Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02087/15.2BEPRT
Data do Acordão:03/29/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:REVISÃO OFICIOSA
RETENÇÃO NA FONTE
Sumário:Os «atos de retenção na fonte» devidamente comunicados aos serviços da administração tributária competente cabem no conceito de «atos de liquidação» para os efeitos da sua impugnação administrativa e da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária em particular.
Nº Convencional:JSTA000P30799
Nº do Documento:SA22023032902087/15
Data de Entrada:11/25/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto recorreu da douta sentença daquele Tribunal que julgou procedente a impugnação judicial do ato de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa apresentados por A..., S.A. , contribuinte fiscal n.º ..., representado por AA, contribuinte fiscal n.º ..., com domicílio indicado na Avenida ..., ... ..., e que tiveram por objeto atos de retenção na fonte, no montante de € 25.480,21.

Com a interposição do recurso apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(...)

A - Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial contra os despachos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa das retenções na fonte referentes aos períodos de setembro a dezembro de 2010 em sede de IRC, proferido pela Sra. Chefe de Divisão Administrativa da Direção de Serviços do IRC, por subdelegação de competências, no valor global de € 25.480,21.

B - O Tribunal ad quo decidiu pela “devolução à Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, dos pedidos de revisão apresentados para que aí sejam apreciados e decididos a devolução à Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, dos pedidos de revisão apresentados para que aí sejam apreciados e decididos.”

C - Para tanto concluiu a douta sentença que: “(…) Atendendo a que ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º.º da LGT o Impugnante dispunha do prazo de 4 anos para deduzir os competentes pedidos de revisão oficiosa, é notório que os pedidos apresentados pelo Impugnante são tempestivos.

Assim, verificando-se preenchidos os pressupostos necessários à apresentação de pedido de revisão oficiosa e sendo tempestivos os sobreditos pedidos, a AT estava obrigada legalmente a conhecer de tais pedidos, procedendo nesta parte o alegado.”

D - O artigo 78º da LGT tal como consta da respetiva epígrafe, contempla a revisão dos atos tributários.

E - O texto do artigo 78.º da LGT não faz qualquer referência às retenções na fonte, o que se nos afigura que tal disposição legal não foi delineada para os casos de retenção na fonte.

F - Pese embora se considere as retenções na fonte como sendo um ato tributário, o nº 1 do citado normativo legal afasta do seu campo de aplicação os casos de retenção na fonte, uma vez que os mesmos não são atos praticados pela Administração Tributária, mas antes pelos contribuintes (sujeitos passivos de imposto) ou pelos seus substitutos tributários.

G - O nº 2 do artigo 78º da LGT refere que “Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.”

H - O nº 2 do artigo 78º da LGT assimila, sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação, o erro na autoliquidação, contudo não se refere à retenção na fonte.

I - Tanto o CIRC como o CPPT, nas partes que aludem às reclamações e recursos nos casos de retenção na fonte, explicitam concretamente o mecanismo da retenção na fonte, e os respetivos meios de reação [mais concretamente o nº 2 do artigo 137º do CIRC (numeração à data dos factos) que remete para o artigo 132º do CPPT).

J - Mesmo que os pedidos de revisão oficiosa fossem convolados em reclamação graciosa ao abrigo do disposto no artigo 132º do CPPT, os mesmos estariam fora de prazo, uma vez que o nº 3 do citado normativo preceitua um prazo de dois anos para o efeito, a contar do termo do prazo referido no nº 2 do mesmo normativo legal.

K - No caso dos presentes autos, tal prazo estava largamente ultrapassado uma vez que as retenções na fonte respeitam a setembro, outubro, novembro e dezembro de 2009 e os pedidos de revisão apenas foram apresentados em 20/11/2013.

L - Dispõe o artigo 11º da Lei Geral Tributária (LGT) que na determinação do sentido das normas jurídicas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, constantes do artigo 9º do Código Civil.

M - Estando assente que as normas tributárias se interpretam de acordo com os princípios gerais de hermenêutica jurídica, e sintonizados pelo disposto no art.º 9.º do Código Civil, há que recorrer ao elemento textual (vulgo, letra da lei), ao elemento histórico (que faz atentar e ponderar as circunstâncias envolventes do momento da produção legislativa) e ao elemento racional (que nos leva a indagar dos motivos, fins ou interesses perseguidos pelo legislador).

N - Sem prejuízo da operância consertada e reciprocamente conformadora, delimitadora, destes três apresentados elementos, objetivando a obtenção do melhor e mais conforme “pensamento legislativo”, não se pode deixar de conferir algum ascendente, certa prevalência, ao elemento literal.

