Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:059/13
Data do Acordão:02/06/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
HIPOTECA
Sumário:I – O art. 199.º, n.º 2, do CPPT confere à AT uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não idónea para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, impondo-se, especificamente, nos casos da hipoteca voluntária e do penhor, a concordância da administração tributária.

II – Para efeito do disposto nos arts. 169.º e 199.º do CPPT, garantia idónea será aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento da totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos.

III – A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.

IV – Resultando do probatório que o valor dos créditos garantidos por hipoteca e penhora anteriormente registadas é superior ao valor da garantia que o executado pretendia prestar por meio de nova hipoteca sobre o mesmo imóvel, não se afigura ilegal, inadequado, desnecessário ou desrazoável o despacho da autoridade tributária que não considerou tal garantia idónea para suspender a execução fiscal.

Nº Convencional:JSTA00068093
Nº do Documento:SA220130206059
Data de Entrada:01/17/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CPPT99 ART276 ART278 ART169 N1 N7 ART199 N1 N2
LGT ART52
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC034/13 DE 2013/01/30; AC STA PROC0786/11 DE 2011/09/21; AC STA PROC0730/12 DE 2012/07/11; AC STA PROC0916/12 DE 2012/10/10; AC STA PROC0208/12 DE 2012/03/14
Referência a Doutrina:RUI DUARTE MORAIS A EXECUÇÃO FISCAL PAGS77.
ALFREDO JOSÉ DE SOUSA E JOSÉ SILVA PAIXÃO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO PAG474.
JORGE LOPES DE SOUSA CPPT ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII ANOTAÇÃO AO ART199.
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A……….. (a seguir Executado, Reclamante ou Recorrente), invocando o disposto nos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou junto do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga do acto do Chefe do Serviço de Finanças de Braga 2 que lhe indeferiu o pedido de prestação de garantia através de hipoteca ( Embora no requerimento apresentado para prestação de garantia, o Executado não tenha indicado essa modalidade de prestação de garantia, antes se tendo limitado a apresentar o referido imóvel para prestação de garantia «real e idónea», foi assim que o pedido foi interpretado pelo órgão da execução fiscal e pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, sem que o ora Recorrido tenha manifestado discordância com tal interpretação.) sobre um determinado prédio, em ordem à suspensão do processo executivo na sequência da oposição que deduziu.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a reclamação improcedente. Para tanto, em resumo, considerou que bem andou o órgão da execução fiscal ao indeferir o pedido por inidoneidade da garantia oferecia – hipoteca sobre um bem imóvel –, uma vez que sobre o prédio já incidiam uma hipoteca e uma penhora para garantia do pagamento de valores cuja soma excede o do seu valor patrimonial tributário (VPT).

1.3 O Reclamante não se conformou com essa sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
a) A discórdia entre o aqui Recorrente e a Administração Tributária (AT) reconduz-se em saber o que consubstancia o conceito impreciso/indeterminado de “garantia idónea”, se no que se refere à constituição de garantias sobre imóveis, deve ou não ter-se em conta o seu valor líquido, resultante da dedução do VPT dos ónus ou encargos que sobre eles incidem.

b) Conclui a ilustre julgadora na douta sentença, “(…) é notório que a garantia oferecida pelo reclamante não é idónea para assegurar os créditos exequendos (…)”.

c) Salvo melhor interpretação, os argumentos aduzidos pelo Tribunal a quo não colhem entendimento legal, fazendo errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas aplicáveis in caso, mais concretamente as que regem a prestação de garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, mais concretamente o art. 52.º e o n.º 1 do art. 74.º da LGT, bem como os artigos 169.º, 199.º e 200.º do CPPT.

d) Tal entendimento não tem qualquer fundamento legal, também por violação da lei e do princípio da proporcionalidade, vertido no art. 18.º, n.º 2 da CRP, pois, não podendo o direito de cobrar impostos, em circunstância alguma, sobrepor-se a procedimentos que onerem, excessiva e desproporcionalmente, o contribuinte, razão pela qual mal andou a sentença recorrida.

