Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0120/10
Data do Acordão:04/14/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS DEPENDENTES DE RECONHECIMENTO
ISENÇÃO
UTILIDADE TURÍSTICA
EMPREENDIMENTO TURÍSTICO
Sumário:I - Os benefícios fiscais previstos no n.º 1 do artigo 20.º do DL 423/83, de 5/12, não foram revogados pelo DL 485/88, de 30/12, pois o âmbito da revogação operada pelo artigo 3.º, n.º 22 deste último diploma restringe-se apenas aos benefícios fiscais atribuídos em sede de contribuição industrial e imposto complementar.
II - Tais benefícios fiscais são de aplicação automática desde que verificadas as condições previstas nesse mesmo preceito: que a aquisição do imóvel se destine à instalação de empreendimento qualificado de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento.
III - Atenta a natureza dos benefícios em causa não é condição que os mesmos constem do despacho de atribuição da utilidade turística.
IV - Pagos IMT e IS relativos a aquisição de imóvel que gozava daqueles benefícios, tem o contribuinte direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.
Nº Convencional:JSTA00066383
Nº do Documento:SA2201004140120
Data de Entrada:02/17/2010
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOULÉ PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - JUROS /IMT/SELO.
Legislação Nacional:DL 423/83 DE 1983/12/05 ART20.
CCIV66 ART8 N3.
LGT98 ART43.
CPPTRIB99 ART61 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC907/09 DE 2009/12/09.; AC STA PROC934/09 DE 2009/12/09.; AC STA PROC937/09 DE 2010/01/20.; AC STA PROC681/09 DE 2009/11/12.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A… e B…, com os sinais dos autos, não se conformando com a sentença do Mmo. Juiz do TAF de Loulé que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão de Bens Imóveis (IMT) e de Imposto de Selo (IS), e correspondentes juros compensatórios, incidentes sobre a aquisição de um prédio urbano, dela vêm interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
a) Tendo sido atribuída a utilidade turística ao Aldeamento Turístico C…, previamente à aquisição do bem imóvel pelo Recorrente, a essa transmissão são aplicáveis os benefícios fiscais previstos no DL 423/83, de 05/12, mais concretamente os constantes do seu art.º 20.º, n.º 1 – isenção de IMT e redução a um quinto (1/5) do Imposto de Selo;
b) Os benefícios fiscais previstos no artigo 20.º, n.º 1 do DL 423/83 não foram revogados pelo DL 485/88, de 30 de Dezembro, pois o âmbito da revogação prevista no art.º 3.º, n.º 22 deste diploma se restringe aos benefícios fiscais atribuídos em sede de contribuição industrial e imposto complementar (impostos revogados em 1 de Janeiro de 1989);
c) É isso que resulta da introdução no final deste preceito da expressão “na parte que com aqueles estejam correlacionados”;
d) Este foi o entendimento, também, do Grupo que, a pedido do Ministro de Estado e das Finanças, produziu o Relatório de Reavaliação dos Benefícios Fiscais – cf. págs. 289 e seguintes do Caderno de Ciência e Técnica Fiscal n.º 198 – e do Professor Guilherme de Oliveira Martins na obra citada (“Os benefícios Fiscais: Sistema e Regime”, Cadernos IDEFF, n.º 6, Dezembro de 2006, páginas 189 e 190);
e) Sendo que a própria Administração Fiscal perfilha este entendimento, ao esclarecer, em 14 de Junho de 1991 (alguns anos depois do DL 485/88), com a publicação do Ofício Circular D-1, quais os casos em que se podia beneficiar de isenção de sisa ao abrigo do DL 423/83;
f) Estando os benefícios revogados, que necessidade teria a Administração Fiscal de regular a sua aplicação?;
g) Os benefícios fiscais constantes do referido art.º 20.º, n.º 1, do DL 423/83 são de aplicação automática, estando verificadas as condições previstas nesse mesmo preceito;
h) As condições aí estabelecidas para que os benefícios sejam aplicados directa e automaticamente são apenas duas, a saber:
-(i) A fracção adquirida se destine à instalação de empreendimentos turísticos;
-(ii) Que esses empreendimentos turísticos tenham sido qualificados de utilidade turística, mesmo que essa qualificação tenha sido atribuída a título prévio;
