Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0191/15
Data do Acordão:06/17/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário:I - O art. 17.º do CPPT estabelece, para os processos de impugnação e de execução fiscal, um regime especial sobre a arguição da incompetência territorial que se afasta do regime estabelecido no art. 13.º do CPTA.
II - Nos termos desse regime, a infracção das regras de competência territorial determina a incompetência meramente relativa do Tribunal (cfr. o n.º 1 do art. 17.º), sendo que essa incompetência apenas pode ser arguida, no processo de execução, pelo executado, até findar o prazo para a oposição (cfr. a alínea b) do n.º 2 do art. 17.º do CPPT).
III - Como tal, a infracção às regras de competência territorial não pode ser oficiosamente conhecida em oposição à execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P19165
Nº do Documento:SA2201506170191
Data de Entrada:02/20/2015
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A.... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………… deduziu oposição à execução fiscal nº 3611201201029207, contra si revertida pelo Serviço de Finanças de Amadora 3 para cobrança coerciva de dívidas de IRC referentes ao ano de 2010, o Ministério Público, inconformado, recorreu do despacho liminar do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra) datado de 26 de Março de 2014, onde se declarou territorialmente incompetente para conhecer da oposição em causa, ordenando a remessa dos autos para o Tribunal Tributário de Lisboa (TTL).

Alegou, tendo concluído como se segue:
1 — Recorre o Ministério Público da douta sentença proferida de fls. 48 a 50 dos autos (suporte físico do processo), mediante a qual se declarou a incompetência, em razão do território, deste TAF de Sintra, e determinou a posterior remessa dos autos para o Tribunal Tributário de Lisboa, por ser este o competente, em razão do território, para conhecer da oposição apresentada por A……….., na sequência de reversão contra a mesma em função da sua qualidade de eventual responsável subsidiária, e relativamente a um processo de execução fiscal a correr termos pelo Serviço de Finanças da Amadora-3, da responsabilidade originária da sociedade “B………., Lda.”.
II — É uma única a questão a apreciar no âmbito do presente recurso, e consiste em saber se a incompetência territorial pode ser conhecida oficiosamente, de acordo com o disposto no artigo 13º, do CPTA, sem que tenha sido invocada por qualquer das partes, como sustenta o Mmo. Juiz a quo.
III — Na sentença ora em recurso foi sufragado o entendimento de que, e de acordo com o disposto no artigo 151º, do CPPT, e face à residência da Oponente em Pinheiro de Loures, área territorial do Tribunal Tributário de Lisboa, seria este, que não o TAF de Sintra, o competente territorialmente para conhecer da oposição, e daí a verificação da excepção dilatória de incompetência relativa, de conhecimento oficioso nos termos do disposto no artigo 13°, do CPTA, e com a consequente ordem de remessa dos autos àquele tribunal.
IV — Entendemos, pela nossa parte, que a decisão recorrida integra erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação da lei, e por violação de lei, mais precisamente da disposição do artigo 17º, no 2, alínea b), do CPPT, uma vez que em processo judicial tributário, e ao contrário do que sucede no contencioso administrativo, e relativo a execução fiscal ou respectivos incidentes, seja a oposição, como é o caso, e face á referida norma do artigo 17º, n° 2, alínea b), do CPPT, a incompetência territorial não é de conhecimento oficioso.
V — Tal significa que a incompetência territorial, para ser conhecida, teria de ser invocada pela executada por reversão, ou ora Oponente, o que não sucedeu, pelo que estava vedado ao juiz conhecer oficiosamente da incompetência territorial do TAF de Sintra.
VI — Assim, nestes termos, e nos demais de direito que doutamente não deixarão de ser supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, por via disso, ser revogada a sentença recorrida, e determinado o prosseguimento da oposição neste TAF de Sintra, e se a tal nada mais obstar.
Porém, V. Exas., Venerandos Conselheiros, apreciarão e decidirão como for de Direito!

Não houve contra-alegações.

O despacho recorrido tem o seguinte teor:
“A…….., com os demais sinais dos autos, veio deduzir Oposição à execução fiscal n.º 3611201201029207, contra si revertida pelo Serviço de Finanças de Amadora 3 para cobrança coerciva de dívidas de IRC, referentes ao ano de 2010.
O Serviço de Finanças de Amadora 3 prestou nos autos a informação oficial a que se refere o artigo 2080 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Cumpre proferir despacho liminar, ao abrigo do disposto no artigo 209° do CPPT.
Nos termos do disposto no artigo 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 2º, alínea c) do CPPT, "O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria".
Não logra, no caso vertente, aplicação o disposto no artigo 17º, nº 2 do CPPT, acerca das situações em que não é possível o conhecimento oficioso da incompetência em razão do território, porquanto, como se conclui do teor do nº 1 do referido artigo, aquele dispõe, apenas, quanto à competência do Tribunal no processo de impugnação judicial [alínea a)], e do Serviço de Finanças no processo de execução fiscal [alínea b)].
Subsiste, assim, a regra geral enunciada.
Na análise da competência territorial importa ter presente, por um lado, o disposto no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), concretamente, os seus artigos 39º e 50º, e o Decreto-Lei nº 325/2003, de 29 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 182/2007, de 9 de Maio, e respectivo Mapa Anexo.
Por outro lado, importa atentar no regime constante do CPPT, concretamente, os seus artigos 12º, nº 1 e 151º, nos termos conjugados dos quais, para o conhecimento das questões de natureza jurisdicional relativas ao processo de execução fiscal - de que é exemplo a oposição prevista nos artigos 203° e seguintes do CPPT - é territorialmente competente o tribunal tributário de 1ª instância da área do domicílio ou sede do devedor.
Ora, considerando o regime legal que se enunciou, considerando, ainda, que a Oponente tem o seu domicílio em Pinheiro de Loures, o tribunal territorialmente competente para conhecer da presente oposição é o Tribunal Tributário de Lisboa (cfr. Mapa Anexo do Decreto-Lei nº 325/2003, de 29 de Dezembro), em cuja área de jurisdição se inscreve o município de Loures.
Nos termos do nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, julga-se desnecessário facultar o contraditório sobre esta questão, dada a sua simplicidade e uma vez que se encontra expressamente estabelecido na lei o regime aplicável.
A procedência da incompetência territorial importa, de acordo com o disposto no artigo 14°, nº 1 do CPTA, a remessa dos autos para o tribunal competente que, no caso, como se viu, é o Tribunal Tributário de Lisboa.
Nestes termos e nos das disposições legais citadas, declara-se este Tribunal territorialmente incompetente para conhecer da oposição para cujos termos se declara territorialmente competente o Tribunal Tributário de Lisboa. ".

