Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0107/12
Data do Acordão:03/14/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
VALOR DE REALIZAÇÃO
VALOR DE AQUISIÇÃO
Sumário:I - De acordo com o artº 10º, nº 1, alínea a) do CIRS “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”
II - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
a) No caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar;
f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação (artº 44º do mesmo diploma)
III - Por sua vez, o valor de aquisição, de acordo com os artºs 45º e 46º, ainda do CIRS é, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, o valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto sobre sucessões e doações e se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação da sisa.
IV - No caso dos autos, tendo a recorrente adquirido por sucessão alguns dos prédios objecto de mais-valias, há menos de dois anos, o valor de realização a considerar era o que serviu de base à liquidação do imposto sucessório, não havendo lugar à correcção monetária ao abrigo do artº 50º do CIRS, por não ter decorrido o prazo ali previsto desta a data da aquisição por parte da recorrente, até à data da transmissão para terceiro.
V - Para efeitos de cálculo de mais-valias conta a realização da transmissão dos imóveis, sendo irrelevante que a parte com a qual o contribuinte contratou não cumpra o contrato ou venha a exigir devolução de parte do preço em acção judicial ainda não finda.
Nº Convencional:JSTA000P13890
Nº do Documento:SA2201203140107
Data de Entrada:01/31/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I. A……, com os demais sinais dos autos, veio recorrer da decisão do Mmº juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra as liquidações adicionais de IRS referente ao ano de 2003, no valor de € 478.152, 98, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
A) — A impugnante alega é falta de fundamentação, uma vez que o acto praticado (permuta) por si não é claro quanto à matéria a apurar para efeitos de IRS, e a fazenda nacional limita-se a liquidar valores sem qualquer critério, não tendo em atenção que dessa permuta, a Impugnante ainda teria que pagar valores exigidos pela outra parte contratante, que existia um bem que não lhe tinha sido entregue, e a discrepância entre o valor de um dos prédios objecto da permuta.
A administração fiscal não fundamenta tal liquidação, limita-se a somar os valores que entende pelo seu livre arbítrio, como aliás é timbre nas célebres LO (liquidações Oficiosas), por isso a impugnante intentou a acção judicial, para que aqui fosse apurada a verdadeira nota de IRS.
B) — Os prédios rústicos alienados pela contribuinte integraram o seu património nesse mesmo ano, por sucessão ao seu marido; tais prédios foram relacionados para efeitos do então designado imposto sobre sucessões e doações; à data da sucessão e no momento da apresentação de bens; ainda não se encontrava em vigor os actuais códigos de Imposto Municipal sobre transmissões Onerosas de Imóveis, nem do Imposto Municipal sobre Imóveis; na data do óbito e da apresentação bens, a avaliação dos imóveis (prédios rústicos) não operava automaticamente; O valor da aquisição dos prédios rústicos manteve-se inalterável ao longo de duas transmissões e três titulares;
Entende o Tribunal “a quo” que a não retroactividade da lei tributária, se não constasse de Lei ordinária, e só constasse do texto constitucional, seria somente um princípio orientador. Obviamente que não concordamos com esta interpretação, e entendemos que o facto da sentença julgar improcedente a impugnação, deixando que uma alteração legislativa (CIMI) a avaliação com a primeira transmissão, crie um efeito retroactivo quer na liquidação do imposto, quer na sua cobrança.
As normas constitucionais não são princípios gerais que carecem de leis ordinárias para definir o seu regime, são sim princípios basilares de toda uma estrutura legal e jurídica que sustenta um estado direito, apesar de cada vez mais tais princípios passem para segundo plano, dando prevalência às leis ordinárias, que são tão rápidas, estão tão à mão e podem alterar-se conforme o número para o fazer.
Para além de criar uma situação de flagrante injustiça a favor da administração fiscal, que cobra imposto de mais-valias de prédios que um dia valem mil e quinhentos euros e no outro valem quase dois milhões de euros.
