Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0741/12
Data do Acordão:09/05/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXECUÇÃO FISCAL
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
REQUISITOS
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - Não se verifica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia se o juiz cumpriu o dever funcional de apreciar e resolver as questões submetidas à sua apreciação e enunciou as razões por que julgou não poder conhecer de uma delas, e não integra esse vício a falta de ponderação dos meios probatórios constantes dos autos ou a falta de ponderação de todos os elementos factuais que as partes consideram essenciais para a ilação jurídica que deles pretendem extrair em abono das suas teses.
II - Os recursos jurisdicionais ordinários destinam-se a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação ou reapreciação da decisão proferida pelo tribunal hierarquicamente inferior, e não a obter decisões sobre questões novas, isto é, questões que não foram nem tinham que ser objecto da decisão recorrida, salvo se estas forem de conhecimento oficioso e não estiverem já resolvidas por decisão transitada em julgado.
III - A questão da nulidade processual cometida pela administração tributária no procedimento de dispensa de prestação garantia por alegada omissão da formalidade prescrita no art.º 508.º n.º 1, al. b), e n.º 2 do CPC, e o vício de preterição de formalidade procedimental por omissão do direito de audição previsto no art.º 60.º da LGT, não constituem questões de conhecimento oficioso, pelo que não tendo sido suscitadas no tribunal “a quo” nem apreciadas na sentença recorrida, não podem ser objecto de apreciação em sede de recurso dessa sentença.
Nº Convencional:JSTA00067760
Nº do Documento:SA2201209050741
Data de Entrada:07/02/2012
Recorrente:A....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Área Temática 2:DIR PROC CIV
Legislação Nacional:CPC96 ART202 ART508 N1 B N2 ART676 N1 ART684 N3 ART690 N1 ART690-A ART668 N1 D
CPPTRIB99 ART125 N1 ART170 N3 ART276 ART2 E
LGT98 ART103 ART60 N1
CCIV66 ART342 N1
CPA91 ART133 ART135
Referência a Doutrina:TEIXEIRA DE SOUSA ESTUDOS SOBRE O NOVO PROCESSO CIVIL 1997 PAG460-461.
AMÂNCIO FERREIRA MANUAL DOS RECURSOS 2000 PAG103.
AMÂNCIO FERREIRA MANUAL DOS RECURSOS EM PROCESSO CIVIL 9ED PAG153-158.
ABRANTES GERALDES RECURSOS EM PROCESSO CIVIL PAG23.
LOPES DO REGO COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 2ED VOLI PAG566.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……., com os demais sinais dos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 30/04/2012, que julgou improcedente a reclamação que deduziu contra o acto praticado pelo Director de Finanças Adjunto de Lisboa (por delegação de competências do respectivo Director de Finanças, publicado no DR II Série, n.º 171, de 2/03/2010) de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão da execução fiscal que contra si corre (por reversão) no Serviço de Finanças de Loures-1 para cobrança de dívidas tributárias no montante de total de € 425.796,97.
Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:

A) Por força das regras processuais aplicáveis, subsidiariamente, ao processo de execução fiscal (vide artigo 2º, alínea e), do CPPT), o órgão de execução fiscal devia ter dirigido ao Recorrente convite no sentido deste juntar ao pedido de dispensa de prestação de garantia os documentos que estivessem em falta (e fossem julgados necessários) para a apreciação do respectivo pedido que lhe foi submetido antes de, com fundamento em tal falta, proferir despacho de indeferimento.

B) Perante um requerimento deficiente ou indevidamente instruído, designadamente pela falta ou insuficiência de documentos de prova, impunha-se que o órgão de execução fiscal, enquanto auxiliar na prossecução da justiça, em obediência ao princípio da colaboração com as partes, prevenisse o Recorrente sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos, nos termos do disposto no artigo 508º, nºs 1, alínea b) e nº2 do CPC.

