- A existência de relações especiais entre as empresas V…………., Lda e Z………., Lda, sendo que são entidades relacionadas, mas juridicamente distintas, conforme demonstrado no capítulo anterior;
- No ponto 1 do contrato acima referido é indicado que o prazo de arrendamento é de 6 anos, e por conseguinte está em vigor nos períodos em análise (2003, 2004 e 2005) e está a ser utilizado para plantação de vinha;
- O valor declarado no contrato é inferior ao preço normal de mercado, conforme demonstrado no capítulo anterior, e por conseguinte a operação não observa o princípio da plena concorrência;
- A especificidade e a localização da operação não permite estabelecer um grau apropriado de comparabilidade com operações não vinculadas (outros contratos). Considera-se que o método mais adequado e apropriado para a determinação do preço da operação em causa será o método do custo majorado, previsto no art. ° 8° da Portaria n° 1446-C/2001, de 21 Dez, conjugado com o art.° 58° do CIRC. Assim sendo, o valor da operação resulta da soma do valor declarado de renda no contrato de arrendamento com os custos afectos à actividade e aceites fiscalmente, expurgados dos custos financeiros. (...)
Propõe-se o acréscimo ao Lucro tributável de cada ano, os valores estimados de rendimentos de imóveis de €7. 671,15 para 2003, €7. 575,67 para 2004 e €76.372,77 para 2005.
Desta estimativa de proveitos, resulta uma margem sobre o custo de cerca de 6,95% para 2003, 7,71% para 2004, e 3,14% para 2005, que se considera razoável para a localização e especificidade da operação.
Foi utilizado como factor de majoração aos custos para cálculo da margem acima referida, o valor declarado pelo s. p. no contrato de arrendamento, em detrimento da margem média de lucro bruto praticada no distrito de Faro, sobre o custo dos fornecimentos e serviços externos, que resulta do rácio 17 do sistema informático da DGI para a actividade económica de arrendamento de bens imobiliários CAE 70200, de 53,68% para 2003, 17,67% para 2004 e de 16,92% para 2005 que, dadas as circunstâncias em que se desenvolve a actividade (arrendamento rural), nos parece elevado para o presente s. p..
Nos termos do n° 11 do art. ° 58° do CIRC, conjugado com o n° 7 dos art.º 17° e 20° da Portaria 1446-C/2001, de 21 Dez, a Direcção de Finanças de Fato deverá proceder ao ajustamento correlativo nas declarações fiscais da empresa V…………., Lda, que resulte das correcções propostas neste capítulo à empresa Z………., Lda.
(...)
IX— Direito de Audição. Fundamentação
O s. p. foi notificado para no prazo de quinze dias exercer o direito de audição nos termos dos artigos 600 da Lei Geral Tributária (LGT) e 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) do projecto de correcções de inspecção tributária, pelo oficio n° 5889 com carta registada a 2007-05-25.
O s. p. exerceu por escrito o direito de audição a 12/06/2007 (...)
Face ao exposto, considera-se que as alegações do s. p. no direito de audição não poderão ser atendidas, propondo-se que as conclusões do projecto de correcções transitem para o presente relatório e que seja remetida a informação Externa (elaborada nesta data com base no presente Relatório) sobre os pedidos de reembolso dos períodos 03-06T e 05-031 a enviar à DSCIVA.» (cfr. fis. 231 a 262 dos autos);
G) Em 9-7-2007 foi emitido pelo Director de Finanças o seguinte despacho:
«Concordo. Proceda-se como se propõe.» (cfr. fls. 231 dos autos);
H) Em 12-7-2007, através do ofício n° 18520, foi comunicado à Impugnante o Relatório de Inspecção Tributária e o despacho que sobre ele recaiu (cfr. fls. 228 dos autos);
I) No dia 16-8-2007, a Impugnante apresentou um pedido de revisão da matéria colectável (cfr. fls. 263 dos autos);
J) Em 11-9-2007, através do ofício n° 23439, foi comunicado à Impugnante a decisão do pedido referido na alínea anterior (cfr. fls. 279 a 299 dos autos);
L) Em 14-8-2007 foram enviadas as liquidações de IVA à Impugnante (cfr. fls. 300 a 323 dos autos);
M) Em 28-2-2008 a lmpugnante apresentou junto do Serviços de Finanças de Albufeira —Reclamação Graciosa (cfr. fis. 315 a 317 dos autos);
N) Em 19-3-2008 foi feita informação a propor o indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 315 a 317 dos autos);
O) Em 20/03/2008, o Chefe de Serviço de Finanças emitiu o seguinte despacho: «- Confirmo. Face à informação dada, sou de parecer que o pedido deverá ser indeferido pelas razões expostas».
Mais ficou consignado, a título de «Motivação da decisão de facto» que a convicção do Tribunal assentou «na documentação junta com os articulados, no processo administrativo junto aos autos e no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência contraditória.
A testemunha - ……….., em suma, referiu que, houve um procedimento de análise interna do 20 trimestre de 2003, em sede de IVA, tendo contacto com a Contabilista para lhe pedir a nota justificativa do reembolso e alguns documentos comprovativos e foi-lhes enviado um fax onde se justificou que estavam a aguardar os licenciamentos da actividade e juntaram alguns recibos, tendo os mesmos na altura sido aceites e deferido o reembolso. Posteriormente houve um procedimento de inspecção externa em 2007 relativa aos exercidos de 2003, 2004, 2005. Acção externa só houve uma, foram à sede da empresa. Em sede de IVA apenas resultaram correcções técnicas, não houve métodos indirectos relativos a IVA. Começaram por analisar os documentos e fizeram uma análise no local, em Salir, para ver o que estava construído e verificaram que estavam construções não concluídas, havia uma piscina, um armazém, uma adega, uma estrada, não havia qualquer actividade a ser desenvolvida, não se encontrava lá ninguém no local das obras. Entre 1996 e 2007 não declarou quaisquer rendimentos, nem qualquer actividade exercida. Indagaram junto da Contabilista e com o sócio-gerente, mediante reuniões que estão documentadas no processo. Indagaram também junto das entidades oficiais o que haveria de licenciamentos para aquele local, algum projecto agrícola, etc, a Câmara informou que na altura, até 2007, não tinha entrado nenhum pedido de licenciamento para empreendimento turístico ou agrícola por parte da empresa em casa, mas tão só para um armazém e um estábulo. Apenas sabiam da existência de produção e colheita de vinho em nome da V………….que resultava de um artigo matricial da propriedade da Z…………, mas que é um sujeito passivo independente. As correcções foram feitas porque havia deduções de IVA e pedidos de reembolso, mas que não derivavam de qualquer actividade, porque a mesma nunca foi declarada e o próprio gerente afirmou que só tinha pessoas afectas à V………….. Só mais tarde verificaram que havia um contrato de arrendamento rural entre as duas empresas que não havia sido contabilizado. Esta actividade está isenta, logo não pode haver deduções relativamente a essa actividade, nem relativamente ao imóvel que foi adquirido, pois numa compra e venda apenas está em causa IMT. E no contrato nada diz sobre concessão de exploração para vinha, aquisição de materiais. Até 2007 não tem dúvidas de que a Z…………, não tinha qualquer actividade, excepto o arrendamento rural. A depoente disse que só aplicaram os métodos indirectos nos casos em que não foi possível pela avaliação directa. Em sede de IRC, verificaram o lucro e concluíram que estavam formalmente contabilizados, excepto a contabilização do contrato de arrendamento.
Para aplicação de métodos indirectos basta a insuficiência, nomeadamente, o contrato de arrendamento não estava. Havia requerimento para construção de armazém e estábulo, mas requerimento para exploração não conseguimos obter informação. Até 2007 os elementos que foram entregues à Administração Tributária foram só de construção destes, nada mais. Todos os elementos relativos a exploração, era relativos à V………….. Relativamente à relação entre estas duas empresas, porque havia transferências avultadas de uma para outra, verificou que a Z…………, tinha todos os imóveis e equipamentos e a exploração era feita pela V………….. Perguntado ao sócio-gerente qual a relação entre elas, o mesmo disse que não havia nada. Depois verificou então que havia um arrendamento rural entre ambas.
A testemunha ……….., em suma, referiu que, o que estava construído era diferente do que havia sido licenciado. Havia obras de ampliação. O depoente foi contratado para fazer a legalização do que havia sido feito no terreno. O depoente, explicou o que vai ser o projecto — ………, com restaurante com prova de vinhos, não vai ter alojamento é um projecto sem fins imobiliários, mas agro-turismo adaptado ao turismo natureza com produção de vinho. Mas neste momento apenas está na CM um projecto de alterações de uso de armazém para adega e de ampliação da ala estábulo. Estão pessoas a trabalhar no local, foram contratados topógrafos, projectistas, engenheiros, enólogos, advogados, economistas, mas no âmbito do projecto. Em 2007, o que havia era produção de vinho, mas não sabe quem explorava. Depreende que seja a Z…………, pois foi a empresa que o contratou mas não sabe com certeza. Sabe que em 2007 ainda não tinha sido entregue o pedido para exploração de vinho. Sabe que a partir de 2007 houve pessoas a trabalhar na exploração do vinho, antes não sabe.
A testemunha ……………, em suma, referiu que, é funcionária da V………….desde Setembro de 2007 que explora os terrenos da Z…………,. As construções e os terrenos são da Z…………, e como os licenciamentos não foram ainda conseguidos, optou- se por criar outra empresa para explorar os terrenos, porque tem isso no seu objecto social. O objectivo final da Z…………, era de empreendimento turístico - adega, restaurante — o investimento foi feito mas ainda não podem trabalhar por falta de licenciamento. A ideia seria proporcionar um turismo rural, já que têm cavalos, um trajecto aprovado, proporcionar um aldeamento turístico. Os funcionários que estão no terreno são todos da V………….. Foi feita uma estrada de acesso em alcatrão e uma ponte de acesso, feito tudo pela Z…………, Antes da V………….existia a Z…………, e os funcionários passaram de uma empresa para a outra. Investiu sempre na formação dos funcionários. Desde 7996 até 2006, o investimento foi a nível dos edifícios. Não havendo licenciamento porque não podiam laborar. Até 2003, não houve actividade da Z…………,. Hoje continua a não ter actividade, mas sim a V………….. Antes de 2007, não sabe nada sobre os funcionários. Nem se havia contratos entre a V………….e a Z…………, antes de 2007. A testemunha T………, em suma, referiu que, é funcionário da V………….desde 7/09/2004. O projecto que está em causa, trata de várias áreas, agricultura, turismo, ajudar a comunidade local.
Aquisição de terrenos e aquisição de imóveis. O projecto é de antes do ano de 2000. A Z…………, começou por adquirir terrenos e contratar pessoas ali do local, Fizeram limpezas, instalaram vinhas, recuperaram árvores que existiam lá. A Z…………, não começou ela a desenvolver projecto turístico porque não tinha licença. O que lá há é um percurso pedestre, tem cultura de cogumelos, vinha, mel, medronhos. É o mesmo projecto, mas a Z…………, dedica-se à parte do turismo e a V………….à exploração da agricultura. Havia colegas que tinham trabalho para a Z…………, e depois passaram para a V………….. Faziam cursos de formação em agricultura e também em primeiros socorros.
Houve um investimento avultado, a Z…………, quer ainda exercer a actividade, só estão à espera de licenciamento. Em 2004 a 2006, a Z…………, não podia fazer nada pois não tinha licenciamento. Mas foram sendo construídos os equipamentos, só faltava o licenciamento.
A testemunha …………, em suma, referiu que, não conhece a Z…………,, mas sim a V………….. Conheceu o Sr. U…………. Foi Presidente da Junta de Freguesia de Salir e teve conhecimento da criação da empresa, do projecto. Teve algumas reuniões onde se falou da compra das casas antigas que lá estavam no local. Também teve conhecimento que se dedicavam à apicultura. O projecto sempre foi apresentado para desenvolvimento da produção da vinha, do mel, extracção de cortiça e de azeite. Depois deixou de ter contacto com o Sr. U………. Nunca foi ao local e sempre falou com — V…………., não sabia que além deste nome tinha também o nome de Z…………,. A componente turística deveria ser algo que viesse talvez por acréscimo, não como objectivo principal.
A testemunha …………., em suma, referiu que, inicialmente era conhecida como V………….e que mais tarde veio a chamar-se Z…………,. Quando fizeram os recibos de quitação dos patrocínios ficaram a saber que tinham de ser passados a essa empresa. Dedicava-se à agricultura e ao turismo. Têm exploração de vinha e de mel. Sabe que houve contratação de pessoas de Salir para trabalharem no local. Tem conhecimento apenas como cidadão de Salir, que sabem que fizeram todo aquele investimento e ainda não têm licenciamento. É uma pena para a Freguesia que ainda não esteja ainda a laborar. A actividade de agricultura é bem vinda para esta zona, para os trabalhadores que já lá estão e que poderiam ainda ter mais. Sempre existiu nesse local uma actividade agrícola, mas actividade de compra e venda de imóveis, não.
A testemunha ……………., em suma, referiu que, trabalhou para a Z…………, desde 2001. Sempre lhe foi dito que o empreendimento que implicava algumas construções para a actividade futura de turismo. Fez o projecto inicial de alguns edifícios e acompanhou a construção de alguns. Havia algumas ruínas no local. Demorou muito tempo, porque as instituições são demoradas, o facto de estar inserida em Rede Natura, e o projecto era muito complexo, não podia estar pronto de um dia para o outro. Houve alterações ao projecto, nomeadamente ao nível de pisos, mas não foi pedido projecto de alterações na altura para isso. Sempre, desde o início foi explicado que o objectivo era o turismo, alugar cavalos, provas de vinhos, um restaurante. Fez alguns estudos para restaurante, mas em 2004 não sabe se estava concluído. Foi feito algum desenvolvimento de actividade. Passeios pedestres e alugueres de cavalos, embora não consiga precisar se foi nos anos de 2003 a 2005. Foi inclusive contratado um — Chef para depois vir a trabalhar no restaurante.
