Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:010/21.4BALSB
Data do Acordão:01/26/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Constitui pressuposto específico da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência a que aludem o artigo 25.º, n.º 2 do RJAT e 152.º do CPTA, que o mesmo incida sobre a decisão arbitral que se pronuncia sobre o mérito da pretensão deduzida;
II - Não se pronuncia sobre o mérito da pretensão deduzida a decisão arbitral que se abstém de conhecer da ilegalidade de liquidações de IMI por inutilidade superveniente da lide respetiva;
III - Não se pronuncia sobre o mérito da pretensão deduzida a decisão arbitral quanto a custas;
IV - Constitui pressuposto do conhecimento do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência a que aludem o artigo 25.º, n.º 2 do RJAT e 152.º do CPTA que a decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou acórdão do Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo;
V - Não há oposição entre decisões sobre alguma questão fundamental de direito se o que está subjacente ao recurso da decisão recorrida é o erro no julgamento da matéria de facto.
VI - Também não há oposição entre as decisões se o acórdão recorrido respondeu à questão da falta de fundamentação da operação de atualização periódica do VPT a que alude o artigo 138.º e o acórdão fundamento respondeu à questão da falta de fundamentação da atualização do VPT prevista no regime transitório regulado no Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de dezembro.
Nº Convencional:JSTA000P28845
Nº do Documento:SAP20220126010/21
Data de Entrada:02/05/2021
Recorrente:A...............
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

A……………, titular do número de identificação fiscal ………., com domicílio indicado na Rua ………, n.º …., 3025-…. ……., Coimbra, veio ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações efetuadas pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro [doravante identificado pela sigla “RJAT”], interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida no Centro de Arbitragem Administrativa no âmbito do processo n.º 46/2020-T CAAD, que julgou totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral ali apresentado em 24 de março de 2020, tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação de diversas liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) referentes a diversos anos, no montante global de € 1.441,48.

Invocou oposição entre o decidido relativamente às liquidações dos anos de 2012 a 2014 e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 773/14.

Invocou oposição entre o decidido relativamente às liquidações dos anos de 2015 a 2017 e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de janeiro de 2014, proferido no processo 0815/11.

Invocou oposição entre o decidido relativamente às liquidações dos anos de 2018 a 2019 e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de setembro de 2012, tirado no processo 0659/12.

Invocou oposição entre o decidido em reforma da decisão quanto a custas e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 26 de março de 2015, tirado no processo 01797/14.6BEPRT.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

A) Vem a presente impugnação interposta da sentença proferida no Processo Arbitral 46/2020-T, que, para além de tecnicamente defeituosa, decidiu contrariando jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, em, pelo menos, 4 pontos que se passam a enunciar

B) Relativamente às liquidações de IMI em causa e relativa aos anos de 2012 a 2014, sendo certo que a ora recorrente havia pago essas liquidações, as mesmas foram, entretanto, revogadas com fundamento em caducidade do direito de liquidação, mas a sentença recorrida não determinou a devolução à ora recorrente das quantias pagas.

C) No caso decidido pelo Acórdão do STA de 16 de Dezembro de 2015, publicitado em http://www.dgsi.pt/jsta2, proferido no processo n.º. 773/14, constatado que estava decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidar, decidiu que se impunha a restituição à recorrente de tudo quanto haja sido prestado, com a procedência do pedido que havia formulado de condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, por se mostrarem reunidos os pressupostos constantes do art.º 43.º da LGT - erro imputável aos serviços - liquidação de imposto depois de completado o prazo de caducidade do direito de o liquidar.

D) Fica demonstrada a contradição da sentença impugnada com este acórdão que se invoca como fundamento do presente recurso, nesta parte, relativamente à questão fundamental de direito de, face à caducidade do direito de liquidação, deve ser ordenada a restituição do imposto liquidado e pago pelo contribuinte.

