Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0935/09
Data do Acordão:02/10/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
UTILIDADE TURÍSTICA
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - O disposto no artº 3º, nº 22 do Decreto-Lei nº 485/88 de 30/12 deve ser interpretado no sentido de que o legislador pretendeu revogar as isenções relativas à contribuição industrial e imposto complementar - Secções A e B (previstas no artº 16º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 423/83 de 5/12) e todas as previstas nos artº 16º a 27º que se correlacionem com os referidos impostos e não no sentido de que tal norma revogou integralmente estes artigos do predito Decreto-Lei nº 423/83.
II - Após a redacção dada ao artº 16º, nº 4 do Decreto-Lei nº 423/83 de 5/12 pelo artº 4º do Decreto-Lei nº 38/94 de 8/12 a definição, a medida e os prazos dos benefícios fiscais a conceder a empreendimentos de utilidade turística, apenas passou a ser obrigatória relativamente a isenção ou redução de taxas devidas por licenças aos governos civis e à Direcção-Geral de Espectáculos.
III - Assim, nos casos referidos no artº 20, nº 1 do mesmo diploma legal - isenção de sisa e do imposto sobre sucessões e doações e redução do imposto do selo - os benefícios fiscais aí previstos aplicam-se automaticamente desde que cumpridos os requisitos estabelecidos naquele diploma.
IV - Na medida em que procedeu à liquidação de impostos e juros compensatórios, quando a lei concedia benefícios fiscais, a Administração Tributária incorreu em erro de direito, o que impõe a sua condenação ao pagamento de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, contados desde a data do pagamento dos impostos liquidados até à data da emissão da nota de crédito a favor deste (cfr. artº 61º, nº 3 do CPPT).
Nº Convencional:JSTA00066273
Nº do Documento:SA2201002100935
Data de Entrada:10/01/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:DIR FISC - CONTRIB INDUSTRIAL.
DIR FISC - COMPLEMENTAR.
Legislação Nacional:EBFISC89 ART4 ART43 N1.
EBFISC01 ART5.
CIMSISD91 ART13 N8.
DL 287/2003 DE 2003/11/12 ART28 N1 N2 ART31 N6.
DL 423/83 DE 1983/12/05 ART16 N1 B N4 ART19 ART20 N1.
DL 458/88 DE 1988/12/30 ART3 N22.
LGT98 ART55.
CPTRIB91 ART17 A.
CONST97 ART266 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC681/09 DE 2009/11/12.; AC STA PROC783/09 DE 2009/12/02.; AC STA PROC907/09 DE 2009/12/09.; AC STA PROC934/09 DE 2009/12/09.
Referência a Doutrina:FREITAS DO AMARAL DIREITO ADMINISTRATIVO VIII PAG503.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, Lda, melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra os actos de liquidação de Imposto Municipal Sobre Transmissões Onerosas (IMT), no valor de € 30.695,40, de imposto do Selo, no valor de € 3.274,18 e juros compensatórios, no valor de € 918,34 (relativamente ao IMT), relativos ao ano de 2007, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
a) Tendo sido atribuída a utilidade turística ao B…, previamente à aquisição do bem imóvel pela Recorrente, a essa transmissão são aplicáveis os benefícios fiscais previstos do DL 423/83 de 05/12, mais concretamente os constantes do seu art. 20º nº 1 - isenção de IMT e redução a um quinto (1/5) do Imposto do Selo;