A testemunha ……….., em suma, referiu que, trabalhou para a Z…………, na construção de um picadeiro em 2006. A Z…………, pretende desenvolver um turismo de meio rural. Fez também um parque para cavalos e havia também uma zona para merendas num percurso pedestre. Neste momento, o que já existe está pronto a funcionar. Não sabe porque é que ainda não foi licenciado. Actualmente, tem havido sempre um cuidado para não baixar os braços e os terrenos têm sido cuidados, mantidos diariamente sempre com a ideia que vão conseguir exercer a actividade. Houve muitos investimentos. Chegou a ver o tratador de cavalos, mas clientes, para utilizar os cavalos não viu. Nunca viu ter qualquer actividade turística, só agrícola. O espaço físico era o mesmo. Sempre ouviu falar em — V………….ll e só ouviu Z…………,, quando em 2006 foi trabalhar para lá. Mas — V………….ll era também o nome do local, não sabia que era empresa.
A testemunha ……………., em suma, referiu que, há um investimento enorme, com grande potencial, mas é uma pena que o processo esteja bloqueado. O projecto tem uma vertente turística e agrícola. Fez um estudo sobre a biodiversidade do local, a fauna, etc, também com o objectivo de turismo. Fizeram lá percursos pedestres. Os investimentos que se fizeram foi de produção e exploração de mel, vinho, cortiça, restaurante. Neste momento têm todas as infra-estruturas no terreno mas não têm licenciamento. Sabe que há trabalhadores da zona da freguesia, mas não conhece pessoalmente. Só conhece o projecto a partir de 2006.
Nessa altura havia já um picadeiro, mas não havia actividade. Os passeios pedestres foram da responsabilidade da Associação Almargem, apenas utilizavam o local, tais percursos pertenciam à actividade dessa Associação.
A testemunha ………….., em suma, referiu que, para além da vertente agrícola, se queria uma unidade de alojamento e de restauração. Desde 2006 que começou a haver lá actividades de formação de apicultura. Os investimentos, foram a vinha, a adega, o armazém, a zona do restaurante, de celeiros e de escritórios. O estudo que fez para a V…………., foi em 2006/2007. Participou em percursos pedestres organizados pela Associação Almargem no local.
A testemunha ……….., em suma, referiu que, já prestou serviços, mas não sabe se foi para a V………….ou Z…………,, já vendemos alguns adubos, levantamentos de cartografia, relacionados com floresta, no âmbito de produtos para os solos. Os contactos foram a partir de 2006. No geral o empreendimento visa a agricultura e também turismo. Já visitou o local e há grandes investimentos em termos de infra- estruturas e a criar postos de trabalho. Nunca viu turistas lá. As infra-estruturas estão lá, mas não há actividade. O fundamento de não passagem para caça pelo terreno prendia-se com a actividade de turismo que se pretendia desenvolver.
O processo de —não-caça foi decorreu entre 2006 e 2008 e não foi deferido porque foi exigido um n° de contribuinte português e isso não foi conseguido.
A testemunha …………., em suma, referiu que, nunca ouviu falar com a Z…………,, apenas V………….Foi feito um protocolo em 2008 entre a V………….e a Universidade do Algarve para um trabalho de investigação na área da apicultura. Deslocou-se uma vez ao local em 2007 e visitou as colmeias e viu uma adega e um edifício que seria um restaurante, uma vinha. Não viu nada a funcionar. Não lhe foi dada qualquer informação sobre a actividade da empresa. A empresa acabou por terminar o protocolo que seria por 3 anos, ao fim de 2 anos, porque a mesma estava com dificuldades em pagar.
A testemunha X……………, em suma, referiu que é 100 da empresa Z…………,. Houve um pedido de reembolso e houve uma fiscalização nos escritórios da empresa. O objecto da empresa é a compra e construção de propriedades e empreendimentos turísticos, exploração de hotéis restaurantes e outras actividades turísticas. O projecto é para construção de um hotel e actividade turística. Inicialmente o projecto era da Z…………,, a ideia era a construção de um Hotel num monte lá no sítio da V…………., mas nunca se conseguiu a autorização para a construção de acessos — uma ponte e uma estrada ao mesmo. Foi então aconselhado a que a exploração do local seria mais fácil, se fosse agrícola, como se exigia como gerente um agricultor, foi necessário constituiu a V………….que tem vindo a ter proveitos apenas da exploração dos cavalos. A Z…………, até ao momento não tem actividade, ainda não conseguiu desenvolver qualquer actividade. A Z…………, ficou com os grandes investimentos, ficou com 2 milhões e 600 mil de imobilizado, A Z…………, ficou com as infra-estruturas e a V…………. com a exploração agrícola. Desde 1996 até ao início da actividade da V………….— 1999 - foi onde houve a maior parte dos investimentos, em que ainda não havia a outra empresa. A partir daí todas as facturas tinham que ter o nome da empresa, pelo que a contabilidade era separada, não se podia fazer o lançamento contabilístico nas duas empresas. Os terrenos foram sendo comprados aos poucos, por parcelas. Não tem ideia quando foram feitos os investimentos nas inftaestruturas. A Z…………, ainda espera vir a conseguir desenvolver a actividade. É usual as empresas fazerem investimentos antes de começarem a laborar e as finanças costumam aceitar os pedidos de reembolso de IVA, pois primeiro há investimento e depois o proveito. A empresa Z…………, ainda não teve qualquer proveito, mas sempre tiveram despesas e como são antes do início da actividade, são reembolsos e não deduções ao IVA. Para poder deduzir o IVA é preciso haver facturas mas também operações activas, mas estas só são feitas quando o sujeito passivo começar a laborar. Normalmente, os tais reembolsos, normalmente de investimentos, são durante 2/3 até 5 anos desde que uma empresa é constituída até começar a laborar. A empresa nunca liquidou IVA».
Mais ficou exarado na sentença recorrida que «Não ficou provado que a Impugnante tenha tido actividade durante os anos de 2003, 2004 e 2005».
Por relevante para a decisão dos autos e documentalmente comprovado, acorda-se em aditar ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.° do Código de Processo Civil a seguinte factualidade:
P) A Impugnante foi objecto de um procedimento de Inspecção, designado pela Administração Tributária como “Procedimento Interno de inspecção” que se mostra materializado de fls. 588 a 592 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
*

2.2.- Motivação de Direito

O presente recurso de revista vem interposto de um Acórdão do TCA Sul ao qual a recorrente atribuiu os seguintes vícios:
i) -erro de julgamento no que toca à questão da natureza da inspeção efetuada aos 1.º e 2.º trimestres de 2003 e no que toca à questão da legalidade do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável;
(ii) -nulidade processual no âmbito do recurso que deu origem ao acórdão recorrido, por não ter sido notificada para se pronunciar sobre a ampliação da matéria de facto que nele foi realizada; e
(iii) - nulidade processual por falta de reenvio prejudicial para o TJUE antes da prolação do acórdão recorrido.
Como o acórdão de admissão da revista estabelece, relativamente à questão do "dever de observância do contraditório quando, em sede de recurso, o tribunal procede à ampliação da factualidade provada à revelia das partes, prolatando uma decisão surpresa a nível de julgamento de matéria de facto", não se conhece pronúncia expressa desta Secção do STA sobre o assunto.
Também no que concerne à matéria relativa à natureza das inspecções tributárias e à legalidade do recurso à avaliação indirecta, verificou-se a necessidade da clarificação de conceitos e "a necessidade de compatibilizar o regime jurídico da determinação da matéria tributável por métodos indirectos com o regime jurídico dos preços de transferência".
Finalmente, no que se reporta à nulidade processual por falta de reenvio prejudicial para o TJUE, o Acórdão de admissão refere jurisprudência consolidada sobre a matéria, arredando, pois, o seu conhecimento, mas sem prejuízo de, para o caso de se entender estarem subjacentes ao processo questões de Direito Comunitário prejudiciais ao conhecimento do mérito da causa, se aferir da necessidade do reenvio da presente acção para o Tribunal de Justiça da União Europeia.
Assim, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, bem como os que foram colocados no Acórdão que admitiu a revista, as questões nesta delimitadas e de que cumpre decidir segundo um critério de prius lógico, subsumem-se a saber se a decisão vertida no acórdão que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do TAF de Loulé:
i)- padece de nulidade processual no âmbito do recurso que deu origem ao acórdão recorrido, por não ter sido notificada para se pronunciar sobre a ampliação da matéria de facto que nele foi realizada, cuja verificação importará a anulação do processado predecessor daquele acto, incluindo o acórdão;
(ii) - padece de erro de julgamento no que toca à questão da natureza da inspecção efetuada aos 1.º e 2.º trimestres de 2003 e no que toca à questão da legalidade do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável; e
(iii) - se existe a necessidade de proceder ao pretendido reenvio.

Vejamos.

Da nulidade processual

Como desponta do probatório o tribunal a quo, decidiu que “Por relevante para a decisão dos autos e documentalmente comprovado, acorda-se em aditar ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.° do Código de Processo Civil a seguinte factualidade:
P) A Impugnante foi objecto de um procedimento de Inspecção, designado pela Administração Tributária como “Procedimento Interno de inspecção” que se mostra materializado de fls. 588 a 592 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.”
Ora, sustentam a recorrente e o Ministério Público junto deste STA que, no que tange à invocada nulidade processual, prevista no artigo 195º, nº 1, “in fine”, do CPC, aplicável “ex vi” artigo 2º, al. e) do CPPT, suscitada pelo facto de no TCA/S ter sido ampliada matéria de facto à dada como assente na 1ª instância – a que resulta da al. P), inserida a fls. 857-, matéria que era susceptível de influir na decisão da causa, não tendo sido observado o disposto no artigo 665º, nº 3 do CPC, ocorreu uma nulidade secundária, face às citadas disposições legais e que no caso se não mostra sanada, tendo em conta o presente recurso.
Propugna-se, então, que se providencie para que a nulidade seja sanada, devendo revogar-se a decisão sob recurso por ter sido preterida uma formalidade legal. E, uma vez sanada, deverá, em obediência ao princípio fundamental do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, conhecer-se do demais objecto do recurso.
A apontada norma supostamente violada por ter sido postergada uma formalidade legalmente imposta, ínsita no artigo 665.º, consagra a “regra da substituição ao tribunal recorrido” dispondo:
“1 - Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.
2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias”.
De acordo com a recorrente, em face do disposto no artº.665º, do C.P. Civil, será de aplicar no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição do Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição.
E, como vimos, a sua violação recairia sobre o estatuído no nº3, sustentando a recorrente e o Ministério Público que o tribunal “a quo” não poderia proceder à ampliação da matéria de facto sem previamente notificar as partes para se pronunciarem antes da prolação do Ac. Do TCA/S, nos termos do disposto naquele inciso legal, assim comprometendo a discussão do mérito da causa.
Está em causa, notoriamente, o princípio do contraditório e da ampla defesa, que, em Direito processual, é um princípio jurídico fundamental do processo judicial moderno. Exprime a garantia de que ninguém pode sofrer os efeitos de uma sentença sem ter tido a possibilidade de ser parte do processo do qual esta provém, ou seja, sem ter tido a possibilidade de uma efectiva participação na formação da decisão judicial (direito de defesa). O princípio é derivado da frase latina Audi altera partem (ou audiatur et altera pars), que significa "ouvir o outro lado", ou "deixar o outro lado ser ouvido bem".
Implica a necessidade de uma dualidade de partes, que sustentam posições jurídicas opostas entre si, de modo que o tribunal encarregado de instruir o caso e proferir a sentença não assume nenhuma posição no litígio, limitando-se a julgar de maneira imparcial segundo as pretensões e alegações das partes.
O certo é que, no nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº. 607º nº 5 do CPC: “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ª ed. 2001, p.175.
O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.
Acresce que, há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas, desde logo porque às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.
Por assim ser, «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.
Ademais, a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – vide AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.
Neste pendor, tal como em qualquer actividade humana, existirá sempre na actuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro. E, porque isso é inelutável, o que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.
O que passa, como ocorreu no Acórdão em que se aditou um facto com base em elemento documental que já estava adquirido nos autos, e não conheceu em substituição, antes julgou as “questões” invocadas na p.i. através da integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objectiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.
Note-se que nessa actividade o TCAS, ao ampliar a matéria de facto, respeitou a documentação que os autos forneciam o que dá um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que são racionalmente demonstráveis. Enfatizando-se que a livre apreciação não abrange os factos que estejam plenamente provados por documentos, como sucedeu no caso concreto.
E a actuação do tribunal “a quo” amparou-se no artº 662.º do CPC que atribui poderes de modificabilidade da decisão de facto ao TCA prevendo que este “…deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (nº1) e que deve, mesmo oficiosamente, “Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta” [nº2 al. c)] (sublinhado nosso).
Ora, como constitui doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstracta e genericamente, a argumentação que aduz em desabono da alteração/ampliação dos factos.
E, assim, querendo impor, em termos mais ou menos apriorísticos, a sua subjectiva convicção sobre a prova.
Porque, afinal, quem julga é o juiz.
Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efectivar uma concreta e discriminada análise objectiva, crítica, lógica e racional da prova, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.
A qual, como é de um modo geral aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.
E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida são de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.
Sendo que, repete-se, a intolerabilidade destas tem de estar demonstrada através de uma concreta e dilucidada análise hermenêutica de todo o acervo probatório produzido ou, ao menos, no qual se fundamentou a resposta.
O ónus de alegação e, portanto, a causa de pedir em sede de impugnação judicial do acto tributário por erro de facto sobre os pressupostos e quantificação do facto tributário é consequência do regime de ónus de prova a cargo do impugnante que, por sua vez, se determina pelo regime substantivo que enforma a relação jurídica controvertida e a que se reporta o pedido de anulação da liquidação de imposto no caso concreto.