i) A condição referida em h) - (i) está verificada por se tratar da primeira aquisição do prédio, conforme muito bem reconheceram o Meritíssimo Juiz de 1.ª instância e a Digna Procuradora da República;
j) Não havendo igualmente dúvidas quanto à segunda condição h) - (ii) supra, em face do despacho proferido pelo Secretário de Estado do Turismo de 10 de Outubro de 2006, anteriormente à outorga da escritura pública de compra e venda;
k) Não é condição de aplicação dos benefícios constantes do Decreto-Lei 423/83 que os mesmos tenham que constar deste despacho de atribuição de utilidade turística;
l) Tal resulta clara e inequivocamente da actual redacção do n.º 4 do art.º 16.º do DL 423/83, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 38/94, de 8 de Fevereiro;
m) De acordo com a qual o despacho de atribuição de utilidade turística apenas terá que estabelecer a medida e o prazo dos benefícios a conceder, para efeitos da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 16.º;
n) Na medida em que a natureza e o prazo deste benefício pode variar, o legislador não especificou nem quantificou o benefício a conceder, antes conferindo à entidade responsável pela atribuição de utilidade turística competência para definir se o benefício era a isenção total ou uma simples redução de taxa e qual o prazo máximo para a sua aplicação;
o) A favor desta tese joga ainda o elemento sistemático, pois se a intenção do legislador fosse a de os benefícios fiscais constantes do artigo 20.º, n.º 1, do DL 423/83 constarem do despacho de atribuição de utilidade turística, então tê-lo-ia referido expressamente neste preceito (como o fez para os benefícios do art.º 16.º) ou através da inclusão, no próprio Decreto (imediatamente após elencar os diversos benefícios fiscais ali previstos), de uma regra geral de obrigatoriedade de todos os benefícios constarem do despacho de utilidade turística;
p) Também a jurisprudência considera que os benefícios fiscais constantes do art.º 20.º, n.º 1 do DL 423/83 são de aplicação automática;
q) Apenas fazendo depender essa automaticidade da declaração de utilidade turística anteriormente ao nascimento da obrigação de liquidação de IMT e de Imposto de Selo;
r) Neste sentido são claros os Acórdãos do STA supra referidos (Acórdão de 2 de Outubro de 1991 – Rec. 13016 e Acórdão de 21 de Janeiro de 1987 – Recurso 3873);
s) O legislador define benefícios fiscais automáticos, no artigo 5.º do EBF, como aqueles que resultam directa e imediatamente da lei, pelo que tendo sido reconhecida a utilidade turística ao empreendimento onde se situa o prédio adquirido pelo Recorrente a sua transmissão está isenta de IMT e beneficia da redução a um quinto do IS;
t) No que se refere ao entendimento da não revogação dos benefícios constantes do art.º 20.º do DL 423/83 e à desnecessidade de os mesmos virem expressamente referidos no despacho de atribuição de utilidade turística é de salientar o parecer emitido pela Digna Procuradora da República, onde perfilhou e concordou com as posições e argumentos apresentados pelos Recorrentes;
u) Não sendo devidos os impostos liquidados pela Administração Fiscal – IMT e IS – não podem, obviamente, ser devidos os juros compensatórios igualmente liquidados pela Fazenda Nacional;
v) Ainda assim, deve ser dito que o retardamento na liquidação dos impostos considerados – indevidamente – devidos pela Administração Fiscal não pode, de forma alguma, ser imputável aos Recorrentes;
w) O duplo controlo a que a foi sujeita a incidência, ou não, de tributação da aquisição do prédio pelos Recorrentes – primeiro pelo Notário interveniente na escritura pública de compra e venda e depois pelo Conservador do Registo Predial – constitui causa de exclusão da ilicitude;
x) Na verdade, se a entidade que, obrigada ao controlo e profunda conhecedora da lei, declara e averba expressamente, de forma fundamentada, na escritura pública de compra e venda, que as isenções previstas no art.º 20.º, n.º 1, do DL 423/83 são aplicáveis, seria, ainda assim, exigível aos Recorrentes que procedesse à liquidação dos impostos?