Entendemos que a liquidação deste imposto nos termos do IMI viola a constituição da república portuguesa artigo 103º nº 3, uma vez que existe retroactividade na liquidação do imposto, deveria a administração fiscal, no mínimo, aplicar ao valor da primeira inscrição na matriz (que se manteve inalterado até à escritura), ao longo dos anos, a avaliação ou pelo menos a correcção monetária, e aí em 2003 teríamos um valor de aquisição justo, e por consequência o imposto a pagar seria o imposto justo.
Sendo certo que com esta primeira transmissão a administração tributária procedeu à avaliação dos prédios, e tendo em conta avaliação poderá liquidar o imposto assim sim de uma forma mais justa, “por forma a que não ocorra nem um agravamento exagerado e abrupto do imposto a pagar...”(Preâmbulo do CIMI)
Sem qualquer dúvida que os valores da aquisição terão quer ser actualizados, mas deverão sê-lo de forma gradual, desde a data da primeira inscrição na matriz até à data da sua primeira transmissão, com aplicação da correcção monetária ao longo dos anos em que a avaliação se manteve inalterável, sob pena de existir inconstitucionalidade da liquidação do imposto efectuada nos termos do CIMI.
C) — A impugnante não declarou as vendas dos prédios rústicos respeitantes aos artigos 1253 e 1262 da freguesia de Baguim do Monte em Gondomar, uma vez que do valor atribuído à escritura de permuta de 16.05.2003, foi de € 856.000,00, mas não foi entregue uma fracção autónoma à impugnante, devendo esse valor abater ao valor da alienação para efeito de cálculo de mais-valias, acrescendo que corria termos um recurso no Supremo Tribunal de Justiça, referente ao negócio, onde é pedido à aqui impugnante a quantia de € 634.476,86.
E não se diga que poderia a impugnante entregar uma declaração de substituição, uma vez que no momento da liquidação do imposto, a impugnante teria que pagar quase quinhentos mil euros, a que acrescem juros (os mais altos) e que tornam a situação daquela insustentável. Com a entrega de uma declaração de substituição não são deduzidos juros, custas e demais encargos, ainda que a razão lhe assista.
NORMAS VIOLADAS:
Artigo 12º da Lei Geral Tributária a artigo 103º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, artigo 9º do CIMSISD (Código Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações) e artigo 15º do Decreto-Lei n.º 287/2003.
Sendo dado provimento ao presente recurso, decidindo-se em conformidade, revogando-se a douta sentença em crise, e notificando-se a administração fiscal para que proceda à correcção dos valores de aquisição e dos valores de alienação, para calculo do imposto devido, far-se-á a habitual, justiça.
II – Não foram apresentadas contra alegações.
III – O M.P. não emitiu parecer.
IV - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
V – Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
A) À impugnante foram realizadas as seguintes liquidações adicionais de IRS relativas ao ano de 2003 (fls. 84 a 87 do apenso):

ActoLiquidação nºImposto e juros
compensatórios
Data liquidaçãoData emissão e compensaçãoRendimento global
120075004360875443.206,26 €13/8/20073/9/20071.003.150,63€
220075004550184478.152,98 €21/10/200725/10/20071.080.633,67€

B) A estas liquidações adicionais corresponderam as seguintes notas de cobrança, demonstração de compensação (fls. 84 a 87 do apenso):

ActoCompensação nºValor em dividaData compensaçãoData limite pagamento
120075905836440.501,48€ 3/9/200710/10/2007
22007700290034.946,72 €25/10/20073/12/2007

C) O valor em dívida na compensação n.º 20077002900 resulta da diferença do valor das duas liquidações (fls. 84 a 87 do apenso)
D) A liquidação adicional n.º 20075004360875 teve origem no processo n.º 1787/2003 da Divisão de Liquidação dos Impostos Sobre o Rendimento e Sobre a Despesa, instaurado na sequência da comunicação de actos lavrados pelo 1.° Cartório Notarial de Valongo e Cartório Notarial de Ermesinde, das Relações de Maio de 2003 e Dezembro de 2003 (fls. 24).
