Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:032/14
Data do Acordão:02/05/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
PRESSUPOSTOS
RECORRIBILIDADE
ALÇADA
Sumário:Em processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal não há, em regra, recurso da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância se o valor da causa não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância - arts. 6º, nº 2 do ETAF e 24º da LOFTJ (na redacção do artº 5º do Decreto-lei 303/2007 de 24.08).
Nº Convencional:JSTA000P16991
Nº do Documento:SA220140205032
Data de Entrada:01/13/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. Vem a Fazenda Pública interpor recurso da decisão do Mmº Juiz do TAF do Porto, de 22.07.2013, que julgou procedente a reclamação deduzida por A………, com os demais sinais nos autos, contra decisão do órgão da execução fiscal que decretou a penhora sobre crédito por si detido sobre a Federação Portuguesa de Futebol, apresentando, para o efeito, as seguintes alegações:

«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação deduzida nos termos do disposto nos artigos 276º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra o acto de penhora de crédito, efectuada pelo Órgão de Execução Fiscal, detido pela Liga Portuguesa de Futebol no valor de €937,55, no âmbito do processo executivo nº 1805200901177672 e aps, que correm termos no serviço de finanças da Maia.
B. Constitui fundamento de tal reclamação a aplicação, à penhora de créditos em causa, do regime da impenhorabilidade previsto no art.º 824.º, n.º 1 al. a) do CPC pelo que, aquela penhora apenas poderia abranger 1/3 do valor do crédito.
C. Decidiu o Tribunal a quo dar provimento à reclamação, e deste modo, anulou a penhora efectuada “(em excesso), sem observância da impenhorabilidade de 2/3 prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 824.º do CPC”.
D. Para decidir como decidiu o Tribunal a quo atribuiu ao crédito penhorado a natureza semelhante a vencimentos e salários, a que se refere a última parte da al. a) do n.º 1 do art.º 824.º do CPC, considerando que essa natureza semelhante deve aferir-se “em função do carácter, mais ou menos regular, estável e duradouro “, permitindo-se, assim, atribuir-lhe igual tratamento ao aí previsto para vencimento e salários.
E. Ora, com o assim decidido, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se, porquanto incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, de facto e de direito, por errada interpretação e aplicação do art.º 824.º n.º 1, al. a) do CPC.
F. Para a boa decisão da causa importa aferir se o crédito penhorado se enquadra nas prestações de natureza semelhante a vencimentos e salários a que alude o art.º 824.º n.º 1 al. a) do CPC, ou não.
G. Resulta do regime do art.º 824.º nºs 1 e 2 que apenas é admitida a penhora de até 1/3 dos rendimentos aí previstos, desde que, o valor remanescente de que o executado venha a dispor, relativo aos 2/3 impenhoráveis, não seja inferior ao valor equivalente ao salário mínimo nacional, nem superior ao correspondente a 3 vezes o salário mínimo nacional.
H. Conforme vertido no acórdão do TC acima referido, a razão desta impenhorabilidade (até 3 vezes o salário mínimo nacional) prende-se com razões de ordem contendentes com o princípio da dignidade humana, de modo a permitir a subsistência do executado e do seu agregado familiar.
I. Assim, resulta da norma a opção do legislador em sacrificar o direito do exequente em ver pago o seu crédito, para que se possa garantir a subsistência do executado e do seu agregado familiar.
K. Dito isto importa esclarecer que a subsistência do executado que o legislador visa assegurar deverá ser medida numa base mensal, atendendo a que o indicador de base para medir os limites de impenhorabilidade previstos no art.º 824.º n.º 2 do CPC, o salário mínimo nacional, é estipulado para um mês. Isto é, para cálculo dos limites dessa impenhorabilidade previstos no n.º 2 da norma referida, o valor de referência só pode ser o rendimento mensal do executado.
L. Quando estão em causa penhoras de créditos, decorrentes de uma actividade profissional ou empresarial, não se pode, salvo o devido respeito por melhor opinião, assegurar que a subsistência do executado se encontra garantida, nem, tão pouco, se os limites de impenhorabilidade legalmente estabelecidos, para não sacrificar, em excesso, os direitos do credor, foram ou não ultrapassados, ao contrário do que acontece, aliás, quando estamos perante rendimentos provenientes de vencimentos e salário, referidos na al. a) do n.º 1 do art.º 824.º e os rendimentos referidos na sua al. b).
M. Por um lado, se é certo que quando estamos perante vencimentos e salários, englobando o conceito de retribuição a que se refere o art.º 258.º n.º 1, do Código do Trabalho como constituindo aquilo a que o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho, podemos garantir que se destinará a fazer face às despesas de subsistência do trabalhador e do seu agregado, já quando estamos perante actividades profissionais ou empresariais, os proveitos auferidos não constituem, desde logo, rendimentos do prestador de serviços ou do empresário, nem uma qualquer prestação.