y) A resposta a esta questão só pode ser uma – NÃO, pelo que o comportamento dos Recorrentes não revestiu, pois, de qualquer culpa, dolosa ou negligente.
z) Neste sentido, aliás, se tem pronunciado, em situações muito semelhantes, a jurisprudência (cf. Acórdão do STA, 2.ª Secção, de 21-7-1976 e Acórdão do STA, 2.ª Secção, de 19-11-1975 – Rec. n.º 443), ao excluir a culpa dos sujeitos passivos, quando, tendo havido intervenção de Notário na transmissão de bens imóveis, estes tenham expressamente declarado ainda que erradamente – o que não é, diga-se, o caso presente – que essa transmissão estava isenta de Sisa (agora IMT).
Nestes termos e nos demais de Direito e com o sempre mui Douto Suprimento este Venerando Tribunal, deve ser dado provimento ao presente Recurso, anulando-se a Douta Sentença recorrida, por ilegal, com as demais consequências legais, nomeadamente a anulação da liquidação de IMT, IS e juros compensatórios pagos pela Recorrente, a devolução dos respectivos valores, acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostra-se assente a seguinte factualidade:
A) - Em 19/04/2007, por escritura pública foi celebrado o contrato de compra e venda, que constitui fls. 29 e segs. dos presentes autos, entre a D…), S.A, na qualidade de 1.º outorgante e proprietária da fracção imobiliária n.º 164 designada pelas letras “GC”, do prédio urbano denominado “Aldeamento Turístico C…”, sito no Lote AL 10, Quinta do Lago, freguesia de Almancil, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob a ficha número novecentos e sessenta e cinco da dita freguesia, encontrando-se a aquisição registada a seu favor pela inscrição G – pelas letras “GC”, do prédio urbano denominado “Aldeamento Turístico C…”, sito no Lote AL 10, Quinta do Lago, freguesia de Almancil, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob a ficha número novecentos e sessenta e cinco da dita freguesia (…) e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo 11 086, e os Impugnantes na qualidade de segundo outorgante.
B) - Declarou a Primeira Outorgante que vende aos Segundos a fracção imobiliária, a que se refere a alínea anterior, pelo preço de € 1.194.231,25, que para a sua representada declara já recebido.
C) - Declarou o Segundo Outorgante que aceita a venda nos termos exarados.
D) - Ficou mencionado na escritura pública a que se refere a alínea A) o seguinte:
«A presente transmissão está isenta de IMT nos termos do disposto nos números 1 e 2 do artigo 20.° do DL n.º 423/83, de 5 de Dezembro, em virtude da fracção adquirida se destinar à instalação de empreendimento qualificado de utilidade turística, conforme Despacho proferido pelo Secretário de Estado do Turismo, em 25/08/2006, publicado em Aviso no Diário da República II Série, n.º 195, de 10 de Outubro de 2006 (Parte Especial), e a sua exploração turística se encontrar assegurada por contrato de exploração turística celebrado com a empresa exploradora em 24/05/2004, cuja cópia se arquiva.».
E) - Entre os Impugnantes e E…, S.A., foi celebrado o contrato-promessa de fls. 56 e segs. dos autos, nos termos do qual os primeiros prometem ceder à segunda a exploração turística da fracção n.º 164, para habitação tipo V4 N, sita no Aldeamento Turístico C…, na Quinta do Lago, freguesia de Almancil, concelho de Loulé.
F) - Nos termos da cláusula primeira «a exploração turística será concebida pelo período compreendido a partir da presente data até 31 de Dezembro de 2007, sendo automaticamente renovável por períodos de dois anos com início em 1 de Janeiro e termo em 31 de Dezembro, desde que não seja denunciado por qualquer uma das partes com a antecedência mínima de seis meses».