b) Os benefícios fiscais previstos no artigo 20º nº 1 do DL 423/83 não foram revogados pelo DL 485/88 de 30 de Dezembro, pois o âmbito da revogação prevista no art. 3º nº 22 deste diploma, se restringe aos benefícios fiscais atribuídos em sede de contribuição industrial e imposto complementar (impostos revogados em 1 de Janeiro de 1989);
c) É isso que resulta da introdução no final deste preceito da expressão “na parte que com aqueles estejam correlacionadas”;
d) Este foi o entendimento, também, do Grupo que, a pedido do Ministro de Estado e das Finanças, produziu o Relatório de Reavaliação dos Benefícios Fiscais cf. págs. 289 e seguintes do Caderno de Ciência e Técnica Fiscal nº 198 e do Professor Guilherme de Oliveira Martins na obra citada (“Os Benefícios Fiscais: Sistema e Regime”, Cadernos IDEFF, n9 6, Dezembro de 2006, páginas 189 e 190);
e) Sendo que a própria Administração Fiscal perfilha este entendimento, ao esclarecer, em 14 de Junho de 1991 (alguns anos depois do DL 485/88), com a publicação do Ofício Circular D-1, quais os casos em que se podia beneficiar de isenção de sisa ao abrigo do DL 423/83;
f) Estando os benefícios revogados, que necessidade teria a Administração Fiscal de regular a sua aplicação?;
g) Os benefícios fiscais constantes do referido art. 20º nº 1 do DL 423/83, são de aplicação automática, estando verificadas as condições previstas nesse mesmo preceito;
h) As condições aí estabelecidas para que os benefícios sejam aplicados directa e automaticamente, são apenas duas, a saber:
(i) A fracção adquirida se destine à instalação de empreendimentos turísticos;
(ii) Que a esses empreendimentos turísticos tenham sido qualificados de utilidade turística, mesmo que essa qualificação tenha sido atribuída a título prévio;
i) A condição referida em h) (i) está verificada, conforme reconheceu o Meritíssimo Juiz de 1ª Instância;
j) Não havendo igualmente dúvidas quanto à segunda condição h) (ii) supra, em face do despacho proferido pelo Secretário de Estado do Turismo de 10 de Outubro de 2006, anteriormente à outorga da escritura pública de compra e venda;
k) Não é condição de aplicação dos benefícios constantes do Decreto-Lei 423/83 que os mesmos tenham que constar deste despacho de atribuição de utilidade turística;
l) Tal resulta clara e inequivocamente da actual redacção do nº 4 do art. l6º do DL 423/83, com a redacção que lhe foi dada 38/94 de 8 de Fevereiro;
m) De acordo com a qual o despacho de atribuição de utilidade turística apenas terá que estabelecer a medida e o prazo dos benefícios a conceder, para efeitos da alínea b) do nº 1 do mesmo artigo 16º;
n) Na medida em que a natureza e o prazo deste benefício pode variar, o legislador não especificou nem quantificou o benefício a conceder, antes conferindo à entidade responsável pela atribuição de utilidade turística competência para definir se o benefício era a isenção total ou uma simples redução de taxa e qual o prazo máximo para a sua aplicação;
o) A favor desta tese joga ainda o elemento sistemático, pois se a intenção do legislador fosse a de que os benefícios fiscais constantes do artigo 20º nº 1 do DL 423/83 constarem do despacho de atribuição de utilidade turística, então tê-lo-ia referido expressamente neste preceito (como o fez para os benefícios do art. 16º) ou através da inclusão, no próprio Decreto (imediatamente após elencar os diversos benefícios fiscais ali previstos), de uma regra geral de obrigatoriedade de todos os benefícios constarem do despacho de utilidade turística.