E) Das relações de actos enviadas pelos referidos Cartórios Notarias, constatou-se que a impugnante alienou os prédios rústicos inscritos na matriz respectiva sob os artigos 1253 e 1262 da freguesia de Baguim do Monte, Gondomar, dos 1002, 1003, 1093, 1094, 1095 e 1907 da freguesia de Campo, Valongo e do 351 de Fânzeres, Gondomar, pelo valor total de 1.951.400,00 €, assim discriminados (fls. 6 e 7):

Prédio
Valor de aquisição
Valor de alienação
1253
547,02€
428.000,00€
1262
477,70€
428.000,00€
1002
76,99€
135.000,00€
1003
26,84€
128.000,00€
1093
6,60€
126.000,00€
1094
25,70€
126.000,00€
1095
10,69€
115.000,00€
1907
109,74€
226.000,00€
351
250,09€
249.400,00€
Total
1.531,37€
1.961.4000,00€

F) O total do valor de aquisição dos bens em causa foi de 1.531,37 €, apurado em 2/4/2003, no âmbito do Processo de Imposto Sucessório n.º 2293, do Serviço de Finanças de Gondomar 3, valor que serviu de base à liquidação do respectivo imposto (apenso).
G) Assim, foi apurado o rendimento global do ano de 2003, no montante de 1.003.150,63 €, correspondendo o montante de rendimentos da categoria G corrigido a 979.934,32 € (adicionado ao anteriormente declarado, completa a quantia de 992.395,65 €) sendo emitida a correspondente liquidação em 3/9/2007, no valor total a pagar de 443.206,26 € (apenso).
H) A liquidação identificada pelo n.º 20075004550184 teve origem no processo 1925/2003, da Divisão de Liquidação dos Impostos Sobre o Rendimento e Sobre a Despesa, na sequência de verificação de actos lavrados pelo Cartório Notarial de Valongo, da relação correspondente a Junho de 2003 (apenso).
I) Da relação de actos enviada pelo referido Cartório Notarial, constatou-se que impugnante alienou os prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos 3949-S, 3949-BA, e 3949-Y, da freguesia de Campo, Valongo pelo valor total de 340.000,00 E, no montante de 110.000,00 € (S), de 120.000,00 € (BA) e de 110.000,00 € (Y) (apenso).
J) O valor de aquisição desses prédios foi no total de 185.072,91 €, reportado a Maio de 2003, apurado, nos termos das relações notariais enviadas pelo Cartório Notarial de Valongo, tendo servido de base à liquidação de SISA, os montantes de 59.346,00 € (S), de 65.687,91 € (BA) e de 60.039,00 € (Y), que se discrimina (apenso):

Prédio
Valor de aquisição
Valor de alienação
3949-S
53.346,00 €
110.000,00 €
3949-BA
65.687,91 €
120.000,00 €
3949-Y
60.039,00 €
110.000,00 €
Total
185.072,91 €
340.000,00 €

K) Assim, foi apurado rendimento global do ano de 2003, no montante de 1.080.633,98 €, correspondendo o montante de rendimentos da categoria G, corrigido a 77.483,05 € (adicionado ao anteriormente declarado e corrigido, completa a quantia de 1.069.879,00 €) sendo emitida a correspondente liquidação em 25/10/2007, no valor total a pagar de 478.152,98 € (478.152,98 € - 443.206,26 € = 34.946,72 €) (apenso).
L) Os processos referidos em D) e H), foram instaurados em virtude da impugnante não ter declarado no ano de 2003 a venda dos prédios identificados em E) e J) (ris. 69, 69, 75 e 76).
