Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0968/14
Data do Acordão:09/17/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não se justifica admitir a revista, atendendo às acrescidas exigências de admissibilidade da revista em processo cautelar e à necessidade de um interesse objectivo, por não versar sobre questões de alcance geral da tutela cautelar nem sobre matéria de acentuada repercussão comunitária e a solução a que chegou o acórdão recorrido não apresentar raciocínios lógicos e jurídicos ou erros ostensivos que tornem claramente necessária a intervenção para melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P17937
Nº do Documento:SA1201409170968
Data de Entrada:08/29/2014
Recorrente:A.... E OUTRA
Recorrido 1:SE DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL, E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: (Formação de Apreciação Preliminar)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. A………. e mulher B……… interpuseram recurso, ao abrigo do art.º 150.º do CPTA, do acórdão de 27/6/2014 do TCA Norte que negou provimento a recurso interposto da sentença do TAF de Aveiro que indeferira o pedido de suspensão de eficácia de um Despacho do Secretário de Estado da Administração Local que aprovou o mapa contendo a identificação da parcela, cuja expropriação, com carácter urgente, é necessária à execução da obra denominada “Posto de Turismo e Loja das 4 Maravilhas da Mealhada”.

O acórdão recorrido considerou que “…não resulta dos factos provados nos autos, de forma evidente, a manifesta ilegalidade do acto suspendendo. Não é possível mediante uma análise sumária cognitiva concluir que é evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, uma vez que, como se disse, não resulta do conteúdo do acto em causa a ilegalidade evidente e manifesta que, de forma objectiva, se possa afirmar que o mesmo está eivado de ilegalidades que a verificarem-se, conduzirão inevitavelmente a procedência da pretensão formulada na acção principal...” e, assim, tal como decidido na 1.ª instância, a providência cautelar não podia ser decretada ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA.
Passou, em seguida, a analisar os critérios constantes da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo e manteve a decisão da 1ª instância quanto à sua verificação e quanto ao indeferimento da providência pela prevalência do interesse público.

Os recorrentes sustentam que “estando prevista no artigo 121º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos a hipótese de terem sido trazidos ao processo cautelar de suspensão de eficácia todos os elementos necessários que possibilitem decidir a questão em causa na ação principal e de havendo urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos que permitam ao tribunal concluir que a sentença não se compadece com a adoção duma providência cautelar, ser antecipado o juízo sobre a causa principal e ser desde logo esta decidida, a hipótese prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do C.P.T.A. terá que ser interpretada de forma a que seja decretada a providência cautelar sempre que dos próprios autos e do processo administrativo apenso resultem indícios fortes de que, numa análise meramente perfunctória – e não exaustiva – dos autos e do processo administrativo apenso é provável a procedência da ação principal, por se revelar indiciariamente dos próprios autos e do processo administrativo a existência de vícios que com um elevado grau de probabilidade poderão conduzir à anulação dos atos impugnados”.
Questionam se os factos que resultam dos documentos juntos aos autos e do processo administrativo “são ou não bastantes para integrar o conceito de fumus boni iuris que a alínea a) do nº 1 do artigo 120º do C.P.T.A. pretendeu consagrar como 1º requisito para a concessão da providência cautelar de suspensão de eficácia”. Os recorrentes alegam que se justifica a admissão do recurso por ser a questão colocada de “suma relevância jurídica dada a sua importância crucial para se definir o âmbito de aplicação da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do C.P.T.A.” e a sua apreciação claramente necessária a uma melhor aplicação do direito.

2. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

O carácter excepcional deste recurso tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência da formação a que compete a apreciação preliminar dos seus pressupostos específicos, com especial destaque para os processos cautelares em que se tem afirmado a exigência de um rigor acrescido. Neste domínio, salvo quando estiverem em causa normas atinentes a matérias específicas da tutela cautelar ou questões que nesse processo se esgotem, mais apertado tem de ser o controlo de verificação dos pressupostos de intervenção do órgão de cúpula da jurisdição. Efectivamente, nas providências cautelares, segundo a estrutura e a funcionalidade própria do processo, o Supremo Tribunal Administrativo não emite uma pronúncia com vocação de constituir a última palavra sobre a questão jurídica colocada na acção principal, pelo que, em princípio, não se justifica chamá-lo a intervir em tal domínio, ficando o litígio pelos dois graus de jurisdição em que se desenrola normalmente o contencioso administrativo. Além disso, trata-se de processos em que a análise das questões decorre de um debate, em geral, encurtado e em sumaria cognitio, circunstâncias menos propensas ao cumprimento do papel esperado das decisões dos tribunais supremos.

3. Isto posto, é manifesto que o presente recurso não satisfaz os apontados requisitos.
O que se pretende não é senão a (re)apreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo da verificação, no caso concreto, dos requisitos para concessão da suspensão de eficácia de um acto. Designadamente, se está errada a conclusão a que chegou o tribunal a quo de que não está demonstrada a manifesta ilegalidade do acto para efeitos da al. a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA.
A propósito, este Supremo Tribunal considerou que: “(…) a apreciação sobre a bondade ou a deficiência dos fundamentos de direito da pretensão sejam apenas e também uma prognose baseada em aparências e não a decisão definitiva e segura sobre o direito do caso. É neste contexto que tem de ler-se a al. a) do art.º 120.º do CPTA e não como um julgamento antecipado da matéria de direito do caso. Assim, a evidência da procedência da pretensão é apenas um grau de probabilidade superior à comum incerteza sobre as controvérsias trazidas a juízo, pois de contrário seria de julgar imediatamente a acção e não a providencia. Isto é, a apreciação sobre a al. a) é ainda um juízo de prognose pela aparência, pelo que parece ser, embora se não saiba se é.
Face a esta natureza da apreciação sobre o grau de probabilidade de pretensão principal proceder é bem de ver que se não justifica no comum dos casos como o presente sobrepor uma apreciação do Supremo à apreciação das instancias, além de que o Supremo não estaria a efectuar um juízo sobre o direito aplicável, mas sobre o supostamente aplicável.
Além disso, a questão que assim se iria apreciar é completa e fundamentalmente determinada pela singularidade do caso e dos seus contornos pelo que o interesse do recurso seria meramente subjectivo e a lei não criou esta terceira apreciação com o objectivo de garantir melhor a protecção dos privados, mas para criar um instrumento de interpretação, aclaração e uniformidade do direito e para a boa administração da justiça em termos de resposta do serviço e de garantia de previsibilidade para os destinatários em geral, não para a correcção de eventual erro na decisão do caso concreto.” (Ac. de 30-04-2013, Proc. 647/13).

Finalmente, nada se surpreende no discurso fundamentador do acórdão recorrido que se afaste do espectro das soluções razoavelmente compartilhadas pela doutrina e jurisprudência em matéria de aplicação do regime jurídico do art.º 120.º do CPTA ou que enferme de erros ostensivos.

Tanto basta para não considerar verificados os requisitos exigidos pelo n.º 1 do art.º 150.º do CPTA.

4. Decisão

Pelo exposto, decide-se não admitir a revista e condenar os recorrentes nas custas.
Lisboa, 17 de Setembro de 2014. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.