p) Também a jurisprudência considera que os benefícios fiscais constantes do art. 20º nº 1 do DL 423/83 são de aplicação automática;
q) Apenas fazendo depender essa automaticidade da declaração de utilidade turística anteriormente ao nascimento da obrigação de liquidação de IMT e de Imposto do Selo;
r) Neste sentido são claros os Acórdãos do S.T.A supra referidos (Acórdão de 2 de Outubro de 1991 - Rec. 13016 e Acórdão de 21 de Janeiro de 1987 - Recurso 3873);
s) O legislador define benefícios fiscais automáticos, no artigo 5º do EBF, como aqueles que resultam directa e imediatamente da lei, pelo que tendo sido reconhecida a utilidade turística ao empreendimento onde se situa o prédio adquirido pela Recorrente, a sua transmissão está isenta de IMT e beneficia da redução a um quinto do IS;
t) No que se refere ao entendimento da não revogação dos benefícios constantes do art. 20º do DL 423/83 e à desnecessidade de os mesmos virem expressamente referidos no despacho de atribuição de utilidade turística é de salientar o parecer emitido pela Digna Procuradora da República, onde perfilhou e concordou com as posições e argumentos apresentados pela Recorrente;
u) Não sendo devidos os impostos liquidados pela Administração Fiscal - IMT e IS - não podem, obviamente, ser devidos os juros compensatórios igualmente liquidados pela Fazenda Nacional;
v) Ainda assim, deve ser dito que o retardamento na liquidação dos impostos considerados - indevidamente - devidos pela Administração Fiscal - não pode, de forma alguma ser imputável à ora Recorrente;
w) O duplo controlo a que foi sujeita a incidência, ou não, de tributação da aquisição do prédio pela Recorrente - primeiro pelo Notário interveniente na escritura pública de compra e venda e depois pelo Conservador do Registo Predial - constitui causa de exclusão da ilicitude;
x) Na verdade se a entidade que, obrigada ao controlo e profunda conhecedora da lei, declara e averba expressamente, de forma fundamentada, na escritura pública de compra e venda, que as isenções previstas no art. 20º nº 1 DL 423/83 são aplicáveis, seria, ainda assim, exigível à Recorrente que procedesse à liquidação dos impostos?
y) A resposta a esta questão só pode ser uma – NÃO. A actuação da Recorrente não revestiu, pois, de qualquer culpa, dolosa ou negligente.
z) Neste sentido, aliás, se tem pronunciado, em situações muito semelhantes, a Jurisprudência (cf. Acórdão do STA, 2ª Secção de 21-7-976 e Acórdão do STA, 2ª Secção, de 19-11-975 - Rec. M 443), ao excluir a culpa dos sujeitos passivos, quando, tendo havido intervenção de Notário na transmissão de bens imóveis, estes tenham expressamente declarado ainda que erradamente – o que não é, diga-se o caso presente – que essa transmissão estava isenta de Sisa (agora IMT).
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida no segmento que julgou improcedente a impugnação judicial tendo por objecto a liquidação dos juros compensatórios e negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida no segmento que julgou improcedente a impugnação judicial do acto de liquidação do IMT e do imposto de Selo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
A) - Em 06/12/2006, por escritura pública foi celebrado o contrato de compra e venda que constitui fls. 28 a 32 dos presentes autos, entre a C…, S.A, na qualidade de 1º outorgante e proprietária da fracção imobiliária n° 11, designada pela letra “…”, do prédio urbano denominado “B…”, sito no Lote …, Quinta do Lago, freguesia de Almancil, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob a ficha número novecentos e sessenta e cinco da dita freguesia e a Impugnante na qualidade de segunda outorgante.
B) - Declarou a Primeira Outorgante que vende à Segunda, a fracção imobiliária, a que se refere a alínea anterior, pelo preço de € 339.182,57, que para a sua representada declara já recebido.
C) - Declarou a Segunda Outorgante que aceita a venda nos termos exarados.
D) - Ficou mencionado na escritura pública a que se refere a alínea A) o seguinte:
«A presente transmissão está isenta de IMT nos termos do disposto nos n°s 1 e 2 do artigo 20° do DL n° 423/83 de 5 de Dezembro, em virtude da fracção adquirida se destinar à instalação de empreendimento qualificado de utilidade turística, conforme Despacho proferido pelo Secretário de Estado do Turismo em 25/08/2006, publicado em Aviso no Diário da República, 2 Série, n° 195 de 10 de Outubro de 2006 (Parte Especial) e a sua exploração turística se encontrar assegurada por contrato de exploração turística celebrado com a empresa exploradora em 05/02/2004, cuja cópia se arquiva.»