M) Os prédios rústicos identificados em E) foram pela impugnante por sucessão, por óbito do seu marido ocorrido em 2/4/2003 (fls. 10 dos autos e 80 do apenso).
N) Estes prédios tinham sido herdados pelo marido da impugnante, por herança testamentária de sua tia B……, cujo óbito ocorreu em 18/5/2001 (fls. 80 do apenso).
O) O valor de aquisição desses prédios manteve-se inalterado nas duas transmissões anteriores, por morte, e nos três titulares respectivos e não existiu qualquer avaliação (fls. 6).
P) A impugnante na declaração de rendimentos de IRS do ano de 2003 não declarou a venda dos prédios rústicos dos artigos 1253 e 1262 da freguesia de Baguim do Monte (fls. 6).
Q) A impugnante transmitiu a propriedade desses prédios por escritura de permuta outorgada em 16/5/2003 a que foi atribuído o valor de 856.000,00 € (fls. 6).
R) O negócio subjacente a esta transmissão foi objecto de uma acção judicial, em que é pedida uma indemnização à impugnante (fls. 6 e 17 a 37).
S) Da escritura referente aos artigos matriciais 1094, 1093, 1002, 1095, 1003 e 1907, efectivamente a contribuinte recebeu a quantia de 856.000,00 € (fls. 7).
T) Pela venda do artigo 351 de Fânzeres, a contribuinte recebeu a quantia de 249.400,00€ (fls. 7).
U) Da escritura referente aos artigos 1253 e 1262, uma das fracções permutadas, adquirida pela impugnante é a fracção Z, correspondente ao artigo 3949-Z, que a impugnante afectou a sua habitação permanente (apenso e testemunhas).
V) À fracção Z foi atribuído o valor patrimonial de 65.835,00 € (fls. 60 e 61).
W) A impugnante foi notificada da decisão do processo primeira liquidação oficiosa de IRS de 2003, processo n.º 1787/2003, e da respectiva liquidação, constantes de fls. 19 a 27, 84 e 85 do apenso, cujo teor se dão aqui por integralmente reproduzidos (fls. 19 a 27, 94 e 95 do apenso).
X) A impugnante foi notificada do projecto de decisão do processo n.º 1925/2003, que deu origem à segunda liquidação oficiosa de IRS de 2003. (fls. 51 a 55, 86 e 87).
Y) O projecto de decisão e o apuramento têm o conteúdo constante das fls. 52 a 55 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 52 a 55 do apenso).
Z) A impugnante foi notificada para exercer o direito de audição e nada disse (fls. 41 a 52).
AA) A impugnante foi notificada da decisão de alteração do rendimento de 2003 e da nota de apuramento do IRS de 2003, que apurou um rendimento bruto de 1.080.633,67 € e um rendimento liquido de 1.078.451,81 €, fundamentada e discriminada de fls. 42 a 50 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 42 a 50).
BB) Esta alteração deu origem à segunda liquidação oficiosa de IRS de 2003, com o n.º 20075004550184 que apurou um rendimento global de 1.080.633,67 €, com de 478.152,98 €, e à compensação n.º 20077002900, que apurou um valor em dívida de 34.946,72 €, descritos a fls. 86 e 87 do apenso, cujo teor aqui se dá reproduzido (86 e 87).
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
1. Na acção judicial referida em R) é impugnante a quantia de 634.476,86 €.
2. Na escritura pública referida em O), o “comprador” obrigou-se a escriturar à impugnante uma fracção autónoma, a que atribuíram o valor de 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros), não transferido essa propriedade para a esfera patrimonial da impugnante (fls. 35 a 37).
3. Na escritura de permuta foi atribuída à correspondente ao artigo 3949-Z, o valor 116.600,00 €.
VI. As questões a apreciar no presente recurso, atentas as conclusões das alegações, são as seguintes:
a) Falta de fundamentação do acto tributário (conclusão A).
b) Falta de actualização dos valores de aquisição (conclusão B).
c) Erro na quantificação relativamente aos prédios com os artigos 1252 e 1262 (conclusões A), parte inicial e C).