Rege aqui o princípio geral estatuído no artº 342º nº 1 C. Civil - a parte que invoca o direito é onerada com a prova dos respectivos factos constitutivos - na medida em que a reacção contra o acto tributário para apreciação da sua correspondência com a lei no momento em que foi praticado é da iniciativa de quem exerce o direito de acção, ou seja, do autor da causa.
Consequentemente, a parte que deve exercer a actividade probatória relativamente aos factos que servem de fundamento à acção, de acordo com o princípio do dispositivo e sob pena de correr o risco de ver repelida a pretensão que deduziu em juízo é, precisamente, a parte que exerce esse direito de acção, no caso, de impugnação do acto tributário.
Assim, corria pela impugnante, ora recorrente, o encargo de demonstrar a realidade do facto alegado, melhor dizendo, o encargo de produzir prova de modo a atingir o grau de verosimilhança suficiente para formar a convicção de existência do facto que fundamenta a decisão de direito peticionada em Tribunal.
Ónus subjectivo que não preclude, atento o princípio da aquisição processual e do inquisitório, que a impugnante beneficie da actividade probatória alheia, seja da parte contrária, seja do Tribunal. Com os critérios legais da repartição do ónus de prova importa conjugar os critérios legais da eficácia probatória (regras probatórias fixadas em abstracto), na medida em que o ónus de contraprova ou carece de prova principal, a chamada prova do contrário em oposição à prova legal plena nos termos do artº 347º C. Civil, ou de simples contra-prova indirecta, nos termos do artº 346º C. Civil, bastando, neste caso, que a parte não sujeita ao ónus subjectivo lance a dúvida sobre os factos que ao outro incumbe provar.
De acordo com estes princípios, e sendo seguro que o ónus de prova da factualidade alegada na petição em vista da anulação da liquidação incumbia à Recorrente, a força probatória da documentação que ela agora suscita nas conclusões sob análise para se opor à ampliação do probatório, torna inquestionável a relevância e, por isso, a utilidade da indagação sobre as questões factuais que atrás se apontaram em resultado das alegações da recorrente.
Destarte, sobre a controvertida ampliação da factualidade pretendida pela recorrente, a mesma não é de atender, uma vez que o Acórdão fez uma correcta apreciação e análise da matéria de facto em apreço, fixando toda a factualidade com interesse para a decisão causa segundo as várias soluções de direito plausíveis, valendo-se dos elementos existentes nos autos e cujo valor probatório não era infirmável pela recorrente.
Acresce ser pacífico na jurisprudência e na doutrina o entendimento de que o artº. 13º do CPPT, como decorrência do princípio processual da proibição da prática de actos inúteis, conferem ao Juiz o poder discricionário de ajuizar da necessidade ou não da produção das provas oferecidas ou outras que, no seu prudente arbítrio, entendesse necessárias para a descoberta da verdade material.
O tribunal recorrido entendeu que os autos forneciam os elementos necessários para aditar a factualidade vertida na novel al. P) do probatório nos sobreditos termos e que, logicamente, entendeu que não devia ordenar a notificação do impugnante para sobre tal se pronunciar o que, para a recorrente e para o Ministério Público constitui uma violação da regra da substituição consagrada no nº 3 do artº 665º do CPC e pressupõe o seu entendimento de que, essa falta de ponderação constitui omissão de um acto que a lei prescreve e, por influir no exame e decisão da causa, configura nulidade, nos termos do nº1 do artigo 195º do CPC, incorrendo o mesmo também na violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3º, nº3, do CPC.
Nesse sentido, a falta da assinalada notificação da projectada ampliação da matéria de facto e a ponderação da argumentação que pudesse ser aduzida pelas partes só contenderia com o princípio do processo equitativo, por não ter tido, em termos efectivos, a oportunidade de influenciar a decisão do processo.
Por outro lado, e na vertente do contraditório, como refere o Prof. Lebre de Freitas [Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2013, pp. 124-125], «O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo».
Assim, só se impunha concluir que se perfilava a arguida nulidade processual se houvesse a susceptibilidade de determinar a anulação dos termos processuais subsequentes, face ao disposto no art.º 195.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, por estar em causa a omissão de um acto que a lei prescreve e que pode influir no exame ou na decisão da causa.
O certo é que a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade do facto inscrito na al. P) do probatório competia ao Tribunal, que, nos termos do disposto no art. 13.º do CPPT (disposição legal em vigor à data e que consagra o princípio do inquisitório pleno do Tribunal Tributário no domínio do processo tributário, relativamente aos factos alegados ou do conhecimento oficioso, princípio hoje constante do artº 99.º da LGT), deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade.
Certo também, que a relevância do facto inscrito na alínea P), no plano do direito material, resulta na existência de elementos no processo que, embora, por si só, não ditem solução diversa, a tornam altamente provável, sendo a própria lei que a subtrai à livre apreciação do juiz o facto controvertido que só podia ser provado por documento e estava plenamente provado por documentos para os quais a julgadora remeteu.
De todo o modo, a possibilidade de o Tribunal de recurso se “intrometer” no julgamento da matéria de facto, encontra-se delimitada pelo que estatui o artº 662º do CPC. Ora, como resulta, não só da epígrafe, mas do próprio teor deste artigo, o tribunal de recurso apenas tem a faculdade legal de alterar o julgamento de facto feito em primeira instância, pela decisão recorrida, pela sua reponderação, reexame ou mesmo anulação, no pressuposto que ocorrem circunstâncias de facto relevantes à decisão a proferir que não foram ou, foram desadequadamente, valoradas pelo Tribunal “a quo”.
Como doutrina Miguel Teixeira de Sousa in Estudos sobre o Novo Processo Civil, 415/416. (ainda que reportando-se ao correspondente artº 712º do CPC vigorante antes da última reforma) «A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar (e, portanto, substituir) a decisão da 1.ª instância em duas situações:- se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo havido gravação dos depoimentos prestados, o recorrente tiver cumprido o ónus de transcrição das passagens da gravação em que fundamenta o seu recurso (art.º 712.º, n.º 1, al. a));- se os elementos fornecidos pelo processo impuserem uma decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (art.º 712.º, n.º 1, al. b)). Nestes casos, os poderes da relação são usados no âmbito de um recurso de reponderação (porque não há elementos novos trazidos ao processo) e de substituição (porque esse tribunal substitui a decisão recorrida).
(...).
Numa outra das (...) modalidades de controlo sobre a decisão da 1.ª instância, a Relação pode alterá-la se o recorrente apresentar um documento novo superveniente que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que ela assentou (art.º 712.º, n.º 1, al. c) (...)) e pode determinar a renovação dos meios de prova que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade quanto à matéria de facto impugnada (art.º 712.º, n.º 3). Nestas hipóteses, o recurso atribui à Relação poderes de reexame (porque o seu julgamento assenta em elementos novos) e de substituição da decisão recorrida.
Finalmente, a Relação pode usar poderes de rescisão ou cassatórios e anular a decisão proferida em 1.ª instância. Pode fazê-lo sempre que repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta matéria (art.º 712.º, n.º 4, 1ª parte) isto é, quando se tenha verificado a omissão de julgamento de determinado facto ou quando, por analogia com disposto art.º 650.º, n.º, al. f), a Relação entenda que deve ser produzida prova sobre factos alegados pelas partes que não constem da base instrutória.».
Por outro lado, na senda de Jorge Lopes de Sousa, ainda que com referência ao art. 264.°, n.°3, do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.°180/96, de 25 de Setembro (vide, hodiernamente, os artigos 5º a 8º do NCPC em linha com os artigos 13º do CPPT e 99º da LGT), e passamos a citar, «ocorreu uma extensão dos poderes de cognição do tribunal em termos de este poder considerar na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária haja sido facultado o exercício do contraditório. Não se trata aqui de factos de conhecimento oficioso, pois o seu conhecimento pelo tribunal depende de uma actuação das partes, o que demonstra que, mesmo no domínio do processo civil as obrigações de alegação impostas às partes e os poderes de requerer a realização de diligências probatórias relativas aos factos alegados não é incompatível com a possibilidade de o tribunal atender a factos não alegados. De qualquer modo, parece que esta última ampliação dos poderes de cognição dos tribunais no domínio do processo civil, não poderá deixar de ser aplicada no domínio do processo judicial tributário, uma vez que os interesses públicos que neste estão em causa justificam, por maioria de razão, poderes de cognição ampliados» (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, nota 5 ao art. 13.°, págs. 119/120.).
Da concatenação de todo o exposto, resulta que deverá, pois, o Tribunal Tributário, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelos artºs. 13º do CPPT e 99º da LGT e 662º do CPC, indagar a ocorrência dos factos indicados com base nos pertinentes documentos de suporte que já existiam nos autos e de que as partes tiveram conhecimento e levá-los, sem necessidade de ouvir as partes, ao probatório que se impõe que seja elaborado por forma a contemplar essa factualidade, desde que relevante para decidir das questões (causas de pedir) suscitadas nos autos.
Significa que, neste conspecto, o artº 662º do CPC não é, na sistemática e logicidade hermenêuticas, aplicável quanto à decisão fáctica de valoração efectuada dos elementos probatórios já existentes nos autos e de que as partes tiveram conhecimento, mas, apenas, quando seja necessário, nas situações tipificadas naquele preceito legal, conhecer de certas “questões”.
Nessa rota, nos termos do nº 2 do artº 608º do CPC «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». E as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido. A ser assim e de acordo com a opinião do Prof. J. A. Reis, Anotado, Coimbra, 1984, Vol. V, pág. 58, haverá tantas questões a resolver quantas as causas de pedir indicadas pelo recorrente no requerimento e que fundamentam o pedido de anulação do acto impugnado.
E da análise do acórdão recorrido resulta que o Tribunal «a quo» se pronunciou específica e fundamentadamente de forma clara, rigorosa e explícita sobre toda e cada uma das causas de pedir invocadas pela o recorrente para justificar o pedido de anulação do acto, mormente da questão a que se conecta a factualidade extraída da documentação que preencheu a al. P) do probatório, ora no centro da discussão, não tendo sequer sido arguidos vícios decisórios geradores da nulidade do acórdão pois só em tal situação se impunha o conhecimento subsequente e em substituição nos termos do nº 3 do artº 665º do CPC.
A(o) sentença/acórdão é uma decisão jurisdicional, dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais. Ela/ele conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:- por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artº 615º do CPC – vícios que, obviamente, a serem alegados e apreciados no atinente recurso.
De sorte que a expressão «questões» não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, por ser o juiz livre na qualificação jurídica dos factos (…), mas reporta-se apenas às pretensões formuladas ou aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir (cfr. ainda Rodrigues Bastos, Notas..., pág. 228 e A, Varela in RLJ, 122º-112).
Como nenhuma nulidade inquinadora do Acórdão foi arguida, maxime, a omissão de pronúncia, sendo que o acórdão não se deixou de ocupar das causas de pedir alegadas, para o que entendeu necessário servir-se dos factos fixados na ajuizada al. P) e que estavam articulados, não cometendo erro de actividade jurisdicional, era indevido o accionamento da regra da substituição ínsita no nº 3 do artº 665º do CPC, restando à recorrente suscitar o eventual erro de julgamento sobre a matéria de facto vertida na al. P) do probatório no instrumento recursório.
Na verdade, saber se determinados factos deviam ou não ter sido objecto de apreciação no Acórdão, por serem relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, é matéria que se coloca já no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal, ou seja, o facto de no aresto ter sido considerada aquela factualidade referida pela Recorrente poderá constituir erro de julgamento e não violação das regras da sua elaboração e estruturação ou vício processual que atenta contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada.
É de realçar que a «livre apreciação da prova», aponta para uma decisão de facto emergente de uma certeza relativa, empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida.
Em sede de recurso jurisdicional, o tribunal de «apelação», por regra apenas deva alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida, se, após ter sido por ele reapreciada, for evidente que ela, segundo a razoabilidade, foi mal ou insuficientemente julgada na instância de origem.
Prescreve o artigo 662º do CPC, que o tribunal de apelação deve alterar a decisão proferida sobre matéria de facto «se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa» [nº1], e que deve, ainda, «mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida pela 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre matéria de facto repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta» [nº2 alínea c)].
Em reforço do que vem dito e à guisa de conclusão, acentua-se que não é aplicável na situação sub judice a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, consagrada no artº.665º, do C. P. Civil, nos termos da qual os poderes de cognição do Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, nesse contexto, se sobreporiam à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição.
Portanto, sendo evidente que o acórdão recorrido, entendendo que não se verificava nenhum dos vícios que haviam sido apreciados pela decisão do TT, não tinha que acatar o disposto no art.° 665.°, n.°s 2 e 3, do CPC, para passar a conhecer, em substituição, da matéria de facto que, com base em documentos, aditou na al. P) ao probatório, não ouvisse as partes antes de assim proceder.
Relativamente a esse conhecimento que a recorrente e o Ministério Público entendem que foi “em substituição” e que foi cometida uma nulidade processual, por, em violação do princípio do contraditório, se ter omitido a prévia audição das partes, imposta pelos art°s. 665.°, n.°3, do CPC.
Sendo certo que este normativo se destina a evitar decisões-surpresa, no caso, não se verificou qualquer surpresa na decisão em “substituição”, visto que a questionada matéria constava de documentos que já eram do conhecimento das partes.
Resulta dos n°s.2 e 3 do art.° 665.° do CPC que se o tribunal recorrido tiver julgado do mérito da causa, mas deixado de apreciar certas questões por as considerar prejudicadas, o tribunal de apelação, se entender que o recurso procede, conhece delas no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida, após o relator ouvir cada uma das partes pelo prazo de 10 dias.
