Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 059/13 |
Data do Acordão: | 02/06/2013 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | EXECUÇÃO FISCAL GARANTIA HIPOTECA |
Sumário: | I – O art. 199.º, n.º 2, do CPPT confere à AT uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não idónea para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, impondo-se, especificamente, nos casos da hipoteca voluntária e do penhor, a concordância da administração tributária.
II – Para efeito do disposto nos arts. 169.º e 199.º do CPPT, garantia idónea será aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento da totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos. III – A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. IV – Resultando do probatório que o valor dos créditos garantidos por hipoteca e penhora anteriormente registadas é superior ao valor da garantia que o executado pretendia prestar por meio de nova hipoteca sobre o mesmo imóvel, não se afigura ilegal, inadequado, desnecessário ou desrazoável o despacho da autoridade tributária que não considerou tal garantia idónea para suspender a execução fiscal. |
Nº Convencional: | JSTA00068093 |
Nº do Documento: | SA220130206059 |
Data de Entrada: | 01/17/2013 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TAF BRAGA |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL |
Legislação Nacional: | CPPT99 ART276 ART278 ART169 N1 N7 ART199 N1 N2 LGT ART52 |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC034/13 DE 2013/01/30; AC STA PROC0786/11 DE 2011/09/21; AC STA PROC0730/12 DE 2012/07/11; AC STA PROC0916/12 DE 2012/10/10; AC STA PROC0208/12 DE 2012/03/14 |
Referência a Doutrina: | RUI DUARTE MORAIS A EXECUÇÃO FISCAL PAGS77. ALFREDO JOSÉ DE SOUSA E JOSÉ SILVA PAIXÃO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO PAG474. JORGE LOPES DE SOUSA CPPT ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII ANOTAÇÃO AO ART199. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | 1. RELATÓRIO
1.1 A……….. (a seguir Executado, Reclamante ou Recorrente), invocando o disposto nos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou junto do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga do acto do Chefe do Serviço de Finanças de Braga 2 que lhe indeferiu o pedido de prestação de garantia através de hipoteca ( Embora no requerimento apresentado para prestação de garantia, o Executado não tenha indicado essa modalidade de prestação de garantia, antes se tendo limitado a apresentar o referido imóvel para prestação de garantia «real e idónea», foi assim que o pedido foi interpretado pelo órgão da execução fiscal e pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, sem que o ora Recorrido tenha manifestado discordância com tal interpretação.) sobre um determinado prédio, em ordem à suspensão do processo executivo na sequência da oposição que deduziu. 1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a reclamação improcedente. Para tanto, em resumo, considerou que bem andou o órgão da execução fiscal ao indeferir o pedido por inidoneidade da garantia oferecia – hipoteca sobre um bem imóvel –, uma vez que sobre o prédio já incidiam uma hipoteca e uma penhora para garantia do pagamento de valores cuja soma excede o do seu valor patrimonial tributário (VPT). 1.3 O Reclamante não se conformou com essa sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: b) Conclui a ilustre julgadora na douta sentença, “(…) é notório que a garantia oferecida pelo reclamante não é idónea para assegurar os créditos exequendos (…)”. c) Salvo melhor interpretação, os argumentos aduzidos pelo Tribunal a quo não colhem entendimento legal, fazendo errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas aplicáveis in caso, mais concretamente as que regem a prestação de garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, mais concretamente o art. 52.º e o n.º 1 do art. 74.º da LGT, bem como os artigos 169.º, 199.º e 200.º do CPPT. d) Tal entendimento não tem qualquer fundamento legal, também por violação da lei e do princípio da proporcionalidade, vertido no art. 18.º, n.º 2 da CRP, pois, não podendo o direito de cobrar impostos, em circunstância alguma, sobrepor-se a procedimentos que onerem, excessiva e desproporcionalmente, o contribuinte, razão pela qual mal andou a sentença recorrida. e) Desde logo porquanto, em face da soma do valor patrimonial tributário do imóvel oferecido como garantia, o mesmo era mais do que suficiente para assegurar o pagamento da dívida exequenda (o montante total da garantia foi fixado pelo serviço de Finanças em € 75.568,41 e o valor total da garantia oferecido ascendia a um montante consideravelmente superior, de € 78.716,43); f) Os fundamentos invocados pela Administração Tributária (AT) e arrogados na sentença recorrida, referentes à liquidez e ao grau de risco da execução de garantia, introduzem uma restrição ao conceito de idoneidade de garantia sem suporte legal, não constituindo parâmetros relevantes no juízo de aferição da idoneidade da garantia oferecida. g) E na falta de uma definição legal de garantia idónea, pode afirmar-se que o conceito de idoneidade depende da capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, assegurar a efectiva cobrança de créditos garantidos - artigos 169.