e) Desde logo porquanto, em face da soma do valor patrimonial tributário do imóvel oferecido como garantia, o mesmo era mais do que suficiente para assegurar o pagamento da dívida exequenda (o montante total da garantia foi fixado pelo serviço de Finanças em € 75.568,41 e o valor total da garantia oferecido ascendia a um montante consideravelmente superior, de € 78.716,43);

f) Os fundamentos invocados pela Administração Tributária (AT) e arrogados na sentença recorrida, referentes à liquidez e ao grau de risco da execução de garantia, introduzem uma restrição ao conceito de idoneidade de garantia sem suporte legal, não constituindo parâmetros relevantes no juízo de aferição da idoneidade da garantia oferecida.

g) E na falta de uma definição legal de garantia idónea, pode afirmar-se que o conceito de idoneidade depende da capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, assegurar a efectiva cobrança de créditos garantidos - artigos 169.º, 199.º e 217.º da LGT (Acórdão do STA, de 21/09/2011, rec. n.º 0786/11 e Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6.ª edição, Áreas Editora, Vol. III, anotação 2 ao art. 199.º).

h) Com efeito, quanto ao valor da garantia é expresso o disposto no art. 199.º n.º 5 do CPPT ao valor a que se refere: “dívida exequenda, juros de mora até ao termo do prazo de pagamento com o limite de 5 anos e custas na totalidade, acrescida de 25% da soma daqueles valores”.

i) No despacho reclamado o órgão de execução fiscal considerou não obstante o valor patrimonial dos imóveis exceder o valor da garantia a prestar, considerou que o valor dos mesmos a ter em conta, para efeitos de aferir a sua suficiência para garantia da quantia exequenda e acrescidos, deveria ter-se em conta o valor líquido dos imóveis prestados para garantia, e no caso, considerou a garantia prestada insusceptível de assegurar o crédito tributário.

j) Contudo, para avaliar da suficiência da garantia oferecida sobre imóveis, não pode o órgão de execução fiscal fixar outro valor que não seja o patrimonial constante da respectiva matriz ou em acto de avaliação desencadeado para o efeito.

k) Concluímos pois que a lógica do raciocínio que conduziu à prolação do despacho reclamado não tem acolhimento legal, para efeitos de se avaliar da suficiência da garantia oferecida.

l) A AT não pode recusar a constituição da garantia oferecida, com o fundamento de que esta não lhe dá segurança absoluta do seu crédito e com absoluto desprezo pelos interesses legítimos do executado.

m) Sobre a concreta idoneidade da garantia oferecida, a proposição constante do n.º 2 do art. 199.º do CPPT inscreve-se na linha de jurisprudência consistente do STA-SCT, segundo a qual qualquer garantia oferecida não pode ser recusada se o seu valor assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, sob pena de errónea interpretação e aplicação do art. 52.º n.º 3 LGT em conjugação com o art. 199.º n.ºs 4 e 5 CPPT (acórdãos 15.02.2012 processo n.º 126/12; 27.06.2012 processo n.º 646/12 e 11.07.2012 processo n.º 730/12).

n) No acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.02.2012 - Processo 0126/12, ficaram bem claros os termos em que deve ser apreciada a idoneidade da garantia na perspectiva do equilíbrio interesse do credor/ interesse executado.

o) Voltando ao caso dos autos, o órgão decisor, assim como a ilustre Julgadora deram como provado que o valor do VPT (valores patrimoniais tributários) do prédio urbano prestado para garantia ascende a 78.716,43 € é superior ao valor da garantia a prestar (75.568,41 €), ainda assim, argumentam a não admissibilidade da garantia, apenas com o argumento de maior segurança e qualidade (liquidez imediata).

p) Nota-se que a AT deve pautar a sua actuação de acordo com o princípio da proporcionalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2 da CRP, art. 55.º da LGT, art. 46.º do CPPT e art. 5.º, n.º 2 do CPA), o que aponta para a necessidade de ponderação dos interesses em jogo, em molde a não sacrificar nenhum deles.

q) Em suma, a partir do momento que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo acrescido, a Administração fiscal não pode recusar com fundamento em aspectos qualitativos da garantia, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do art. 199.º do CPPT conjugado como n.º 5 do art. 52.º da LGT.

r) E não se vislumbra que desta interpretação resulte prejuízo para a Administração Fiscal e garantia de créditos na execução fiscal até porque a lei lhe permite «em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem garantia, ordenar o reforço da mesma», nos termos do disposto no n.º 9 do art. 199.º do CPPT e n.º 3 do art. 52.º da LGT.