E) - Entre a Impugnante e D…, S.A., foi celebrado o contrato-promessa de fls. 34 e segs. dos autos, nos termos do qual à primeira promete ceder à segunda a exploração turística da fracção nº 11, para habitação tipo T2B, sita no B…, na Quinta do Lago, freguesia de Almancil, concelho de Loulé.
F) - Nos termos da cláusula segunda do contrato a que se refere a alínea anterior o contrato converter-se-á em contrato definitivo, devendo a partir dessa data considerar-se como não escritas todas as referências a promessas nele constantes.
G) - Em 04/10/2007, a Impugnante efectuou o pagamento o IMT liquidado nos termos seguintes (fls. 23 destes autos):
IMPORTÂNCIA DO IMT
€ 30.695,40
Juros compensatórios
€ 918,34
Abatimentos
€ 0,00
TOTAL
€ 31.613,74
H) - Na mesma data procedeu ao pagamento do Imposto do Selo liquidado nos termos seguintes (fls. 25 destes autos):
    ZONA CÓDIGO IMPORTÂNCIA €

    Continente 301-IS- Aquisição onerosa ou doação 3.274,18
    Continente 399-IS- Juros compensatórios 81,81
I) - A Impugnante procedeu ao pagamento da coima no montante de 354,20 €, cfr. fls. 25 destes autos.
J) - Em 14/12/2007, a Impugnante apresentou a reclamação graciosa, cfr. processo administrativo apenso.
L) - A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 11/07/2008, cfr. fls. 46 dos presentes autos.
M) - É do seguinte teor o Aviso de 27/09/2006 da Comissão de Utilidade Turística:
«MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DA INOVAÇÃO
Direcção-Geral do Turismo
Comissão de Utilidade Turística
Sector de Utilidade Turística
Aviso
Por despacho do Secretário de Estado do Turismo de 25 de Agosto de 2006, foi confirmada a utilidade turística, atribuída a título prévio, ao B…, com a classificação de 4 estrelas, sito na Quinta do Lago, lote AL 10, Almancil, concelho de Loulé, distrito de Faro, de que é requerente C…, SA
A referida utilidade turística é concedida nos termos do disposto nos artigos 2º, nºs 1 e 2, 3º nº 1, alínea a) (com a redacção dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 38/94, de 8 de Fevereiro), 5º, nº 1, alínea a), 7º nºs 1 e 3, e 11º n° 1, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, valendo pelo prazo de sete anos contado a partir da data da emissão da licença de utilização turística pela Câmara Municipal em 21 de Novembro de 2005, ficando, nos termos do disposto no artigo 8º do referido decreto-lei, dependente do cumprimento dos seguintes condicionamentos:
a) O estabelecimento deverá manter as exigências legais para a classificação definitiva atribuída: aldeamento turístico de 4 estrelas;
b) A empresa não poderá realizar sem prévia autorização da Direcção-Geral do Turismo e conhecimento da Comissão de Utilidade Turística quaisquer obras que impliquem alteração do projecto aprovado ou das características arquitectónicas dos edifícios respectivos.
De acordo com o nº 4 do artigo 16º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro (com a redacção introduzida pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº 38/94, de 8 de Fevereiro), conjugado com o disposto no artigo 22º daquele diploma, a Comissão é de parecer que a empresa proprietária e exploradora do empreendimento fique isenta, relativamente à propriedade e exploração do mesmo, das taxas devidas ao Governo Civil e à Inspecção-Geral das Actividades Culturais desde a data da emissão da licença de utilização turística por um prazo correspondente ao legalmente estabelecido para efeitos de isenção do imposto municipal sobre imóveis (IMI) - sete anos - de acordo com o artigo 43º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 215/89, de 1 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, conjugado com o nº 6 do artigo 31º do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, isto é de 21 de Novembro de 2005 até 21 de Novembro de 2012.
27 de Setembro de 2006. - Pela Comissão de Utilidade Turística, E….»