º, 199.º e 217.º da LGT (Acórdão do STA, de 21/09/2011, rec. n.º 0786/11 e Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6.ª edição, Áreas Editora, Vol. III, anotação 2 ao art. 199.º). h) Com efeito, quanto ao valor da garantia é expresso o disposto no art. 199.º n.º 5 do CPPT ao valor a que se refere: “dívida exequenda, juros de mora até ao termo do prazo de pagamento com o limite de 5 anos e custas na totalidade, acrescida de 25% da soma daqueles valores”. i) No despacho reclamado o órgão de execução fiscal considerou não obstante o valor patrimonial dos imóveis exceder o valor da garantia a prestar, considerou que o valor dos mesmos a ter em conta, para efeitos de aferir a sua suficiência para garantia da quantia exequenda e acrescidos, deveria ter-se em conta o valor líquido dos imóveis prestados para garantia, e no caso, considerou a garantia prestada insusceptível de assegurar o crédito tributário. j) Contudo, para avaliar da suficiência da garantia oferecida sobre imóveis, não pode o órgão de execução fiscal fixar outro valor que não seja o patrimonial constante da respectiva matriz ou em acto de avaliação desencadeado para o efeito. k) Concluímos pois que a lógica do raciocínio que conduziu à prolação do despacho reclamado não tem acolhimento legal, para efeitos de se avaliar da suficiência da garantia oferecida. l) A AT não pode recusar a constituição da garantia oferecida, com o fundamento de que esta não lhe dá segurança absoluta do seu crédito e com absoluto desprezo pelos interesses legítimos do executado. m) Sobre a concreta idoneidade da garantia oferecida, a proposição constante do n.º 2 do art. 199.º do CPPT inscreve-se na linha de jurisprudência consistente do STA-SCT, segundo a qual qualquer garantia oferecida não pode ser recusada se o seu valor assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, sob pena de errónea interpretação e aplicação do art. 52.º n.º 3 LGT em conjugação com o art. 199.º n.ºs 4 e 5 CPPT (acórdãos 15.02.2012 processo n.º 126/12; 27.06.2012 processo n.º 646/12 e 11.07.2012 processo n.º 730/12). n) No acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.02.2012 - Processo 0126/12, ficaram bem claros os termos em que deve ser apreciada a idoneidade da garantia na perspectiva do equilíbrio interesse do credor/ interesse executado. o) Voltando ao caso dos autos, o órgão decisor, assim como a ilustre Julgadora deram como provado que o valor do VPT (valores patrimoniais tributários) do prédio urbano prestado para garantia ascende a 78.716,43 € é superior ao valor da garantia a prestar (75.568,41 €), ainda assim, argumentam a não admissibilidade da garantia, apenas com o argumento de maior segurança e qualidade (liquidez imediata). p) Nota-se que a AT deve pautar a sua actuação de acordo com o princípio da proporcionalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2 da CRP, art. 55.º da LGT, art. 46.º do CPPT e art. 5.º, n.º 2 do CPA), o que aponta para a necessidade de ponderação dos interesses em jogo, em molde a não sacrificar nenhum deles. q) Em suma, a partir do momento que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo acrescido, a Administração fiscal não pode recusar com fundamento em aspectos qualitativos da garantia, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do art. 199.º do CPPT conjugado como n.º 5 do art. 52.º da LGT. r) E não se vislumbra que desta interpretação resulte prejuízo para a Administração Fiscal e garantia de créditos na execução fiscal até porque a lei lhe permite «em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem garantia, ordenar o reforço da mesma», nos termos do disposto no n.º 9 do art. 199.º do CPPT e n.º 3 do art. 52.º da LGT. s) A Administração fiscal goza, desta forma, de lata margem de liberdade na aplicação destes mecanismos, que lhe permitem assegurar o crédito exequendo, mas tem de obedecer à lei nos aspectos vinculados, não podendo na interpretação e aplicação da mesma pôr em causa as valorações que são próprias do legislador, subvertendo o sentido e alcance que o mesmo pretendeu dar às normas, em especial aos artigos 199.º do CPPT e 52.º, n.