s) A Administração fiscal goza, desta forma, de lata margem de liberdade na aplicação destes mecanismos, que lhe permitem assegurar o crédito exequendo, mas tem de obedecer à lei nos aspectos vinculados, não podendo na interpretação e aplicação da mesma pôr em causa as valorações que são próprias do legislador, subvertendo o sentido e alcance que o mesmo pretendeu dar às normas, em especial aos artigos 199.º do CPPT e 52.º, n.º 5, da LGT.

t) A proceder a interpretação sufragada pela Administração fiscal, esta passaria a estar legitimada a estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata, acabando assim por recusar não só a hipoteca como o próprio penhor, porque normalmente este também não dá garantias de imediata liquidez, restringindo o quadro legal de garantias que o legislador quis aberto (No mesmo sentido cfr. o Acórdão do STA, de 14/03/2012, rec. n.º 208/12).

Nestes termos e nos demais de Direito, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser procedente por provado, e em consequência, ser a douta sentença recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Reclamação procedente» (Porque usamos o itálico na transcrição, as partes que no original estavam em itálico surgem aqui em tipo normal, a fim de se respeitar o destaque que lhes foi concedido pela Recorrente.).

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.5 Não foram apresentadas contra alegações.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso. Isto, com a seguinte fundamentação:

«O referido conceito [de “garantia idónea”] é indeterminado, mas implica quanto ao valor a considerar para efeitos de garantia que a mesma seja ainda apreciada quanto a uma tal afectação, o que deve afastar a consideração sem mais do que resulta quanto ao valor patrimonial tributário do respectivo imóvel.
Com efeito, tal equivaleria a ignorar que este pode ser objecto de outros direitos e deveres, como os referidos ónus registados.
Sendo um conceito que deve ser preenchido com as cautelas, de acordo com o que vem sendo decidido pelo do S.T.A., nomeadamente nos seus acórdãos de 21-9-11 e de 15-2-12 proferidos nos processos 786/11 e 0126/12, em face do previsto no art. 199.º n.º 2 do C.P.P.T., já se decidiu que “ao fazer depender a hipoteca da concordância da Administração tributária, significa maior liberdade de apreciação do pedido, que implica deveres acrescidos de fundamentação, devendo a recusa alicerçar-se em razões objectivas, que hão-de assentar fundamentalmente na insuficiência dos bens objecto da garantia, bem como o respeito pelo princípio da proporcionalidade”.
Ora, o valor dos ónus registados configura-se como um dado objectivo, considerando a preferência atribuída pelos mesmos de pagamento sobre os demais credores, conforme previsto nos arts. 686.º e 822.º do C. Civil, respectivamente, quanto à hipoteca e à penhora, conforme foi indicado na sentença recorrida.
Por outro lado, em face de ter sido ainda considerado que, em face do imóvel patrimonial do imóvel é de € 78.716,43 e serem os ónus de valor superior ao valor que importa garantir, resulta ainda não ofendido o princípio da proporcionalidade».

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.8 A questão suscitada pelo Recorrente é a de saber de se (a sentença fez correcto julgamento quando considerou que) o órgão da execução fiscal pode recusar a garantia oferecida sob a forma de hipoteca sob um bem imóvel com o fundamento em inidoneidade da garantia, por sobre o prédio incidirem já hipoteca e penhora para garantia de valor que excede o respectivo valor patrimonial tributário (VPT).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«
A. No Serviço de Finanças de Braga-2 corre termos o processo de execução fiscal n.º 3425201001093258 e apensos, instaurado contra a sociedade B…………., S.A., NIPC ………….. para cobrança de dívidas de IVA no valor de € 54.954,37 acrescido de juros de, mora e custas no montante de € 6.082,84, perfazendo o valor global de € 61.037,21, dívidas que reverteram contra o ora reclamante;

B. No dia 12/11/2011, o reclamante deduziu oposição contra as referidas execuções fiscais, a qual corre termos neste Tribunal com o n.º 1873/1 1 BEBRG;

C. No dia 26/11/2012, após notificação para prestar garantia no montante de € 75.568,41, nos termos do art. 169.º, n.ºs 2 e 10 do CPPT, o reclamante ofereceu como garantia a constituição de hipoteca sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo U 2091-R, da freguesia de …….., concelho de Braga, com o valor patrimonial de € 78.716,43, para efeitos de suspensão da execução fiscal até à decisão do pleito;

