Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 059/21.7BALSB |
Data do Acordão: | 03/23/2022 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CT |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DECISÃO ARBITRAL FACTO TRIBUTÁRIO TRIBUTAÇÃO |
Sumário: | I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral de mérito por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com outra decisão do tribunal arbitral (previsto pelo n.º 2 do art. 25.º do RJAT), pressupõe que se verifique entre ambas as decisões arbitrais oposição quanto à mesma questão fundamental de direito e que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT). II - Há oposição quanto à mesma questão fundamental de direito sempre que as decisões em confronto são tomadas num circunstancialismo fáctico substancialmente idêntico e por referência à mesma disciplina jurídica. III - De acordo com a jurisprudência uniformizada pelo acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Abril de 2021, proferido no processo com o n.º 57/20.8BALSB, atento o disposto no n.º 9 do art. 8.º do CIRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, nos casos em que o período de tributação não coincide com o ano civil e, iniciado em 2014, teve o seu termo em 2015, é aplicável a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015. |
Nº Convencional: | JSTA000P29153 |
Nº do Documento: | SAP20220323059/21 |
Data de Entrada: | 05/07/2021 |
Recorrente: | A............, S.A. |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso por oposição de decisões arbitrais Recorrente: “A…………, S.A.” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada vem, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro.), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 12 de Abril de 2021 no processo n.º 118/2020-T (Disponível em 1.2 Apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor: «i. Para decidir pela improcedência da impugnação, entende o Tribunal arbitral que a taxa aplicável era de 23% prevista no artigo 87.º n.º 1 do Código do IRC (na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16.01), por ser a que se encontrava em vigor no momento da verificação do facto tributário em sede de IRC. ii. Quanto àquela matéria, a decisão arbitral recorrida está em completa oposição com as decisões dada no processo n.º 783/2019-T do CAAD (bem como nos processos n.ºs 179/2018-T e 412/2019-T), e com o decidido por este Supremo Tribunal Administrativo no recente acórdão de 21.04.2021, dado no proc. n.º 057/20.8BALSB. iii. Na decisão fundamento, dada no proc. n.º 783/2019-T, o tribunal arbitral em funcionamento no CAAD considerou que a taxa de IRC aplicável era de 21%, por ser a que estava em vigor no momento da verificação do facto tributário em sede de IRC (em 31 de Janeiro de 2015), dado que a Lei do Orçamento do Estado para 2015, havia revogado a anterior redacção do artigo 87.º n.º 1 do Código do IRC. iv. No caso dos autos é manifesta a identidade factual nas situações versadas no presente processo e no processo proc. n.º 783/2019-T, e é também manifesta a contradição da decisão quanto à mesma questão fundamental de Direito. v. Na decisão fundamento dada no proc. n.º 783/2019-T, veio a decidir-se tal como no acórdão provindo deste Supremo Tribunal, de 21.04.2021, dado no proc. n.º 057/20.8BALSB – no sentido de que: «Atento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n. º 1 do art. 12.º da LGT, é aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21% , tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015». vi. Assim, verifica-se a oposição entre a decisão recorrida e a dada no proc. n.º 783/2019-T – a implicar a emissão de acórdão que acolha a jurisprudência defendida pela Recorrente, e a anulação da decisão recorrida. Pelo exposto, e nos melhores de Direito com o douto suprimento de V.Ex.as, julgando procedente o presente recurso, com todas as legais consequências, farão V.Ex.as cumprir a Lei e Justiça». 1.3 A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações. 1.4 Dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no qual, após enunciar os termos do recurso e os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, sustentou que o recurso deve ser admitido, por considerar que existe oposição entre a decisão recorrida e a decisão fundamento, e provido, «alterando-se a decisão recorrida no sentido em que foi proferida decisão de uniformizar jurisprudência, no processo nº 57/20.8BALSB», que uniformizou jurisprudência no sentido de que «[a]tento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015». 