Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0311/12
Data do Acordão:05/09/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INVOCAÇÃO
FUNDAMENTO A OPOSIÇÃO
IMPUGNAÇÃO
PEDIDO
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
INEXISTÊNCIA
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:I – O erro na forma de processo consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, pelo que o acerto ou o erro na forma de processo tem de ser aferido pelo pedido formulado na acção.
II – Se os oponentes formulam unicamente, de forma clara e expressa, o pedido de que a oposição «deve ser julgada provada e procedente, revogando-se a reversão feita contra os oponentes e declarando-se ainda extinta a execução contra eles dirigida», e estruturam a causa de pedir na alegação da sua ilegitimidade para a execução por ausência de culpa na insuficiência patrimonial da sociedade devedora, e, ainda, na ilegalidade da liquidação do imposto por força da inactividade daquela sociedade, não se verifica qualquer erro na forma de processo ou ineptidão da petição.
III – A circunstância de uma das causas de pedir gizadas não constituir fundamento legítimo de oposição, como será o caso da ilegalidade em concreto do acto de liquidação, não implica a ineptidão da petição inicial, constituindo, antes, motivo de improcedência do pedido com base nessa causa de pedir.
IV – De todo o modo, acarretando a inutilidade superveniente de lide a extinção da instância na oposição à execução fiscal (e não a improcedência, como se decidiu na decisão recorrida) verificava-se impossibilidade de convolação, a qual pressupõe não só um erro na forma de processo utilizado como, sobretudo, a subsistência da instância e processo que se vai convolar para outra forma processual.
Nº Convencional:JSTA000P14107
Nº do Documento:SA2201205090311
Data de Entrada:03/22/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E ESPOSA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Penafiel que, julgando improcedente a oposição por inutilidade superveniente da lide, em virtude do pagamento voluntário da dívida exequenda, ordenou que o processo passasse a seguir como impugnação judicial, após trânsito, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

A). Vem o presente recurso interposto da douta sentença que apesar de improceder a presente oposição por inutilidade superveniente da lide, determinou a correcção do processo de oposição para processo de impugnação com prossecução dos seus termos até final.

B) Fundamentou-se a douta sentença no pedido de convolação dos presentes autos de oposição em processo de impugnação judicial em virtude de os oponentes não terem renunciado a esse direito,

C) Estribando-se no artº. 9.°, n.° 3 da LGT, que preceitua que o pagamento do imposto nos termos da lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de impugnação, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei.

D) Entendeu o Tribunal na sentença recorrida que não constitui violação da garantia constitucional prevista no artº. 268°, nº 4 da CRP, já que o contribuinte continua a poder discutir a legalidade do acto tributário, nomeadamente, através do meio de impugnação judicial, concluindo que presente processo de oposição deverá ser corrigido para o processo de Impugnação Judicial. Ora,

E) Toda a questão se cifra entre a possibilidade ou não da convolação dos presentes autos de oposição em processo de impugnação judicial.

F) Efectuado o pagamento voluntário da quantia exequenda pelos responsáveis subsidiários, tem entendido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que o pagamento da quantia exequenda efectuado pelo responsável subsidiário dentro do prazo da oposição, para beneficiar de isenção de custas e multa, nos termos do n° 5 do artigo 23° da LGT, não implica a preclusão do direito de impugnar o acto de liquidação, que lhe é garantido pelo n° 4 do artigo 22° da LGT,

G) direito esse que pode ser exercido por qualquer dos meios que a lei prevê para esse efeito, incluindo a oposição à execução fiscal, designadamente nos casos em que a lei não assegura qualquer outro meio de impugnação contenciosa ou esse for o meio adequado para o fazer.

H) Por isso, no pressuposto de que aquele artº. 9°, n° 3 da LGT assegura que o pagamento do imposto não afecta os direitos de impugnação administrativa ou contenciosa previstos na lei, tem-se entendido que o pagamento feito pelo responsável subsidiário não obsta a que ele se possa servir da oposição à execução fiscal para impugnar actos em matéria tributária que o lesem, quando a oposição for o tipo de processo previsto na lei como adequado para essa impugnação.

I). Quanto a esta argumentação, também expendida pela Meritíssima Juiz de direito, até podemos concordar, ou seja, de que o pagamento voluntário da divida exequenda pelos responsáveis subsidiários não preclude o seu direito de impugnação.

J). Porém, não pode a Fazenda Pública concordar com a convolação dos presentes autos em impugnação judicial.

K). Como refere o Tribunal a quo, invocando a inidoneidade do meio processual usado e a possibilidade da convolação para o que se mostre adequado, tem de aferir-se fundamentalmente pela tempestividade do exercício do direito da acção apropriada, pela pertinência da causa de pedir, bem como a conformidade desta com o correspondente pedido.

