Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0946/11
Data do Acordão:01/25/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
Sumário:I - Por força das disposições combinadas do seu artigo 122.º e do artigo 744.º do Código Civil, os créditos provenientes de IMI só gozam de privilégio creditório imobiliário desde que inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora ou acto equivalente e nos dois anos anteriores.
II - Para a definição da abrangência temporal do privilégio imobiliário especial o que releva não é o momento em que ocorre o facto gerador ou em que a lei o considera verificado, mas sim o ano em que o imposto deve ser cobrado.
Nº Convencional:JSTA00067375
Nº do Documento:SA2201201250946
Data de Entrada:10/24/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:B...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO DE 2011/04/12 PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:FIR FISC - IMI
DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CIMI03 ART113 N1 N2 ART122
CCIV66 ART744 N1
Referência a Doutrina:VITOR FAVEIRO DIREITO FISCAL VI PAG419
RUI DUARTE MORAIS A EXECUÇÃO FISCAL 2ED PAG166
SALVADOR COSTA O CONCURSO DE CREDORES PAG178
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
I – Vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro de 12 de Abril de 2011, proferida nos autos de verificação e graduação de créditos à execução fiscal nº 3751200701000578, instaurada contra A……, Lda. e B……., melhor identificados nos autos, no Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1. No processo de execução fiscal nº 3751200701000578 e apensos (ou seja, 3751200701005448 e 3751200801000705), foi penhorada, em 16/03/2010, a favor da Fazenda Nacional a fracção autónoma designada pela letra "E" do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Nogueira do Cravo sob o artigo 1306, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis com o nº 529/19950503 – E, tendo sido tal penhora inscrita na referida Conservatória através da Apresentação 4781, de 2010/03/16.
2. Pela Fazenda Pública na sequência de notificação nos termos do artigo 243.° do CPPT foram reclamados créditos no valor de € 722,87, respeitantes a IMI, referentes aos anos de 2007, 2008 e 2009, acrescidos dos respectivos juros, em cobrança coerciva no âmbito dos processos de execução fiscal nºs 0132200901017837, 0132201001017322 e 3751200901001990.
3. Não se conforma a Fazenda Pública com a douta sentença recorrida, porquanto a mesma não reconheceu nem graduou o crédito por si reclamado relativo a IMI do ano de 2007, garantido por privilégio imobiliário especial sobre o imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Nogueira do Cravo sob o artigo 1306 - fracção "E", penhorado no processo executivo e apensos atrás identificados.
4. Com efeito, tendo em conta que a penhora do imóvel a que respeita o crédito reclamado relativo a IMI de 2007, foi efectuada, em 16/03/2010, e que o mesmo foi inscrito para cobrança em 2009, ou seja nos dois anos anteriores ao ano da penhora, deveria tal crédito, porque goza do privilégio creditório imobiliário previsto nas disposições combinadas dos artigos 122.° do CIMI e 744.°, nº 1 do C.C., ter sido reconhecido e graduado em primeiro lugar, juntamente com os créditos reclamados de IMI dos anos de 2008 e 2009.
5. Não o tendo feito, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 240.°, nº 1, do CPPT, nos artigos 744, nº 1, e 747, nº 1, al. a), do Código Civil e no artigo 122.° do CIMI.»
II- Não foram apresentadas contra alegações.
III- O Exmº Magistrado do Mº Pº não emitiu parecer.
IV- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
IV-A – É o seguinte o teor da decisão recorrida, na parte que interessa ao presente recurso, e relativa à reclamação de créditos da Fazenda Pública (cf. fls. 98 e segs.) :
«A Fazenda Pública veio reclamar créditos provenientes de IMI dos anos de 2007, 2008 e 2009.
Dispõe o art. 122°, n° 1, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) que o imposto municipal sobre imóveis goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial. Por seu turno, o art. 744°, n° 1, do C. Civil, rege que os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente da data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição.
Por outro lado, resulta do art. 240°, nº 1, do CPPT, que apenas os credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados podem reclamar os seus créditos.
Ora, a dívida de IMI de 2007, incidente sobre o imóvel penhorado nos autos é anterior ao prazo previsto no art. 744, nº 1, do C. Civil, pois a penhora data de 2010, pelo que não está abrangida pelo privilégio imobiliário especial, não podendo ser reclamada nestes autos.
Assim, não reconheço o crédito reclamado, relativo a IMI de 2007.
Reconheço os demais créditos reclamados.
* * *
Da graduação de créditos:
1. Dispõe o art. 122°, nº 1, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) que o imposto municipal sobre imóveis goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial. Por seu turno, o art. 744°, n° 1, do C. Civil, rege que os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente da data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição.
O crédito do Estado relativo a Imposto Municipal sobre Imóveis é, assim, garantido por privilégio creditório especial imobiliário sobre o imóvel objecto da tributação (art. 122°, nº 1, do CIMI e 733°, 734° e 744°, n° 1 do Código Civil) graduando-se de acordo com o disposto no art. 747°, nº 1, al. a), do Código Civil.
Nos termos do art. 751°, do C. Civil, os privilégios imobiliários especiais preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores.
Acresce que, no que respeita aos juros que beneficiam do privilégio creditório (reportados aos dois últimos anos, nos termos do disposto no art. 734° do Código Civil), estes serão graduados nos mesmos termos do crédito a que se referem, ou seja, nos termos constantes do art. 747°, nº 1, al. a) do Código Civil.
2. O crédito reclamado por C……, que goza da garantia hipotecária, tem preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade no registo (arts. 686°, n° 1, 687°, 693°, nº 1 e 2, 703° e 712°, todos do C. Civil), sendo certo que nos termos do citado art. 693°, nº 2, do C. Civil, a garantia decorrente da hipoteca apenas abrange os juros relativos a três anos, não obstante convenção em contrário (e note-se que na reclamação de créditos só são admitidos os créditos que gozem de garantia real).