G) - Em 08/05/2008, os Impugnantes efectuaram o pagamento do IMT liquidado nos termos seguintes (fls. 18 e 21 destes autos):

IMPORTÂNCIA DO IMT€ 35.826,94
Juros compensatórios€ 1.515,53
Abatimentos€ 0,00
TOTAL€ 37.342,47

IMPORTÂNCIA DO IMT€ 35.826,94
Juros compensatórios€ 1.515,53
Abatimentos€ 0,00
TOTAL€ 37.342,47

H) - Na mesma data procedeu ao pagamento do Imposto do Selo liquidado nos termos seguintes (fls. 26 e 27 destes autos):
ZonaCódigoRubricaImportância (EUR)
1Continente399IS– Juros compensatórios148,26
2Continente301IS – Aquisição onerosa ou doação3.821,54

e
ZonaCódigoRubricaImportância (EUR)
1Continente399IS – Juros compensatórios148,26
2Continente301IS – Aquisição onerosa ou doação3.821,54

I) - Também, na mesma data, procederam ao pagamento das coimas no montante de 895,69 € cada - cfr. fls. 24 e 25 dos presentes autos.
J) - Em 11/12/2008, os Impugnantes apresentaram a reclamação graciosa que constitui fls. 2 a 12 do processo administrativo apenso.
K) - A reclamação graciosa a que se refere a alínea anterior foi prestada a seguinte informação (fls. 42 do processo administrativo apenso):
«Pela petição de fls. três a doze dos autos, interposta nos termos do art.° 68.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, (CPPT), devidamente identificados A… e B…, casados em separação de bens, NIFS … e …, respectivamente, representados por F…, NIF …, com escritório na Rua …, … Lisboa vêm reclamar da liquidação de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de € 37.342,47 e de Imposto do Selo no valor de € 3.821,54, bem como dos correspondentes juros compensatórios no valor de € 1.515,53 e € 148,26 e das coimas, no valor de € 895,68, cada, alegando em resumo que a aquisição foi efectuada ao abrigo do disposto nos n.°s 1 e 2 do art.° 20.° do DL 423/83 de 5 de Dezembro, em virtude da fracção adquirida se destinar à instalação de empreendimento qualificado de utilidade turística e por isso isenta de IMT, e solicitando também a restituição do imposto, respectivos juros e coima pagos acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos do art.º 43.º da Lei Geral Tributária.
O pedido é legal, legítimo e interposto em tempo.
1 - Que por escritura pública de compra e venda celebrada no dia dezanove de Abril de dois mil e sete, no Cartório Notarial de Lisboa, perante o notário G…, sito na Rua …, os reclamantes adquiriram a fracção autónoma designada pela letra “GC”, fracção imobiliária 164 que faz parte do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 11086, sito em C… - Quinta do Lago, freguesia de Almancil, concelho de Loulé, para a qual foi reconhecida indevidamente, pelo notário a isenção do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), ao abrigo do art.° 20 do DL 423/83, de 5/12 (Utilidade Turística) (doc. de fls. 24 a 49).
2 - Aos 08 de Maio do ano de 2008 foi entregue em nome dos reclamantes a declaração modelo 1 a que se refere o art.° 19.º do Código do Imposto Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, para a liquidação do IMT devido pela compra efectuada, tendo sido atribuído os n.°s 2008/140018 e 2008/140047. Com base nesta declaração foi liquidado o IMT na importância de € 35.826,94, acrescido de € 1.515,53 de juros compensatórios, pago em 2008-05-08, pelos documentos n.°s 160.008.013.301.303 e 160.708.013.304.003, na Secção de Cobrança deste Serviço Local de Finanças (doc. de fls. 14 a 19).
3 - Na mesma data e local os reclamantes efectuaram ainda o pagamento da importância de € 3.821,54, de Imposto de Selo, cobrado nos termos da verba 1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, dado ter havido redução a um quinto nos termos do disposto no art.º. 20.° n.° 1 do DL n.° 423/83, de 5 de Dezembro, e ainda os respectivos juros compensatórios na importância de € 148,26.