L). Perscrutada a douta Petição Inicial, invocam os oponentes fundamentos que se subsumem nos previstos no artº. 204° do CPPT, uma vez que argumentam contra os fundamentos da reversão efectuada, bem como fundamentos alusivos à ilegalidade das liquidações de IRC, que se subsumem nos fundamentos de impugnação judicial, os quais, deveriam seguir formas de processo completamente distintas - oposição judicial e impugnação judicial.
Assim,

M). E acompanhando o texto do Acórdão do STA, de 28.1.2004, recurso n° 01358/03, diremos que "Em situações deste tipo, havendo uma cumulação de pedidos e ocorrendo erro na forma de processo quanto a um deles, a solução é considerar sem efeito o pedido para o qual o processo não é adequado, como se infere da solução dada a uma questão paralela no n° 4 do art. 193° do CPC".

N). Por isso, no caso vertente, entende a Fazenda Pública que não poderá haver possibilidade de convolação, por esta pressupor que todo o processo passasse a seguir a tramitação adequada e, tal não poder determinar-se por os fundamentos invocados no douto petitório deverem seguir formas de processo distintas.

O). Sem prejuízo do entendimento até aqui prosseguido, acresce ainda que estamos perante uma ineptidão da petição inicial por terem sido cumuladas causas de pedir e pedidos substancialmente incompatíveis, o que acarreta a nulidade de todo o processo.

P). Esta nulidade pode ser conhecida oficiosamente ou deduzida a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão final e tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que dela dependem absolutamente - artº. 98º, nºs 2 e 3 do CPPT.

Q). Não se mostra assim também viável convolar o processo de oposição em impugnação judicial face ao teor do artº. 193° do CPC, nº 1, nº 2, c) e n.° 4, aplicáveis por força do disposto no artº. 2º, al. e) do CPPT,

R). pois esta só é possível quando todo o processado passe a seguir a tramitação adequada, subsistindo a nulidade invocada ainda que um dos pedidos fique sem efeito por erro na forma do processo.

S). Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, pelo que deverá ser revogada a douta sentença recorrida.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

2. O MºPº emitiu o aparecer que consta de fls. 186/187 no qual defende a improcedência do recurso.

3. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

4. A única questão a conhecer no presente recurso é a de saber se, no caso concreto, era ou não admissível a convolação de oposição à execução fiscal em impugnação judicial.

4.1. A decisão recorrida, tendo embora julgado improcedente a oposição por inutilidade superveniente da lide, em virtude do pagamento voluntário da dívida exequenda, entendeu que a convolação se justificava legalmente, já que “os oponentes quando pediram para pagar a dívida deixaram bem claro que não renunciavam ao direito de oposição à execução por entenderem que não era devido IRC”.
E, após a notificação da contestação da Fazenda Pública, vieram pedir a convolação dos presentes autos em processo de impugnação judicial em virtude de não terem renunciado a esse direito.

4.2. A recorrente, por sua vez, entende que tal convolação não é possível pelos seguintes motivos:

a) A inidoneidade do meio processual usado e a possibilidade da convolação para o que se mostre adequado, tem de aferir-se fundamentalmente pela tempestividade do exercício do direito da acção apropriada, pela pertinência da causa de pedir, bem como a conformidade desta com o correspondente pedido.

b). Na petição Inicial, invocam os oponentes fundamentos que se subsumem nos previstos no artº. 204° do CPPT, uma vez que argumentam contra os fundamentos da reversão efectuada, bem como fundamentos alusivos à ilegalidade das liquidações de IRC, que se subsumem nos fundamentos de impugnação judicial, os quais, deveriam seguir formas de processo completamente distintas - oposição judicial e impugnação judicial.

c) Assim, ocorrendo erro na forma de processo quanto a um deles, a solução é considerar sem efeito o pedido para o qual o processo não é adequado.

d). Por isso, no caso vertente, não poderá haver possibilidade de convolação, por esta pressupor que todo o processo passasse a seguir a tramitação adequada e, tal não poder determinar-se por os fundamentos invocados no douto petitório deverem seguir formas de processo distintas.

e). Acresce ainda que estamos perante uma ineptidão da petição inicial por terem sido cumuladas causas de pedir e pedidos substancialmente incompatíveis, o que acarreta a nulidade de todo o processo, a qual pode ser conhecida oficiosamente ou deduzida a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão final e tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que dela dependem absolutamente - artº. 98º, n.° 2 e 3 do CPPT.

f). Não se mostra assim também viável convolar o processo de oposição em impugnação judicial, pois esta só é possível quando todo o processado passe a seguir a tramitação adequada, subsistindo a nulidade invocada ainda que um dos pedidos fique sem efeito por erro na forma do processo.

Vejamos então qual destas teses colhe o apoio legal.

5. Conforme resulta da petição inicial, os oponentes suscitaram na oposição duas causas de pedir:
a) a nulidade do despacho de reversão (nºs 1 a 20 da petição);
b) inexistência de facto tributário (nºs 20 a 36 da petição).

E terminaram a oposição do seguinte modo: “Termos em que a presente oposição deve ser julgada procedente, revogando-se a reversão contra os oponentes e declarando extinta a execução contra eles instaurada”.

Ora, como está bem de ver, e a recorrente refere na conclusão L) das suas alegações, o primeiro fundamento é de oposição à execução fiscal e o segundo, porque contende com a legalidade da liquidação, determina a forma de impugnação judicial.