Reafirmando, esta audição prévia visa assegurar o contraditório relativamente a aspectos da causa que não eram objecto imediato do recurso, com o intuito de evitar a prolação de “decisões-surpresa”, constituindo a omissão dessa formalidade uma nulidade processual secundária, nos termos do art.° 195.°, n.°1, do CPC, susceptível de influir na decisão da causa.
Assim, a opção do legislador por uma maior celeridade e economia processuais que esteve na base do disposto no referido normativo, foi acompanhada pela intenção de evitar que as partes fossem surpreendidas com uma decisão do tribunal superior sobre questões não apreciadas em 1a instância, tendo-se entendido que se lhes devia ser dada a oportunidade de aduzirem novos argumentos para defesa das respectivas posições. É que, constituindo objecto do recurso jurisdicional a decisão judicial recorrida e, consequentemente, as questões por esta apreciadas, as partes não podiam contar com uma decisão do tribunal superior que conhecesse dos vícios imputados ao acto impugnado que não haviam sido analisados pelo tribunal recorrido.
No caso em apreço, já vimos que a formalidade imposta pelo n.°3 do citado artigo não tinha que ser cumprida antes de ser proferida a decisão “substitutiva” de ampliar o probatório com base em documentos existentes nos autos como era conhecimento das partes, e, por isso, não tinha o relator que ouvir cada uma das partes pelo prazo de 10 dias pois não estavam em causa os vícios alegados pelo A. que a decisão do TT considerasse prejudicados pela decisão dada ao litígio e de que o acórdão recorrido veio a conhecer.
É que, pela letra desse preceito estão, sem dúvida, abrangidas todas as situações previstas pelos n.°s 1 a 3, onde se incluem aquelas em que o tribunal de apelação conhece de questões cuja apreciação fora julgada prejudicada pelo tribunal recorrido.
O acórdão recorrido era insusceptível, pois, de gerar qualquer decisão-surpresa para as partes, as quais, dado o objecto do recurso jurisdicional e o que dispunha o referido art.° 665.°, n.°3, do CPC, não podiam contar vir a ser ouvidas pois não estava em causa o tribunal vir a conhecer os vícios cuja apreciação fora considerada prejudicada pela decisão recorrida.
Nestes termos, porque não ficou comprometida a discussão do mérito da causa, não sendo configurável uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195º do CPC, aplicável “ex vi” artigo 2º, al. e), do CPPT, o acórdão do TCA-Sul, na parte em que decidiu, baseado em documentos existentes nos autos e de que as partes tinham conhecimento, ampliar o probatório fixado na sentença sem prévia audição das partes, tem de subsistir, devendo nesse segmento, que constitui objecto da presente revista, ser mantido.

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-Do erro de julgamento quanto à questão da natureza da inspecção efetuada

Neste segmento recursório [de que cumpre conhecer nos termos delimitados na decisão que admitiu a presente revista (sobre a natureza das inspecções tributárias e a legalidade do recurso à avaliação indirecta, há a necessidade da clarificação de conceitos e "a necessidade de compatibilizar o regime jurídico da determinação da matéria tributável por métodos indirectos com o regime jurídico dos preços de transferência")] a recorrente esgrime que a inspecção efetuada aos 1º e 2º trimestres de 2003 é ilegal uma vez que o exercício de 2003 já tinha sido inspeccionado até ao 2º trimestre, aquando do pedido de reembolso de €94.771,60, sendo que nos termos do nº 3 do artigo 63º da Lei Geral Tributária apenas pode existir uma segunda inspecção externa, sobre os mesmos factos tributários, caso existam "factos novos" situação que tem que ser devidamente fundamentada, o que não se verificou no caso em apreço porquanto os pedidos de reembolso operados no alegado procedimento inspectivo interno tiveram por base, não apenas a documentação à disposição e na posse da Administração Tributária, mas ainda toda a documentação solicitada e fornecida pela Recorrente em relação aos períodos a que respeitavam (até ao 2º trimestre de 2003), pelo que a mesma consubstanciou uma verdadeira inspecção externa à Recorrente, devendo retirar-se as respectivas consequências desse facto.
Como se enfatiza no aresto que admitiu a presente revista, a matéria relativa à natureza das inspecções tributárias -ou, mais especificamente, ao critério caracterizador do conceito de inspecção externa e de inspecção interna-, reveste-se de alta importância, atentas as consequências que daí advém, nomeadamente para os efeitos previstos no art.º 63º nº 3 da LGT, por se tratar de situações em que a Administração Tributária, socorrendo-se de elementos que não estão na sua posse, qualifica a inspecção como “interna” com vista a possibilitar uma nova inspecção a um período que já fora objecto de inspecção “externa”.
Ponderando.
Na verdade e como bem se assinala no acórdão recorrido, o artº 63.°, n.°3, da LGT, na versão vigorante ao tempo, determinava que só podia haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.
Da mera literalidade normativa resultaria que assiste razão à recorrente. Todavia, já não se chega a essa conclusão tendo em conta a factualidade vertida na alínea P), mormente dos documentos que a suportam pois dela se retira que, no tangente ao exercício de 2003, a recorrente apenas foi objecto, para além da presente acção de inspecção externa ora em causa, de uma inspecção interna que teve por exclusivo objecto o segundo trimestre do referido exercício ou ano fiscal.
Ora, o procedimento de inspecção tributária tem como objectivos a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias, conforme resulta do disposto no artigo 2.°, n.°1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT).
Compreende, com interesse para o caso vertente, a confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários, e a indagação de factos tributários não declarados pelos mesmos, cf. artigo 2.°, n.°2, do RCPIT.
Conforme conceitua João Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspecção — Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, pp. 91 e segs., pertinentemente citado no acórdão sob censura, o procedimento de inspecção é «o conjunto de actos, formalidades e diligências, praticados pelos órgãos de inspecção tributária integrados e sequencialmente ordenados, com vista ao controlo, fiscalização e correcção dos comportamentos tributários dos contribuintes», e, em razão do critério do sujeito que o activa, a finalidade do mesmo, o lugar da sua realização e o âmbito ou extensão do mesmo pode ser classificado de diversas formas.
Nos termos do artigo 44.° do RCPIT, "[o] procedimento de inspecção é previamente preparado, programado e planeado tendo em vista os objectivos a serem alcançados" — n.°1, e "[a] preparação prévia consiste na recolha de toda a informação disponível sobre o sujeito passivo ou obrigado tributário em causa, incluindo o processo individual arquivado nos termos legais na Direcção-Geral dos Impostos, as informações prestadas ao abrigo dos deveres de cooperação e indicadores económicos e financeiros da actividade" — n.° 2.
Segundo o n°4, deste artigo, "[a] programação e planeamento compreendem a sequência das diligências da inspecção tendo em conta o prazo para a sua realização previsto no presente diploma e a previsível evolução do procedimento."
Temos, pois, que está legalmente prevista a existência de uma fase prévia do procedimento inspectivo, em que os serviços da administração fiscal devem reunir os elementos que possibilitem o apuramento da verdade tributária, em sede de inspecção.
Tendo isso presente, independentemente do nomen que as partes (em especial a AT) atribuem ao procedimento inspectivo levado a efeito, como bem se salienta no aresto em crise, em vista da materialidade apurada e a pretensão da recorrente, o que aqui importa é aferir de que tipo de inspecção efectuada, incidente o ano de 2003, se cuida pondo o enfoque nos actos e/ou diligências que, materialmente, foram aí foram executados no seu âmbito e o local onde foram realizados, para o categorizar com rigor.
Significa que o guião pode não ser, imperativamente, a qualificação atribuída ou a designação conferidas AT que, no caso posto, considerou o procedimento como “Inspecção Interna” como decorre da al. P) do probatório.
É que o procedimento de inspecção interno ocorre quando os actos de inspecção se efectuam exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos.
A inspecção é externa quando os actos se efectuam total ou parcialmente em instalações dos sujeitos passivos, demais obrigados tributários ou de terceiros (Art.° 13/c) e b) RCPIT).
Dir-se-á que se toda a inspecção decorre nos serviços da administração, o que logo lhe outorga carácter interno.
Pode, no entanto, a inspecção ser precedida de uma diligência de recolha de informação nas instalações do sujeito passivo, informação essa que está na origem e fundamentação de todo o relatório.
Informação que só fica disponível para a administração fiscal porque a recolheu junto do sujeito passivo, deslocando-se às instalações deste.
Assim, a dita inspecção «interna» não resultou de uma mera inspecção que analise a correcção formal dos documentos entregues e sua coerência com as declarações apresentadas (Neste sentido veja-se Martins Alfaro in "Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária", 2003, pp. 123.).
Se a inspecção se iniciar com as primeiras diligências, nenhumas dúvidas haverá de que tratava de uma inspecção externa. Mas se se iniciou nas instalações do sujeito passivo, com informação relevante obtida nas instalações deste, imediatamente cai na previsão da alínea b) do Art° 13 RCPIT -inspecção externa.
E só porque esta fase não foi integrada na inspecção se pode apelidar como procedimento de recolha de informação.
O que permitiu a qualificação da inspecção posterior como «inspecção interna».
Mas em que é que difere a recolha da informação e uma acção de fiscalização -externa -na qual são verificados os registos informáticos do contribuinte?
Ora, a qualificação do procedimento como inspecção interna, ou externa, como já deixou antever, não depende do arbítrio da administração fiscal. Obedece a critérios específicos, os quais validam, ou não, a designação escolhida.
Chegados aqui, a questão coloca-se, então, em saber se o procedimento de recolha de informação, teve apenas este objectivo, ou deu antes início a uma acção de inspecção externa.
No ponto, somos impelidos a sufragar o ponto de vista expresso no aresto sob censura que, mais uma vez arrimado à doutrinação de Joaquim Freitas da Rocha, João Damião Caldeira, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Anotado e Comentado, Coimbra Editora, 2013, pág. 81 a 84 indigita o procedimento interno como «uma espécie de inspecção cadastral, efectuada dentro dos próprios serviços de inspecção, com recurso aos elementos declarados pelos sujeitos passivos, e engloba actividades de mera constatação em que a Administração se limita a verificar o cumprimento por parte dos sujeitos passivos dos seus deveres declarativos. Nestes casos a Administração tributária limita-se particularmente a confrontar, através do cruzamento de informação disponível nas suas bases de dados, se o sujeito passivo cumpriu ou não com os seus deveres e se os elementos declarados coincidem com os elementos fornecidos pelas declarações entregues por outros obrigados tributários com quem o sujeito passivo mantém ou manteve relações. Não se trata portanto de uma actividade propriamente fiscalizadora, em sentido estrito, trata-se de uma actividade de comprovação formal para verificação da exactidão do formalmente declarado pelo sujeito passivo. No quadro desse procedimento interno pode a inspecção tributária solicitar informações e esclarecimentos aos sujeitos passivos, podendo ser feitas correcções em resultado do que for apurado.».
Por esse prisma, é forçoso acompanhar a douto acórdão no enquadramento efectuado da factualidade levada à al. P) do probatório, no sentido de que dela se colhe que não foi ao ano de 2003 efectuada qualquer inspecção externa, para além da que deu origem às liquidações questionadas nestes autos: tal inspecção teve por objecto exclusivo o IVA relativo ao segundo trimestre de 2003 e esgotou-se numa apreciação formal, realizada no Serviço de Finanças, da declaração apresentada pelo contribuinte (segundo as declarações de uma das testemunhas, que consta da fundamentação de facto, terá, ainda assentado na análise de alguns recibos, enviados com um fax em que se justificava a inexistência de comprovativos por se encontra a aguardar licenciamentos, justificação que, à data, foi aceite como boa).
Destarte, sendo indubitável que a inspecção parcial em sede de IVA — 2° semestre — efectuada à requerente foi uma inspecção interna, porque integralmente concretizada nos serviços de finanças e que os actos praticados naquele procedimento se consubstanciaram na análise formal e na coerência de documentos detidos pela Administração Tributária e foram integralmente concretizados nas suas instalações, soçobra a pretensão da recorrente de ser atribuída outra qualificação ao procedimento.
Termos em que improcedem as conclusões atinentes ao segmento recursório da presente revista e sob análise.
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-Do erro de julgamento no que toca à questão da legalidade do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável

Neste fragmento recursório ampara a recorrente que, contrariamente ao entendimento elegido no acórdão recorrido, as liquidações de imposto efectuadas por recurso à avaliação indirecta são ilegais, já que a avaliação indirecta é um método subsidiário e excepcional, nos termos do nº 1 do artigo 85º da Lei Geral Tributária pelo que só se não for possível corrigir os elementos que permitam apurar a matéria tributável correctamente é que se poderá avaliar indirectamente o rendimento, sendo que no caso em apreço a contabilidade da Recorrente merece credibilidade.
Por assim ser, insurge-se a recorrente por não se ter ponderado no acórdão recorrido que, ao invés do considerado pela AT, o facto de o arrendamento dos terrenos à sociedade B…….., Lda, não estar reflectido na contabilidade da Recorrente não valida o recurso, por parte da Administração Tributária, aos métodos indiciários, uma vez que era possível reconstruir a contabilidade da Recorrente, dado que a Administração Tributária teve acesso ao contrato de arrendamento, o qual foi efectuado pelo prazo de 6 anos e com a renda anual de €498.80. Daí que a contabilidade da Recorrente era facilmente corrigível mediante a avaliação directa, concretamente, a consideração do valor do arrendamento, pelo que a Administração Tributária, ao efetuar correcções, com base na aplicação de métodos indirectos – quando, na realidade, fundamenta com base na existência de relações especiais entre a Recorrente e a sociedade B…….. – violou o disposto no nº 1 do artigo 85º e artigo 87º da Lei Geral Tributária.