D. Sobre o dito prédio incidem as penhoras e hipotecas descritas na informação oficial de fls. 26/27, as quais atingem o valor global de € 96.156,88;

E. No dia 15/6/2012, o reclamante informou o Serviço de Finanças de Braga 2 que, por requerimento apresentado a 23/6/2012 no processo de insolvência a correr termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, havia requerido o cancelamento dos ónus e encargos que incidem sobre o referido prédio;

F. Por despacho de 4/7/2012, do Exmo. Senhor Director de Finanças de Braga, foi indeferido o pedido de aceitação de garantia, por se considerar que os bens oferecidos não constituem garantia idónea, atento o valor dos ónus registados;

G. No dia 21/07/2012, foi apresentada a presente reclamação».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Numa execução fiscal instaurada contra uma sociedade e que prossegue contra o ora Recorrido na qualidade de responsável subsidiário, este deduziu oposição à execução.
O órgão de execução fiscal, em ordem ao cumprimento do disposto no art. 169.º, n.ºs 1 a 7, do CPPT, aplicável ex vi do n.º 10 do mesmo artigo, liquidou o montante da garantia a prestar para a suspensão da execução fiscal e notificou o Executado revertido para prestar garantia.
Este veio oferecer garantia sob a forma de hipoteca sobre um determinado prédio.
O órgão da execução fiscal, com o fundamento de que sobre o prédio estavam registadas uma hipoteca e uma penhora para garantia do pagamento de valores que excedem o VPT daquele imóvel, considerou inidónea a garantia oferecida.
O Executado reclamou dessa decisão para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pedindo que a mesma seja anulada.
Perante o indeferimento dessa reclamação judicial, o Reclamante interpôs recurso da sentença para este Supremo Tribunal Administrativo, insistindo na tese sustentada na reclamação, de que a garantia oferecida é idónea para garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido em ordem à suspensão da execução fiscal até que esteja decidida a oposição à execução fiscal. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, o Recorrente defende, em síntese, que o VPT do prédio que ofereceu para que sobre o mesmo fosse constituída hipoteca como forma de prestar garantia é superior ao valor que lhe cumpre garantir, motivo por que, em face da suficiência da garantia oferecida, não podia o órgão da execução fiscal recusá-la; ao recusar a prestação da garantia por esse modo, o órgão da execução fiscal introduziu no conceito legal de idoneidade da garantia parâmetros de aferição, designadamente respeitantes à liquidez da garantia e ao risco na execução da mesma, que se revelam manifestamente desacertados e inaceitáveis, em intolerável violação do princípio da proporcionalidade.
Assim, a questão a apreciar e decidir é a que deixámos enunciada em 1.8.


*

2.2.2 DA INIDONEIDADE DA GARANTIA OFERECIDA

A questão a dirimir já foi colocada, em termos em tudo idênticos (As conclusões das alegações de recurso, à excepção das referências específicas aos casos sub judice em cada um dos processos, são em tudo idênticas.), a este Supremo Tribunal Administrativo, que lhe deu resposta através do acórdão de 30 de Janeiro de 2013, proferido no processo com o n.º 34/13.
Porque concordamos integralmente com a fundamentação aduzida nesse aresto, vamos limitar-nos a reproduzi-la, permitindo-nos apenas alterar, no local próprio, as referências específicas ao caso aí tratado, que substituiremos pelas relativas ao caso sub judice, bem como reproduzir as notas de rodapé no próprio texto:

«Da idoneidade da garantia oferecida.