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
A questão colocada pelo Ministério Público nas suas alegações já não é nova e tem merecido por parte deste Supremo Tribunal uma resposta uniforme e reiterada em sentido contrário ao defendido na sentença recorrida, cfr. entre outros o acórdão datado de 18/06/2014, recurso n.º 0551/14.
Assim, porque não se vê agora razão para decidir de modo diferente, também aqui se reiterará aquela doutrina.
Com interesse, escreveu-se nesse acórdão:
Questão objecto de recurso:
1- A incompetência territorial pode ser conhecida oficiosamente?
(…)
O tribunal recorrido adoptou um regime híbrido que vai do Código de Procedimento e Processo Tributário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, à situação em análise, para concluir que é possível o conhecimento oficioso da excepção dilatória de incompetência em razão do território.
Na análise de qualquer questão jurídica colocada no processo judicial tributário, por força do disposto no artº 1º do Código de Procedimento e Processo Tributário aplica-se em primeira linha este código, ainda que sem prejuízo de normas de direito comunitário, ou outras de direito internacional que vigorem na ordem jurídica interna, na lei geral tributária e em legislação especial nomeadamente quanto à liquidação e cobrança dos tributos parafiscais.
Apenas quando no Código de Procedimento e Processo Tributário e nas normas indicadas no antecedente parágrafo se não encontre regulamentação própria ou bastante para uma dada questão jurídico-tributária, será possível o recurso a normas de aplicação supletiva ao processo tributário, referidas no artº 2º do Código de Procedimento e Processo Tributário e, pela ordem ali indicada.
Por questões de politica legislativa, entendeu-se que nos processos de impugnação e de execução fiscal haveria conveniência em estabelecer-se um regime especial sobre a arguição da incompetência territorial – artº 17º do Código de Procedimento e Processo Tributário – próxima do adoptado pelo Código de Processo Civil - em que a competência territorial consubstancia excepção dilatória que somente é de conhecimento oficioso nos casos previstos no seu artº.104, do CPC - e divergente do regime estabelecido no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em cujo artigo 13.º se prescreve que «a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria»
Dispõe o Código de Procedimento e de Processo Tributário no seu artigo 17.º, Incompetência territorial em processo judicial:
1 - A infracção das regras de competência territorial determina a incompetência relativa do tribunal ou serviço periférico local ou regional onde correr o processo.
2 - A incompetência relativa só pode ser arguida:
a) No processo de impugnação, pelo representante da Fazenda Pública, antes do início da produção da prova;
b) No processo de execução, pelo executado, até findar o prazo para a oposição.
3 - Se a petição de impugnação for apresentada em serviço periférico local ou regional territorialmente incompetente, o seu dirigente promoverá a sua remessa para o serviço considerado competente no prazo de quarenta e oito horas, disso notificando o impugnante.
Assim, no presente processo, porque o Código de Procedimento e Processo Tributário não considerou que a competência relativa é uma questão de ordem pública, dado o disposto no nº 2, b) do artº 17º em análise e a ausência por parte da Fazenda Pública da dedução da referida excepção dilatória, impedido está o tribunal de dela tomar conhecimento oficiosamente. Tal solução tem vindo a ser reafirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, e pelo Sr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Volume I, 6.ª ed., 2011, p. 248 – nota 4 a) ao artigo 17.º do CPPT.
Deste modo verifica-se que a sentença recorrida ao conhecer oficiosamente da excepção dilatória de incompetência do tribunal em razão do território incorreu em erro de julgamento por violação da lei, pelo que não pode manter-se.”, no mesmo sentido e a propósito de um despacho da mesma natureza proferido em sede de Oposição à execução fiscal, pode ver-se o acórdão datado de 12/03/2014, recurso n.º 0111/14.
Pelo exposto, e no provimento do recurso, haverá que revogar a decisão recorrida, que mal andou ao oficiosamente julgar verificada a excepção de incompetência em razão do território do tribunal para julgar a oposição deduzida, determinando-se a baixa dos autos ao TAF de Sintra para que aí prossigam os seus termos.

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, determinando a baixa dos autos ao TAF de Sintra para que aí prossigam para conhecimento da oposição, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.
D.n.
Lisboa, 17 de Junho de 2015. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.