No acórdão recorrido foi identificada como questão a decidir a da ilegalidade resultante do facto de a Administração Tributária ter recorrido à avaliação indirecta porque as condições que se verificavam não só permitiam como impunham que se tivesse procedido a uma avaliação indirecta e julgou-se que não assistia razão à recorrente.
Para tanto, em síntese, fundamentou que os elementos carreados para os autos pela Administração Tributário constituem, sem margem para dúvidas, indícios fortes de que a contabilidade da recorrente não merece credibilidade e que os dados a que foi possível aceder, como o contrato de arrendamento, não merece igualmente credibilidade atenta a disparidade ou discrepância com o “valor de mercado médio” para o tipo de contrato em questão, tendo, ainda, nessa determinação, sido atendidos, de forma sensata e coerente, os valores de majoração declarados por a alternativa ser a aplicação de coeficientes demasiado elevados para o tipo de contrato (arrendamento rural) em questão.
Por assim ser, conclui-se no aresto escrutinado que, face ao cumprimento inequívoco do ónus que sobre si recaia, impunha-se que a recorrente, para além de contestar a inobservância do recurso aos métodos indirectos na determinação da matéria tributável em sede de IRC, tivesse alegado e provado que aquele juízo formulado — de descredibilização da contabilidade e do teor do contrato de arrendamento omitido — estavam errados e que a liquidação realizada enferma de erro por excesso de quantificação determinante da sua anulação.
Vejamos.
Quanto à natureza jurídica da avaliação indirecta, com base nas suas principais características, na doutrina nacional (vide, em especial, Sérgio Ribeiro in Tributação Presuntiva do Rendimento, págs. 133 e ss) tem sido pacífico considerar a avaliação indirecta pura e simplesmente como um procedimento de avaliação.
Isso mesmo decorre do fundamento legal que a consagra e que se implanta no dever de contribuir para as despesas públicas por banda dos cidadãos, que corresponde de certo modo ao preço da vida em sociedade, acarreta, para além do estrito dever principal de pagar impostos, outras obrigações acessórias.
Nesse âmbito, em vista do caso concreto, importa destacar o dever de cooperação dos contribuintes com a AT, que, num contexto de evolução e automatização das práticas administrativas, reveste uma importância crescente, ao ponto de o cumprimento do dever acessório de cooperação do contribuinte para com a Administração ser normalmente identificado com o fundamento mais imediato da avaliação indirecta na medida em que esta visa fundamentalmente impedir o favorecimento dos sujeitos passivos que não cumpram esse dever acessório.
Mas o fundamento último da avaliação indirecta reconduz-se ao interesse público de que a carga tributária seja suportada por quem o legislador tenha determinado, ao estruturar o sistema fiscal, e o aí implícito combate à evasão fiscal pois que, se a AT não dispusesse da avaliação indirecta, surgiriam situações em que, por motivos imputáveis aos sujeitos passivos, não haveria forma de estabelecer a matéria tributável, podendo soçobrar a própria liquidação e subsequente cobrança dos impostos.
Portanto, não sendo possível determinar a capacidade contributiva do sujeito passivo, por aquele não ter apresentado documentos ou estes, devido a uma conduta que lhe seja imputável, não forem fiáveis, lança-se mão da avaliação indirecta que se caracteriza essencialmente por avançar com o critério da máxima verosimilhança.
Ai invés, quando há respeito pelo dever de cooperação por parte do sujeito passivo (e vimos que a recorrente afirma que o acatou insurgindo-se pela conclusão contrária a que chegou o fisco e foi aprovada pela decisão recorrida), a determinação da matéria tributável faz-se de acordo com a avaliação directa, i. é, com base nos documentos apresentados pelo próprio sujeito passivo e verificados pela AT. Sendo este critério normalmente considerado mais preciso do que a avaliação indirecta, devido ao facto de as declarações dos contribuintes se “presumirem” verdadeiras e de boa-fé. Isso mesmo resulta do artigo 75.º da LGT.
Tal como também se se elucida no acórdão recorrido, nos termos do disposto no art. 75º n.°1 e n.° 2, al. a) da LGT, “presumem se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”, sendo que essa presunção cessa quando, entre outras razões, aquelas declarações, contabilidade ou escrita revelem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo ou se apresente de uma forma que impeçam precisamente o conhecimento dessa mesma realidade tributável.
Convém salientar que, apesar do uso do vocábulo presumir, não se trata de uma verdadeira presunção. Trata-se, antes, de uma regra sobre o ónus da prova, ou seja, de uma norma que supõe a dispensa de prova em relação a determinados factos, em relação aos quais a mera alegação desencadeará os efeitos jurídicos que lhes são próprios, salvo quando são provados outros factos que com aqueles são incompatíveis. O exemplo mais paradigmático deste tipo de normas é a chamada presunção de boa-fé que, em rigor, não consiste numa presunção, pois não se trata de acreditar uma realidade com base noutro facto distinto, mas tão-somente de exonerar de fazer prova quem esteja de boa-fé.
Não obstante a avaliação indirecta ter origem numa conduta irregular do sujeito passivo, convém salientar que, ainda assim, na sua aplicação se impõe o respeito pelos princípios jurídico-constitucionais de Direito Fiscal, nomeadamente a legalidade e a capacidade contributiva, que não devem ser considerados um exclusivo da avaliação directa.
Depois, como também se enfatiza no aresto em apreciação, em sintonia com o estatuído no art. 81°, n.°1, da LGT, a matéria tributável deve ser avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei, constituindo, assim, a avaliação directa o princípio regra a seguir pela Administração tributária e a avaliação indirecta um mecanismo de determinação da matéria tributável meramente subsidiário (em conformidade aliás, com o disposto no art. 85°, n.°1 da mesma Lei), que o legislador estabeleceu tendo em vista a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis de um determinado sujeito passivo, a partir dos tais indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha e a que recorre para aquele concreto fim (cf. art. 83°, n.°2 da mesma Lei citada).
Extrai-se do que vem dito, que a aplicação da avaliação indirecta em consequência das apontadas anomalias só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável por correcções meramente aritméticas e isso traduz o carácter de última ratio fici, de excepcionalidade de tal regime pois a sua utilização só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável.
Cabia, pois, à AT demonstrar não só a existência da declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo quanto à existência das operações como, ainda, provar a pertinência desse juízo, pela enunciação de elementos fáctico - jurídicos aptos a convencerem sobre a adequação e correcção desse juízo, isto é, pela enunciação de indícios sérios de que não eram verdadeira a declaração da contribuinte.
Assim, o art. 81.º n.º 1 LGT, regulando, em geral e abstracto, o âmbito do procedimento de avaliação da matéria tributável, firma, inequivocamente, a natureza subsidiária da avaliação indirecta em relação à directa, explicitamente consagrada no artº 85º nº 1 da LGT, bem como restringe a utilização da primeira aos casos expressamente previstos na lei, isto é, a avaliação indirecta só pode ter lugar nas hipóteses, taxativamente, previstas nas diversas alíneas do art. 87.º do mesmo diploma, entre as quais figura o caso de “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto” – cfr. al. b), podendo esta derivar de qualquer das anomalias ou incorrecções positivadas, exclusivamente, nas quatro alíneas do art. 88.º LGT, na exigência de que e quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável.
Ora, como é patente, in casu a situação invocada pela ora recorrente e que se enquadra no art. 87° da LGT é a da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável resultante da existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços se essa discrepância inviabiliza o apuramento da matéria tributável, por referência ao estalão legal do art.° 88º alínea d) da LGT.
É neste conspecto, como bem se refere no acórdão recorrido que o legislador entendeu conferir à Administração Tributária, querendo utilizar esse mecanismo, um especial dever de fundamentação (“a decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável” -art° 77º n.° 4 da LGT), competindo-lhe, pois, demonstrar que no caso concreto estão verificados os pressupostos legitimadores da tributação por métodos indirectos, isto é, que nesse específico caso a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Feita essa prova, recai, então, sobre o sujeito passivo a obrigação, o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação (cfr. art.°74° n.° 3 da LGT).
Assim, objectivamente, as circunstâncias apontadas como fundamentos para a aplicação da avaliação indirecta, têm de se apresentar com solidez e determinismo suficientes para se concluir, na situação em apreço, pela impossibilidade de avaliação directa decorrente da ocorrência de factos que patenteiem “uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada” – cfr. al. d) (in fine) do art. 88.º LGT.
Em termos de enquadramento e no que respeita à quantificação da matéria tributável apurada através de métodos indirectos, como faz ressaltar o aresto em apreço, é sobre a Administração que recai o ónus não só de indicar como de fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indirectos, devendo fazer assentar, necessariamente, o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, isto é, em dados aptos a inferir os factos tributários, não em meras hipóteses abstractas, suspeitas ou suposições.
Relembre-se que a AT só deverá legalmente partir para o apuramento da matéria tributável por métodos indirectos se conseguir demonstrar que a contabilidade do contribuinte não é merecedora de credibilidade e que não pode quantificar directa e exactamente a matéria tributável, que não pode apurar directamente a matéria tributável através das chamadas correcções técnicas, por não dispor da totalidade dos elementos indispensáveis para esse efeito.
A essa luz e tendo em conta a factualidade constante do RIT, é forçoso concluir que, embora a AT haja considerado estarem verificadas as situações previstas na lei e que legitimam a fixação da matéria tributável por métodos indiciários, considerou apenas que existiam indícios fundados de que a contabilidade da Contribuinte não reflectia a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, ou seja, que a contabilidade não merece credibilidade, pois quanto à impossibilidade de comprovar e quantificar, directa e exactamente, o volume de negócios da Contribuinte por falta dos elementos pertinentes para esse efeito, acaba por remeter em termos decisivos para a escrita da própria impugnante da qual constavam os elementos sobre a existência e quantum das operações havidas nos questionados exercícios com a outra empresa com a qual aquela mantinha relações comerciais.
Sucede que, quer no procedimento administrativo, quer no processo judicial, o que há-de relevar é o princípio da verdade material do facto tributário que gera o direito à arrecadação do imposto, provado directamente pela declaração e (ou) a contabilidade do contribuinte ou pela administração fiscal, nos casos tipificados na lei, através dos meios gerais e especiais de prova legalmente admissíveis.
É que, tendo a determinação da matéria tributável por avaliação indirecta de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possível e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AT tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautados por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos desconhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
Assim, a AT tem de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributada quantificada.
Rastreando este enquadramento legal, o acórdão recorrido veio ditar a seguinte solução no caso concreto:
Em concreto Relatório de Inspecção Tributária (RIT) justifica o recurso aos métodos indirectos para determinação da matéria tributável, na circunstância de ter sido detectado um contrato de arrendamento, não declarado, celebrado entre a recorrente e uma outra sociedade com a qual detém relações especiais (nos termos do artigo 58.°, n.°4, do CIRC), tendo resultado das diligências desenvolvidas e devidamente discriminadas no relatório, que o valor declarado é manifestamente inferior ao que em regra se encontra a ser fixado em contratos de arrendamento de natureza semelhante ao omitido na declaração.
E a fundamentação do recurso a métodos indirectos e aos critérios quantificadores, constante do RIT, é do seguinte teor (ao que ao caso importa):
«Quanto ao preço comparável de mercado, foi solicitada informação sobre contratos de arrendamento rural e cedência de terrenos agrícolas no concelho de Loulé, à Direcção Regional de Agricultura, a qual forneceu em Abril de 2007 diversos contratos, constantes do processo de evidência de trabalho, tendo-se reunido a informação relativa a vinte e cinco contratos de arrendamento rural de imóveis rústicos localizados no concelho de Loulé para exploração agrícola, celebrados entre entidades não relacionadas. (...)
O valor de € 498,80 da renda anual indicada no contrato da empresa Z…………, Lda, ao arrendamento de 200.000 m2 de um terreno agrícola, cujo artigo matricial n ……….., consta na contabilidade na conta 42101703 no montante de € 116.753,12, como se visualiza, é inferior ao preço normal de mercado, ou seja, o valor de € 24,94 do contrato da Z…………, é inferior ao valor médio apurado por hectare (ha) face à informação reunida, e considera-se que o valor da operação difere dos que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes.
Face ao exposto no capítulo anterior, considerando a manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado do serviço de arrendamento rural nos termos do disposto no art. ° 58° do CIRC, e nos termos da alínea d) do art. ° 88° da Lei Geral Tributária (LGT), considerando a apresentação continuada de prejuízos fiscais nos termos da alínea e) do art. 87° da LGT, propõe-se que o valor dos proveitos de rendimentos de imóveis omitidos seja determinado por métodos indirectos nos termos das alíneas c) e d) do art. ° 90° da LGT, face à impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da operação económica de arrendamento rural. (...)».
Ou seja, atendendo a que:
«- O imóvel rústico …. foi adquirido pela Z…………, Lda em 2001. Foi contabilizado no imobilizado dessa empresa na conta 42101 10$ pelo montante de € 116.75312, como se pode visualizar nos balancetes).
- Não foi registada contabilisticamente a operação económica sobre activos da Z…………,, isto é, esta empresa não contabilizou quaisquer rendimentos de imóveis. Foi, contudo, detectado um contrato de arrendamento rural celebrado entre Z…………, Lda e V…………., Lda, sobre o imóvel rústico … referido no ponto anterior.
