Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:059/21.7BALSB
Data do Acordão:03/23/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DECISÃO ARBITRAL
FACTO TRIBUTÁRIO
TRIBUTAÇÃO
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral de mérito por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com outra decisão do tribunal arbitral (previsto pelo n.º 2 do art. 25.º do RJAT), pressupõe que se verifique entre ambas as decisões arbitrais oposição quanto à mesma questão fundamental de direito e que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT).
II - Há oposição quanto à mesma questão fundamental de direito sempre que as decisões em confronto são tomadas num circunstancialismo fáctico substancialmente idêntico e por referência à mesma disciplina jurídica.
III - De acordo com a jurisprudência uniformizada pelo acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Abril de 2021, proferido no processo com o n.º 57/20.8BALSB, atento o disposto no n.º 9 do art. 8.º do CIRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, nos casos em que o período de tributação não coincide com o ano civil e, iniciado em 2014, teve o seu termo em 2015, é aplicável a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.
Nº Convencional:JSTA000P29153
Nº do Documento:SAP20220323059/21
Data de Entrada:05/07/2021
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso por oposição de decisões arbitrais
Recorrente: “A…………, S.A.”
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada vem, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro.), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 12 de Abril de 2021 no processo n.º 118/2020-T (Disponível em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&id=5358.), invocando oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão proferida pelo CAAD em 22 de Agosto de 2020, no processo n.º 783/2019-T, já transitada em julgado (Disponível em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&id=4919.).

1.2 Apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor:

«i. Para decidir pela improcedência da impugnação, entende o Tribunal arbitral que a taxa aplicável era de 23% prevista no artigo 87.º n.º 1 do Código do IRC (na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16.01), por ser a que se encontrava em vigor no momento da verificação do facto tributário em sede de IRC.

ii. Quanto àquela matéria, a decisão arbitral recorrida está em completa oposição com as decisões dada no processo n.º 783/2019-T do CAAD (bem como nos processos n.ºs 179/2018-T e 412/2019-T), e com o decidido por este Supremo Tribunal Administrativo no recente acórdão de 21.04.2021, dado no proc. n.º 057/20.8BALSB.

iii. Na decisão fundamento, dada no proc. n.º 783/2019-T, o tribunal arbitral em funcionamento no CAAD considerou que a taxa de IRC aplicável era de 21%, por ser a que estava em vigor no momento da verificação do facto tributário em sede de IRC (em 31 de Janeiro de 2015), dado que a Lei do Orçamento do Estado para 2015, havia revogado a anterior redacção do artigo 87.º n.º 1 do Código do IRC.

iv. No caso dos autos é manifesta a identidade factual nas situações versadas no presente processo e no processo proc. n.º 783/2019-T, e é também manifesta a contradição da decisão quanto à mesma questão fundamental de Direito.

v. Na decisão fundamento dada no proc. n.º 783/2019-T, veio a decidir-se tal como no acórdão provindo deste Supremo Tribunal, de 21.04.2021, dado no proc. n.º 057/20.8BALSB – no sentido de que: «Atento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n. º 1 do art. 12.º da LGT, é aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21% , tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015».

vi. Assim, verifica-se a oposição entre a decisão recorrida e a dada no proc. n.º 783/2019-T – a implicar a emissão de acórdão que acolha a jurisprudência defendida pela Recorrente, e a anulação da decisão recorrida.

Pelo exposto, e nos melhores de Direito com o douto suprimento de V.Ex.as, julgando procedente o presente recurso, com todas as legais consequências, farão V.Ex.as cumprir a Lei e Justiça».

1.3 A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.4 Dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no qual, após enunciar os termos do recurso e os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, sustentou que o recurso deve ser admitido, por considerar que existe oposição entre a decisão recorrida e a decisão fundamento, e provido, «alterando-se a decisão recorrida no sentido em que foi proferida decisão de uniformizar jurisprudência, no processo nº 57/20.8BALSB», que uniformizou jurisprudência no sentido de que «[a]tento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015».

1.5 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, primeiro, há que examinar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, da infracção imputada à decisão arbitral recorrida [cf. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão arbitral recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) A Requerente é sujeito passivo de IRC, iniciou a sua actividade em 15/06/2009 e encontra-se inscrita no cadastro para as seguintes actividades: i) COM. GROSSO PEÇAS E ACESSÓRIOS PARA VEÍCULOS AUTOMÓVEIS (CAE Principal 45310); ii) MANUTENÇÃO E REPARAÇÃO DE VEÍCULOS AUTOMÓVEIS (CAE Secundário 1045200); iii) COM. RET.NÃO ESPEC., S/PRED.PROD.ALIM., BEBIDAS TABACO,GR.ARM (CAE Secundário 2 047191).

