Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01002/08
Data do Acordão:02/11/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
LIQUIDAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE
Sumário:I - Em matéria de fundamentação de decisões de cálculo de juros compensatórios, o art. 35.º, n.º 9, da LGT estabelece que «a liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas».
II - Assim, é de concluir que a mínima fundamentação exigível em matéria de actos de liquidação de juros compensatórios terá de ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada, para além da indicação das normas legais em que assenta a liquidação desses juros e que esses elementos devem ser indicados na liquidação, directamente ou por remissão para algum documento anexo.
Nº Convencional:JSTA00065554
Nº do Documento:SA22009021101002
Data de Entrada:11/11/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC FIS GRAC - LIQIDAÇÃO.
Legislação Nacional:LGT98 ART35 N9 ART77.
CIRC88 ART80.
CPA91 ART120.
CONST97 ART266 N2 ART268 N3 N4.
CPPTRIB99 ART37.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC871/08 DE 2009/01/07.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, Lda., com os sinais dos autos, não se conformando com a sentença do Mmo. Juiz do TAF de Lisboa que julgou parcialmente improcedente a impugnação por si apresentada da liquidação adicional de IRC do exercício de 1995, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
A) O douto Tribunal a quo proferiu sentença concedendo parcialmente provimento à impugnação apresentada pela ora Recorrente, tendo, contudo, negado provimento ao invocado vício de falta de fundamentação invocado pela ora Recorrente relativamente à liquidação dos juros compensatórios referente a IRC de 1995.
B) Entende a Recorrente que a liquidação de juros compensatórios viola de forma frontal o disposto no n.º 9 do artigo 35.º da LGT, uma vez que não são referidas as disposições legais que legitimam a liquidação de juros compensatórios, nem as operações de cálculo efectuadas para se apurar o montante de juros liquidado, nomeadamente a taxa de juro utilizada, sua forma de determinação, contagem e período considerado.
C) A violação do disposto no n.º 9 do artigo 35.º da LGT importa a anulabilidade dos juros compensatórios liquidados pela Administração Tributária, referentes a IRC de 1995, no valor de EUR 151.141,79 (valor estimado e correspondente à parte dos juros que não foi anulada na sentença ora recorrida).
D) O artigo 37.º do CPPT constitui uma mera faculdade do contribuinte, cujo não exercício nunca poderá determinar a sanação do vício de falta da fundamentação de que padece o acto tributário referente a juros compensatórios do ano de 1995.
E) A admitir-se a obrigatoriedade do recurso ao mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT e conforme jurisprudência deste Venerando Tribunal no recurso n.º 155/07, o mesmo apenas será de admitir para os vícios da notificação (determinando a sua ineficácia), os quais são insusceptíveis de inquinar a validade do acto tributário.
F) A Recorrente entende que a violação do disposto no n.º 9 do artigo 35.º da LGT constitui preterição de formalidade essencial à garantia do direito de defesa dos particulares contra actos que se reputam lesivos dos seus direitos e interesse legítimos, implicando a anulabilidade do acto tributário, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente a verificação do vício de forma por falta de fundamentação conforme estabelecem os artigos 77.º e n.º 9 do 35.º da LGT, bem como o artigo 125.º do CPA e o artigo 36.º do CPPT.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostra-se assente a seguinte factualidade:
1) A sociedade impugnante foi objecto de uma acção de inspecção interna ao IRC do exercício de 1995 por parte da Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT), que originou a liquidação de IRC n.º 19998310014385 de 1999/09/11 – doc. fls. 7 e 9 e ss do PAT.
2) A Administração Tributária efectuou correcções à matéria tributável declarada no montante de 213.926.253$00, sendo 372.916$00 referente a reintegrações e amortizações não aceites como custo, 39.584.591$00 referentes a custos individuais da sociedade dependente B… e 173.968.746$00 referentes a prejuízos fiscais – doc. fls. 9 e ss do PAT.
3) A Administração Tributária efectuou ainda correcções ao nível do cálculo do imposto relativas a retenções na fonte no montante de 561.169$00 – doc. fls. 9 e ss do PAT.