C) O órgão de execução fiscal deveria proceder ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento do Recorrente, nos termos previsto no artigo 508º nº 1 alínea b) (“Convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes”) e nº 2 (“O juiz convidará as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa”), ambos do CPC.

D) Não o fazendo, a decisão do órgão de execução fiscal é nula, por violação daquele preceito.

E) Tal facto não impediu o ora Recorrente de sanar tal omissão em sede de reclamação judicial contra a decisão de indeferimento proferida pelo órgão de execução fiscal, onde teve a oportunidade de apresentar, como apresentou, todos os documentos de prova que reputou necessários e adequados a demonstrar o preenchimento dos pressupostos em que fundamentou o seu pedido de dispensa da prestação de garantia, inclusive prova testemunhal.

F) Assim sendo, a nulidade processual cometida pelo órgão de execução fiscal, mormente a omissão de convite para suprimento do pedido de isenção de prestação de garantia apresentado pelo Recorrente, encontra-se sanada.

G) Daí que, a decisão recorrida deveria ter ouvido as testemunhas arroladas antes de proferir decisão.

H) Não o fazendo, omitiu o dever de pronúncia estatuído na lei.

I) Ainda que este douto Tribunal assim não o entenda, o que apenas se concede por mera precaução de patrocínio, sempre se dirá que é aplicável in casu o disposto no nº 1 do art. 60º da LGT, o qual tem plena aplicação em sede de processo executivo, nomeadamente, antes da decisão do pedido de dispensa de prestação de garantia.

J) No acórdão do STA, de 2/2/2011, rec. nº 08/11, afirmou-se que “...o despacho de indeferimento objecto da presente reclamação qualifica-se como verdadeiro acto administrativo em matéria tributária e não como mero acto de trâmite, uma vez que não se confina nos estreitos limites da ordenação intraprocessual, antes projecta externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta – cfr. art. 120º do CPA – sendo que a decisão da AT de suspender ou não o processo de execução fiscal por virtude da prestação (ou da dispensa) de garantia implica e determina manifestos reflexos na esfera jurídica da ora recorrida”.

K) E, assim, em face dessa definição como acto administrativo e tratando-se, como se trata, de um acto administrativo definidor de uma situação jurídica que no caso é desfavorável ao contribuinte, aqui Recorrente, impunha-se a sua prévia audição, de acordo com o estatuído nos arts. 100º do CPA e 60º da LGT.

L) Ao não se ter pronunciado, como lhe competia, sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia que lhe foi colocado pelo ora Recorrente, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 125º do CPPT nos termos do qual “1. Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer. (...)” (sublinhados nossos).

M) Estipula o artigo 668º, nº 1, alínea d), primeira parte, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do art. 2º alínea e) do CPPT: “É nula a sentença: (...) d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar...”

N) Lida a sentença recorrida, forçoso é concluir-se que a mesma se absteve de emitir qualquer pronúncia relativamente à suscitada questão.

O) Impunha-se, nos termos do disposto no artigo 660º, nº 2, do CPC, que o tribunal a quo se pronunciasse sobre o pedido de prestação de garantia que lhe foi colocado pelo Recorrente.

P) Como não o fez, ficou a sentença proferida afectada de nulidade por omissão de pronúncia nos termos que decorrem do disposto nos artigos 125º nº1 do CPPT e 668º, nº1, alínea d), do CPC.

Q) Nulidade essa cuja declaração se requer a este Venerando Tribunal.