º 5, da LGT. t) A proceder a interpretação sufragada pela Administração fiscal, esta passaria a estar legitimada a estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata, acabando assim por recusar não só a hipoteca como o próprio penhor, porque normalmente este também não dá garantias de imediata liquidez, restringindo o quadro legal de garantias que o legislador quis aberto (No mesmo sentido cfr. o Acórdão do STA, de 14/03/2012, rec. n.º 208/12). Nestes termos e nos demais de Direito, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser procedente por provado, e em consequência, ser a douta sentença recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Reclamação procedente» (Porque usamos o itálico na transcrição, as partes que no original estavam em itálico surgem aqui em tipo normal, a fim de se respeitar o destaque que lhes foi concedido pela Recorrente.). 1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo. 1.5 Não foram apresentadas contra alegações. 1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso. Isto, com a seguinte fundamentação: «O referido conceito [de “garantia idónea”] é indeterminado, mas implica quanto ao valor a considerar para efeitos de garantia que a mesma seja ainda apreciada quanto a uma tal afectação, o que deve afastar a consideração sem mais do que resulta quanto ao valor patrimonial tributário do respectivo imóvel. 1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo. 1.8 A questão suscitada pelo Recorrente é a de saber de se (a sentença fez correcto julgamento quando considerou que) o órgão da execução fiscal pode recusar a garantia oferecida sob a forma de hipoteca sob um bem imóvel com o fundamento em inidoneidade da garantia, por sobre o prédio incidirem já hipoteca e penhora para garantia de valor que excede o respectivo valor patrimonial tributário (VPT). * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: B. No dia 12/11/2011, o reclamante deduziu oposição contra as referidas execuções fiscais, a qual corre termos neste Tribunal com o n.º 1873/1 1 BEBRG; C. No dia 26/11/2012, após notificação para prestar garantia no montante de € 75.568,41, nos termos do art. 169.º, n.ºs 2 e 10 do CPPT, o reclamante ofereceu como garantia a constituição de hipoteca sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo U 2091-R, da freguesia de …….., concelho de Braga, com o valor patrimonial de € 78.716,43, para efeitos de suspensão da execução fiscal até à decisão do pleito; D. Sobre o dito prédio incidem as penhoras e hipotecas descritas na informação oficial de fls. 26/27, as quais atingem o valor global de € 96.156,88; E. No dia 15/6/2012, o reclamante informou o Serviço de Finanças de Braga 2 que, por requerimento apresentado a 23/6/2012 no processo de insolvência a correr termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, havia requerido o cancelamento dos ónus e encargos que incidem sobre o referido prédio; F. Por despacho de 4/7/2012, do Exmo. Senhor Director de Finanças de Braga, foi indeferido o pedido de aceitação de garantia, por se considerar que os bens oferecidos não constituem garantia idónea, atento o valor dos ónus registados; G. No dia 21/07/2012, foi apresentada a presente reclamação». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR Numa execução fiscal instaurada contra uma sociedade e que prossegue contra o ora Recorrido na qualidade de responsável subsidiário, este deduziu oposição à execução. * 2.2.2 DA INIDONEIDADE DA GARANTIA OFERECIDA A questão a dirimir já foi colocada, em termos em tudo idênticos (As conclusões das alegações de recurso, à excepção das referências específicas aos casos sub judice em cada um dos processos, são em tudo idênticas.), a este Supremo Tribunal Administrativo, que lhe deu resposta através do acórdão de 30 de Janeiro de 2013, proferido no processo com o n.º 34/13. «Da idoneidade da garantia oferecida. De harmonia com o disposto no artigo 199.º n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário a prestação de garantia, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal, pode ser efectuada por garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente. […] Argumenta também a recorrente que ocorreu violação do princípio da proporcionalidade e que a Administração Tributária actuou com «absoluto desprezo dos interesses legítimos do executado». * 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, decalcadas do sumário doutrinal do referido acórdão de 30 de Janeiro de 2013, proferido no processo com o n.º 34/13: * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso. Custas pelo Recorrente. * Lisboa, 6 de Fevereiro de 2013. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs – Casimiro Gonçalves. |