N. Uma coisa são os proveitos decorrentes da actividade profissional ou empresarial exercida pelo executado, coisa diferente é o rendimento que ele retira do exercício dessa mesma actividade, sobre o qual irá incidir a tributação em sede de IRS, uma vez que, o rendimento do exercício de uma actividade profissional será o que resultar do valor das vendas/prestações de serviços realizadas, deduzidas dos eventuais custos de produção/mercadorias vendidas/outros em que tenha incorrido para realizar essas vendas/prestações de serviços.
O. Sendo o objectivo da norma prevista no art.º 824.º do CPC acautelar a vigência do principio da dignidade humana, garantindo ao executado os meios mínimos necessários para fazer face à sua subsistência e do seu agregado familiar, a verdade é que essa garantia apenas pode efectivar-se, com respeito pelos limites ao sacrifício dos direitos do credor plasmados no n.º 2 do art.º 824.º do CPC, quando estão em causa rendimentos de vencimentos, salários, ou outras prestações de natureza semelhante, que, em qualquer caso terão de constituir rendimento liquido do executado, e não apenas um proveito.
P. Por outro lado, acresce ainda a impossibilidade de acautelar a não violação dos limites da impenhorabilidade do artº 824.º, que resulta das formalidades legais previstas para a penhora de créditos.
Q. Resulta do art.º 224.º, n.º 1 do CPPT, que a penhora de créditos se efectiva com a notificação ao devedor de que todos os créditos do executado até ao valor da dívida exequenda e acrescido ficam à ordem do órgão de execução fiscal, pelo que, os créditos penhorados através da notificação emitida nos termos do art.º 224.º do CPPT, serão aqueles que existirem à data da efectivação da notificação do devedor, e não outros.
R. Uma vez que é do desconhecimento das partes se nesse mesmo mês da notificação se vão vencer novos créditos em resultado de novas prestações de serviço, ou novas vendas, efectuadas pelo executado ao devedor do crédito, não é possível assegurar que os limites da impenhorabilidade previstos no art.º 824.º n.º 2 do CPPT. são, ou não respeitados.
S. No caso em apreço, por um lado, desconhece-se, porque não provado se o montante de €937,55, de crédito penhorado corresponde, ou não, a rendimento do reclamante, porquanto, com este valor terá de fazer face aos custos inerentes ao exercício da actividade de árbitro de futebol, tais como, as despesas de deslocação, estadia e alimentação, e, por outro lado, tendo o Tribunal recorrido dado como provado que o referido montante corresponde a contraprestação pecuniária devida pela a actividade profissional de árbitro de futebol, desconhece-se, porque não provado, se aquele montante diz respeito ao correspondente a um mês de serviços prestados pelo reclamante A…….. à Liga Portuguesa de Futebol Profissional, ou a meio mês, ou a dois meses, para assim podermos aferir da não violação dos limites à impenhorabilidade do art.º 824.º n.º 2 do CPC.
T. Pelo que, é insuficiente o carácter, mais ou menos regular, estável e duradouro, dos proveitos auferidos pelo reclamante pagos pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional com que o Tribunal a quo estribou a sua inclusão nas “prestações de natureza semelhante” a vencimentos e salários a que se refere a parte final da al. a) do n.º 1 do artº 824.º do CPC, uma vez que o Tribunal não cuidou de aferir a que período de tempo de serviços prestados corresponde o crédito penhorado, para desse modo assegurar que os limites de impenhorabilidade, reportados ao rendimento mensal, não sejam violados.
U, Assim, não cabe na impenhorabilidade consagrada no art.º 824.º os proveitos (e não rendimentos) auferidos numa actividade profissional ou empresarial, uma vez que as “prestações de natureza semelhante” acima referidas não podem deixar de estar ligadas à retribuição devida no âmbito de um contrato de trabalho, o que não acontece na situação em apreço, dada a natureza da actividade de prestações de serviços exercida pelo reclamante à Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
V. Entende, assim, a Fazenda Pública, com o devido respeito pelo decidido e salvo melhor entendimento, que a douta decisão recorrida, padece de erro no julgamento de facto e de direito, pois, decidindo como decidiu, errou ao aplicar a impenhorabilidade prevista no art.º 824.º n.º 1, al. a) do CPC ao crédito penhorado.»

II. O Exmº Procurador-Geral adjunto emitiu o parecer que consta de fls. 252 a 253, no sentido do provimento do recurso e da revogação da decisão recorrida, sufragando para o efeito da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo constante do acórdão 1933/13-30, de 22 de Janeiro de 2014.

III. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

A). No serviço de finanças da Maia 1 corre termos o Processo de Execução Fiscal nº 1085200901177672 e aps., contra o aqui Reclamante A………, na qualidade de revertido da devedora originária B……….., LDA., por dívidas de IRC referente a 2005 no montante de €93.840,18, cf. P.E. incorporado nos autos.
B). No âmbito daquele Processo de Execução Fiscal foi efectuada em 02/11/2012 a penhora do valor de €937,55, Penhora nº 180520120000085414 efectuada a título de penhora de créditos do Reclamante sobre a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, cf. fls. 104 e 105 dos autos.
C). O acto de penhora de créditos identificado em B). que foi notificado ao aqui Reclamante em 12/11/2012, cf. P.E. incorporado nos autos.
D). A Petição Inicial da presente Reclamação foi remetida ao Serviço de Finanças da Maia 1 em 22/11/2012, cf. fls. 96 dos autos.
E). Nos termos da Declaração Anual de Rendimentos (Anexo J, Modelo 10) referente ao ano de 2011 o aqui Reclamante auferiu naquele ano os seguintes montantes (Categoria B) das seguintes entidades:
- 7.192,80€ da entidade NIPC 501 131 671 (ASSOCIAÇÃO DE FUTEBOL DO PORTO);
- 6.940,80 € da entidade NIPC 500 110 387 (FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL);
- 371,40 € da entidade NIPC 502 136 219 (LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL);
- 285,00 € da entidade NIPC …….. (C…….., LDA);
- 170,00 € da entidade NIPC …….. (D…………, LDA.), cf. print informático a fls. 147 do Processo de Reclamação de actos do Chefe nº 3284/12.8BEPRT, consultado no SITAF e fls. 140 a 148 dos presentes autos.
F). O valor de €937,55 penhorado em 02/1112012 corresponde a contraprestação pecuniária devida pela FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, NIPC 500 110 387 ao aqui Reclamante A………, pela sua actividade profissional de árbitro de futebol.
G). O aqui Reclamante exerce como actividade profissional a de árbitro de futebol, ao serviço da ASSOCIAÇÃO DE FUTEBOL DO PORTO e da FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL actividade da qual retira praticamente a totalidade do seu rendimento, com o qual garante a sua subsistência financeira e faz face aos encargos da vida comum.
H). Corre termos neste Tribunal sob Proc. nº 3284/12.8BEPRT reclamação deduzida pelo aqui também Reclamante, de penhora de crédito no valor de €937,55, efectuada em 02/11/2012 no âmbito do mesmo Processo de Execução Fiscal sobre a LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL.
IV. FACTOS NÃO PROVADOS
Mas se mostra provado que:
1 - o aqui Reclamante A……. não disponha de outro rendimento, prestação pecuniária ou regalia social para além do que aufere da FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL;
2 - o aqui Reclamante viva com a sua filha menor de 5 anos e que a mesma esteja a seu cargo;
3 - o aqui Reclamante não disponha de rendimentos para suportar os encargos normais de água, luz, gás e transportes, os quais têm vindo a ser suportados com a solidariedade de familiares e amigos.»


Cumpre decidir.

IV. Questão prévia da admissibilidade do recurso.
Como questão prévia importa decidir da admissibilidade do recurso, pois que este foi interposto de sentença proferida em processo cujo valor foi fixado em € 937,55 e o despacho de admissão do recurso proferido pelo tribunal “a quo” não vincula este Supremo Tribunal.
Resulta com efeito dos autos que o valor da causa foi fixado em € 937,55 (fls. 187).
O valor da presente reclamação não, pois, fixado, de acordo com o valor da respectiva execução nas sim tendo em conta o valor do acto impugnado – penhora de crédito no montante de € 937,55.
O que aliás está de acordo com o critério legal, tendo em conta que a reclamação de actos do órgão de execução fiscal é um processo impugnatório e atento o disposto no artº 97-A, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário – cf., neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15.12.2012, recurso 99/12 e de 12.12.2012, recurso 1299/12, ambos in www.dgsi.pt e, bem assim, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pags. 75-78.
Ora essa fixação do valor da causa tem consequências tanto em matéria de custas como relativamente à recorribilidade em função da alçada.
Com efeito, de harmonia com o disposto nos arts. 6º, nº 2 e do ETAF e 24º da LOFTJ (na redacção do artº 5º do Decreto-lei 303/2007 de 24.08) a alçada do Tribunal Tributário de 1ª Instância para a generalidade dos processos da competência dos tribunais tributários é de 1.250 €.
Por outro lado, a recorrente não alega, factos ou fundamentos que permitam convolar o recurso ordinário de revista per saltum em recurso por oposição de julgados nos termos do disposto no artigo 280.º/5 do CPPT.
A decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto não era assim susceptível de recurso.
Nestes termos, e também porque o despacho que admite o recurso, fixa a sua espécie e determina o seu efeito, tem carácter provisório e não vincula o tribunal superior, que tem a faculdade de revê-lo (artº 641, nº 5, do Código de Processo Civil), forçoso é concluir que não se verificam, in casu, os requisitos de que depende a aceitação do recurso.

V - Decisão -
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o presente recurso.

Custas pela Fazenda Pública.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2014. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.