1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.3. O Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer no sentido de que fosse negado provimento ao recurso, com o seguinte discurso argumentativo:
«1. Matéria controvertida:
- se era de dirigir convite ao requerente de dispensa de garantia, a fim de que juntasse ao pedido que efectuou os documentos comprovativos, nos termos do disposto no art. 508.º n.ºs 1 al. b) e 2 do C.P.C., aplicável subsidiariamente;
- se tal falta se sana com a respectiva junção em sede da reclamação posteriormente apresentada e se, tendo ainda sido arroladas testemunhas, a sua não audição, implica omissão de pronúncia;
- se era de proceder a audição prévia, nos termos do disposto no art. 60º n.º 1 da L.G.T., para efeitos de decisão a proferir quanto à dispensa de garantia, nos termos do art. 170.º n.º 3 do C.P.P.T..
2. Posição que se defende.
a) Fundamentação.
Segundo o previsto no art. 170.º n.º 3 do C.P.P.T., o pedido de dispensa de garantia deve ser instruído como a “prova documental necessária”.
Também de acordo com o art. 170.º n.º 4 do C.P.P.T, a decisão do pedido de dispensa tem de ser proferida em 10 dias após a apresentação, o que não parece compatível com a admissibilidade do dito convite.
Tal, aliás, já levou ao entendimento de não ser possível proceder à junção da prova necessária em momento posterior – assim, se decidiu nos acórdãos do T.C.A. Sul de 3-5-2007 e de 15-5-2007, proferidos nos processos 1715/07 e 1780/07.
Em sede de reclamação, encontra-se previsto que possa vir a ser oferecida prova.
Contudo, a mesma só pode fundar, quanto ao órgão de execução fiscal, que o mesmo venha a revogar a decisão proferida – art. 277.º n.º 2 do C.P.P.T. –, o que constitui um acto autónomo ao praticado, e não parece ter as consequências referidas no leque das questões atrás enunciadas na matéria controvertida em segundo lugar.
A audição prévia encontra-se prevista no art. 60.º da L.G.T., antes do indeferimento de pedidos, reclamações, recursos ou petições – assim, al. b) do n.º 1 – sendo dispensada com base em declaração do contribuinte, ou sendo a decisão favorável – assim, ainda o seu n.º 2 al. a).
Quanto à matéria dos autos, que aparentemente caberia na sua regra geral, não há unanimidade jurisprudencial: no sentido da sua aplicação se pronunciaram os acs. do S.T.A. de 14-12-2011 proferido no proc. 01072/11 e o do T.C.A. Sul de 29-11-2011, no proc. 05168/11, com base em se estar face a acto lesivo com tutela ainda no art. 100.º do C.P.A.; em sentido contrário, vieram ainda a pronunciar-se os acs. do S.T.A. de 7-12-11, de 23-2-12, de 7-3-12 e de 9-5-12, nos procs. 0185/12, 059/12, 01054/11 e 0446/12, sendo que neste último sentido se pronuncia ainda o T.C.A. Norte, conforme acs. de 17-11-11 no proc. 00361/11.6BEVIS, e de 18-1-2012, no proc. 361/11.6BECBR.
Segundo estes últimos, tem de haver factos suficientes que justifiquem o contraditório – arts. 3.º n.º 3 do C.P.C. e 52.º n.º 4 da L.G.T. –, os quais parecem que não existiam no requerimento de dispensa que foi inicialmente apresentado em que o recorrente alegou ter apenas o seu ordenado sem que tivesse sequer indicado qual o montante auferido.
b) Conclusão:
Sendo de julgar o recurso interposto improcedente, parece ser de manter o decidido.»

1.4. Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:

A) Contra o ora Reclamante corre, por reversão, no Serviço de Finanças de Loures-1, a execução fiscal nº 1520199501601130 e apensos, para cobrança de dívida da B……, Ldª, à Segurança Social, no montante de € 425.796,97, relativa aos anos de 1994 a 1996 e 1998 a 2000 – cfr. Informação de fls. 3 e Proc. de execução fiscal;

B) O ora Reclamante foi citado em 02/02/2010 e deduziu oposição à execução, autuada em 03/03/2010 – cfr. Informação de fls. 3;

C) Também em 03/03/2010 requereu o ora Reclamante a dispensa de prestação de garantia que não instruiu com qualquer elemento ou requerimento de prova – cfr. Informação de fls. 3 e doc. de fls. 136 a 138;