E) Relativamente aos anos de 2015, 2016 e 2017, constatou a sentença recorrida que houve imposto liquidado a mais, mas que no seu entender está já pago, mas a matéria de facto considerada provada não reflecte qualquer pagamento efectuado pela AT à ora recorrente, pelo que, com base nos factos provados, têm de ser anuladas as liquidações relativas a estes anos.

F) A parte da sentença recorrida relativa a uma suposta devolução da AT que pagaria o excesso de pagamento destas liquidações está em oposição com o que foi decidido pelo Ac. do STA de 15-01-2014, proferido no processo 0815/11, segundo o qual a conclusão a que chegou a sentença, …, se não estribada em matéria de facto que a suporte e até em contradição com a que foi dada como assente, não pode ser aceite pelo STA, que, porque no caso apenas tem competência para aplicar o direito aos factos fixados, deve anular a sentença nessa parte e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, para ampliação da matéria de facto.

G) Também nesta parte deve ser admitido o presente recurso, pois está em oposição com [a] jurisprudência na mesma questão fundamental, qual seja, a de que não pode ser decidida uma questão de direito, que não alicerce em matéria de facto previamente considerada provada.

H) Nas liquidações referentes aos anos de 2018 e 2019 são referidas actualizações do Valor Patrimonial Tributário que não foi alegado, nem consequentemente provado que tenham sido notificadas à ora recorrente e, em consequência, a sentença recorrida entendeu que os mesmos não padeciam de vício de fundamentação.

I) Tal decisão é contrária à jurisprudência firme do Supremo Tribunal Administrativo, de que se cita o Ac. de 2012-09-19, Processo 0659/12, que decidiu que a fundamentação do acto de fixação do VPT, quer resulte de avaliação quer resulte de actualização, deve ser comunicada ao sujeito passivo do IMI a liquidar com base nessa matéria tributável e se o não tiver sido, e também a liquidação de IMI não der a conhecer a forma como foi determinado o VPT, aquela liquidação não pode ter-se por suficientemente fundamentada, tanto mais que o n.º 2 do art.º 77.º da LGT impõe que a fundamentação dos actos tributários seja integrada, entre o mais, pelas operações de apuramento da matéria tributável.

J) Por isso, ao validar o acto de liquidação de IMI notificado à ora recorrente, sem averiguar previamente se as actualizações do VPT tinham sido notificadas ou não à ora recorrente – mais uma deficiência da decisão de facto – cometeu a sentença recorrida uma ilegalidade e decidiu contra jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo de que o Acórdão referido, que se invoca como acórdão fundamento, é expressão cabal, sobre a questão fundamental de direito de aceitar como fundamentado um acto tributário que se baseia em actualizações do VPT, que não foram notificadas à ora recorrente, com a sua fundamentação.

K) Ao responsabilizar a ora recorrente pela totalidade das custas, que foi decidida por despacho posterior à sentença, mediante reclamação da AT, sem que a ora recorrente se pudesse pronunciar, portanto em violação do princípio do contraditório.

L) O despacho de reforma da sentença quanto a custas e nela inserido, está em manifesta contradição com a jurisprudência consolidada dos tribunais em geral e dos tribunais que decidem em matéria tributária de respeito pelo princípio do contraditório. de que se cita como exemplo, o Ac. de 26-03-2015 do TCANorte, proferido no processo 01797/14.6BEPRT e está em oposição com a jurisprudência ao decidir questões sem respeitar o princípio do contraditório.

M) Estão assim demonstrados os pressupostos da admissão do presente recurso, pois quanto a 4 questões fundamentais de direito, a sentença recorrida está em oposição com jurisprudência firme e consolidada do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Central Administrativo Norte, pelo que, nos termos do art.º 25º., nº. 2 do RJAT, deve ser admitido o presente recurso de decisão arbitral proferida pelo CAAD.