4) Relativamente à quantia de 39.584.591$00 referentes a custos individuais da sociedade dependente B… a correcção em causa decorreu de uma acção de inspecção externa a esta última sociedade igualmente efectuada pela Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária – doc. fls. 20 e ss do PAT.
5) No âmbito desta inspecção à B…, a Fazenda Pública constatou que existiam no extracto da rubrica Trabalhos especializados lançamentos periódicos de facturas – doc. fls. 9 e ss do PAT – originárias da sociedade C…, sediada em Inglaterra, respeitantes a “Management Fees” – doc. fls. 22 do PAT.
6) Referentes a essas mesmas facturas, surgem ainda outros encargos contabilizados, pela B…, no extracto de deslocações e estadas, os quais são indicados nas facturas como “Expenses incurred on Your behalf” – doc. fls. 23 do PAT.
7) A Administração Tributária notificou a B… para facultar esclarecimentos relativos ao montante de 39.584.591$00 constante daquelas facturas, tendo considerado que os esclarecimentos e elementos apresentados pela B… tinham um carácter generalista – doc. fls. 23 e ss do PAT.
8) As despesas expressas nas facturas com a designação de “Expenses incurred on your behalf” não são descriminadas nas facturas, existindo encargos relativamente aos quais é apresentada a documentação das despesas incorridas pela C… e debitadas à B…, mas relativamente a outros não é apresentada essa documentação – doc. fls. 25 do PAT.
9) A Administração Tributária entendeu que não se encontravam comprovados os encargos no valor de 39.584.591$00, por impossibilidade de identificação entre as despesas em causa e a obtenção de proveitos, como requerido pelo art.º 23.º do CIRC, considerando ainda que não tinha sido feita prova da consubstanciação dos encargos – doc. fls. 25 e ss do PAT.
10) A B… SA celebrou com a C… um “Management Services Agreement”, em 06/01/1995, do qual consta que estes “management services” que serão prestados pela C… poderão consistir em: “Financial Planning, Budgeting, Market Strategy, Logistics, Warehousing” – doc. fls. 53 e ss do PAT.
11) No referido “Management Services Agreement” é ainda estabelecido que relativamente aos serviços prestados: “… shall pay C… a management fee based on costs incurred by C… in rendering those services (such as remuneration of qualified personnel), and reinburse C… for related expenses incurred in rendering the services (displacements, vehicles and other expenses)”; “Mangement fees shall not exceed a total amount of PTE equivalent to GBP 200,000 per year, unless otherwise agreed upon between the Parties in advance”; “Expenses shall be charged at actual cost” – doc. Fls. 53 e 54 dos autos.
12) A oito de Março de 1994 foi em AG da impugnante nomeado Administrador da B… o Sr. D… tendo sido deliberado que o mesmo não auferiria qualquer remuneração – doc. fls. 96 e 97 dos autos.
13) Aos vinte e oito dias do mês de Dezembro de 1994 foi nomeado por cooptação para a Administração da sociedade o Sr. Dr. E… – doc. fls. 100 e 101 dos autos.
14) E… e D… são mencionados em comunicações de e para a B… SA no ano de 1995 – doc. fls. 102 a 168 dos autos.
15) A documentação relativa aos encargos debitados à B… pela C… não indica quais os serviços prestados pelos beneficiários dos encargos, conexos com essas despesas, nem indicam em alguns casos quem foram os beneficiários dessas despesas – doc. fls. 169 a 266 dos autos.
16) A C… pagou salários a D… e despesas que lhe foram apresentadas por este, tendo repercutido esses pagamentos à B… – doc. fls. 169 e ss.
17) Os pagamentos efectuados pela impugnante à C… referem-se a serviços efectivamente prestados pela casa-mãe, quer em sede de salários de gestores, quer em sede de despesas – depoimento das testemunhas F… e G…
III – A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é a de saber se ocorre o invocado vício de falta de fundamentação relativamente à liquidação dos juros compensatórios referentes a IRC de 1995.