D) O requerimento referido em C) foi indeferido por despacho do Director de Finanças Adjunto, de 22/08/2011, exarado sobre informação dos serviços a fls. 168, para cuja fundamentação se remete, dando-se aqui por integralmente reproduzidos aqueles despacho e informação;

E) O ora Reclamante foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia em 06/10/2011 – cfr. Informação de fls. 3;

F) A presente Reclamação foi deduzida em 17/10/2011 – carimbo de entrada aposto pelo Serviço de Finanças a fls. 7 e Informação de fls. 3.


3. Sabido que são as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objecto e o âmbito do recurso(O âmbito do recurso é triplamente delimitado: primeiro, pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1ª instância; segundo, pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu; terceiro, pelas questões colocadas nas conclusões do recurso – Vide sobre esta matéria, Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa, 1997, págs. 460-461 e Fernando Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos”, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 103 e segs.) – artigos 684° nº 3 e 690° nº 1 do Código de Processo Civil – as quais, enquanto proposições sintéticas dos fundamentos de facto e/ou de direito por que se pretende a alteração ou a anulação de decisão recorrida, têm de ser lidas no contexto da respectiva alegação do recurso, e sabido que o tribunal não pode conhecer de questões não compreendidas nas conclusões (salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso), conclui-se que as questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal consistem em saber se a sentença recorrida se encontra ferida de nulidade por omissão de pronúncia e se padece de erro de julgamento em matéria de direito, na medida em que:

− no procedimento de dispensa de garantia a administração tributária devia ter dirigido um convite ao requerente para que juntasse os documentos comprovativos da matéria alegada, em conformidade com o disposto no art.º 508.º n.ºs 1 al. b) e 2 do Código de Processo Civil, constituindo essa omissão uma nulidade processual, por integrar uma irregularidade com influência no exame ou na decisão da causa. E tendo o Mmº Juiz julgado correcto e legal o acto reclamado sem ter em atenção essa situação, incorreu em erro de julgamento;

− considerando-se como sanada essa falta com a apresentação de prova na p.i. da reclamação, designadamente com o oferecimento da prova testemunhal arrolada, a falta de produção dessa prova implica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia;

− tendo o reclamante formulado perante o tribunal o pedido de dispensa de garantia, impunha-se ao juiz que se pronunciasse sobre esse pedido, nos termos do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, implicando a ausência dessa pronúncia a nulidade da sentença por omissão de pronúncia;

− a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia devia ter sido precedida de audição prévia do requerente, em conformidade com o disposto no art. 60º n.º 1 da LGT, tendo o Mmº Juiz incorrido em erro de julgamento ao desprezar a violação desse preceito legal.

Importa, primeiramente, verificar se a sentença padece da nulidade que o Recorrente lhe imputa, e só no caso de se concluir que tal vício não se verifica haverá que conhecer do alegado erro de julgamento que lhe é assacado.

3.1. DA NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA.

Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.
Tal nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe o dever funcional de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
Donde decorre que não existe omissão de pronúncia quando o tribunal não pondera os meios probatórios constantes dos autos ou não considera todos os elementos factuais que as partes consideram essenciais para a ilação jurídica que deles pretendem extrair em abono das suas teses, pois saber se determinados factos deviam ou não ter sido objecto de apreciação (para serem julgados provados ou não provados), é matéria que se coloca já no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal.
Neste contexto, torna-se essencial examinar o acto reclamado, as questões colocadas ao tribunal de 1ª instância na reclamação que contra esse acto foi deduzida, bem como o teor da sentença recorrida, para se verificar se ocorreu ou não a arguida nulidade.
O acto reclamado contém a motivação vertida na informação documentada a fls. 168 dos autos, para a qual o Mmº Juiz expressamente remeteu no julgamento da matéria de facto [cfr. al. D) do probatório], acto que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia com a seguinte argumentação:
«(...)
2.5.1. De conformidade com o disposto no n.º 4 do artº. 52° da LGT, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos; a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.