O - Resulta, assim, que, a letra da lei é a principal referência e o ponto de partida do intérprete, não se podendo por conseguinte, na interpretação, transcender a linguagem, a construção linguística para afirmar um significado que não resulte expresso, ou contrariar o que expressamente afirma o legislador.

P - Destarte, entende-se que a revisão de retenção na fonte não está contemplada no artigo 78º da LGT, uma vez que não se encontram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para tal.

Q - Os pedidos de revisão oficiosa foram indeferidos com base no facto de o texto do artigo 78º não abranger os casos de retenção na fonte em virtude dos mesmos não serem atos praticados pela administração fiscal mas sim pelo contribuinte, excluindo desta forma a sua aplicação ao caso em apreço nos presentes autos.

R - O Tribunal a quo, faz uma análise deficiente da questão principal que se encontra vertida nos presentes autos.

S - A análise da questão principal dos presentes autos, afigura-se-nos imperativa para que o Tribunal a quo possa decidir como decidiu, ou seja, só após ultrapassada a questão de saber se a revisão das retenções na fonte se encontra contemplada no artigo 78º da LGT se poderá aferir se os pedidos de revisão oficiosa foram apresentados tempestivamente.

T - Desta forma, e por tudo quanto se expôs, entende a Fazenda Pública que a douta sentença enferma de errónea interpretação e aplicação do direito aplicável ao caso sub judice, porquanto faz errada aplicação do direito, máxime do artigo 78º da LGT. ».

Pediu fosse dado provimento ao presente recurso, fosse revogada a sentença recorrida e fosse a mesma substituída por decisão que repusesse na ordem jurídica os despachos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa e julgasse improcedente a impugnação judicial deduzida.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Remetidos os autos a este tribunal, foi aberta vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Foram dispensados os vistos legais, pelo que cumpre decidir em conferência.

***

2. Ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 679.º do mesmo Código, dão-se aqui por reproduzidos os factos dados como provados em primeira instância.

***

3. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de retenções na fonte de imposto (IRC) a título definitivo e ordenou a devolução dos procedimentos à autoridade administrativa para apreciação e decisão.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido por entender que o tribunal de primeira instância fez uma deficiente análise da questão principal suscitada nos autos: a de saber se a revisão das retenções na fonte se encontra contemplada no artigo 78.º da Lei Geral Tributária.

A título introdutório, registamos que a sentença recorrida interpretou as decisões impugnadas no sentido de que os atos de retenção na fonte foram indeferidos porque não cabiam no âmbito da segunda parte do n.º 1 daquele artigo 78.º e porque, ainda que coubessem, não ocorreu (ou não poderia ocorrer) qualquer erro imputável aos serviços.

A Meritíssima Juiz entendeu que a Direção dos Serviços do IRC interpretou e aplicou erradamente esse segmento da norma, quer na parte em que concluiu que a lei não previa a revisão da retenção na fonte quer na parte em que concluiu que, nestas situações, nunca poderia haver erro imputável aos serviços. Adicionalmente, a Meritíssima Juiz também julgou tempestivos os pedidos de revisão, tendo concluído que estavam reunidos todos os pressupostos de que dependia a apreciação do seu mérito.

Apesar de dizer que só depois de ultrapassada a questão da admissibilidade da revisão se poderia aferir a sua tempestividade, a Recorrente nunca disse que o tribunal recorrido não deveria dela ter conhecido ou que tinha incorrido em excesso de pronúncia. Pelo que esta questão não faz parte do âmbito do recurso.

Por outro lado, e apesar de transcrever o n.º 2 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, a Recorrente nunca fez nenhuma referência à parte da decisão recorrida que conheceu da questão de saber se a situação invocada nos procedimentos poderia subsumir-se ao «erro imputável aos serviços». Pelo que esta questão também não faz parte do âmbito do recurso.

Assim sendo, estamos reconduzidos à questão de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao concluir que o referido artigo 78.º inclui no seu âmbito a revisão dos atos de retenção na fonte.

Questão que apreciaremos no ponto seguinte.

4. Conforme referido na alínea “F” das conclusões do recurso (de resto, acompanhando o ponto “25” da informação para que remete a decisão administrativa impugnada), a expressão «atos tributários», utilizada em epígrafe e no corpo do artigo em análise, comporta no seu âmbito os «atos de retenção na fonte».

Isto sucede porque, na Lei Geral Tributária, o legislador utiliza a expressão «atos tributários» em sentido amplo, colocando no seu âmbito (embora na periferia do conceito) os atos de «autodeterminação da matéria tributável», de «auto-liquidação», de «entregas por conta» e de «retenção na fonte», desde que comunicados aos serviços competentes da administração tributária.