N) No presente pedido de constituição do Tribunal Arbitral a Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada do mesmo no dia 9 de Julho de 2020 e a decisão de revogação das liquidações de IMI em causa e relativa aos anos de 2012 a 2014 terá alegadamente sido proferida em 25-3-2020, sendo que a AT não notificou a reclamante dessas revogações só lhe vindo dar conhecimento quando apresentou a sua resposta no processo arbitral em 12-10-2020.

O) Nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

P) Porém, a ora recorrente havia pago as liquidações entretanto revogadas com fundamento em caducidade do direito de liquidação e conforme foi decidido pelo Acórdão do STA de 16 de Dezembro de 2015, publicitado em http://www.dgsi.pt/jsta, proferido no processo n.º: 773/14, onde se decidiu que decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidar o montante deduzido pela recorrente, impõe-se a restituição à recorrente de tudo quanto haja sido prestado, com a procedência do pedido que havia formulado de condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, por se mostrarem reunidos os pressupostos constantes do art.º 43.º da LGT - erro imputável aos serviços - liquidação de imposto depois de completado o prazo de caducidade do direito de o liquidar.

Q) Este acórdão, constatada a caducidade do direito de liquidação, determina a restituição do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, por a omissão ser imputável a erro manifesto dos serviços, pois verificado o pagamento das liquidações revogadas – facto que uma decisão judicial feita com cuidado não deixaria de levar aos factos provados -, tem de ser condenada a AT a restituir as quantias indevidamente pagas com juros indemnizatórios.

R) Porém, no caso dos presentes autos, os serviços tributários foram mesmo negligentes, pois estiveram mais de 6 meses, sem notificar a ora recorrente das revogações e obrigaram-no a requerer o pedido arbitral, pelo que devia a sentença ora impugnada ser revogada na parte em que não condenou a AT ao reembolso das liquidações revogadas, acrescido de juros compensatórios, conforme requerido, aliás, no pedido inicial

S) Relativamente aos anos de 2015, 2016 e 2017, constatou a sentença recorrida que houve imposto liquidado a mais, que no seu entender está já pago, mas a matéria de facto considerada provada não reflecte qualquer pagamento efectuado pela AT à ora recorrente, pelo que, com base nos factos provados, têm de ser anuladas as liquidações relativas a estes anos.

T) Como foi decidido pelo Ac. do STA de 15-01-2014, proferido no processo 0815/11, pois a conclusão a que chegou a sentença, …, se não estribada em matéria de facto que a suporte ….., não pode ser aceite pelo STA, que, porque no caso apenas tem competência para aplicar o direito aos factos fixados, deve anular a sentença nessa parte e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, para ampliação da matéria de facto.

U) Deve a decisão deste STA ser a de anulação da decisão para ampliação da matéria de facto, se entender relevante a averiguação de que as devoluções já ocorreram, mas o certo é que que está demonstrado que foi liquidado imposto superior ao devido, devem ser anuladas as liquidações, conforme o pedido formulado, devendo ser ordenada a devolução do imposto pago a mais, nos termos do art.º 43º., nº. 1 da Lei Geral Tributária.

V) Nas liquidações referentes aos anos de 2018 e 2019 são referidas actualizações do Valor Patrimonial Tributário que não foi alegado, nem consequentemente provado que tenham sido notificadas à ora recorrente e, em consequência, a sentença recorrida entendeu que os mesmos não padeciam de vício de fundamentação.

X) Porém, é jurisprudência firme do Supremo Tribunal Administrativo, de que se cita, como exemplo, o Ac. de 2012-09-19, Processo 0659/12, que os actos tributários estão sujeitos a fundamentação (art.º268.º, n.º 3, art.º 77.º da LGT e art.º 125.º do CPA) e que a fundamentação do acto de fixação do VPT, quer resulte de avaliação quer resulte de actualização, deve ser comunicada ao sujeito passivo do IMI a liquidar com base nessa matéria tributável, pelo que, se o não tiver sido, e também a liquidação de IMI não der a conhecer a forma como foi determinado o VPT, aquela liquidação não pode ter-se por suficientemente fundamentada, tanto mais que o n.º 2 do art.º 77.º da LGT impõe que a fundamentação dos actos tributários seja integrada, entre o mais, pelas operações de apuramento da matéria tributável.