B) O seu objecto social consiste, essencialmente, na comercialização e distribuição por grosso e a retalho de todos os artigos, bens de consumo, incluindo peças sobressalentes e acessórios para automóveis, destinados a todo o tipo de veículos.

C) Para efeitos de IRC encontra-se enquadrada no regime geral de tributação, e para efeitos de IVA no regime normal mensal.

D) A Requerente integra o grupo empresarial internacional B..., sedeado em França, grupo que adopta um ano fiscal não coincidente com o ano civil, iniciando-se o mesmo a 1 de Outubro de n e terminando a 30 de Setembro de n+1.

E) A Requerente tem vindo a adoptar o mesmo ano fiscal, iniciando-se aquele a 1 de Outubro de n e terminando a 30 de Setembro de n+1.

F) A Requerente submeteu a declaração de rendimentos Mod. 22 respeitante ao período de tributação de 2014 (o qual decorreu entre o dia 1 de Outubro de 2014 e o dia 30 de Setembro de 2015), n.º 3522-C0104-15, no dia 29 de Fevereiro de 2016.

G) Foi indicada a taxa de 23%, por ser a pré-definida no sistema informático.

H) Tal declaração deu origem à liquidação n.º 2016 291 0002114.

I) Na autoliquidação de imposto relativa ao período de tributação de 2014 a Requerente apurou uma matéria colectável no valor de € 1.825.665,2.

J) O montante total da colecta de IRC ascendeu a € 419.903,00, que resulta da aplicação de uma taxa de 23%.

K) Tal colecta foi calculada pelo sistema informático da AT como devido pela Requerente no período de tributação de 2014.

L) Considerando uma taxa de IRC de 21%, a colecta seria de € 383.389,69.

M) A Requerente promoveu um pedido de revisão oficiosa do acto tributário junto do Serviço de Finanças de Oeiras - 2, pedindo o apuramento de uma colecta corrigida de IRC no montante de 383.389,69 euros e o reembolso de 36.513,31 euros, tendo sido aposto carimbo com data de entrada a de 25 de Setembro de 2019.

N) A Requerida nunca se pronunciou sobre o pedido referido no ponto anterior».


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2.1.2 A decisão arbitral fundamento deu como provada a seguinte factualidade (Por facilidade de exposição, renumeramos os factos provados.):

«1. A Requerente é um sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do respectivo Código, que iniciou a sua actividade em 01-01-1991, encontrando-se inscrita no cadastro com o CAE 24520, fundição de aço.

2. No que respeita ao exercício de 2014, a Requerente, ao abrigo do artigo 8.º, n.º 2, do Código do IRC, adoptou um período de tributação não coincidente com o ano civil, o qual teve início em 01-02-2014 e termo em 31-01-2015.

3. Com referência ao mencionado exercício, a Requerente apresentou, em 29-06-2015, a competente declaração periódica de rendimentos Modelo 22, tendo posteriormente, em 13-04-2016, entregue uma declaração de substituição que, contudo, não introduziu qualquer alteração à anteriormente entregue no que concerne à taxa aplicável (Docs. 1 e 2).

4. Na sua autoliquidação de imposto relativa ao exercício em causa de 2014, a Requerente apurou uma colecta de imposto correspondente a € 610.099,11 (cfr. campos 347-B e 351 do quadro 10 dos Docs. n.ºs 1 e 2), a qual resultou da aplicação, por imposição do sistema informático da AT, de uma taxa de IRC de 23% à matéria colectável no montante de € 2.652.604,81 apurada pela Requerente relativamente ao exercício em causa (cfr. campos 311 e 346 do Quadro 9 e campo 347-B do quadro 10, dos Docs. n.ºs 1 e 2).

5. Considerando que, com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2015 (Lei n.º 82-B/2014, de 31/12), a taxa geral de IRC diminuiu de 23% para 21%, conforme dispõe o artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 192.º daquela Lei, e que esta nova taxa é aplicável a partir de 01-01-2015, data em que, segundo o artigo 261.º da referida Lei, a mesma entrou em vigor, a ora Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária.