A sentença recorrida debruçou-se, detalhadamente sobre todas estas questões, tendo-as decidido, em nosso entender, de forma correcta e abundantemente fundamentada. Por isso, iremos seguir o que na sentença ficou escrito.
VI.1. Quanto à 1ª questão, refere a recorrente que “o acto praticado (permuta) por si não é claro quanto à matéria a apurar para efeitos de IRS, e a fazenda nacional limita-se a liquidar valores sem qualquer critério, não tendo em atenção que dessa permuta, a impugnante ainda teria que pagar valores exigidos pela outra parte contratante, que existia um bem que não lhe tinha sido entregue, e a discrepância entre o valor de um dos prédios objecto da permuta” A verdade, porém, é que, tal como se escreveu na sentença recorrida basta atentar no teor de actos tributários, dados como provadas nas alíneas X) a BB), para se verificar que a decisão e a liquidação impugnadas contêm os fundamentos de facto e de direito que lhe estão subjacentes, estando os cálculos das mais-valias que deram origem à correcção do rendimento especificamente discriminados e justificados, na nota de apuramento das mais-valias de fls. 50 do apenso.
Com efeito, do processo de liquidação oficiosa instaurado à recorrente e que consta do apenso, resulta o motivo da instauração do processo (a falta declaração das vendas dos prédios inscritos sob os artigos 3949-S, 3949-BA e 3949-Y, da freguesia de Campo, Valongo), os factos apurados (a alienação em Junho de 2003 dos prédios inscritos sob os artigos 3949-S, 3949-BA e 3949-Y, da freguesia de Campo, Valongo pelo valor de 340.000,00 €, cujo valor de aquisição tinha sido de 185.033.91 € reportado a Maio de 2003), o seu enquadramento jurídico-tributário (o ganho obtido com a alienação dos referidos prédios constitui rendimento de mais-valias-categoria G), a determinação das mais-valias (no valor de 77.483,05 €), juntando a respectiva nota de apuramento, bem como toda fundamentação legal, com a indicação das disposições legais aplicáveis (artºs 10º, 10º, nº 1, alínea a), 15º, 43º, a 51º, 57º, 65º e 66º do CIRS),
Por outro lado, o cálculo das mais-valias apuradas está ainda discriminado de forma perfeitamente perceptível e inteligível, com o cálculo de apuramento de mais-valias e nota de apuramento do IRS de 2003, notificadas à impugnante (fls. 45, 46 e 50 do apenso).
Ora, conjugando o teor dessa notificação e dos cálculos aí realizados, com o teor da notificação da primeira decisão de fixação de alteração de rendimentos de 2003 e da primeira liquidação adicional (alínea W) da matéria de facto) que apurou um rendimento global de 1.003.150,63 €, sendo 10.754,98 € do rendimento da categoria F e 992.395,65 € rendimentos da categoria G, que correspondeu a um rendimento líquido de 1.000.968,46 euros e a um imposto a pagar no montante de 443.206,26 euros, e um valor em dívida de 440.501,48 euros, verifica-se facilmente que os valores do rendimento global e do imposto a pagar resultante deste cálculo, correspondem à soma do valor das mais-valias apuradas neste segundo processo (77.483,05 euros) ao valor do rendimento global resultante da correcção anterior (1.003.150,63 €), e que originou um rendimento da categoria G de 1.069.879,00 euros e um líquido de 1.078.451, 81 euros, que deram origem a um imposto a pagar no montante de 478.152,98 euros e que terminou com um valor em dívida de 34.946,72 euros, correspondente à diferença entre o valor em dívida da primeira e da segunda liquidações adicionais (478.152,98 € e 443.206,26 €)
De tudo isto se conclui que o cálculo do rendimento global e o valor do imposto a pagar resultante do segundo processo e da segunda liquidação oficiosa (proc. nº. 1925/2003 e liquidação nº 20075004550184), resultaram da soma dos rendimentos das mais-valias aí apuradas, aos rendimentos apurados no primeiro processo de liquidação oficiosa (processo nº 1787/2003), pelo que improcede a conclusão A, já que o acto se encontra devidamente fundamentado de facto e de direito.