N) - A fracção adquirida pela Impugnante continua afecta à exploração turística.
Todos os factos têm por base probatória, os documentos referidos em cada ponto. De realçar o depoimento da testemunha arrolada cujo depoimento pareceu sério e credível. Referiu em síntese:
Exerceu funções de directora hoteleira no D…, o qual é composto por 178 moradias, todas com piscina. Na sua maioria estão afectas à exploração turística. C… construiu as moradias e nunca fez exploração directa. Posteriormente as vivendas foram vendidas e a exploração turística é feita pelo B…. Não é obrigatório os proprietários afectarem a moradia que adquirem à exploração turística, é uma opção. B… factura aos seus clientes e uma parte dessa renda é entregue aos proprietários das moradias.
3 – Desde logo, importa referir que, na sentença recorrida, o Mmº Juiz “a quo” reconhece que a fracção adquirida pela recorrente se destinou à instalação e utilização de empreendimento para turismo, requisito fundamental para poderem ser concedidos os benefícios fiscais previstos no Decreto-Lei nº 423/83 de 5/12, pelo que, não constituindo esta questão objecto do presente recurso, a temos que considerar, assim, como dado adquirido.
Posto isto, a primeira questão suscitada no presente recurso consiste em saber se o artº 20º, nº 1 do predito Decreto-Lei foi ou não revogado pelo também Decreto-Lei nº 485/88 de 30/12.
Dispõe o citado artº 20º, nº 1 que “são isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento”.
Estabelece, porém, o artº 3º do Decreto-Lei nº 485/88 de 30/12 que “são revogados, a partir da entrada em vigor deste diploma, sem prejuízo da manutenção dos já concedidos e dos regimes de caducidade previstos na legislação ao abrigo da qual estão a ser usufruídos, os benefícios fiscais a seguir indicados:
22) Alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 16.º, no que respeita à contribuição industrial e ao imposto complementar - secções A e B, o artigo 19.º e, bem assim, as constantes dos artigos 16.º a 27.º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, diploma que estabelece benefícios susceptíveis de serem concedidos no âmbito da atribuição da utilidade turística, na parte que com aqueles estejam correlacionados…”.
E o artº 28º do Decreto-Lei nº 287/03 de 12/11 que “todos os textos legais que mencionam Código de Contribuição Autárquica ou contribuição autárquica consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) ou ao imposto municipal sobre imóveis (IMI)” (nº 1) e “todos os textos legais que mencionam Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto do Selo, ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respectivamente” (nº 2).
Face a estas disposições legais, decidiu o Mmº Juiz “a quo” que, “com a revogação dos benefícios fiscais constantes dos artigos 16.º a 27.º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, foi revogado o artigo 20.º onde se encontrava prevista a isenção de sisa.
Assim, ao contrário do defendido pela Impugnante a isenção de sisa (actualmente IMT) e a redução do Imposto do Selo, não podem resultar do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, pela simples razão de que tal benefício foi revogado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei nº 485/88, de 30 de Dezembro”.
É contra o assim decidido que se insurge agora a recorrente, nos termos que constam da sua motivação do recurso.
Cremos que lhe assiste razão.
Com efeito e ao contrário do agora decidido, entendemos que o artº 20º do Decreto-Lei nº 423/83 não foi revogado pelo predito artº 3º do Decreto-Lei nº 485/88.
Desta disposição, que revogou diversos benefícios fiscais, se colhe que a mesma restringiu a referida revogação apenas aos benefícios que tinham a ver com contribuição industrial e o imposto complementar, tanto no que diz respeito ao artº 16º como ao artº 20º.
De facto e por um lado, tendo aquele preceito legal utilizado a expressão "na parte que com aqueles estejam relacionados”, a palavra “aqueles” não pode deixar de se reportar, apenas, àqueles tributos referidos no início da norma.