2.5.2 O procedimento de isenção da prestação de garantia é regulamentado pelo art.º 170.º do CPPT, determinando o seu n.º 3 que o pedido de dispensa deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária;

2.5.3. De facto, tal como resulta do n.º 1 do art.º 74º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, neste caso sobre o executado;

2.5.4. Sobre este assunto, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, através do seu Acórdão de 17/12/2008, proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário, no âmbito do proc. 327/08, considerando que, “é sobre o executado que pretende a dispensa de garantia, invocando explicita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido”;

2.5.5. Cabe então apurar se se encontram preenchidos os pressupostos legais que determinam a dispensa da prestação de garantia, bem como os que resultam das instruções veiculadas pelo oficio-circulado n.º 60.077 de 29/07/2010 da DSGCT:

a. Quanto ao prejuízo irreparável, o executado nada refere.

b.Quanto à manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, (...) invoca o requerente não dispor de bens ou rendimentos penhoráveis que lhe permitam prestar uma garantia para um processo de execução que tem um valor de € 425.756,97, bem como não ter rendimentos fixos mensais que lhe permitam obter uma garantia bancária.

2.5.6. Acresce que, o executado deve ainda demonstrar que, em qualquer dos casos, a insuficiência ou inexistência de bens não é da sua responsabilidade;

2.6.7. A este propósito, cumpre referir que aquela responsabilidade deve ser entendida “em termos de dissipação dos bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores”;

2.6.8. Quanto a este último requisito legal o requerente alega, sem provar, que não lhe é imputável a falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis;

2.6.9. Os pressupostos relativos ao prejuízo irreparável e à manifesta falta de meios económico, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, são alternativos, enquanto que o pressuposto relativo à irresponsabilidade do executado pela inexistência ou insuficiência de bens é sempre de verificação necessária;

2.6.10. O executado alega, sem provar, encontrar-se numa situação económica que não lhe permite angariar uma garantia de valor suficiente para prestar no processo de execução fiscal por nomeadamente:

a) viver exclusivamente do seu ordenado, e o seu cônjuge se encontrar numa situação de desemprego;
b) que com os rendimentos auferidos pelo executado o agregado tem de fazer face às despesas, como pagamento da renda de casa, consumos de água, luz e gás, alimentação saúde;
c) não ser proprietário de quaisquer bens imóveis ou móveis sujeitos a registo;
d) não ser titular de depósitos a prazo ou de aplicações financeiras.

Porém, por consulta aos elementos disponíveis foi possível apurar o seguinte:

a) O executado auferiu em 2010 rendimentos de trabalho dependente no valor anual de 433.110,00 pagos pela sociedade C……, SA, NIPC (...);
b) O cônjuge do executado, também executada neste PEF,(...) auferiu nos anos de 2004 a 2008, rendimentos de trabalho dependente pagos pela mesma entidade e que no ano de último ano foram no valor € 30.500,00;
c) à data da sua constituição a C…… era uma sociedade comercial por quotas e seu sócio-gerente era o executado A……, actualmente é uma sociedade anónima com o capital social de € 360.000,00 e o presidente do conselho de administração D……, filho dos executados;
d) Os executados têm conta bancária, pelo menos aquela que declararam na mod. 3 IRS e que lhes permitiu que o reembolso do imposto fosse feito por transferência bancária;
e) O executado foi sócio fundador e gerente das sociedades E……, Lda. e B……, Lda.
f) O executado foi já proprietário do prédio urbano inscrito na matriz (...) e do prédio rústico inscrito na matriz (...). Estes prédios foram vendidos em 2000/11/14 à sociedade (...), sociedade não residente sem estabelecimento estável, que por sua vez os vendeu em 2006-04-18 …… (...), contabilista da E……, Lda. e da C……, Lda., sociedades de que o executado foi sócio-gerente;
2.6.11. Estas ligações levam a suspeitar que o desemprego do cônjuge do executado não é involuntário e que a alienação dos imóveis foi feita com intuito de diminuir a garantia dos credores. As dívidas são anteriores à alienação dos bens;