6. Dirigido ao Director de Finanças do Porto, o referido pedido, apresentado em 26-06-2019, originou o processo de revisão oficiosa n.º 1805201902000644.

7. O referido pedido tem como objecto a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2014 que conduziu a uma colecta superior ao que seria devido por errada aplicação da taxa por facto imputável aos serviços da administração tributária.

8. Como fundamento do pedido alega a Requerente que à data em que se verificou o facto gerador do imposto – 31-01-2015 – por referência ao seu período de tributação de 2014, encontrava-se em vigor a taxa de 21%, devendo ser esta a aplicável à matéria colectável apurada com referência ao aludido exercício.

9. Sobre o pedido foi elaborada informação técnica (Doc. 3), de que, no essencial, se destaca:

Analisando a questão em si, verificamos que o orçamento de estado para 2015, aquele que alterou a taxa do IRC de 23% para 21%, aplica-se aos factos tributários ocorridos ou iniciados a partir de 2015.01.01.
Tendo em conta a anualização da tributação em sede de IRC, se um período de tributação tiver sido iniciado antes daquela data, então deverá ser a ele aplicada a taxa proveniente do orçamento do estado para 2014, ou seja, no caso presente deverá ser considerada a taxa de 23% para o IRC/2014 (período especial de tributação iniciado em 2014.02.01) do sujeito passivo C………… (NIPC ………), pelo que achamos dever ser de indeferir este pedido de revisão oficiosa.
Igualmente, deveremos notificar o sujeito passivo deste n/projecto de decisão, informando-o que – se assim o entender – poderá exercer o correspondente direito de audição, nos termos do disposto no artigo 60.º da LGT”.

10. Através de ofício de 22-07-2019, remetido a coberto de registo postal, foi a Requerente notificada do projecto de decisão, para efeitos do direito de audição prévia, a exercer no prazo de 15 dias (Doc. 3).

11. Decorrido o prazo fixado sem que tivesse sido exercido o referido direito, foi elaborada informação complementar, em que se conclui: “Face ao exposto e tendo em atenção os factos e fundamentos invocados no projecto de decisão, propõe-se que o mesmo seja convertido em definitivo, disso notificando o sujeito passivo, informando-o que – se assim o pretender – poderão recorrer hierarquicamente, nos termos do disposto no artigo 66.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do artigo 81.º da LGT, ou, então, impugnar judicialmente nos termos do artigo 102.º do CPPT”.

12. Sobre a informação e parecer acima referidos o Director Adjunto da Direcção de Finanças do Porto, no uso de competência subdelegada, proferiu o seguinte despacho: “Concordo com o indeferimento do pedido pelas razões expostas na informação”. (Doc. 4)

13. Esta decisão foi notificada à Requerente através de ofício de 04-09-2019 (Doc. 4)».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.1.1 DOS REQUISITOS DA ADMISSIBILIDADE

Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso:

i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (art. 25.º, n.º 2, primeira parte, do RJAT);

ii) que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (art. 25.º, n.º 2, segunda parte, do RJAT);

iii) que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT].

iv) que a decisão arbitral fundamento tenha transitado em julgado [art. 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA e no art. 281.º do CPPT].