Porém, no caso concreto não estamos perante erro na forma do processo, conforme este STA decidiu em caso muito semelhante no acórdão de 25.01.2012, proferido no Processo nº 0866/11 e que iremos aqui reproduzir parcialmente.

“… o erro na forma de processo, contemplado no artigo 199.º do Código de Processo Civil, consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, pelo que o acerto ou o erro na forma de processo se tem de aferir pelo pedido formulado na acção. Com efeito, constitui entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico Cfr., entre outros, Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, 3ª ed., 1999, pág. 262; Antunes Varela, in RLJ 115, pág. 245 e segs; Acórdão do STJ de 12/12/2002, no Rec. nº 3981/02, in Sumários, 12/2002; Acórdão da R. Coimbra de 14/3/2000, in BMJ 495, pág. 371; Ac. R. Évora de 12/11/98, in Col. Jur. Ano XXIII, T5, pág. 256; Acórdão da R. Lisboa de 19/1/1995, in Col. Jur. Ano XX, T1, pág. 95, e Acórdão da R. Porto de 5/7/1990, in Col. Jur. Ano XV, T4, pág. 20,1 que é pelo pedido final formulado, ou seja, pela pretensão que o requerente pretende fazer valer, que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito, pelo que, no caso vertente, será pelo pedido formulado na petição inicial que se terá de aferir do acerto ou erro do meio processual utilizado para atingir tal desiderato.

Lida a petição inicial e o pedido que nela vem formulado, verifica-se que o Oponente formula unicamente, de forma expressa e clara, o pedido de que «seja declarada a extinção da execução fiscal com todas as consequências legais», e estrutura a respectiva causa de pedir na alegação dos seguintes vícios:
-a sua ilegitimidade para a execução, na medida em que a sociedade executada cessou actividade em 28/02/2005 e requereu a declaração de insolvência em 23/01/2006, pelo que não exerceu nem podia ter exercido a gerência no decurso do ano de 2007, sendo, por isso, impossível responsabilizá-lo pelo pagamento da dívida exequenda;
-a ausência de culpa na insuficiência patrimonial da devedora originária;
-a falta de notificação para o exercício da audição prévia antes da reversão;
-a ilegalidade da liquidação do IVA à sociedade por força da sua inactividade.
Donde resultam, em linha recta, três conclusões incontornáveis: não foram invocados pedidos incompatíveis entre si, mas um único pedido assente em vários fundamentos; o efeito jurídico pretendido, isto é, o pedido formulado, adequa-se inteiramente ao meio processual utilizado; dos vários fundamentos invocados, apenas um – o da ilegalidade da liquidação do IVA – não constitui fundamento legítimo de oposição à luz do disposto no artigo 204.º do CPPT, constituindo, antes, motivo para pedir a anulação do acto de liquidação por vício de violação de lei, a arguir em processo de impugnação judicial.

O que significa que o Executado/Oponente não utilizou um meio processual inadequado para obter a pretendida extinção da execução fiscal, não se verificando, pois, qualquer erro na forma de processo nem qualquer ineptidão da petição inicial por incompatibilidade de pedidos. E a circunstância de uma das causas de pedir gizadas não constituir fundamento legítimo de oposição, como será o caso da ilegalidade em concreto do acto de liquidação do IVA, não implica a ineptidão da petição inicial, constituindo, antes, motivo de improcedência do pedido com base nessa causa de pedir.

Razão por que o processo de oposição deve prosseguir para apreciação do mérito da causa, por não se estar perante a excepção dilatória de erro na forma de processo ou de ineptidão da petição inicial “.

Ora, a situação dos presentes autos integra-se perfeitamente nesta doutrina, uma vez que:
- foi formulado um único pedido - revogação da reversão contra os oponentes e declaração de extinção da execução contra eles instaurada.
- foram invocadas várias causas de pedir, sendo que uma delas não constituía fundamento de oposição à execução fiscal – ilegalidade da liquidação por inactividade da executada originária.

Temos então que não tendo existido erro na forma do processo, não poderia ter lugar a convolação para impugnação judicial, antes - se os autos de oposição devessem prosseguir - se deveria julgar improcedente a oposição relativamente àquela causa de pedir - ilegalidade da liquidação. (Seguindo também esta doutrina, entre outros, v. o acórdão de 07.09.2011, proferido no Processo nº 0493/11).

De todo o modo, a decisão recorrida incorreu em erro ao julgar improcedente a oposição, já que a inutilidade superveniente gera necessariamente a extinção da instância nos termos do artigo 278º, al. e) do CPC, e não a improcedência da oposição como foi decidido.

Ora, também esta extinção determinaria a impossibilidade de convolação, a qual pressupõe não só um erro na forma de processo utilizado como, sobretudo, a subsistência da instância e processo que se vai convolar para outra forma processual.

Pelo que ficou dito, o recurso procede.

6. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão recorrida na parte referente à convolação da oposição em impugnação judicial.

Sem custas.
Lisboa, 9 de Maio de 2012. – Valente Torrão (relator) – Francisco Rothes – Fernanda Maçãs.