2.6.12. 0 Requerente alega que não tem contas a prazo ou aplicações financeiras, mas não esclarece qual o destino dado ao produto da venda dos imóveis ou participações sociais;

2.6.13. Diz pagar renda de casa, facto que não provou, verificando-se através do anexo H modelo 3 de IRS que não foram declaradas rendas pagas;

2.6.14. Assim, não tendo o executado demonstrado a falta ou insuficiência de bens penhoráveis, nomeadamente contas a prazo, aplicações financeiras ou participações sociais, bem como não demonstrou a falta de responsabilidade na insuficiência de bens penhoráveis, não se poderá concluir pela verificação dos pressupostos que permitem a dispensa de garantia, uma vez que lhe competia fazer prova da verificação dos pressupostos para a dispensa de garantia, o que não fez.».

Inconformado com tal decisão, proferida por entidade da administração tributária distinta do órgão de execução fiscal (No caso vertente, a entidade competente para autorizar a dispensa de prestação de garantia é o órgão periférico regional (Direcção de Finanças de Lisboa) e não o órgão da execução fiscal (Serviço de Finanças de , uma vez que o valor da dívida exequenda (€ 425.756,97) é superior a 500 Unidades de Conta, em conformidade com o disposto no n.º 8 do art.º 199.º do CPPT, conjugado com o n.º 2 do art.º 197.º do mesmo Código.), em procedimento tributário autónomo que corre paralelamente ao processo de execução, o executado apresentou reclamação judicial para o tribunal tributário de 1ª instância, ao abrigo da norma contida no artigo 276.º do CPPT (Segundo o qual, as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiros são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância.) e no artigo 103.º da LGT, invocando, essencialmente, o seguinte:

i. para indeferir o pedido de dispensa de prestação de garantia, a Administração Tributária baseou-se em meras suspeitas e factos ocorridos há vários anos, os quais não são suficientes nem idóneos para “fazer qualquer prova no sentido de que, a insuficiência ou a inexistência de bens ou a falta de capacidade para prestar garantia no processo ora em causa seja da responsabilidade do Reclamante”. E para “rebater todos os factos alegados pela Administração Tributária, por forma a fazer contraprova dos mesmos, demonstrando, outrossim, a situação financeira actual do Reclamante”, alega factos para contestar a veracidade e a pertinência dos elementos factuais aduzidos no acto reclamado (artigos 4.º a 44.º da p.i.);

ii. por outro lado, em face do que ora alega e da prova que agora oferece para demonstrar a sua situação financeira, defende que o tribunal deve considerar como preenchidos todos os requisitos previstos no art.º 52.º, n.º 4 da LGT para deferir o pedido de dispensa de prestação de garantia (artigos 45.º a 48.º da p.i.);

iii. por fim, invoca que a actuação da Administração deve ser subsumida ao instituto do abuso de direito, uma vez que no processo de oposição que deduziu à execução fiscal invocou a prescrição da dívida exequenda e a caducidade do direito à liquidação (artigos 49.º e segs. da p.i.).

A sentença recorrida julgou improcedente a reclamação por entender, em suma, que era ao executado/requerente que incumbia provar, junto da entidade administrativa competente, a insuficiência de meios económicos para suportar os encargos decorrentes da prestação da garantia necessária para caucionar uma dívida de € 425.756,97, pois que segundo o n.º 3 do art.º 170.º do CPPT 0 pedido “deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária”, e nos termos do n.º 1 do art.º342.º do C.Civil “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.Prova que o Requerente não fez, pois nem instruiu o pedido de dispensa de prestação garantia que dirigiu à autoridade administrativa com competência para autorizar a sua pretensão com prova do alegado, nem requereu no procedimento a produção de qualquer prova, tendo-se limitado a alegar, sem tentar demonstrar, a sua falta de meios económicos.