4 - Porque os reclamantes apresentaram fora do prazo legal a declaração modelo 1 para a liquidação do IMT devido, foi liquidada a coima no montante de € 895,68, cujo pagamento foi efectuado em 08-05-2008.
5 - O despacho publicado no Diário da República, 2.ª Série - N.º 195, de 10 de Outubro de 2006, do Exmo. Senhor Secretário de Estado do Turismo de 25 de Agosto de 2006, confirmando a utilidade turística atribuída a título prévio ao Aldeamento Turístico C…, com a classificação de 4 estrelas, sito na Quinta do Lago, lote AL 10, r/c 1.° Almancil, respeita à empresa proprietária do estabelecimento ou seja a sociedade D… SA, NIPC … (doc. a fls. 51).
Assim, pelo exposto, e uma vez que a liquidação se encontra correctamente efectuada, sou de parecer que a presente reclamação deve ser indeferida.».
L) - Por despachos de 19/01/2009, foram indeferidas as reclamações graciosas que aqui se dão por integralmente reproduzidas e donde resulta com interesse para a decisão:
«Conforme dispõe o art.° 20.° do Decreto Lei n.° 423/83, de 05/12, “são isentas de sisa (agora IMT) ... as aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação, seja atribuída a titulo prévio”, pelo que, ficam, assim, excluídos os empreendimentos qualificados de utilidade turística já instalados que não sejam objecto de remodelação ou ampliação, sendo nesta exclusão que se enquadra a fracção adquirida (…) a D… SA, pelo que não pode, o adquirente, beneficiar da isenção de imposto, conforme previsto no decreto, acima referido.
Sendo que a liquidação foi correctamente efectuada, não assiste razão ao reclamante na sua pretensão.
Pelo exposto, no uso da competência que me foi conferida pelo n.° 1 do art.° 75.° do CPPT, INDEFIRO O PEDIDO, não concedendo, ao reclamante a restituição dos valores, devidamente, pagos.».
M) - Os despachos a que se refere a alínea anterior foram notificados aos Impugnantes em 27/01/2009 - cfr. processos administrativos apensos. N) - A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 05/02/2009 - cfr. fls. 3 dos presentes autos.
O) - É do seguinte teor o Aviso de 27/09/2006 da Comissão de Utilidade Turística:
«MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DA INOVAÇÃO
Direcção-Geral do Turismo
Comissão de Utilidade Turística
Sector de Utilidade Turística
Aviso
Por despacho do Secretário de Estado do Turismo de 25 de Agosto de 2006, foi confirmada a utilidade turística, atribuída a título prévio, ao Aldeamento Turístico C…, com a classificação de 4 estrelas, sito na Quinta do Lago, lote AL 10, Almancil, concelho de Loulé, distrito de Faro, de que é requerente D…), SA.
A referida utilidade turística é concedida nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, 3.º, n.º 1, alínea a) (com a redacção dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 38/94, de 8 de Fevereiro), 5.º, n.º 1, alínea a), 7.º, n.ºs 1 e 3, e 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, valendo pelo prazo de sete anos contado a partir da data da emissão da licença de utilização turística pela Câmara Municipal em 21 de Novembro de 2005, ficando, nos termos do disposto no artigo 8.º do referido decreto-lei, dependente do cumprimento dos seguintes condicionamentos:
a) O estabelecimento deverá manter as exigências legais para a classificação definitiva atribuída: aldeamento turístico de 4 estrelas; b) A empresa não poderá realizar sem prévia autorização da Direcção-Geral do Turismo e conhecimento da Comissão de Utilidade Turística quaisquer obras que impliquem alteração do projecto aprovado ou das características arquitectónicas dos edifícios respectivos.