Por outro lado, o registo da hipoteca tem eficácia constitutiva, (sob pena de não produzir efeitos mesmos em relação às partes) pelo que os limites da garantia (hipotecária) hão-de aferir-se pelo que consta do registo: art. 693° nº 2 e 687° do C. Civil e art. 4° nº 2 do Código de Registo Predial.
3. De harmonia com os arts. 733° e 736° nº 1 do C. Civil, os créditos do Estado por impostos indirectos (categoria a que pertence o crédito exequendo de IVA e respectivos juros compensatórios), beneficiam de privilégio mobiliário geral.
No caso em apreço, porém, uma vez que inexiste penhora sobre bens móveis, gozam apenas da garantia da penhora efectuada sobre o imóvel no processo executivo.
Por fim, cumpre referir que, em caso de créditos igualmente privilegiados, haverá rateio entre eles (cfr. art. 745°, do C. Civil).
III. Decisão:
Em face do exposto, decido:
a) não julgar verificado o crédito reclamado pelo Representante da Fazenda Pública, decorrente de Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2007;
b) julgar reconhecidos os restantes créditos reclamados;
c) graduar os créditos da seguinte forma:
1° - Os créditos relativos a IMI (imposto municipal sobre imóveis), dos anos de 2008 e 2009;
2° - O crédito reclamado por C……, Lda., garantido por hipoteca, acrescido dos juros relativos a três anos e respeitados que sejam os limites da hipoteca;
3° - O crédito exequendo, relativo a IVA (imposto sobre o valor acrescentado).
As custas da execução saem precípuas do produto dos bens penhorados (art. 455° do
CPC).»
IV-B- A questão objecto do recurso refere-se à não verificação e graduação do crédito reclamado pelo Representante da Fazenda Pública, decorrente de Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2007, alegando a recorrente que o mesmo foi inscrito para cobrança em 2009, ou seja nos dois anos anteriores ao ano da penhora (de 16.03.2010), deveria tal crédito, porque goza do privilégio creditório imobiliário previsto nas disposições combinadas dos artigos 122.° do CIMI e 744.°, nº 1 do C.C., ter sido reconhecido e graduado em primeiro lugar, juntamente com os créditos reclamados de IMI dos anos de 2008 e 2009.
Sobre tal matéria diz-se na sentença recorrida que a dívida de IMI de 2007, incidente sobre o imóvel penhorado nos autos é anterior ao prazo previsto no art. 744, nº 1, do C. Civil, pois a penhora data de 2010, pelo que não está abrangida pelo privilégio imobiliário especial, não podendo ser reclamada nestes autos.
A questão prende-se, portanto, com a definição da abrangência temporal do privilégio imobiliário especial em causa, previsto pelas disposições conjugadas dos arts 122º, nº 1 do IMI e 744º, nº 1 do Código Civil.
Nos termos do art. 122º, nº 1 do CIMI o imposto municipal sobre imóveis goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial.
E dispõe o art. 744º, nº 1 do Código Civil que os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição.
Cumprirá, antes do mais, observar que o que releva para a definição da abrangência temporal do privilégio não é o momento em que ocorre o facto gerador ou em que a lei o considera verificado, mas sim o ano em que o imposto deve ser cobrado (Ver neste sentido, Vítor Faveiro, Direito Fiscal, I, pag. 419 e ss, e Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª edição pag. 166. Também neste sentido refere Salvador da Costa (O Concurso de Credores, pag. 178) que «o imposto a que se refere este privilégio é o inscrito para cobrança no ano da penhora ou nos dois anos anteriores, ou seja, o liquidado e relacionado para cobrança naquele período temporal».).Ora o IMI é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita.
Essa liquidação é efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte (art. 113, ns. 1 e 2 do CIMI).
O imposto deve ser pago em duas prestações, nos meses de Abril e Setembro, desde que o seu montante seja superior a (euro) 250, devendo o pagamento, no caso de esse montante ser igual ou inferior àquele limite, ser efectuado de uma só vez, durante o mês de Abril.
Para o efeito os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios.
O IMI é, pois, liquidado e inscrito para cobrança nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte àquele a que diga respeito, sendo-lhe aplicável, em matéria de privilégios creditórios, o regime do Código Civil (art. 744º).
Daí que assista razão à recorrente quando sustenta que o crédito reclamado de IMI referente ao ano de 2007, porque respeita ao imóvel penhorado e foi inscrito para cobrança nos dois anos anteriores ao ano corrente na data da penhora (2010), goza de privilégio imobiliário especial de acordo com o disposto nos arts. 744º, nº 1 do Código Civil e 122º do CIMI.
Neste contexto e porque a sentença recorrida enferma dos erros de julgamento que a Fazenda Pública lhe imputa, deve, nessa medida, ser revogada, por procedência das conclusões 4 a 5 do recurso.
V. DECISÃO
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte impugnada e, em consequência, proceder à graduação dos créditos nos termos seguintes, saindo as custas da execução precípuas do produto dos bens penhorados:
1° - Os créditos relativos a IMI (imposto municipal sobre imóveis), dos anos de 2007, 2008 e 2009;
2° - O crédito reclamado por C……, Lda., garantido por hipoteca, acrescido dos juros relativos a três anos e respeitados que sejam os limites da hipoteca;
3° - O crédito exequendo, relativo a IVA (imposto sobre o valor acrescentado).
(art. 455° do CPC).»
Sem custas.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2012. - Pedro Delgado (relator) – Dulce Neto – Francisco Rothes.