Como aí se deixou afirmado, «... o ónus da prova dos requisitos de que depende e a dispensa de prestação de garantia cabe ao interessado e não à Administração Tributária. E tal prova tem de ser produzida logo com o requerimento de dispensa ou, pelo menos, requerida até esse momento (...).
Limitando-se a Reclamante a requerer a dispensa de prestação de garantia desacompanhada de qualquer elemento de prova sobre os requisitos de que depende, no erróneo entendimento de que o ónus recai sobre a Administração Tributária, nenhuma censure merece a decisão de indeferimento do pedido sustentada na falta de prova quanto aos pressupostos de que depende.
E assentando a decisão de indeferimento na falta de prova dos requisitos de que depende a dispensa, não pode a Reclamante pretender agora questionar os pressupostos da decisão através da demonstração superveniente dos factos que integram tais requisitos ou com base em factos supervenientes, razão pela qual seria inútil proceder à inquirição das testemunhas arroladas.».

Daqui resulta, pois, a nosso ver, que a decisão recorrida apreciou a questão suscitada no que toca ao apelo que o reclamante dirigiu ao tribunal para que julgasse, face à matéria que alegou na petição inicial da reclamação e da prova aí oferecida, como preenchidos todos os requisitos legais para o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, tendo-a decidido no sentido de que a alegação e prova dos requisitos para a autorização de dispensa de prestação de garantia tinha de ser feita perante a autoridade tributária que goza de competência para conceder essa autorização e cuja actuação está a ser sindicada pelo tribunal, a este incumbindo apenas examinar a legalidade dessa actuação à luz dos pressupostos enunciados no acto reclamado, não podendo o interessado vir a tribunal fazer a alegação e demonstração superveniente da verificação desses requisitos com vista a colher do tribunal a referida autorização. Razão por que julgou inútil proceder à produção da prova oferecida pelo Reclamante.
E esta pronúncia, nos termos que ficaram expressos, tem-se como suficiente e legal para efeitos das exigências decorrentes da alínea d) do nº 1 do art. 668º do Código de Processo Civil, independentemente da bondade do assim decidido – questão que se subsume já a eventual erro de julgamento e não à nulidade por omissão de pronúncia.

Neste enfoque, e considerando ainda, como acima se deixou já referido, que não há omissão de pronúncia quando o tribunal não pondera os meios probatórios oferecidos ou não considera os elementos factuais que as partes consideram essenciais para a ilação jurídica que deles pretendem extrair, nunca poderia proceder a arguida nulidade da sentença por falta de produção da prova testemunhal arrolada.

Em conclusão, não assiste razão ao Recorrente quando argui a nulidade da sentença, tendo em conta que essa arguição vinha unicamente alicerçada na omissão de pronúncia sobre o pedido de dispensa da prestação de garantia que formulou na reclamação dirigida ao tribunal, e na falta de produção da prova testemunhal que para o efeito arrolou na p.i. dessa reclamação judicial.