Y) Por isso, ao validar o acto de liquidação de IMI notificado à ora recorrente, sem averiguar previamente se as actualizações do VPT tinham sido notificadas ou não à ora recorrente – mais uma deficiência da decisão de facto – cometeu a sentença recorrida uma ilegalidade e decidiu contra jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo de que o Acórdão referido, que se invoca como acórdão fundamento, é expressão cabal.

Z) Têm de ser anuladas as liquidações de IMI referentes aos anos de 2018 e 2019 notificadas à ora recorrente e que ela pagou, o que também devia ter sido espelhado na decisão da matéria de facto.

AA) O despacho que condena a ora recorrente exclusivamente nas custas do processo arbitral é duplamente ilegal e contraria jurisprudência dos tribunais administrativos na área tributária, sendo certo que, na procedência do presente recurso, a questão das custas terá de ser oficiosamente apreciada.

BB) Relativamente à condenação da ora recorrente em custas, a mesma é desde logo ilegal, porque no que respeita às liquidações relativas a 2012, 2013 e 2014, foi a AT quem deu causa a que a ora recorrente tivesse formulado o pedido arbitral relativamente a esses anos, invocando a caducidade da liquidação, pois não a notificou da revogação dessas liquidações e declarada a inutilidade parcial superveniente da lide, há, contudo, de aferir da responsabilidade pelo pagamento das custas, nos termos do artigo 536º, nº 3, do Código de Processo Civil, pois é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira a inutilidade superveniente da lide, devendo a mesma ser responsável pela totalidade das custas.

CC) Relativamente às liquidações relativas aos anos de 2015, 2016 e 2017, constatou a sentença recorrida que houve imposto liquidado a mais e declarou-o expressamente, mas entendeu que o mesmo está pago, sem que conste da matéria de facto dada como provada, como ou quando, pelo que, tem de proceder a anulação dessas liquidações.

DD) Por fim, nas liquidações referentes aos anos de 2018 e 2019 são referidas actualizações do Valor Patrimonial Tributário que não foi alegado, nem consequentemente provado que tenham sido notificadas à ora recorrente, com a respectiva fundamentação, como decidiu o Ac. do STA de 2012-09-19, Procº. 0659/12, já citado.

EE) Por fim, a responsabilização da ora recorrente pela totalidade das custas foi decidida por despacho posterior à sentença, mediante reclamação da AT, sem que a ora recorrente se pudesse pronunciar, em manifesta contradição com a jurisprudência consolidada dos tribunais em geral e dos tribunais que decidem em matéria tributária de respeito pelo princípio do contraditório.

FF) Face ao exposto, mostrando-se violadas pela sentença recorrida as normas e princípios citados nas conclusões que se deixam formulados, deve ser revogada a sentença recorrida e também em matéria de condenação da ora recorrente nas custas totais do procedimento, como é de lei e de

J U S T I Ç A!».

Pediu fosse admitido o recurso, fosse anulada a decisão recorrida e fosse a mesma substituída por acórdão consonante com o sentido decisório do acórdão fundamento.

O recurso foi liminarmente admitido com efeito suspensivo da decisão arbitral recorrida.

Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Digna Magistrada do M.º P.º foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e lavrou douto parecer, que aqui se transcreve parcialmente, dado o seu evidente interesse para a decisão:

«(…) 1ª Questão: Como resulta das Conclusões B) e C) do recurso apresentado, invoca a recorrente que: “Relativamente às liquidações de IMI em causa e relativa aos anos de 2012 a 2014, sendo certo que a ora recorrente havia pago essas liquidações, as mesmas foram, entretanto, revogadas com fundamento em caducidade do direito de liquidação, mas a sentença recorrida não determinou a devolução à ora recorrente das quantias pagas” verificando-se oposição com o douto Acórdão do STA de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º. 773/14, que decidiu que se impunha a restituição à recorrente de tudo quanto haja sido prestado, com a procedência do pedido que havia formulado de condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, por se mostrarem reunidos os pressupostos constantes do art.º 43.º da LGT - erro imputável aos serviços - liquidação de imposto depois de completado o prazo de caducidade do direito de o liquidar.