VI.2. Quanto à 2ª questão, veio a recorrente invocar o seguinte:
O valor da aquisição dos prédios rústicos manteve-se inalterável ao longo de duas transmissões e três titulares.
Ora, isto criou uma situação de flagrante injustiça a favor da administração fiscal, que cobra imposto de mais-valias de prédios que um dia valem mil e quinhentos euros e no outro valem quase dois milhões de euros.
A liquidação deste imposto nos termos do IMI viola a constituição da república portuguesa artigo 103º, nº 3, uma vez que existe retroactividade na liquidação do imposto, pelo que deveria a administração fiscal, no mínimo, aplicar ao valor da primeira inscrição na matriz (que se manteve inalterado até à escritura), ao longo dos anos, a avaliação ou pelo menos a correcção monetária, e aí em 2003 teríamos um valor de aquisição justo, e por consequência o imposto a pagar seria o imposto justo.
A decisão recorrida respondeu a esta questão, com a seguinte argumentação:
À data da transmissão dos prédios vendidos pela impugnante - 2/4/2001, (alínea M) da matéria de facto) estava em vigor o Código do Imposto Municipal de SISA e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD), cujo artº 79º, nº 6, determinava que “para efeitos da liquidação do imposto, a Fazenda Nacional, representada pelo chefe da repartição de finanças, poderá promover a avaliação dos bens, nos termos do artigo 93.°, salvo tratando-se de quaisquer dos seguintes: (...) 6º- Imóveis Inscritos na matriz com valor patrimonial, a menos que seja contestado, nos termos do artigo 87.°, o valor de qualquer deles, caso em que a Fazenda poderá promover a avaliação dos outros prédios pertencentes à mesma herança, legado ou doação (. . .)”.
Deste modo, a lei em vigor à data daquela transmissão não impunha a realização de qualquer avaliação ou actualização do valor dos prédios no momento da sua transmissão.
E como o CIMI entrou em vigor em 1/12/2003 (artº. 32º do referido DL), à data da transmissão dos prédios para a impugnante - 2/4/2003 (alínea M) da matéria de facto) - ainda não estava em vigor o IMI, pelo que não lhe é aplicável o regime de avaliação aí previsto.
Sendo assim, bem andou a Administração Tributária em considerar como valor de aquisição o que consta dos actos tributários em causa nos autos
Vejamos se esta argumentação é de seguir.
VI.2.1. O artº 44º do CIRS, determina, no que ao caso interessa, o seguinte:
“1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
a) No caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar;
f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação.
2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida”.
Quanto ao valor de aquisição, determinava o artº 45º do mesmo diploma, na redacção em vigor à data dos factos, o seguinte:
“1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:
a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto sobre sucessões e doações;
2 - Não havendo lugar à liquidação do imposto referido no número anterior, considerar-se-ão os valores que lhe serviriam de base, caso fosse devido, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto”.
Por sua vez, determina ainda o artº 46º do mesmo diploma que “No caso da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação da sisa”.
Regressando agora ao probatório temos que, relativamente aos prédios identificados na alínea J), o valor de aquisição foi no total de 185.072,91 €, reportado a Maio de 2003, apurado, nos termos das relações notariais enviadas pelo Cartório Notarial de Valongo, tendo servido de base à liquidação de SISA, os montantes de 59.346,00 € (S), de 65.687,91 € (BA) e de 60.039,00 € (Y).