3.2. DO ERRO DE JULGAMENTO.

Como se viu, o Recorrente invoca que a sentença padece de erro de julgamento na medida em que julgou correcta e legal a decisão reclamada sem ter em atenção que fora cometida uma nulidade processual no procedimento tributário, traduzida na omissão de convite para que fossem juntos documentos comprovativos da matéria alegada sobre a insuficiência de meios económicos, o que constituiria, na sua óptica, violação do comando legal contido no art.º 508.º n.ºs 1 al. b) e 2 do Código de Processo Civil. Para além disso, teria incorrido em erro ao julgar correcta e legal a decisão reclamada sem ter em atenção que ela fora proferida sem prévia audição do requerente, com o que se teria preterido a formalidade procedimental imposta pelo art. 60º n.º 1 da Lei Geral Tributária.
Trata-se, porém, de questões que não foram suscitadas perante o Tribunal “a quo” e que não foram, por isso, enfrentadas ou conhecidas na sentença recorrida, só tendo sido invocadas no presente recurso jurisdicional.
Ora, como é por demais sabido, por constituir posição constante e pacífica da jurisprudência e da doutrina (Sobre a matéria, veja-se, designadamente, ABRANTES GERALDES, in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, pág. 23, ou LOPES DO REGO, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, Volume I, 2.ª Edição, pág. 566., e AMÂNCIO FERREIRA, in “Manual dos Recursos em Processo Civil,” 9.ª Edição, pág. 153 a 158.), os recursos jurisdicionais ordinários destinam-se a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação ou reapreciação da decisão proferida pelo tribunal hierarquicamente inferior, e não a obter decisões sobre questões novas, isto é, questões que não foram nem tinham que ser objecto da decisão recorrida, salvo se estas forem de conhecimento oficioso e não estiverem já resolvidas por decisão transitada em julgado.

Os recursos visam, pois, modificar a decisão de que se recorre, tendo em conta que o seu objectivo é eliminar eventuais erros de apreciação e de julgamento verificados naquela decisão, como aliás resulta do disposto nos arts. 676º, nº 1, do Código de Processo Civil (subsidiariamente aplicável ao contencioso tributário por força do art.º 2.º, al. e) do CPPT) e se pode confirmar, por exemplo, pela definição do conteúdo necessário das alegações de recurso e respectivas conclusões (cfr., em especial, os nºs 1 e 2 do artigo 690º ou o nº 1 do artigo 690º-A do mesmo Código), ressalvando-se, naturalmente, a hipótese de se tratar de questões de conhecimento oficioso

Ora, no caso vertente, as questões que o recorrente afirma terem sido erradamente julgadas – e que se reconduzem, por um lado, à nulidade processual cometida no procedimento que correu perante a administração tributária para apreciação do pedido de dispensa de garantia, por omissão de formalidade prescrita no art.º 508.º n.º 1, al. b), e n.º 2 do CPC, isto é, por omissão de convite para junção de prova, e, por outro lado, à preterição de formalidade procedimental por omissão do direito de audição previsto no art.º 60.º da LGT – não só não foram colocadas ao tribunal “a quo”, como não constituem questões de conhecimento oficioso.

Na verdade, enquanto a aludida nulidade processual tinha de ser arguida pela parte interessada nos termos e prazos previstos nos art.ºs 202.º e segs. do CPC, não constituindo uma nulidade de que o tribunal pudesse conhecer oficiosamente, a falta de audição do interessado nos termos do art.º 60.º da LGT consubstancia um vício procedimental que se repercute no acto final desse procedimento e que apenas pode conduzir à anulação desse acto, tendo, assim, de ser arguido pela parte nos termos e prazos previstos na lei, e não a todo o tempo como acontece com os actos feridos de nulidade.

Com efeito, no domínio do direito administrativo, do qual o direito tributário constitui área especial, rege o princípio geral da anulabilidade, só sendo feridos de nulidade, invocável a todo o tempo, «os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade», sendo anuláveis todos «os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção», tudo em conformidade com o preceituado nos artigos 133.º e 135.º do Código de Procedimento Administrativo.

Nestes termos, não estando em causa matéria de conhecimento oficioso, não podia o Tribunal “a quo” ter conhecido, como efectivamente não conheceu, das aludidas questões, não logrando, assim, êxito o invocado erro de julgamento que teria sido cometido na sentença.
E não podendo, igualmente, o Tribunal “ad quem” conhecer de tais questões, a decisão recorrida é de manter.

4. Termos em que acordam os juízes deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 5 de Setembro de 2012. – Dulce Manuel Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Lino Ribeiro.