1.5 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, primeiro, há que examinar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO 2.1.1 A decisão arbitral recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto: «A) A Requerente é sujeito passivo de IRC, iniciou a sua actividade em 15/06/2009 e encontra-se inscrita no cadastro para as seguintes actividades: i) COM. GROSSO PEÇAS E ACESSÓRIOS PARA VEÍCULOS AUTOMÓVEIS (CAE Principal 45310); ii) MANUTENÇÃO E REPARAÇÃO DE VEÍCULOS AUTOMÓVEIS (CAE Secundário 1045200); iii) COM. RET.NÃO ESPEC., S/PRED.PROD.ALIM., BEBIDAS TABACO,GR.ARM (CAE Secundário 2 047191). B) O seu objecto social consiste, essencialmente, na comercialização e distribuição por grosso e a retalho de todos os artigos, bens de consumo, incluindo peças sobressalentes e acessórios para automóveis, destinados a todo o tipo de veículos. C) Para efeitos de IRC encontra-se enquadrada no regime geral de tributação, e para efeitos de IVA no regime normal mensal. D) A Requerente integra o grupo empresarial internacional B..., sedeado em França, grupo que adopta um ano fiscal não coincidente com o ano civil, iniciando-se o mesmo a 1 de Outubro de n e terminando a 30 de Setembro de n+1. E) A Requerente tem vindo a adoptar o mesmo ano fiscal, iniciando-se aquele a 1 de Outubro de n e terminando a 30 de Setembro de n+1. F) A Requerente submeteu a declaração de rendimentos Mod. 22 respeitante ao período de tributação de 2014 (o qual decorreu entre o dia 1 de Outubro de 2014 e o dia 30 de Setembro de 2015), n.º 3522-C0104-15, no dia 29 de Fevereiro de 2016. G) Foi indicada a taxa de 23%, por ser a pré-definida no sistema informático. H) Tal declaração deu origem à liquidação n.º 2016 291 0002114. I) Na autoliquidação de imposto relativa ao período de tributação de 2014 a Requerente apurou uma matéria colectável no valor de € 1.825.665,2. J) O montante total da colecta de IRC ascendeu a € 419.903,00, que resulta da aplicação de uma taxa de 23%. K) Tal colecta foi calculada pelo sistema informático da AT como devido pela Requerente no período de tributação de 2014. L) Considerando uma taxa de IRC de 21%, a colecta seria de € 383.389,69. M) A Requerente promoveu um pedido de revisão oficiosa do acto tributário junto do Serviço de Finanças de Oeiras - 2, pedindo o apuramento de uma colecta corrigida de IRC no montante de 383.389,69 euros e o reembolso de 36.513,31 euros, tendo sido aposto carimbo com data de entrada a de 25 de Setembro de 2019. N) A Requerida nunca se pronunciou sobre o pedido referido no ponto anterior». * 2.1.2 A decisão arbitral fundamento deu como provada a seguinte factualidade (Por facilidade de exposição, renumeramos os factos provados.): «1. A Requerente é um sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do respectivo Código, que iniciou a sua actividade em 01-01-1991, encontrando-se inscrita no cadastro com o CAE 24520, fundição de aço. 2. No que respeita ao exercício de 2014, a Requerente, ao abrigo do artigo 8.º, n.º 2, do Código do IRC, adoptou um período de tributação não coincidente com o ano civil, o qual teve início em 01-02-2014 e termo em 31-01-2015. 3. Com referência ao mencionado exercício, a Requerente apresentou, em 29-06-2015, a competente declaração periódica de rendimentos Modelo 22, tendo posteriormente, em 13-04-2016, entregue uma declaração de substituição que, contudo, não introduziu qualquer alteração à anteriormente entregue no que concerne à taxa aplicável (Docs. 1 e 2). 4. Na sua autoliquidação de imposto relativa ao exercício em causa de 2014, a Requerente apurou uma colecta de imposto correspondente a € 610.099,11 (cfr. campos 347-B e 351 do quadro 10 dos Docs. n.ºs 1 e 2), a qual resultou da aplicação, por imposição do sistema informático da AT, de uma taxa de IRC de 23% à matéria colectável no montante de € 2.652.604,81 apurada pela Requerente relativamente ao exercício em causa (cfr. campos 311 e 346 do Quadro 9 e campo 347-B do quadro 10, dos Docs. n.ºs 1 e 2). 5. Considerando que, com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2015 (Lei n.º 82-B/2014, de 31/12), a taxa geral de IRC diminuiu de 23% para 21%, conforme dispõe o artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 192.º daquela Lei, e que esta nova taxa é aplicável a partir de 01-01-2015, data em que, segundo o artigo 261.º da referida Lei, a mesma entrou em vigor, a ora Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária. 6. Dirigido ao Director de Finanças do Porto, o referido pedido, apresentado em 26-06-2019, originou o processo de revisão oficiosa n.º 1805201902000644. 