De acordo com o n.º 4 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro (com a redacção introduzida pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 38/94, de 8 de Fevereiro), conjugado com o disposto no artigo 22.º daquele diploma, a Comissão é de parecer que a empresa proprietária e exploradora do empreendimento fique isenta, relativamente à propriedade e exploração do mesmo, das taxas devidas ao Governo Civil e à Inspecção-Geral das Actividades Culturais desde a data da emissão da licença de utilização turística por um prazo correspondente ao legalmente estabelecido para efeitos de isenção do imposto municipal sobre imóveis (IMI) - sete anos - de acordo com o artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, conjugado com o n.º 6 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, isto é, de 21 de Novembro de 2005 até 21 de Novembro de 2012.
27 de Setembro de 2006. - Pela Comissão de Utilidade Turística, H….».
P) - A fracção adquirida pelos Impugnantes continua afecta à exploração turística.
III – Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Mmo. Juiz do TAF de Loulé que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelos ora recorrentes contra a liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão de Bens Imóveis (IMT) e de Imposto do Selo (IS), e correspondentes juros compensatórios, incidentes sobre a aquisição de um prédio urbano.
Alegam os recorrentes que, tendo-lhe sido atribuída a utilidade turística previamente à aquisição do referido imóvel, a essa transmissão lhe são aplicáveis os benefícios fiscais previstos no artigo 20.º do DL 423/83, de 5/12, mais concretamente a isenção de IMT e a redução a um quinto do IS.
Entendeu o Mmo. Juiz “a quo”, porém, que tais benefícios, além de não constarem do respectivo despacho de atribuição de utilidade turística, foram revogados pelo DL 485/88, de 30/12, pelo que não só os impostos liquidados, e ora impugnados, se mostram devidos como é imputável aos recorrentes o retardamento da sua liquidação, o que fundamenta a liquidação dos juros compensatórios efectuada.
Vejamos. As questões que constituem o objecto do presente recurso (saber se enfermam de ilegalidade as liquidações de IMT, de IS e juros compensatórios impugnadas, e, caso se conclua no sentido da ilegalidade das liquidações, se são devidos juros indemnizatórios aos ora recorrentes, pois que as quantias liquidadas se mostram pagas) foram já apreciadas por jurisprudência recente e consolidada da Secção de Contencioso Tributário deste STA, de que são exemplo, entre outros, os acórdãos de 9/12/2009 e de 20/01/2010, proferidos nos recursos n.ºs 907/09, 934/09 e 937/09.
Por merecer a nossa adesão e por obediência ao princípio da interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º, n.º 3 do CC), deve também aqui ser observada a doutrina de tais arestos, transcrevendo-se, por isso, o que se escreveu a esse propósito no acórdão de 9/12/2009, no recurso n.º 934/09:
«Considera o Mmo. Juiz “a quo” na sentença recorrida, desde logo, que os benefícios previstos nos artigos 16.º a 24.º do DL 423/83, de 5/12, entre os quais se integram os aqui em causa previstos no artigo 20.º - isenção total de IMT e redução a 1/5 do IS - terão sido revogados pelo DL 455/88, de 30/12.
Dispõe o artigo 3.º deste diploma legal que são revogados, a partir da sua entrada em vigor, sem prejuízo da manutenção dos já concedidos e dos regimes de caducidade previstos na legislação ao abrigo da qual estão a ser usufruídos, os benefícios fiscais constantes da legislação a seguir indicada, designadamente as alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 16.º, no que respeita à contribuição industrial e ao imposto complementar – secções A e B, o artigo 19.º e, bem assim, os constantes dos artigos 16.º a 27.º do DL 423/83, de 5/12, diploma que estabelece benefícios susceptíveis de serem concedidos no âmbito da atribuição de utilidade turística, na parte que com aqueles estejam correlacionados (n.º 22 do citado artigo).
Ora, contrariamente ao entendido pelo Mmo. Juiz “a quo”, a expressão utilizada na última parte do preceito em análise «na parte que com aqueles estejam correlacionados» só pode ter como objectivo o de limitar a revogação dos benefícios fiscais àqueles que tenham uma relação com os tributos que são referidos nesse mesmo n.º 22 e que são a contribuição industrial e o imposto complementar – secções A e B.