Por outro, repare-se que no nº 22 do predito artº 3º se diz expressamente que ficam revogados os benefícios fiscais previstos nas als. a) e c) do artº 16º, no que respeita à contribuição industrial e imposto complementar - secções A e B, o artº 19º e, bem, assim, as constantes dos artºs 16º a 27º do Decreto-Lei nº 423/83.
Ora, o artº 19º isentava de imposto complementar os juros de suprimentos feitos pelos sócios às empresas ou empréstimos titulados por obrigações.
Por sua vez, a expressão ali usada “…e, bem assim, as constantes dos artºs 16º a 27º do Decreto-Lei nº 423/83…” só pode referir-se a “alíneas”, como se infere do artigo “as”, escrito no “feminino”.
O que, aliás, bem se compreende, uma vez que os citados artºs 16º a 27º, na sua generalidade, se reportam a beneficiários identificados em diversas alíneas de diversos artigos previstos naquele diploma legal e a quem são concedidos benefícios fiscais no âmbito do imposto complementar.
E estando previstos no mesmo diploma outros benefícios relacionados com aqueles impostos, não poderiam manter-se estes após terem sido revogados os benefícios dos impostos com os quais estavam correlacionados.
Ou seja, o que o legislador quis revogar foi apenas e tão só os benefícios relacionados com os impostos que tributavam os rendimentos.
Como resulta, aliás, da seguinte passagem do seu preâmbulo. Ali se escreve que “…A próxima entrada em vigor da reforma fiscal suscita a clarificação do sistema no âmbito dos incentivos fiscais, de modo a facilitar o mais possível a implementação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC)”.
De contrário, não se compreenderia que o legislador tivesse eliminado, como eliminou, a referência, no nº 22 do artº 3º, à contribuição predial, que é feita no artº 16º do Decreto-Lei nº 423/83.
E se o legislador, à semelhança do que aconteceu com a contribuição autárquica, à revogação da isenção de contribuição predial (artº 16º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 423/83) fez suceder o estabelecimento da isenção de contribuição autárquica (artº 43º, nº 1 do EBF, na redacção originária), o mesmo não acontecendo em relação à sisa, isso só se fica a dever, no nosso entender, ao facto de a sua isenção, no caso concreto (instituto de utilidade turística), estar prevista no referido diploma, norma especial.
Neste sentido, é também o entendimento do grupo de trabalho criado pelo Ministro de Estado e das Finanças em Maio de 2005, que teve por função realizar uma profunda e exaustiva reavaliação dos benefícios fiscais em vigor nessa data e cujo relatório foi publicado pelo nº 198 da Revista Ciência e Técnica Fiscal, a fls. 289 e segs., referido e transcrito pela recorrente na sua motivação do recurso e para onde nos remetemos.
É certo que o CIMSISD consagrava no seu artº 13º, nº 8 a isenção de sisa para este tipo de aquisições, não se encontrando norma idêntica no actual CIMT.
Todavia e como bem anota a recorrente na sua motivação do recurso, citando a Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância, “o DL 423/83 não foi nunca expressamente revogado e as suas disposições de concessão de benefícios não se mostram contrárias ao actual CIMT, dado que no DL 287/2003 de 12/11, que aprovou a reforma de tributação do património se salvaguardou expressamente a manutenção em vigor dos benefícios fiscais constantes de legislação avulsa – artº 31º nº 6 do DL 287/2003”.
4 – Quanto ao facto de, no aviso da entidade que concedeu o estatuto de utilidade turística (Secretário de Estado do Turismo), transcrito na al. M) do probatório, não se ter feito referência à concessão da isenção de sisa (actualmente IMT) ou redução a um quinto do imposto do selo, que o Mmº Juiz “a quo” invocou, embora de forma indirecta, como fundamento para concluir pela revogação dos benefícios fiscais previstos em sede de IMT e de IS, importa dizer, desde logo, que não há norma expressa que imponha a referência a essa concessão, nomeadamente no Decreto-Lei nº 38/94 de 8/2 que introduziu alterações ao predito Decreto-Lei nº 423/83.