No segmento supra referido, o que se constata, desde logo, da análise da decisão arbitral é que nela se exarou:

“26. Quanto ao pedido da Requerente, no sentido de o Tribunal condenar a AT à restituição imediata das importâncias anuladas e juros correspondentes, trata-se de matéria excluída do âmbito da competência material da arbitragem tributária, pelo que dele se não toma conhecimento.”

Não se tendo conhecido da matéria em causa por se entender excluída do âmbito da competência material da arbitragem tributária, não se configura a existência de qualquer contradição entre a decisão arbitral e o douto Acórdão fundamento nem tal preenche os requisitos para a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência porquanto, neste segmento, não houve pronúncia de mérito pela Decisão Arbitral.

2ª questão: invoca a recorrente nas Conclusões E) e F) que:

“ E) Relativamente aos anos de 2015, 2016 e 2017, constatou a sentença recorrida que houve imposto liquidado a mais, mas que no seu entender está já pago, mas a matéria de facto considerada provada não reflecte qualquer pagamento efectuado pela AT à ora recorrente, pelo que, com base nos factos provados, têm de ser anuladas as liquidações relativas a estes anos.

F) A parte da sentença recorrida relativa a uma suposta devolução da AT que pagaria o excesso de pagamento destas liquidações está em oposição com o que foi decidido pelo Ac. do STA de 15-01-2014, proferido no processo 0815/11, segundo o qual a conclusão a que chegou a sentença, …, se não estribada em matéria de facto que a suporte e até em contradição com a que foi dada como assente, não pode ser aceite pelo STA, porque no caso apenas tem competência para aplicar o direito aos factos fixados, deve anular a sentença nessa parte e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, para ampliação da matéria de facto.”

Como já acima se mencionou é requisito do recurso para uniformização que haja identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto.

Ora, confrontando a factualidade assente na decisão arbitral com a exarada no douto o Acórdão do STA de 15-01-2014, verifica-se inexistir qualquer identidade fáctica entre as decisões em oposição (a aparente contradição de direito não tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto).

3ª Questão: Refere a recorrente nas Conclusões H) a J) que:

“H) Nas liquidações referentes aos anos de 2018 e 2019 são referidas actualizações do Valor Patrimonial Tributário que não foi alegado, nem consequentemente provado que tenham sido notificadas à ora recorrente e, em consequência, a sentença recorrida entendeu que os mesmos não padeciam de vício de fundamentação.

I) Tal decisão é contrária à jurisprudência firme do Supremo Tribunal Administrativo, de que se cita o Ac. de 2012-09-19, Processo 0659/12, que decidiu que a fundamentação do acto de fixação do VPT, quer resulte de avaliação quer resulte de actualização, deve ser comunicada ao sujeito passivo do IMI a liquidar com base nessa matéria tributável e se o não tiver sido, e também a liquidação de IMI não der a conhecer a forma como foi determinado o VPT, aquela liquidação não pode ter-se por suficientemente fundamentada, tanto mais que o n.º 2 do art.º 77.º da LGT impõe que a fundamentação dos actos tributários seja integrada, entre o mais, pelas operações de apuramento da matéria tributável.

J) Por isso, ao validar o acto de liquidação de IMI notificado à ora recorrente, sem averiguar previamente se as actualizações do VPT tinham sido notificadas ou não à ora recorrente – mais uma deficiência da decisão de facto – cometeu a sentença recorrida uma ilegalidade e decidiu contra jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo de que o Acórdão referido, que se invoca como acórdão fundamento, é expressão cabal, sobre a questão fundamental de direito de aceitar como fundamentado um acto tributário que se baseia em actualizações do VPT, que não foram notificadas à ora recorrente, com a sua fundamentação.”