A interpretação que defenda que desta disposição resultou a revogação de todos os benefícios fiscais constantes dos artigos 16.º a 27.º do DL 423/83 é destituída de qualquer fundamentação.
Se assim fosse, de facto, como salienta o recorrente nas suas alegações, como se compreenderia que no seu Ofício-Circular D-1/91, de 14 de Junho, mais concretamente no seu ponto n.º 4, a Administração Fiscal viesse dispor que «Nestes termos, esclarece-se que só podem beneficiar de isenção de sisa (actual IMT), ao abrigo do Decreto-Lei 423/83, de 5 de Dezembro, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos já qualificados de utilidade turística, ainda que a título prévio, na data de transmissão daqueles bens».
Na verdade, se tal benefício fiscal tivesse sido revogado em 1988 não haveria necessidade de, em 1991, estar a AF a regular a sua aplicação.
Aliás, este foi também o entendimento do Grupo que, a pedido do Ministro de Estado e das Finanças, produziu o Relatório de Reavaliação dos Benefícios Fiscais, publicado no Caderno de Ciência e Técnica Fiscal n.º 198, onde a páginas 289 e seguintes se afirma «Posteriormente, no âmbito das acções legislativas de preparação da reforma fiscal de 1988 e da aprovação de vários sistemas de incentivos financeiros, o n.º 22 do artigo 3.º do Decreto-Lei 485/88, de 30 de Dezembro, revogou algumas das normas de benefícios fiscais do citado Decreto-Lei 423/83. Embora a técnica de redacção da norma confirma alguma margem de incerteza, é consensual, e resulta, aliás, do processo subsequente de aplicação da norma e de sucessivas intervenções do legislador, que o mencionado diploma de 1988 visou apenas a revogação, sem prejuízo das situações já constituídas à data da respectiva entrada em vigor, da isenção de contribuição industrial e de imposto complementar, compreendendo a redução para metade dos prazos de reintegração e amortização, não tendo sido visados pela revogação os benefícios em sede de contribuição predial, sisa e selo».
No mesmo sentido, veja-se, ainda, Guilherme de Oliveira Martins, in “Os Benefícios Fiscais: Sistema e Regime”, publicada nos Cadernos IDEFF, n.º 6, de Dezembro de 2006, onde no conjunto de medidas de incremento ao investimento em sede de IMT referidas a páginas 189 e seguintes se inclui o DL 423/83, de 5 de Dezembro.
Daí que, não obstante a redacção menos feliz da disposição em apreço, se não possa concluir, como se fez na sentença recorrida, que os benefícios constantes do artigo 20.º, n.º 1 do DL 423/83, de 5/12, tenham sido revogados pelo artigo 3.º, n.º 22, do DL 485/88, de 30 de Dezembro.
Por outro lado, também se não acompanha a decisão recorrida no segmento em que esta considera que tais benefícios fiscais dependiam de um reconhecimento prévio por parte da entidade que concedeu o estatuto de utilidade turística, ou seja, que essa isenção deveria ter constado do despacho proferido pelo Secretário de Estado do Turismo.
Com efeito, da análise do DL 423/83 resulta que em nenhuma das suas normas se condiciona a atribuição da isenção de IMT ou de redução de IS, estas sim expressamente previstas no n.º 1 do artigo 20.º, à sua expressa referência e previsão no próprio despacho de atribuição de utilidade turística.
Os únicos benefícios fiscais sobre os quais este despacho se deve pronunciar são apenas aqueles que estão previstos no artigo 16.º, cujo n.º 4, na redacção introduzida pelo DL 38/94, de 8/2, estabelece que «para os efeitos da alínea b) do n.º 1 (isenção ou redução das taxas devidas, por licenças, aos governos civis e à Direcção-Geral dos espectáculos), o despacho de atribuição da utilidade turística definirá, sob proposta da Comissão de Utilidade Turística, a medida e o prazo dos benefícios a conceder».