2.2.1.2 DA OPOSIÇÃO

Não havendo dúvidas quanto à verificação do primeiro requisito enunciado, passemos de imediato à apreciação do requisito que enunciámos sob o n.º ii), dizendo, desde já, que é de considerar que a questão fundamental de direito é a mesma quando as situações fácticas em ambas as decisões arbitrais sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais e o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida; entende-se também que as duas decisões arbitrais estão em oposição entre si quando se opõem as decisões respectivas, não bastando que se oponham os seus fundamentos.
Atenta a complexidade destes requisitos, o legislador impõe, além do mais, que na petição do recurso sejam identificados, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada – n.º 2 do art. 152.º do CPTA, aplicável por força do n.º 3 do art. 25.º do RJAT (e que reproduz o que actualmente consta do n.º 2 do art. 284.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário).
Da leitura das alegações de recurso verifica-se que a Recorrente cumpriu o ónus de identificação precisa e circunstanciada dos aspectos de identidade que determinam a contradição alegada e de demonstrar que existe uma efectiva oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento no que respeita à questão de saber se, perante i) a não coincidência do período de tributação do sujeito passivo com o ano civil, ii) a alteração, de 23% para 21%, da taxa de IRC prevista no art. 87.º do respectivo Código (CIRC), pelo art. 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2015) e iii) a ausência de disposições transitórias relativas a essa alteração, a taxa de IRC aplicável ao período de tributação que se iniciou no ano de 2014 e teve o seu termo no ano de 2015, deve ser a prevista para o ano de 2014 ou a prevista para o ano de 2015.
A essa questão as decisões arbitrais em confronto deram resposta diferente: na decisão recorrida considerou-se, em síntese, que ao ano de tributação que começou em 1 de Outubro de 2014 e terminou em 30 de Setembro de 2015, a taxa de IRC aplicável é a definida na lei para o exercício de 2014, enquanto na decisão fundamento se considerou, também em síntese, que ao ano de tributação que se iniciou em 1 de Fevereiro de 2014 e terminou em 31 de Janeiro de 2105, a taxa de IRC aplicável é a prevista para o ano de 2015.
Ou seja, estando ambos os Requerentes do pedido arbitral formulado em cada um dos processos sujeitos a período de tributação não coincidente com o ano civil, na decisão arbitral recorrida deu-se resposta no sentido de que a taxa aplicável é a (de 23%) prevista no prevista no art. 87.º, n.º 1, na redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que se encontrava «plenamente em vigor à data de 30 de Setembro de 2015 [último dia do período de tributação], na parte em que impõe a aplicação da taxa de IRC de 23% que assente no período de tributação de 2014», enquanto na decisão fundamento se considerou que a taxa aplicável é a (de 21%) resultante da alteração introduzida no mesmo art. 87.º, n.º 1, do CIRC pelo art. 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2015), vigente em 31 de Janeiro de 2015, ou seja, no último dia do período de tributação, em face do disposto no n.º 9 do art. 8.º do CIRC.
Concluímos, pois, que a questão fundamental de direito acima enunciada foi decidida em sentido divergente – sendo absolutamente inócuo o facto de os períodos de tributação não serem coincidentes e relevando apenas o facto de ambos terem o seu início em 2014 e o seu termo em 2015 –, o que permite dar como verificada a oposição que justifica a prossecução do recurso.
Devemos, pois, passar ao conhecimento do mérito do recurso, uma vez que inexiste qualquer dúvida quanto à verificação dos requisitos de admissibilidade acima expostos sob os n.ºs iii) e iv).


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2.2.2 DO MÉRITO DO RECURSO

A questão que se suscita nos presentes autos foi já apreciada por este Supremo Tribunal, que, pelo recente acórdão do Pleno de 21 de Abril de 2021, proferido no processo com o n.º 57/20.8BALSB (ELI: https://data.dre.pt/eli/acsta/2/2021/06/29/p/dre/pt/html.
Também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/9e9142e38698111a802586c30044cbd2.), uniformizou jurisprudência no seguinte sentido: «Atento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015».
Na ausência de quaisquer outras circunstâncias que permitam antever a possibilidade de alteração do sentido decisório aí consignado, impõe-se-nos, em obediência ao art. 8.º, n.º 3, do Código Civil e à autoridade resultante do referido acórdão para uniformização, seguir a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo e decidir em conformidade, ou seja, dar procedência à invocada ilegalidade da actuação da AT por ter aplicado à liquidação a taxa de 23% ao invés da taxa de 21%.
Assim, a decisão arbitral recorrida será anulada.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral de mérito por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com outra decisão do tribunal arbitral (previsto pelo n.º 2 do art. 25.º do RJAT), pressupõe que se verifique entre ambas as decisões arbitrais oposição quanto à mesma questão fundamental de direito e que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT).

II - Há oposição quanto à mesma questão fundamental de direito sempre que as decisões em confronto são tomadas num circunstancialismo fáctico substancialmente idêntico e por referência à mesma disciplina jurídica.

III - De acordo com a jurisprudência uniformizada pelo acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Abril de 2021, proferido no processo com o n.º 57/20.8BALSB, atento o disposto no n.º 9 do art. 8.º do CIRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, nos casos em que o período de tributação não coincide com o ano civil e, iniciado em 2014, teve o seu termo em 2015, é aplicável a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão recorrida.

Custas pela Recorrida (cfr. arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º. n.º 1 e 2 e 530.º, n.ºs 1 e 7 do CPC, aplicável ex vi art. 280.º do CPPT).

Comunique-se ao CAAD.


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Lisboa, 23 de Março de 2022. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.