Quanto aos prédios identificados na alínea E) do probatório, os mesmos foram adquiridos pela impugnante por sucessão, por óbito do seu marido ocorrido em 2/4/2003, que, por sua vez, tinham sido herdados pelo marido da impugnante, por herança testamentária de sua tia B……, cujo óbito ocorreu em 18/5/2001. Tratando-se então de aquisição a título gratuito, o valor de aquisição deveria ser, como foi considerado, e em obediência ao artº 45º do CIRS, “aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações”
Pelo que ficou dito, as liquidações não sofrem nesta parte de qualquer vício de violação de lei.
VI.2.2. Considerando existir grave injustiça na liquidação, uma vez que o valor de aquisição dos prédios identificados na alínea E) se manteve inalterado nas duas transmissões anteriores, por morte, e nos três titulares respectivos e não existiu qualquer avaliação, invoca a recorrente violação do disposto nos artºs 15º do DL nº 287/2003, de 12 de Novembro, 12º da LGT e 103º, nº 3 da CRP.
E pretende ainda a recorrente que, no mínimo e quanto ao valor de aquisição destes prédios deveria ter-se procedido à correcção monetária que, obviamente, aumentado o valor de aquisição, diminuiria o valor das mais valias.
Vejamos se este entendimento colhe apoio legal.
Refere a recorrente, como atrás se disse, que foi violado o artº 15º do DL nº 287/2003, de 12 de Novembro, por não ter sido efectuada a avaliação dos imóveis.
Tal artigo determina o seguinte:
“1. Enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a entrada em vigor, sem prejuízo, quanto a prédios arrendados, do disposto no artº 17º.
2. O disposto no nº 1 aplica-se às primeiras transmissões gratuitas isentas de imposto de selo, bem como às previstas na alínea e) do nº 5 do artigo 1º do Código do Imposto do Selo, ocorridas após 1 de Janeiro de 2004”.
Ora, como as transmissões ocorreram em 2003 (v. alínea D) do probatório supra), desde logo se vê não ser aplicável ao caso o disposto no nº 1 daquele artº 15º.
De todo o modo, ainda que, porventura, tivesse lugar avaliação ao abrigo desta norma, isso apenas relevaria se o valor da avaliação fosse superior ao valor considerado como de realização. Mas, nesse caso, essa avaliação por valor superior até iria prejudicar a recorrente. Sendo o valor inferior, de nada serviria à recorrente, pois o valor de realização seria o por si declarado.
Quanto ao valor de aquisição, essa avaliação de nada lhe adiantaria, pois o valor teria de ser calculado, como foi, de acordo com as regras próprias do imposto sobre as sucessões e doações, por força do artº 45º, nºs 1 e 2 do CIRS, sendo certo que o CIMI só permitiria avaliar a última transmissão e não a que serviu de base ao valor de realização.
Invoca ainda a recorrente a violação do artº 103º, nº 3 da CRP, (e também o artº 12º da LGT) por, em seu entender, existir “retroactividade na liquidação do imposto”.
O artº 12º, nº 1 da LGT determina o seguinte:
“1- As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos”.
Por sua vez, diz o artº 103º, nº 3 da CRP:
“3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.
Ora, também aqui a argumentação da recorrente não colhe, uma vez que não estamos perante a retroactividade da lei fiscal.
Com efeito, o que aquela norma (artº 103º, nº 3) proíbe é que sejam criados impostos com efeitos retroactivos, ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.
No caso dos autos a tributação das mais-valias foi efectuada com base no CIRS vigente que prevê a tributação das mais-valias obtidas com a transmissão de imóveis, sendo que estas ocorreram na vigência deste diploma. E quanto à liquidação a mesma processou-se, como se referiu, nos termos da lei vigente e de acordo com todos os critérios legais.
VI.2.3. Embora referindo-se à retroactividade da liquidação, a recorrente acaba por invocar que o que está em causa é uma injustiça, invocando ainda “a inconstitucionalidade da liquidação do imposto efectuado nos termos do CIMI”, quando inexistiu qualquer liquidação baseada nesse Código, mas afinal, o que a recorrente pretendia era um maior valor de aquisição. E pretende a mesma que se deveria ter procedido a correcção monetária.