- O sócio-gerente admitiu que a empresa V…………., Lda obteve receitas da venda de produtos recolhidos de terrenos da propriedade da empresa Z…………,, Lda;
- A empresa V……… entregou a entidades oficiais declarações de colheita de vinha extraída de imóvel rústico registado sob o artigo matricial ……. pertencente à propriedade de Z…………,, Lda;
- A empresa V…………., Lda não tem quaisquer imóveis, e foi declarado pelo sócio gerente a inexistência de acordos de custos/proveitos ou cedências de exploração;
- A existência de relações especiais entre as empresas V…………., Lda e Z…………,, Lda, sendo que são entidades relacionadas, mas juridicamente distintas, conforme demonstrado no capítulo anterior;
- No ponto 1 do contrato acima referido é indicado que o prazo de arrendamento é de 6 anos, e por conseguinte está em vigor nos períodos em análise (2003, 2004 e 2005) e está a ser utilizado para plantação de vinha;
- O valor declarado no contrato é inferior ao preço normal de mercado, conforme demonstrado no capítulo anterior, e por conseguinte a operação não observa o princípio da plena concorrência;
- A especificidade e a localização da operação não permite estabelecer um grau apropriado de comparabilidade com operações não vinculadas (outros contratos). Considera-se que o método mais adequado e apropriado para a determinação do preço da operação em causa será o método do custo majorado, previsto no art. ° 8° da Portaria n° 1446-C/2001, de 21 Dez, conjugado com o art.° 58° do CIRC. Assim sendo, o valor da operação resulta da soma do valor declarado de renda no contrato de arrendamento com os custos afectos à actividade e aceites fiscalmente, expurgados dos custos financeiros. (...)
Propõe-se o acréscimo ao Lucro tributável de cada ano, os valores estimados de rendimentos de imóveis de €7. 671,15 para 2003, €7. 515,61 para 2004 e €16.372,11 para 2005.
Desta estimativa de proveitos, resulta uma margem sobre o custo de cerca de 6,95% para 2003, 7,11% para 2004, e 3,14% para 2005, que se considera razoável para a localização e especificidade da operação.
Foi utilizado como factor de majoração aos custos para cálculo da margem acima referida, o valor declarado pelo s. p. no contrato de arrendamento, em detrimento da margem média de lucro bruto praticada no distrito de Faro, sobre o custo dos fornecimentos e serviços externos, que resulta do rácio 17 do sistema informático da DGI para a actividade económica de arrendamento de bens imobiliários CAE 70200, de 53,68% para 2003, 11,61% para 2004 e de 16,92% para 2005 que, dadas as circunstâncias em que se desenvolve a actividade (arrendamento rural), nos parece elevado para o presente s. p.»
Perante o iter cognitivo e valorativo delineado pela entidade decidente acabado de patentear, nenhuma censura nos merece o acórdão recorrido ao inferir que os elementos carreados para os autos pela AT integram indubitavelmente indícios robustos de que a contabilidade da recorrente não merece credibilidade e que os dados a que foi possível aceder, como o contrato de arrendamento, não merece igualmente credibilidade atenta a disparidade ou discrepância com o “valor de mercado médio” para o tipo de contrato em questão, tendo, ainda, nessa determinação, sido atendidos, de forma sensata e coerente, os valores de majoração declarados por a alternativa ser a aplicação de coeficientes demasiado elevados para o tipo de contrato (arrendamento rural) em questão.
Perante isso, não vale dizer, como o faz a recorrente, que não é válido o recurso, por parte da AT, aos métodos indiciários, por se afigurar possível reconstruir a contabilidade da Recorrente através do contrato de arrendamento a acedeu, o qual foi efectuado pelo prazo de 6 anos e com a renda anual de €498.80.
Assim, segundo a recorrente, a sua contabilidade era facilmente corrigível mediante a consideração do valor do arrendamento, pelo que a Administração Tributária, ao efetuar correcções, com base na aplicação de métodos indirectos – quando, na realidade, fundamenta com base na existência de relações especiais entre a Recorrente e a sociedade B……. – violou o disposto no nº 1 do artigo 85º e artigo 87º da Lei Geral Tributária.
Diga-se, desde já, que a posição da recorrente denota uma extrema fragilidade.
Quando não, vejamos.
Incompreensivelmente, a recorrente não tinha declarado o contrato de arrendamento, o que logo gera desvantagem ou desconfiança adensada pelo facto da existência de relações especiais entre os contraentes, o que tudo criou a necessidade de a AT considerar anómalas essas circunstâncias e o valor da própria renda.
É que, estando na normalidade a formalização do contrato em que se se estabeleceram os termos e as condições essenciais, como sejam, o objecto do contrato, a renda, o facto de não ter sido inscrito na contabilidade e declarado à administração fiscal, a patente discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado do serviço de arrendamento rural e considerando a apresentação continuada de prejuízos fiscais, não é descabida a consideração de que a existência e não exibição do mesmo poderia constituir um elemento objectivo seguro da inveracidade do valor da renda, o que só não se alcançou dada a inexistência de tal instrumento na contabilidade, jogando esse facto contra a recorrente tanto mais que, como constataram os serviços da AT e decorre do Relatório a contabilidade deixou de digna de credibilidade tendo também em conta a disparidade ou discrepância com o “valor de mercado médio” para o tipo de contrato em questão.
E foi perante os indícios existentes nos autos é que a AT, secundada pelo tribunal recorrido julgou cessada a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte.
A isto a recorrente parece opor que os valores da renda correspondem à realidade e correspondem ao critério empresarial que reputou adequado o que, a aceitar-se, significaria que tal critério empresarial é insindicável e que não basta invocar preços simbólicos para o afastar.
Mas, como se demonstra à saciedade no aresto recorrido, a ora recorrente parte na sua defesa de dois pressupostos que não são verdadeiros: o de que o critério empresarial na fixação dos valores das vendas é insindicável e o de que os valores das rendas não declaradas goza da presunção de verdade que atribui ao dito contrato.
E, no que tange ao primeiro pressuposto, dúvidas não sobram de que não é o critério empresarial na fixação dos valores das rendas que se põe em causa mas a impossibilidade de confirmar através da escrita um qualquer critério empresarial, impossibilidade essa que decorrerá desde logo da impossibilidade de apuramento da matéria colectável.
Na verdade, a existência de valores significativamente inferiores ao normal constitui indício seguro de inveracidade, sendo critério legal de admissão do recurso a métodos indiciários com base nos indicadores objectivos de base técnico - científica que está consagrado hoje no artigo 87.° da Lei Geral Tributária.
Na verdade e como se afirma no acórdão recorrido em louvação das razões aduzidas pela AT, em foco na decisão de recurso a métodos indiciários está o facto de o valor das rendas decorrentes do contrato estarem afastados da realidade nos termos já escalpelizados, sem para tal ser encontrada justificação plausível.
Não há, como se sustenta no Acórdão recorrido, qualquer vício lógico no raciocínio da A.T. A diferença encontrada é demasiado significativa para ser ignorada e os valores das rendas calculados pela AT representam um indicador suficientemente objectivo visto que partem necessariamente de dados obtidos a nível nacional e com base técnico-científica.
Assim sendo, incumbia à recorrente infirmar tal conclusão carreando factos que permitissem credibilizar não os dados da sua escrita onde nem sequer figurava o contrato de arrendamento, designadamente através de circunstâncias excepcionais que justificassem terem sido tão comedido o valor das rendas. E não há dúvida que os alegou mas para tal não ofereceu qualquer prova.
Destarte, porque a recorrente não provou a falta ou insuficiência de indícios aptos a provarem que o valor da renda constante do contrato de arrendamento não tinha adesão à realidade do mercado de arrendamento ou sequer a incerteza ou dúvida sobre a existência e conteúdo do facto tributário, nem tão pouco que exista erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável, haverá que aceitar a legalidade do método presuntivo ou indirecto e da consequente liquidação adicional, assim sendo de manter o acórdão recorrido quanto a este aspecto.
Logo, são espúrias as considerações da recorrente de que, face às anomalias e incorrecções da contabilidade, ficou por demonstrar que não era possível à A.T. a comparação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável.
Mas já se deixou comprovado que a contabilidade da recorrente não correspondia à sua verdadeira situação patrimonial e resultados obtidos e que isso impossibilita a aferição dos resultados com base nos elementos contabilísticos, logo, que se verificam os pressupostos da avaliação indirecta efectuada.
E bem andou o tribunal recorrido ao considerar que estes factos não foram infirmados e permitem inequivocamente a conclusão a que chegou a A.T. de que a contabilidade não permite reconstituir os valores da renda efectiva e que a impugnante não avança com nenhuma possibilidade de tributação directa que não represente a cega adesão ao critério empresarial que pretende evidenciado nos valores estabelecidos no contrato de arrendamento, e, se existiam elementos fornecidos pelo sujeito passivo aptos a determinar directamente a matéria colectável, não avança com nenhum.
*
Em reforço, importa agora aquilatar se ocorrem a comprovação e fundamentação dos pressupostos em que assentaram as correcções operadas nos termos do artº 58º do CIRC.
Neste ponto, a impugnante, ora recorrente, dá a entender que os factos carreados pela A.T. e respeitantes às alegadas relações especiais com outra empresa, além de serem incipientes, não observam os pressupostos do artigo 58°, n.°1, do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, pelo que a A.T. não cumpriu o seu dever especial de fundamentação, não descrevendo, de uma forma clara e precisa, em que medida é que foram, alegadamente, estabelecidas relações especiais, entre o sujeito passivo e os outros contribuintes, que originassem condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes.
Já vimos que a AT especificou as razões de facto e de direito pelas quais a contabilidade do contribuinte não lhe merece crédito, e justificou a impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, indicando o concreto facto tipificado na lei.
Como também exaustivamente visto, essa impossibilidade da comprovação e quantificação directa da matéria colectável deve ser demonstrada pela Administração Fiscal através de elementos objectiváveis. Por isso, e para que o contribuinte possa apreender as razões que levaram a Administração Fiscal a optar pela determinação da matéria colectável por métodos indirectos e os critérios que seguiu na sua quantificação, essas razões e esses critérios devem transparecer do próprio relatório de fiscalização.
Estando em causa correcções fundadas nas relações especiais a que alude o artigo 58.° do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, os fundamentos deverão traduzir a existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, relações essas que permitam o estabelecimento de condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, condições estas que permitam a declaração de um lucro diverso do que seria normal apurar.
Para solver esta controvérsia, diga-se desde já que, temos em confronto a lógica empresarial, que tem que ver com o sucesso económico de diversas empresas e a lógica jurídico – fiscal que impõe a autonomização de instituições que, sob esse ponto de vista, nada tinham em comum.
É certo que nem sempre estas lógicas colidem, antes se moldando reciprocamente, embora a realidade empresarial tenha obrigatoriamente de se enquadrar na realidade jurídica em que está inserida, enquanto esta se mantiver inalterada. Por outro lado, também não é verdade que esta limite sempre aquela, pois, em muitas situações como a dos autos, esta divisão empresarial pretende justamente usufruir das vantagens jurídicas e fiscais dessa divisão. Logo, nem sempre são realidades antagónicas. Isto para dizer que a lógica formal nem sempre é contra a empresarial, mas esta sempre tem de obedecer aquela, enquanto a mesma não for modificada.
Ora, no caso dos autos, o que a recorrente pretende é justamente sobrepor a sua lógica de gestão à realidade jurídica em que aquela não pode deixar de estar inserida.
Quid juris?
Nos termos do artº 58º do CIRC, pode a AT efectuar as correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude das relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações.
São, assim, cumulativamente, os pressupostos de aplicação de tal normativo:
a)- existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa;
b)- que entre ambos sejam estabelecidas condições diferentes das que, normalmente, seriam acordadas entre pessoas independentes;
c)- que tais relações sejam causa adequada das ditas condições;
d)- que aquelas conduzam a um lucro apurado diverso daquele que se apuraria na sua ausência.
Esta possibilidade de correcção da determinação do lucro tributável a que se refere o art. 58º do CIRC, configura-se, na opinião do Dr. Nuno Sá Gomes (As Garantias dos Contribuintes, CTF 371, 127 e sgts.), como um poder quase discricionário da AT, pelo que esta deve descrever os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.
Embora o citado normativo não defina o que deve entender-se por "relações especiais", a doutrina fiscal vem considerando que tais relações existem quando haja situações de dependência, nomeadamente no caso de relações entre a Sociedade e os sócios, entre empresas associadas ou entre sociedades com sócios comuns ou ainda entre empresas mães e filiadas.
Ora, no caso vertente, como consta do RIT demonstrou-se a existência de relações especiais entre a impugnante e a outra sociedade, sem que a ora recorrente ponha em causa a sua existência.
Neste conspecto e como diz o Mº Juiz, não há qualquer insuficiência nesta fundamentação pois o raciocínio silogístico é claro e encontra-se devidamente suportado em factos concretos enunciados relativos a valores erradamente contabilizados e em outras diligências de prova para que se remete no local próprio a que acima também já fiz referência.
Tal situação, enquadra-se perfeitamente no conceito de relações especiais previsto no art. 9º, nº 1, al. b) do Modelo de Convenção da OCDE de 1977.
E, se por um lado se pode aceitar, num juízo de normalidade, que aquelas referidas circunstâncias determinaram necessariamente o estabelecimento de condições diferentes das que decorreriam normalmente entre pessoas independentes, também, por outro lado, se prova que a AT logrou demonstrar os termos em que, normalmente, operações da mesma natureza decorreriam se fossem efectuadas entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.
Ora, de acordo com Saldanha Sanches, levantam-se neste domínio duas questões: “primeiro, a de saber se o método usado é o único, possível para aquela situação concreta. Nalguns casos, nomeadamente pelo carácter mais ou menos singular da empresa ou da actividade, é impossível realizar juízos de frequência, da natureza estatística, que a repetição permite. Segundo, saber se seria possível, com uma investigação mais aturada, obter elementos que corroborassem os já obtidos” (cf. Saldanha Sanches, A quantificação da obrigação tributária, 2ª Edição, Lex, p. 358).
Por outras palavras, importa averiguar se a escolha daquele método – e não de outro, porventura mais adequado à realidade da recorrente -, se encontra acompanhada de uma fundamentação precisa e objectiva, para, em função da mesma, sindicar a sua adequação ao caso concreto. Através da análise da subsistência de qualquer outro método passível de permitir um apuramento mais adequado.