7. O referido pedido tem como objecto a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2014 que conduziu a uma colecta superior ao que seria devido por errada aplicação da taxa por facto imputável aos serviços da administração tributária. 8. Como fundamento do pedido alega a Requerente que à data em que se verificou o facto gerador do imposto – 31-01-2015 – por referência ao seu período de tributação de 2014, encontrava-se em vigor a taxa de 21%, devendo ser esta a aplicável à matéria colectável apurada com referência ao aludido exercício. 9. Sobre o pedido foi elaborada informação técnica (Doc. 3), de que, no essencial, se destaca: “Analisando a questão em si, verificamos que o orçamento de estado para 2015, aquele que alterou a taxa do IRC de 23% para 21%, aplica-se aos factos tributários ocorridos ou iniciados a partir de 2015.01.01. 10. Através de ofício de 22-07-2019, remetido a coberto de registo postal, foi a Requerente notificada do projecto de decisão, para efeitos do direito de audição prévia, a exercer no prazo de 15 dias (Doc. 3). 11. Decorrido o prazo fixado sem que tivesse sido exercido o referido direito, foi elaborada informação complementar, em que se conclui: “Face ao exposto e tendo em atenção os factos e fundamentos invocados no projecto de decisão, propõe-se que o mesmo seja convertido em definitivo, disso notificando o sujeito passivo, informando-o que – se assim o pretender – poderão recorrer hierarquicamente, nos termos do disposto no artigo 66.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do artigo 81.º da LGT, ou, então, impugnar judicialmente nos termos do artigo 102.º do CPPT”. 12. Sobre a informação e parecer acima referidos o Director Adjunto da Direcção de Finanças do Porto, no uso de competência subdelegada, proferiu o seguinte despacho: “Concordo com o indeferimento do pedido pelas razões expostas na informação”. (Doc. 4) 13. Esta decisão foi notificada à Requerente através de ofício de 04-09-2019 (Doc. 4)». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO 2.2.1.1 DOS REQUISITOS DA ADMISSIBILIDADE Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso: i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (art. 25.º, n.º 2, primeira parte, do RJAT); ii) que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (art. 25.º, n.º 2, segunda parte, do RJAT); iii) que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT]. iv) que a decisão arbitral fundamento tenha transitado em julgado [art. 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA e no art. 281.º do CPPT]. 2.2.1.2 DA OPOSIÇÃO Não havendo dúvidas quanto à verificação do primeiro requisito enunciado, passemos de imediato à apreciação do requisito que enunciámos sob o n.º ii), dizendo, desde já, que é de considerar que a questão fundamental de direito é a mesma quando as situações fácticas em ambas as decisões arbitrais sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais e o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida; entende-se também que as duas decisões arbitrais estão em oposição entre si quando se opõem as decisões respectivas, não bastando que se oponham os seus fundamentos. * 2.2.2 DO MÉRITO DO RECURSO A questão que se suscita nos presentes autos foi já apreciada por este Supremo Tribunal, que, pelo recente acórdão do Pleno de 21 de Abril de 2021, proferido no processo com o n.º 57/20.8BALSB (ELI: https://data.dre.pt/eli/acsta/2/2021/06/29/p/dre/pt/html. 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral de mérito por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com outra decisão do tribunal arbitral (previsto pelo n.º 2 do art. 25.º do RJAT), pressupõe que se verifique entre ambas as decisões arbitrais oposição quanto à mesma questão fundamental de direito e que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT). II - Há oposição quanto à mesma questão fundamental de direito sempre que as decisões em confronto são tomadas num circunstancialismo fáctico substancialmente idêntico e por referência à mesma disciplina jurídica. III - De acordo com a jurisprudência uniformizada pelo acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Abril de 2021, proferido no processo com o n.º 57/20.8BALSB, atento o disposto no n.º 9 do art. 8.º do CIRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, nos casos em que o período de tributação não coincide com o ano civil e, iniciado em 2014, teve o seu termo em 2015, é aplicável a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão recorrida. Custas pela Recorrida (cfr. arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º. n.º 1 e 2 e 530.º, n.ºs 1 e 7 do CPC, aplicável ex vi art. 280.º do CPPT). Comunique-se ao CAAD. * |