De harmonia com o disposto no artigo 199.º n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário a prestação de garantia, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal, pode ser efectuada por garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
Dispõe, por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo que a garantia idónea referida no n.º 1 poderá, consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no art. 195.º, com as necessárias adaptações.
Este normativo confere assim à Administração Tributária uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não «idónea» para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, impondo-se, especificamente, nos casos da hipoteca voluntária e do penhor, a concordância da Administração Tributária.
A utilização da expressão “garantia idónea” integra um conceito impreciso [(Um conceito aberto, na terminologia adoptada por este Supremo Tribunal Administrativo em diversos acórdãos.)], pois que a norma do n.º 2 não determina, de forma exacta, quando é que a garantia é idónea para assegurar os créditos do exequente.
Poderá concluir-se, no entanto, que emana das disposições conjugadas dos arts. 169.º e 199.º do Código de Procedimento e Processo Tributário que a idoneidade da garantia se afere pela capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos.
A garantia idónea será pois aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento da totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos - neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, Recurso 786/11, de 11.07.2012, recurso 730/12, de 10.10.2012, recurso 916/12, e, na doutrina, Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, pag. 77, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, pag. 474, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6.ª edição, Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art. 199.º.
Por outro lado, e não olvidando, como se acentuou no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.03.2012, recurso 208/12 1 [1 In www.dgsi.pt], que prestar garantia não é efectuar o pagamento, não poderá deixar de se concordar, também, que a prestação de garantia constitui uma vinculação de um determinado património ao cumprimento de uma determinada obrigação de pagamento.
Ora será que no caso em apreço, a garantia oferecida, mediante hipoteca voluntária, era suficiente para, em caso de incumprimento do devedor, assegurar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos?
O recorrente, ancorando-se em jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo que cita 2[2 Acórdãos de 14.03.2012, recurso 208/12, de 15.02.2012, recurso 126/12, de 27.06.2012, recurso 646/12 e de 11.07.2012, recurso 730/12, todos in www.dgsi.pt], mas que não lhe dá apoio no caso concreto, já que o contexto factual em análise naqueles arestos não é idêntico ao do caso sub judice, argumenta que a partir do momento que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a Administração fiscal não pode recusar com fundamento em aspectos qualitativos da garantia, sob pena de incorrerem errónea interpretação e aplicação do art. 199.º do CPPT conjugado como n.º 5 do art. 52.º da LGT.
E que, a proceder a interpretação sufragada pela Administração fiscal, esta passaria a estar legitimada a estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata, acabando assim por poder recusar não só a hipoteca como o próprio penhor, porque normalmente este também não dá garantias de imediata liquidez, restringindo o quadro legal de garantias que o legislador quis aberto.
Salvo o devido respeito, carece de razão legal.
Em primeiro lugar, no caso em apreço não está em causa a opção por esta ou aquela garantia em termos qualitativos, sendo que a Administração Tributária não aceitou a garantia por entender que devia ser dada preferência a outras garantias que apresentem maior grau de liquidez (v.g. garantia bancária, caução ou seguro-caução), mas sim porque considerou que a soma dos valores das garantias reais que incidem sobre o imóvel oferecido como garantia ascende a 96.156,88 euros, o que é manifestamente superior ao seu valor patrimonial tributário, e por essa razão considerou tal garantia insusceptível de assegurar o crédito tributário.
Por outro lado o recorrente parte de uma petição de princípio, ao sustentar reiteradamente nas conclusões e), o) e q), que, a partir do momento em que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a Administração fiscal não pode recusar com fundamento em aspectos qualitativos a garantia oferecida, dando como demonstrado o que não está efectivamente demonstrado, ou seja que a garantia oferecida assegure o pagamento de tal crédito.
Com efeito, e como já se referiu, no caso sub judice o que se impõe, antes de mais, é apurar se a garantia oferecida (hipoteca voluntária) era idónea para assegurar o pagamento do crédito exequendo e legais acréscimos.
A decisão sindicada (cf. fls. 61) entendeu que não porque «sobre o prédio oferecido para hipoteca incidem penhoras e hipotecas que atingem o valor global de 96.156,88 €. Ou seja, os ónus e encargos incidentes sobre o prédio atrás identificado e que têm preferência sobre qualquer hipoteca constituída posteriormente, como seria a que o reclamante pretende constituir a favor da Fazenda Pública (cf. arts. 686.º e 822.º do C Civil), ultrapassam largamente o valor patrimonial do mesmo prédio».
E nós julgamos que o fez acertadamente e não merece qualquer censura.
Com efeito, resulta do probatório (alíneas C e D) que o recorrente ofereceu como garantia hipoteca voluntária sobre bem imóvel, com o valor patrimonial tributário de € 78.716,43 €.
O valor da garantia a prestar era de € 75.568,41.
Porém sobre aquele imóvel incidiam anteriores direitos reais de garantia (hipoteca e penhora), no montante global de € 96.156,88, com registo anterior (cf. probatório, alíneas C e D).
Portanto, o valor dos créditos garantidos por hipotecas anteriormente registadas (€ 96.156,88) é, manifestamente, superior ao valor da garantia (€ 75.568,41) que o recorrente pretendia prestar por meio de nova hipoteca sobre o mesmo imóvel.
Ora a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Como assertivamente nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer de fls. 105, a hipoteca constitui um direito real de garantia que se caracteriza por, ao contrário do privilégio, não estabelecer a preferência em atenção à causa do crédito, vigorando, antes, o princípio da prioridade na constituição.
As garantias incidentes sobre imóveis obedecem ao princípio do trato sucessivo do registo, pelo que é dada preferência à realização dos créditos cuja garantia foi anteriormente registada.
Assim, nos termos do art. 686.º do Código Civil os créditos garantidos por hipoteca poderão ser preteridos por créditos que gozem de prioridade do registo.
No caso em análise, se a administração tributária tivesse de executar a garantia não obteria o pagamento do seu crédito, atento o valor dos créditos já garantidos por hipoteca e penhora com registo anterior.
E, como bem se disse na decisão recorrida, encontrando-se a idoneidade da garantia dependente da possibilidade de o credor tributário assegurar o seu crédito através da execução da mesma, a determinação de tal impossibilidade é suficiente para considerar como inidónea a garantia oferecida pela Reclamante.