E já se evidenciou que foi adoptada pelo Fisco uma fundamentação específica no que respeita à escolha do método adoptado, de entre os diversos métodos elencados no artigo 90º da Lei Geral Tributária.
Na verdade, “a pura decisão quantitativa tem de ser necessariamente corroborada por outros elementos – actividade de investigação da Administração, deveres de cooperação que evitem o puro raciocínio quantitativo” (cf. Saldanha Sanches, A quantificação da obrigação tributária, 2ª Edição, Lex, p. 360).
Em síntese, a escolha do método constante do Relatório Final de Inspecção Tributária contém a fundamentação exigida pelo artº 58º do CIRC, na medida em que a sua adopção, em detrimento de outros métodos de quantificação indirecta da matéria tributável, foi acompanhada de uma fundamentação concreta, passível de sindicância por parte da Impugnante, ora recorrente, como os autos claramente objectivam.
Do mesmo modo, podemos ainda inferir do método adoptado que o mesmo não é susceptível de violar os princípios da proporcionalidade, da boa-fé, da descoberta da verdade material e da tributação das pessoas colectivas pelo lucro real.
Com efeito, “atendendo aos fins da avaliação indirecta, podemos sem margem para dúvidas concluir que os métodos indiciário estão organizados à volta do objectivo central, da reconstituição, com o grau de certeza e segurança que seja possível obter, do rendimento tributável do contribuinte: é esta consequência directa, e inevitável, do princípio da legalidade na tributação e na partilha dos encargos tributários” (cf. Saldanha Sanches, A quantificação da obrigação tributária, 2º Edição, Lex, p. 342).
E consta do Relatório de Inspecção Tributária fundamentação concreta, precisa e objectiva que suporta a adopção do método de quantificação indirecta da matéria tributável, em detrimento de outros métodos porventura também adequados à realidade dos factos, sendo que a Administração Tributária não se limitou a expor o método convocado de entre os diversos métodos, não se limitando a referir que a situação em análise tem perfeito enquadramento na disposição mencionada, pois aduziu abundante, clara e concisa motivação ou fundamentação relativamente à sua escolha.
Destarte e em sintonia com o acórdão recorrido, porque, inequivocamente, a AT deu cumprimento ao ónus que sobre si recaía, impunha-se que a recorrente, para além de contestar a inobservância do recurso aos métodos indirectos na determinação da matéria tributável em sede de IRC, tivesse alegado e provado que aquele juízo formulado — de descredibilização da contabilidade e do teor do contrato de arrendamento omitido — estavam errados e que a liquidação realizada enferma de erro por excesso de quantificação determinante da sua anulação.
Consequentemente, improcedem as conclusões de recurso, merecendo confirmação a decisão recorrida no segmento em análise.
*

-Da (des)necessidade de proceder ao reenvio prejudicial


No ponto estão em causa as correcções aritméticas operadas pela AT no entendimento de que está comprovado que a recorrente, durante os anos de 2003, 2004 e 2005, apenas exerceu a actividade de arrendamento de imóveis rústicos, operação económica esta isenta de IVA, nos termos do artigo 30.°, n.°9, do CIVA, pelo que os custos declarados naqueles anos e expostos no quadro relativos aos investimentos realizados (contas 42 e 44), não devem ser aceites fiscalmente por não serem indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, nem para a manutenção da fonte produtora, nos termos do artigo 20.° do CIRC.
A recorrente insurge-se contra este entendimento mantendo neste recurso o já anteriormente aduzido.
Nesta vertente, esgrime a recorrente que os bens e serviços que adquiriu no período em apreço (2003 a 2005), consubstanciados na edificação das infraestruturas de apoio à atividade turística (estábulo, armazém, adega, recepção, piscina e restaurante), tiveram em vista, única e exclusivamente, a prossecução da atividade turística que a Recorrente pretendeu (no futuro) exercer e, nessa medida, mostram-se adequados ao objecto social da Recorrente, sendo legitima a dedução do IVA que suportou, na medida que se trataram de investimentos iniciais com vista à prossecução da atividade turística, a qual apenas não se iniciou em virtude de questões alheias à vontade da Recorrente, relacionadas com os processos de licenciamento das obras edificadas - armazém e estábulo e não quaisquer outros licenciamentos - que se encontram pendentes junto da Câmara Municipal de Loulé.
Nesse conspecto, considerando que, no tocante à dedução do IVA nos investimentos iniciais de uma atividade, a Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (nomeadamente o Caso Rompleman) e a Doutrina têm entendido que as mesmas são incluídas no rol das despesas dedutíveis, porque a Recorrente tem (e sempre teve) intenção de exercer, de facto, a atividade turística, situação que sempre demonstrou pelos investimentos que efectuou nas suas propriedades, constantes das facturas que foram de apreciação pela Administração Tributária em sede do pedido de reembolso do IVA, os atos de liquidação (de imposto e seus juros) devem ser anulados, por errónea qualificação do facto tributário e violação da Sexta Diretiva Comunitária (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, que veio substituir a Sexta Diretiva), bem como do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 1º da Lei Geral Tributária.
Nesse alinhamento, afirma que a decisão proferida pelo Tribunal a quo deverá ser anulada, dando-se provimento ao presente recurso; mas, à cautela e subsidiariamente, para o caso de se entender estarem subjacentes ao processo questões de Direito Comunitário prejudiciais ao conhecimento do mérito da causa, solicita o reenvio da presente ação, para esclarecimento das questões acima enunciadas, para o Tribunal de Justiça da União Europeia.
Antecipe-se que, no nosso entendimento, o acórdão recorrido é lapidar, nesta como nas questões já antes resolvidas, não sendo passível das censuras que lhe foram desferidas.
Acompanhado o bem elaborado discurso jurídico do aresto sob censura, constata-se que, por determinação do artigo 20.° do CIVA, só pode deduzir-se «O imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em (...).
Nessa conformidade, importava desde logo verificar quais as operações que conferem o direito à dedução do imposto e, dentro dessas, quais as que estão em causa nos nossos autos, o que nos remete para as operações que integram o n°1 do artigo 20.° citado - e que correspondem às plasmadas no artigo 17° da Sexta Directiva — sendo que a primeira categoria de operações aí prevista é a que está em causa neste processo: prática de operações tributáveis, sendo que, o sujeito passivo para deduzir o IVA suportado nos bens e serviços recebido, deve utilizá-los para os fins das suas operações tributáveis e devem aqueles revelar-se necessários a uma gestão eficaz e a um correcto desenvolvimento da empresa, tal como explica Patrícia Noiret Cunha, Anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao regime do IVA nas transacções intracomunitárias”, edição do ISG, 2004, pág. 316.
Feito este enquadramento, o acórdão recorrido segue depois para uma meticulosa recensão da legislação e da jurisprudência comunitária, mormente em redor do no n.°1, do artigo 17.º da Sexta Directiva, que tem por epígrafe «Origem e âmbito do direito à dedução», o direito à dedução do IVA nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, pelo que, só a qualidade em que o particular actua nesse momento pode decidir da existência do direito à dedução, para concluir que resulta da hermenêutica que vem sendo feita pela jurisprudência daquele inciso legal e que é sustentada na doutrina, que se os bens necessários forem utilizados para os fins das próprias operações tributáveis pelo sujeito passivo, agindo nessa qualidade, não pode deixar de ser autorizado a deduzir o IVA devido ou pago em relação a esses bens.
Mas a jurisprudência do TJUE, de que é paradigma o Acórdão Lennartz, DE 11. 7. 1991, PROCESSO C-97/90, Acórdão Rompelman de 4/02/1985, Acórdão Inzo e Acórdão Gabalfrisa, tem ido mais longe, ao admitir a não exigência do início da actividade para haver dedução do IVA, ou seja, ao defender que embora deva ser exigido que os bens e serviços adquiridos sejam adequados ao exercício dessa actividade, esta não tem necessariamente que ser prévia aquela aquisição, bem podendo ocorrer que esse direito a dedução nasça de aquisição de bens de investimento como, diga-se, tese que a recorrente diz ser aplicável ao seu caso.
Nessa linha de percepção o TJUE propugna que, há um prius que passa pela averiguação do âmbito de aplicação do artigo 20.°, n.°2, da Sexta Directiva, que estabelece que:
«1. A dedução inicialmente operada é ajustada segundo as modalidades fixadas pelos Estados-membros, designadamente:
(...)
2. No que diz respeito aos bens de investimento, o ajustamento deve repartir-se por um período de cinco anos, incluindo o ano em que os bens tenham sido adquiridos ou produzidos. Anualmente, esse ajustamento é efectuado apenas sobre a quinta parte do imposto que incidiu sobre os bens em questão. Tal ajustamento é realizado em função das alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos ou produzidos.
Em derrogação do disposto no parágrafo anterior, os Estados-membros podem tomar como base, no momento do ajustamento, um período de cindo anos completos a contar do início da utilização dos bens em questão.
No que diz respeito aos bens de investimento imobiliários, o período que serve de base ao cálculo dos ajustamentos pode ser alargado até dez anos.
3. No caso de entrega durante o período de ajustamento, os bens de investimento são considerados afectos a uma actividade económica do sujeito passivo até ao termo do período de ajustamento. Presume-se que esta actividade económica é inteiramente tributada nos casos em que a entrega dos referidos bens é tributada; presume-se que está totalmente isenta nos casos em que a entrega se encontra isenta. O ajustamento efectua-se uma única vez relativamente a todo o restante período de ajustamento.
Todavia, os Estados-membros podem não exigir, neste último caso, o ajustamento na medida em que o adquirente seja um sujeito passivo que utiliza os bens de investimento em questão exclusivamente para operações em relação às quais o imposto sobre o valor acrescentado é dedutível.
Como bem se refere no acórdão recorrido, concluiu o TJUE que, saber se um sujeito passivo, num caso concreto, adquiriu bens para os fins das suas actividades económicas, constitui uma questão de facto cuja apreciação deve ter em conta o conjunto dos dados do caso concreto, entre os quais a natureza dos bens em causa e o período decorrido entre a sua aquisição e a respectiva utilização ao serviço das actividades económicas do sujeito passivo, sendo que os períodos de ajustamento previstos no artigo 20.º n.°2, da Sexta Directiva não têm, enquanto tais, qualquer relação com a questão de saber se os bens são adquiridos com vista à sua utilização nessas actividades económicas.
E que se um particular adquire bens para os fins de uma actividade económica, na acepção do artigo 4.°, actua na qualidade de sujeito passivo, mesmo que os bens não sejam imediatamente utilizados para essas actividades económicas. Em consequência, é a aquisição de bens por um sujeito passivo agindo nessa qualidade que determina a aplicação do regime do IVA e, portanto, do mecanismo da dedução.
A utilização que é dada às mercadorias, ou a que lhes é destinada, apenas determina o montante da dedução inicial a que o sujeito passivo tem direito, nos termos do artigo 17.°, e o âmbito dos eventuais ajustamentos durante os períodos seguintes.
Assim, parece poder concluir-se que a utilização imediata de bens para operações tributáveis ou isentas não constitui, por si só, um pressuposto da aplicação do artigo 20.°, n.°2 da Sexta Directiva.
Depois e como também se abona no acórdão recorrido, noutro aresto o mesmo Tribunal (Acórdão INZO) veio ainda a concluir que as actividades preparatórias, como a aquisição de meios de exploração, e em particular um imóvel deviam ser imputadas às actividades económicas e que (...) Quando a administração fiscal admitiu a qualidade de sujeito passivo do imposto de uma sociedade que declarou a sua intenção de iniciar uma actividade económica que dá origem a operações tributáveis, a encomenda de um estudo de rentabilidade para a actividade económica projectada pode ser considerada uma actividade económica na acepção da referida disposição, mesmo que esse estudo tenha por objectivo analisar em que medida a actividade projectada é rentável. Tendo em conta os princípios da segurança jurídica e da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado quanto à carga fiscal da empresa, e salvo no caso de situações fraudulentas ou abusivas, a qualidade de sujeito passivo do imposto não pode ser retirada à sociedade em causa com efeitos retroactivos, quando, perante os resultados desse estudo, foi decidido não passar à fase operacional e colocá-la em liquidação, de modo que a actividade económica projectada não deu origem a operações tributáveis.»
Louvando-se ainda nos contributos doutrinários aduzidos por Patrícia Noiret Cunha constantes das Anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao regime do IVA nas transacções intracomunitárias”, edição do ISG, 2004, pág. 304, que apontam para que o direito de dedução pode ser exercido a partir da realização das despesas de investimento sem que seja necessário esperar pela realização de operações sujeitas a imposto, o acórdão recorrido, em síntese conclusiva, assevera que do acervo jurisprudencial citado e das posições aí assumidas pelo TJUE decorre que as despesas iniciais de investimento efectuadas com vista ao exercício da actividade económica projectada pela empresa devem ser consideradas como constituindo uma actividade económica.
Partindo dessa premissa, procedeu o acórdão recorrido à análise do caso concreto para aferir se da factualidade apurada nos autos é a mesma susceptível de comportar a posição assumida por cada uma das partes, na consideração de que hodiernamente é líquido, que a questão não é a de saber se é ou não dedutível o IVA quanto às actividades em fase de investimento, direito que a recorrente se arroga e que funda a sua pretensão de ser ponderado um eventual reenvio da questão por si apresentada para o TJUE que nesta matéria tem já posição consolidada mas, sim, saber se resultou apurado que os custos apresentados e o IVA deduzido corresponderam precisamente a qualquer investimento nessa actividade realizado pela Impugnante.
Concordando com esse modo de ver e enquadrar as questões, sufragamos a apreciação crítica tecida no aresto sob recurso no sentido de que a Administração logrou demonstrar, de forma inequívoca, que a actividade declarada não corresponde, de todo, à declarada e que tal investimento não foi feito tendo em vista o seu desenvolvimento, apontando-se, aqui, um breve resumo, do alargado e profundo trabalho e conclusões desenvolvidas no âmbito da inspecção:
- A recorrente apresenta prejuízos desde 1996, dado que, em sede de IRC, contabilizou apenas custos e não declarou proveitos decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, e em sede de IVA não declarou operações tributáveis sujeitas a imposto e dele não isentas.