E se fosse outra a intenção do legislador é evidente que a teria consagrado.
E, assim sendo, os benefícios fiscais aqui em causa resultam imediata e directamente da lei (n.º 1 do artigo 20.º do DL 423/83, de 5/12), ou seja, são automáticos, verificados que estejam os pressupostos de aplicação que não compreendam actos de reconhecimento a não ser a qualificação de utilidade turística, ainda que atribuída a título prévio.
Neste sentido, veja-se o acórdão deste STA de 2/10/1991, proferido no recurso n.º 13016, no qual se conclui que as isenções previstas no n.º 1 do artigo 20.º do DL 423/83 se apresentam com a natureza de automáticas e vinculadas.
Tendo tais benefícios, assim, natureza automática, é óbvio que os mesmos são de aplicação automática verificados os condicionalismos legalmente impostos.
No caso em apreço, as únicas condições que a lei impõe para a isenção total de IMT e parcial de IS são que seja declarada a utilidade turística do empreendimento anteriormente à transmissão do imóvel, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento, e que o imóvel adquirido se destine à instalação de empreendimentos turísticos.
Sendo que a verificação de tais condições nem sequer foi questionada pelo Mmo. Juiz “a quo” na decisão recorrida.
Ou seja, não prevendo o legislador que os benefícios em causa tenham que constar do despacho de atribuição de utilidade turística, ao contrário do que sucede nas situações do n.º 4 do artigo 16.º citado, declarada a utilidade turística e destinando-se o imóvel à instalação de um empreendimento turístico, é evidente que a isenção de IMT e a redução de IS operam directa e automaticamente.
Razão por que as liquidações efectuadas não têm fundamento legal.
E, consequentemente, não sendo devidos os impostos impugnados, não poderá haver lugar à correspondente liquidação de juros compensatórios.».
Por último, uma vez que foi efectuado o pagamento dos impostos liquidados (cfr. as alíneas G) e H) do probatório fixado), importa verificar se são devidos aos recorrentes os peticionados juros indemnizatórios.
O direito a juros indemnizatórios está consagrado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, cujo n.º 1 estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Ora, como se concluiu no acórdão desta Secção de 12/11/2009, proferido no recurso n.º 681/09, «Havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro. Na verdade, a letra da lei, ao referir a imputabilidade do erro aos serviços, aponta manifestamente no sentido de poder servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado, como aliás, é admitido em geral. (Neste sentido, pode ver-se FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, volume III, página 503). A administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei [arts. 266.°, n.° 1, da C.R.P., 17.°, alínea a), do C.P.T. e 55.° da L.G.T.], pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços.».
No caso dos autos, é manifesto o erro de direito por parte da Administração Tributária, pois que liquidou impostos e juros compensatórios quando a lei concedia benefícios fiscais ao contribuinte, exigindo-lhe o pagamento de uma quantia indevida.
Assim, em face do artigo 43.º da LGT, impõe-se a condenação da entidade liquidadora ao pagamento de juros indemnizatórios aos recorrentes, contados desde a data do pagamento dos impostos liquidados até à data da emissão da respectiva nota de crédito a favor dos mesmos, nos termos do n.º 3 do artigo 61.º do CPPT.
Neste mesmo sentido, veja-se também o acórdão deste Tribunal de 20/01/2010, proferido no recurso n.º 937/09.
A sentença recorrida que assim não entendeu não pode, por isso, manter-se.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, julgar procedente a impugnação judicial, anulando-se, em consequência, as liquidações impugnadas, e condenar a Administração Fiscal a pagar juros indemnizatórios aos impugnantes, ora recorrentes, contados desde a data do pagamento dos impostos liquidados até à data da emissão da respectiva nota de crédito a favor daqueles (artigo 61.º, n.º 3 do CPPT).
Custas pela Fazenda Pública, apenas na 1.ª instância, fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 14 de Abril de 2010. – António Calhau (relator) – Miranda de Pacheco – Pimenta do Vale.