O que o legislador exige é, tão só, que o despacho de concessão de utilidade turística defina a medida (isenção ou redução das taxas) e os respectivos prazos (cfr. artº 16º, nºs 1 e 4).
Como melhor resulta do citado Decreto-Lei nº 38/94, que introduziu a seguinte redacção ao nº 4 do referido artº 16º: “Para efeitos da alínea b) do nº 1, o despacho de atribuição de utilidade turística, definirá, sob proposta da Comissão de Utilidade Turística, a medida e o prazo dos benefícios fiscais a conceder”.
Daqui se pode concluir, como bem anota a recorrente, que “o legislador, ao invés de alargar o âmbito de intervenção e o conteúdo do despacho de concessão de utilidade turística (o que teria que ser feito para dele ter que passar a constar a atribuição de isenção de IMT/Sisa e de redução de IS), veio reduzir o seu âmbito de intervenção apenas aos casos expressamente previstos na alínea b) do nº 1 do art. 16º, que é o da isenção ou redução das taxas devidas, por licenças, aos governos civis e à Direcção Geral de espectáculos”.
Por outro lado e da exposição do artº 20º, nº 1 deste diploma legal, se colhe que o benefício fiscal resulta directa e imediatamente da lei, pelo que se apresenta com natureza de automático e vinculado (cfr. artº 4º na redacção do Decreto-Lei nº 215/89 de 1/7 - hoje artº 5º - do EBF).
Em conclusão, os actos de liquidação em causa não podem deixar de ser anulados.
Pelo que e a ser assim, como é, prejudicada fica a apreciação da questão da liquidação de juros compensatórios, por que não são, deste modo, devidos.
5 – No entanto, tendo sido dado como provado que a recorrente efectuou o pagamento dos impostos liquidados e dos juros compensatórios (als. G) e H) do probatório) e requerendo este o pagamento de juros indemnizatórios, cabe apreciar se os mesmos são devidos.
O direito a juros indemnizatórios está consagrado no artº 43º da LGT, no qual se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Como se concluiu no recente acórdão desta Secção do STA de 12.11.2009, in rec. nº 681/09, “havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.
Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro.
Na verdade, a letra da lei, ao referir a imputabilidade do erro aos serviços, aponta manifestamente no sentido de poder servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado, como aliás, é admitido em geral. (Neste sentido, pode ver-se FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, volume III, página 503). A administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei [arts. 266.°, n.° 1, da C.R.P., 17.°, alínea a), do C.P.T. e 55.° da L.G.T.], pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”.
No caso dos autos, verifica-se claramente um erro de direito por parte da Administração Tributária, na medida em que procedeu a uma liquidação de impostos e juros compensatórios, quando a lei concedia benefícios fiscais à recorrente. A recorrente efectuou o pagamento vendo-se assim desembolsado ilegalmente da quantia paga.
Deste modo e em face da norma acima referida - artº 43º da LGT- , impõe-se a condenação da entidade liquidadora a pagar juros indemnizatórios à impugnante, contados desde a data do pagamento do imposto liquidado até à data da emissão da nota de crédito a favor da impugnante (artº 61°, n° 3 do CPPT).
Neste sentido, pode ver-se os recentes acórdãos desta Secção do STA de 2/12/09, in rec. nº 783/09 e de 9/12/09, in recs. nºs 907/09 e 934/09.
6 – Nestes termos, acorda-se em:
a) conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a impugnação judicial e anular, em consequência, os actos de liquidação em causa;
b) condenar a entidade liquidadora a pagar juros indemnizatórios ao recorrente, contados desde a data do pagamento do imposto liquidado até à data da emissão da nota de crédito a favor daquele.
Custas pela Fazenda Pública, apenas na 1ª instância, com procuradoria de 1/8.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2010. – Pimenta do Vale (relator) – Valente Torrão – Isabel Marques da Silva.