[…] Argumenta também a recorrente que ocorreu violação do princípio da proporcionalidade e que a Administração Tributária actuou com «absoluto desprezo dos interesses legítimos do executado».
Mas também não procederá esta alegação.
Na verdade, não se olvidando que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.) 3 [3 E também neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.07.2012, recurso 730/12 e de 15.02.2012, recurso 126/12], não poderá deixar de se argumentar também que, em relação à hipoteca voluntária e ao penhor, a lei impõe a concordância da administração tributária.
Ora no caso em apreço não está em causa a ponderação pela Administração Fiscal de meros riscos hipotéticos, ou da menor solidez da hipoteca em contraponto com outras garantias admitidas no elenco do art. 199.º, mas sim um juízo de avaliação sobre a idoneidade da garantia oferecida, sendo na avaliação dessa idoneidade a Administração Tributária goza, por força da lei, de uma certa margem de discricionariedade.
Trata-se de um juízo que não é feito apenas com base nas premissas a lei e que assenta também na ponderação dos elementos de fato relativos a cada situação concreta.
No caso, e como resulta da matéria de facto levada ao probatório, a Administração Fiscal constatou que a soma dos valores das garantias reais que incidem sobre os imóveis oferecidos como garantia era manifestamente superior ao seu valor patrimonial tributário, pelo que, não podia o órgão de execução fiscal aceitar como garantia um bem insusceptível de assegurar o crédito tributário e em consequência determinar a suspensão do processo de execução fiscal.
Neste contexto, e tendo em conta que a garantia idónea será aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos, atenta a previsível duração do processo, não se nos afigura que nesta ponderação a Administração Fiscal tenha actuado de forma inadequada, desnecessária ou desrazoável.
Tanto basta para se concluir que não se verifica a violação do princípio da proporcionalidade, em qualquer uma das suas dimensões (arts. 266.º, n.º 2 da Constituição da República e 5.º, n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo e 55.º da Lei Geral Tributária).
Em suma, e para concluir, se dirá que, no caso em apreço, a garantia oferecida, por meio de hipoteca, não era suficiente para, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos, pelo que não padece de ilegalidade o despacho da Administração Tributária que considerou que o bem oferecido não constituía garantia idónea.
A sentença recorrida que assim decidiu, não merece censura e deve ser confirmada».


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2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, decalcadas do sumário doutrinal do referido acórdão de 30 de Janeiro de 2013, proferido no processo com o n.º 34/13:
I - O art. 199.º, n.º 2, do CPPT confere à AT uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não idónea para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, impondo-se, especificamente, nos casos da hipoteca voluntária e do penhor, a concordância da administração tributária.
II - Para efeito do disposto nos arts. 169.º e 199.º do CPPT, garantia idónea será aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento da totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos.
III - A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
IV - Resultando do probatório que o valor dos créditos garantidos por hipoteca e penhora anteriormente registadas é superior ao valor da garantia que o executado pretendia prestar por meio de nova hipoteca sobre o mesmo imóvel, não se afigura ilegal, inadequado, desnecessário ou desrazoável o despacho da autoridade tributária que não considerou tal garantia idónea para suspender a execução fiscal.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.


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Lisboa, 6 de Fevereiro de 2013. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda MaçãsCasimiro Gonçalves.