Alega a recorrente que tal liquidação viola frontalmente o disposto no n.º 9 do artigo 35.º da LGT, uma vez que não são referidas na mesma as disposições legais que legitimam a liquidação de juros compensatórios, nem as operações de cálculo efectuadas para se apurar o montante de juros liquidado, nomeadamente a taxa de juro utilizada, sua forma de determinação, contagem e período considerado.
Vejamos. Como se referiu ainda recentemente no acórdão deste STA de 7/1/2009, proferido no recurso n.º 871/08, “A exigência de fundamentação dos actos administrativos (conceito em que se inserem os actos tributários, à face do preceituado no art. 120.º do CPA) é formulada no art. 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».
No n.º 4 do mesmo artigo, garante-se aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
Da conjugação destas duas normas resulta que o direito de impugnação contenciosa de actos lesivos, constitucionalmente reconhecido, não fica satisfeito com a mera possibilidade de os interessados os poderem impugnar judicialmente, antes se exigindo que seja proporcionada àqueles a possibilidade de os impugnarem com completo conhecimento das razões que os motivaram, isto é, trata-se de um direito à impugnação contenciosa com a máxima eficácia.
Em matéria tributária, o dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários é concretizado no art. 77.º da LGT.
Nos termos deste último artigo, «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária» e a «fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
Como vem entendendo este Supremo Tribunal Administrativo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. (Noutro plano, que não assume relevância no caso em apreço, a exigência de fundamentação visará também assegurar a transparência da actividade administrativa, particularmente a observância dos princípios constitucionais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade, formulados no n.º 2 do art. 266.º da CRP).
Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.
Especialmente em matéria de fundamentação de decisões de cálculo de juros compensatórios, o art. 35.º, n.º 9, da LGT estabelece que «a liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas».
Assim, é de concluir que a mínima fundamentação exigível em matéria de actos de liquidação de juros compensatórios terá de ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada, para além da indicação das normas legais em que assenta a liquidação desses juros e que esses elementos devem ser indicados na liquidação, directamente ou por remissão para algum documento anexo.”.
Ora, no caso em apreço, constata-se que a liquidação impugnada não contém qualquer indicação da forma como foram calculados os juros compensatórios, apenas contendo a indicação do seu montante e da norma legal que prevê a sujeição a juros compensatórios (artigo 80.º do CIRC).
Não colhe, pois, a argumentação da AT, constante da informação prestada a esse respeito no processo administrativo apenso, de que, decorrendo da lei todos os elementos necessários à sua determinação, tal liquidação se mostra assim suficientemente fundamentada, pois que, para sindicar a liquidação efectuada e comprovar que a mesma obedeceu ao que a lei prescreve, torna-se necessário que ela evidencie com clareza o seu cálculo e se não limite a apontar um montante global, sem se saber como este foi apurado, designadamente qual a taxa de juro utilizada, a que período se reporta, etc.
Aliás, como é sabido, não constitui fundamentação suficiente a mera reprodução do texto legal, desacompanhado de factos que o caracterize.
Como também constitui jurisprudência pacífica deste STA aquela que aponta no sentido de que meros juízos conclusivos, sem explicitação da factualidade que lhes serviu de base, serem insuficientes para a fundamentação do acto administrativo.
Por outro lado, não supre a falta de fundamentação do acto assim praticado o facto de a recorrente não ter usado da faculdade prevista no artigo 37.º do CPPT, pois não é de admitir a fundamentação a posteriori, apenas sendo de atender à fundamentação contextual, ou seja, aquela que se integra no próprio acto.
Na verdade, praticado um acto com determinada fundamentação, a apreciação contenciosa da sua legalidade tem de se fazer em face dessa mesma fundamentação.
Assim, é de concluir que a liquidação dos juros compensatórios enferma, neste caso, do apontado vício de falta de fundamentação.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida no segmento relativo à questão da falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, e, em consequência, julgando procedente a impugnação, anular a liquidação de juros compensatórios referente a IRC de 1995 impugnada.
Custas pela Fazenda Pública apenas na 1.ª instância, uma vez que não contra-alegou neste Tribunal [art. 2.º, n.º 1, alínea g), do CCJ], fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009. – António Calhau (relator) – Jorge de Sousa – Miranda de Pacheco.