- Não tem quaisquer equipamentos ou empreendimentos registados em seu nome, nem comercializou algum que haja adquirido para os fins turísticos que invoca;
- Não tem qualquer pessoal afecto ao desenvolvimento da sua actividade;
- A maior parte do imobilizado que consta dos quadros relativos aos investimentos realizados (contas 42 e 44) tinham aposto um símbolo e o nome de terceira sociedade - “V………….” - cujo sócio gerente é comum à recorrente, tal como comum é a sua sede fiscal e local de laboração;
- Com excepção do que respeita ao estábulo e armazém agrícolas, (dos quais a Z…………, declara não obter proveitos), não existem quaisquer licenciamentos, nem sequer o requerimento dos mesmos às entidades oficiais, quer para a construção dos imóveis e acessos, quer para a utilização turística das infra- estruturas construídas e equipamentos adquiridos, que é o objecto social da empresa Z…………, e a actividade pela qual se registou em sede de IVA.
- Relativamente ao estábulo e armazéns agrícolas, verificou-se in loco a presença de cavalos e máquinas em funcionamento na adega construída junto do armazém agrícola. Conclui-se que estes equipamentos também não estão a ser explorados pela Z…………,, Lda, na medida em que esta não declara proveitos derivados destas actividades.
- Não foi dada qualquer justificação pela recorrente, embora tenha sido solicitada, no que respeita à questão da indispensabilidade dos custos por si contabilizados;
- A empresa V…………., Lda. desenvolve, ou seja, explora terrenos agrícolas cuja propriedade é da empresa Z…………,, Lda. e vende produtos agrícolas extraídos dos referidos terrenos, tendo a Z…………,, Lda., omitido a existência de um contrato de arrendamento rural, isento de IVA, nos termos do n° 30 do art.° 9° do CIVA.
- Não declarou até à data, quaisquer transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas realizadas, decorrentes de actividade normal da empresa; apenas declarou no 2° T de 2006, como operação activa a venda de imobilizado que corresponde a uma retoma de máquinas, efectuada ao respectivo fornecedor.
Vale isso por dizer que resultou comprovado pela Administração Tributária que os custos suportados na aquisição dos terrenos e imóveis assim como os custos suportados nas referidas obras não tiveram como consequência a realização de operações tributadas, porque, apesar de o sujeito passivo manifestar a sua intenção de exercer uma actividade turística que confere direito à dedução, o certo é que tal actividade nunca foi efectivamente iniciada, nem da prova carreada pra os autos, e que foi muita, resultou minimamente indiciada a intenção de a iniciar, atenta a inexistência de quaisquer diligências, mínimas ou elementares, nesse sentido, como o sejam os procedimentos administrativos tendentes à obtenção de quaisquer licenciamentos- Como se disse na sentença recorrida, argumentação fáctica e jurídica que na íntegra nesta parte acompanhamos:
«A questão que se coloca é saber se cabe o direito de deduzir ao IVA pela Impugnante relativamente à aquisição de bens e serviços nos anos de 2003 a 2005, por se tratar alegadamente de despesas de investimento.
Ora, resulta quer da documentação junta aos autos, quer da prova testemunhal que a Impugnante não teve até hoje actividade económica, com excepção da aquisição dos terrenos para implantação do projecto que inicialmente tinha em vista construir.
Mais resulta que inicialmente a Impugnante tinha como objectivo, a construção de um hotel e a utilização do espaço para turismo, mas depois, por falta de licenciamento do mesmo e dos acessos a este, decidiu utilizar os terrenos adquiridos, para a exploração agrícola, nomeadamente, para produção de vinho e mel, o que tem vindo a acontecer, mas por outra empresa que não a Impugnante, ou seja, a V…………., Lda cujo sócio-gerente e sede são comuns. Aliás toda a documentação junta aos autos à excepção da declaração da Junta de Freguesia de Salir, constante de fls. 144 dos autos, se refere directamente a actividades desenvolvidas pela empresa V…………., Lda e não pela Impugnante, inclusive, se declara que T……….. é trabalhador daquela empresa e não da Impugnante. Inclusive decorre do termo de declarações do sócio gerente U……….. que — todos os trabalhadores estão afectos à V…………., LdaII (cfr. fls. 426 dos autos).
Em lado algum, quer dos documentos juntos aos autos, quer dos depoimentos das testemunhas resulta provado o investimento realizado pela Impugnante, à excepção da aquisição dos terrenos rústicos que constam das certidões de registo predial juntos.
Resulta pelo contrário, do relatório de inspecção e do depoimento das testemunhas que a Impugnante nunca teve actividade e que desde 1996, data do início de actividade, não foram declarados quaisquer proveitos, mas continuadamente se apresentou como credora de IVA.
Mais resulta que à Impugnante lhe cabia provar que a falta de actividade, decorria de elementos externos, como por exemplo, a actuação de entidades oficiais de cujo início de actividade, dependeria.
Mas, da prova documental, desde 1996 e até 2007, não resulta qualquer pedido junto das entidades oficiais, em nome da Impugnante para desenvolver o projecto turístico que a mesma se arroga ainda hoje interessada em cnar e dos depoimentos das testemunhas, resultou sim, que toda a actividade exercida até hoje é realizada pela V…………., Lda, bastando-se a Impugnante à actividade de aquisição de terrenos e as infra-estruturas de armazenagem de produtos agrícolas e adega, são relativas à actividade desenvolvida por aquela empresa. Mais uma vez, decorre também das declarações do sócio gerente U……….. prestadas em 2006, no âmbito do procedimento de inspecção, que —A V…………., Lda desenvolveu as propriedades da Z…………,, Lda (...)ll (cfr. fls. 425 e 426 dos autos).
Não obstante as testemunhas arroladas pela Impugnante terem referido que as infraestruturas estão criadas para começarem a laborar, assim que se obtiver o licenciamento, mas nunca é referido especificamente qual o licenciamento em causa que foi pedido, a que entidade oficial. Além disso, também decorre da documentação junta aos autos que até 2006 não foi sequer contactada a Direcção Geral do Turismo.
Verifica-se sim, que durante 10 anos a Impugnante não desenvolveu qualquer actividade, não apresentou quaisquer proveitos, pelo que, não se pode considerar que tenha direito à dedução, uma vez que os serviços ou bens que tenha adquirido não se adequam à actividade que tem no seu objecto social, nomeadamente, o armazém e a adega que se inserem, isso sim, como equipamentos de apoio à actividade da V…………., Lda.
Assim, os custos suportados pela Impugnante acabam por não ter como fim a realização de operações tributadas, porque apesar a mesma afirmar que tem intenção de exercer no local uma actividade turística, essa actividade nunca foi iniciada até, pelo menos, 2007, nem a impugnante demonstrou ter intenção de o fazer, uma vez que não possui qualquer licenciamentos para essa actividade ou sequer demonstra tê-los feito até essa altura.
A propósito se refira o Acórdão do TCA Sul, de 26/09/2006, rec. n° 01040/06, in www.dgsi.pt, onde se afirma que —1.- Nos termos do art. 23° do CIRC, só se consideram custos do exercício, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora. (...)
VI. - Assim, a relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial.
Também o STA se tem pronunciado sobre esta temática, como é exemplo, o Acórdão de 12-01-2012, rec. n° 0613/11 in www.dgsi.pt, no qual consta que: —C..) IV - O que determina a dedutibilidade ou não dedutibilidade do IVA é o uso efectivo que é feito ou se tenciona fazer do bem ou serviço adquirido, a determinar em cada transacção (.,.) ou o Acórdão de 02-05-2007, rec. n° 01137/06 onde se afirma que —É pressuposto do direito à dedução do IVA que os bens e serviços estejam directamente relacionados com o exercício da actividade dos contribuintes.
Em conclusão, não ficou demonstrado que as despesas efectuadas resultassem do investimento numa actividade turística futura por parte da Impugnante.
Comprovou-se sim é que a Impugnante exerceu nos anos em apreço a actividade de arrendamento rural de imóveis rústicos, operação económica isenta de IVA, nos termos do n° 30 do art.° 9º do CIVA.
Daqui se pode concluir que, para o exercício da actividade de arrendamento rural, apenas serão necessários os imóveis objecto de arrendamento e quando muito, os custos de natureza geral, despesas administrativas, custos financeiros e os custos com fornecimentos e serviços onde se podem incluir: serviços de contabilidade, honorários de advogados.
Considerando que não foi possível comprovar o exercício de qualquer outra actividade, conclui-se que os custos de 2003, 2004 e 2005 não são comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, nem para a manutenção da fonte produtora, pelo que esta impugnação está votada ao insucesso.».
Daí que se aprove inteiramente a conclusão extraída no acórdão recorrido de que porque o imposto suportado pela recorrente foi indevidamente deduzido uma vez que não contribuiu para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, é de manter, também nesta parte, a decisão recorrida e, com ela, de afirmar a total improcedência do recurso jurisdicional interposto pela Impugnante.
Por assim ser e visto que no acórdão que admitiu a presente revista se salvaguardou que, quanto à arguida nulidade processual por falta de reenvio prejudicial para o TJUE, constitui jurisprudência consolidada (Cfr., entre outros, os Acórdãos do TJUE de 4/11/1997, Parfums Christian Dior, C-337/95; de 4/06/2002, Lyckeskog, C-99/00; de 15/09/2005, Intermodal Transports, C-495/03. No STA, entre outros, os Acórdãos de 30/11/2011, proc. nº 284/11; de 16/11/2011, proc. nº 636/11; e de 2/11/2011, proc. nº 193/11.) que o reenvio só é obrigatório se a questão for pertinente ou relevante para a decisão da causa, competindo ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a decisão como analisar a pertinência das questões que as partes pretendem submeter ao TJUE.
Significa, como se enfatiza no mesmo acórdão, que o reenvio não é uma faculdade processual das partes e, como tal, a falta de reenvio não pode constituir uma nulidade processual.
Como se diz no Acórdão FOTO-FROST: «Os órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões são susceptíveis de recurso judicial de direito interno podem apreciar a validade de um acto comunitário e, se não considerarem procedentes os fundamentos de invalidade que as partes invocam perante eles, podem rejeitar esses fundamentos concluindo que o acto é plenamente válido.”
A regra sobre a questão da interpretação e aplicação do direito comunitário, é a de que cabe ao TJUE a responsabilidade última de interpretar a norma comunitária, e ao tribunal nacional incumbe aplicá-la ao caso concreto após ter concluído, com total independência de julgamento, que a decisão da causa que lhe é submetida comporta a aplicação do direito comunitário.
Mas há excepções, a primeira das quais (falta de pertinência da questão) cabem os casos em que o tribunal nacional considere que o litígio sub judice não deve ser decidido de acordo com as normas comunitárias mas tão-somente na conformidade das disposições do direito interno; na verdade, a ser assim, não pode ser-lhe imposta a obrigação de solicitar a interpretação ou apreciação da validade de uma norma comunitária desprovida de interesse para o julgamento da causa - e isto ainda que alguma das partes tenha indevidamente invocado e suscitado a questão da sua interpretação ou validade, como aconteceu no caso concreto.
É que, como é manifesto, nesse caso a questão da interpretação ou da apreciação de validade é totalmente desprovida de pertinência (neste sentido v. o Acórdão do TJCE de 6.10.1982, proc° 283/81, caso CILFIT. Col.p.3415).
Outra excepção é a da existência de anterior decisão interpretativa do TJUE uma vez, como vimos, anteriormente já foram proferidas decisões de interpretação da normação em causa.
Como o será a terceira excepção pois, na senda da decisão recorrida, se entende existir total clareza da norma em causa.
Na verdade, o art.° 234° impõe aos tribunais supremos dos Estados-membros que recorram ao TJUE sempre que se ponha uma questão de interpretação ou de apreciação de validade.
Mas alguns tribunais supremos podem logicamente ser levados a admitir que nos casos em que haja lugar a aplicação de uma norma comunitária não surge necessariamente uma questão para os efeitos do art.° 234.° e assim será quando a norma comunitária aplicável for perfeitamente clara, não suscitando a mínima dificuldade de interpretação, sendo desrazoável forçar o tribunal nacional a reenviar ao Tribunal Comunitário, isso honrando o velho princípio jurídico segundo o qual «in claris nonfit interpretado».
Por essa razão e para eliminar um conflito latente nas suas relações com alguns Tribunais Supremos dos Estados-membros, o TJCE veio a admitir a chamada teoria do acto claro, ao julgar no seu Acórdão de 6.10.1982, tirado no caso CILFIT, que «O artigo 177°, 3° parágrafo do Tratado (agora 234°), deve ser interpretado no sentido de que [é desnecessário o reenvio caso se] tenha concluído que a aplicação correcta do direito comunitário se impõe com tal evidência que não deixa lugar a qualquer dúvida razoável.
«A existência de tal eventualidade deve ser avaliada em função das características próprias do direito comunitário, das dificuldades particulares que a sua interpretação apresenta e do risco de divergência de jurisprudência no interior da Comunidade».
Assim sendo, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida ao indeferir o pedido de reenvio na consideração de que o mesmo é desnecessário pois é claro que sobre a questão de saber se é ou não dedutível o IVA quanto às actividades em fase de investimento, o TJUE tem já posição consolidada.


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3.- Decisão:

Termos em que se acorda em negar provimento ao presente recurso de revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

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Lisboa, 23 de Junho de 2021


José Gomes Correia (relator) que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Srs. Conselheiros integrantes da Formação de Julgamento Aníbal Augusto Ruivo Ferraz e Paula Cadilhe Ribeiro.