A verdadeira questão não está, por isso, em saber se a retenção na fonte cabe no conceito de «ato tributário» para os efeitos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, mas se cabe no conceito de «liquidação» para os efeitos da segunda parte do seu n.º 1.

É que a douta sentença recorrida interpretou as decisões impugnadas no sentido de que o pedido de revisão oficiosa foi indeferido porque as retenções na fonte não cabiam «no âmbito da 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT» [ver pág. 5]. E este segmento da norma pressupõe que o ato a rever seja uma «liquidação».

Ora, o conceito de «liquidação» é utilizado pelo legislador em sentido mais restrito do que o conceito de «ato tributário», porque se reconhece na própria lei que há atos tributários que não dão origem a qualquer liquidação.

No entanto, também a esta questão devemos responder afirmativamente.

Isto é, que os «atos de retenção na fonte» devidamente comunicados aos serviços da administração tributária competente cabem no conceito de «atos de liquidação» para os efeitos da sua impugnação administrativa e da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária em particular.

Na essência, porque o legislador esclarece na alínea a) do n.º 2 do artigo 95.º da mesma Lei que também considera como atos de «liquidação de tributos» os «atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta».

Isto sucede porque, sendo muito discutida a natureza jurídica da «autoliquidação», da «retenção na fonte» e dos «pagamento por conta» e estando em causa o acesso à justiça tributária, o legislador entendeu que não poderia subsistir qualquer indefinição neste domínio.

É de sublinhar que o legislador não abrangeu estes atos nos atos de liquidação de tributos apenas para efeitos da sua impugnação contenciosa.

Isso resulta da expressão ali utilizada («…para efeitos da presente lei»), mas também de outros lugares. Assim, o artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária faz equivaler ao retardamento da liquidação, para os efeitos da atribuição do direito a juros compensatórios, a falta de entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

Assim, deve concluir-se que, ao contrário do que alega e conclui a Recorrente, o tribunal de primeira instância não atribuiu ao texto da lei um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal. Porque essa correspondência é atestada pelo próprio legislador.

Mesmo que assim não fosse de entender em relação aos atos de retenção na fonte em geral, não poderia deixar de entender-se em relação aos atos de retenção na fonte a título definitivo.

Basicamente, porque os atos de retenção na fonte a título definitivo têm uma função equivalente à dos atos de liquidação.

A Recorrente chama a atenção para o facto de o n.º 2 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (antes da sua revogação pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março), fazer alusão ao «erro na autoliquidação» e não fazer nenhuma alusão à retenção da fonte.

Pretendendo extrair desse facto que o legislador arredou do âmbito da norma os casos de retenção na fonte.

É um raciocínio que não podemos acompanhar, porque do facto de a lei associar ao erro imputável aos serviços o erro na autoliquidação não deriva que tenha dissociado o erro na retenção.

Na verdade, o facto de se ter considerado imputável aos serviços o erro na autoliquidação permite fazer o raciocínio inverso, porque se até a autoliquidação errada pode ser imputada aos serviços, a retenção errada também o poderá ser, por maioria de razão.

Aliás, não faria sentido algum que o legislador alargasse o direito à revisão aos atos de autoliquidação e deixasse de fora os atos de retenção na fonte, praticados por alguém que não é administração e que se substitui ao contribuinte.

A Recorrente também alega que os meios de reação contra a retenção na fonte estão previstos no artigo 137.º, n.º 2, do Código do IRC. Deixando implícito na sua argumentação o entendimento segundo o qual os que não foram ali contemplados não foram pretendidos pelo legislador.

No entanto, este Supremo Tribunal tem referido reiteradamente que a revisão dos atos tributários não é um meio excecional de defesa contra os atos tributários, mas um meio alternativo ou complementar dos meios administrativos ou contenciosos.

Assim, não é pelo facto de o artigo 137.º, n.º 2, referido não fazer referência à revisão dos atos de retenção na fonte que se deve concluir que o contribuinte não possa recorrer a este meio de defesa.

No sentido exposto, pode ver-se, para além da jurisprudência já citada nos autos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de novembro de 2022, tirado no processo n.º 087/22.5BEAVR.

De todo o exposto deriva que o recurso não merece provimento.

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5. Conclusão

Os «atos de retenção na fonte» devidamente comunicados aos serviços da administração tributária competente cabem no conceito de «atos de liquidação» para os efeitos da sua impugnação administrativa e da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária em particular.

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6. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 29 de março de 2023. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.