Ora, sobre correcção monetária do valor de aquisição, determina o artº 50º do CIRS:
“1 - O valor de aquisição ou equiparado de direitos reais sobre os bens referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 10º é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados mediante portaria do Ministro das Finanças, sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afectação.
2 - A data de aquisição é a que constar do título aquisitivo, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:
a) Nos casos previstos no nº 3 do artigo 46º, é a data relevante para efeitos de inscrição na matriz;
b) No caso previsto no artigo 47º, é a data da transferência”.
Ora, uma vez que a recorrente só adquiriu os bens em 02.04.2003 (v. alínea E) do probatório), este artigo não é aplicável por não ter ainda decorrido prazo superior a 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afectação, previsto no nº 1. De todo o modo, essa correcção monetária não seria nunca aplicável relativamente a anteriores transmissões, mas apenas à referente à recorrente.
Concluímos então no sentido de que bem andou a decisão recorrida em não aceitar os argumentos da recorrente quanto a esta questão.
VI.3. Quanto à 3º questão, desde já adiantaremos que também não colhe a argumentação da recorrente, antes sendo de acolher a fundamentação da sentença que, nesta parte, se pronunciou nos seguintes termos.
Com efeito, veio a recorrente alegar que não declarou as vendas dos prédios rústicos respeitantes aos artigos 1253 e 1262 da freguesia de Baguim do Monte em Gondomar, uma vez que o valor atribuído à escritura de permuta de 16.05.2003, foi de € 856.000,00, mas não foi entregue uma fracção autónoma à impugnante, devendo esse valor abater ao valor da alienação para efeito de cálculo de mais-valias, acrescendo que corria termos um recurso no Supremo Tribunal de Justiça, referente ao negócio, onde é pedido à aqui impugnante a quantia de € 634.476,86.
Ora, tal como referido na sentença recorrida, na escritura pública do contrato celebrado pela recorrente com terceiro, as partes atribuíram aos artigos 1253 e 1262, da freguesia de Baguim do Monte, Gondomar, o valor de 856.000,00 euros.
A transmissão do direito de propriedade, a obrigação de entregar e de pagar o preço, aplicáveis subsidiariamente à permuta, por força do artº 939º do Código Civil, dão-se por mero efeito do contrato.
Sendo assim, o valor de realização é o valor declarado na escritura pública de permuta dos referidos prédios, sendo que o incumprimento do contrato é irrelevante para determinação das mais-valias.
Aliás, ficou apenas provado nos autos que a referida fracção autónoma ainda não foi transferida para a esfera patrimonial da recorrente, o que não significa que não venha a acontecer.
De todo o modo, essa simples alegação, sem uma decisão ou prova final da não transferência da fracção nunca serviria para alterar o valor da realização apurado.
A recorrente imputa ainda ao acto tributário o erro de quantificação, uma vez que também se deveria ter tido em conta que o outro contraente lhe está a exigir em acção judicial a quantia de 634.476,86 euros, pelo que este valor deveria ser retirado da matéria tributável.
Valem aqui as mesmas razões acima referidas quanto à não entrega da fracção. A pretensão da recorrente equivaleria a uma suspensão condicional da liquidação e pagamento do imposto que não estão previstas na lei tributária. É que sendo o valor de realização o preço acordado pelas partes, é esse o valor que tem de servir de base ao apuramento das mais- valias.
É certo que pode existir algum facto posterior, que determine que não foi aquele o valor das mais-valias efectivas. Mas, nesse caso, será quando tal facto ocorrer que o interessado poderá usar dos meios de defesa ao seu alcance.
Deste modo, improcede também a conclusão C) (e parte da conclusão A)).
7. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento a recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 14 de Março de 2012. – Valente Torrão (relator) - Francisco RothesFernanda Maçãs.