Da análise das decisões em confronto também se verifica inexistir identidade fáctica entre as decisões em oposição pelo que a aparente contradição de direito não tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto.

4º Questão: está inserida nas Conclusões K) a L) da forma seguinte:

“K) Ao responsabilizar a ora recorrente pela totalidade das custas, que foi decidida por despacho posterior à sentença, mediante reclamação da AT, sem que a ora recorrente se pudesse pronunciar, portanto em violação do princípio do contraditório.

L) O despacho de reforma da sentença quanto a custas e nela inserido, está em manifesta contradição com a jurisprudência consolidada dos tribunais em geral e dos tribunais que decidem em matéria tributária de respeito pelo princípio do contraditório. de que se cita como exemplo, o Ac. de 26-03-2015 do TCA Norte, proferido no processo 01797/14.6BEPRT.”

Apesar de ser invocada pela recorrente uma nulidade do despacho que rectificou a decisão arbitral quanto a custas e independentemente da análise da estrutura de tal despacho, o certo é que da análise do processado do processo arbitral se verifica que a Recorrente foi notificada do requerimento apresentado pela AT sobre que incidiu o despacho em crise ao contrário do que ocorre no douto Acórdão fundamento em que inexistiu notificação tal notificação ( “ … Não notificou ao reclamante o requerimento apresentado pela Exma. Representante da Fazenda Pública…”).

Assim sendo, desde logo, não ocorre no concreto caso em análise, oposição.

Em consequência, salvo melhor juízo, não se encontram preenchidos os requisitos do recurso previsto no artigo 25º, nº2 do RJAT

3. Conclusão.

Emito parecer no sentido de não dever o STA conhecer do recurso por falta dos pressupostos legais de que depende o seu conhecimento.».

Foram dispensados os vistos legais, a coberto da parte final do n.º 1 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos

Pelo que cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.


◇◇◇

2. Questão prévia: da inadmissibilidade do recurso da decisão na parte em que declarou a inutilidade superveniente da lide

Nas conclusões “B)” a “D)” do recurso, a Recorrente insurge-se contra o decidido pelo Tribunal Arbitral relativamente às liquidações dos anos de 2012 a 2014, invocando oposição com o decidido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de dezembro de 2015, proferido no processo n.º 773/14.

No seu douto parecer, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta contrapõe que não se configura a existência de qualquer contradição nesta parte, porque a decisão arbitral não se pronunciou quanto ao mérito. E acrescenta que nem tal preenche os requisitos para a admissibilidade do recurso.

Notificada do seu teor, a Recorrente veio dizer que no mérito da causa também estão abrangidas questões relacionadas com a caducidade e suas consequências, que é questão de direito material.

Cumpre decidir esta questão prévia (a de saber se é admissível o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral que tenha declarado a inutilidade superveniente da lide).

A esta questão respondemos negativamente.

Isto é, que não é admissível o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral que tenha declarado a inutilidade superveniente da lide.

Porque a lei só prevê a admissibilidade do recurso da decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida.

E porque a decisão que declara a inutilidade superveniente da lide não é uma decisão que conheça do mérito da pretensão deduzida.

Comecemos pelo fim: a decisão que declara a inutilidade superveniente da lide não toma conhecimento do mérito da pretensão deduzida porque, através dela, o tribunal se dispensa de o apreciar. Precisamente por julgar inútil fazê-lo.

Assim, o tribunal que julga inútil apreciar a caducidade do direito à liquidação por outro tribunal já ter anulado essa liquidação não confirma a decisão anterior que a anulou: abstém-se de apreciar o invocado direito à anulação.

Pelo que não vem ao caso discutir se as questões da caducidade do direito à liquidação, na medida em que contendam com a legalidade do exercício desse direito, dizem respeito ao mérito da pretensão à anulação dessas liquidações.

E não vem ao caso discutir se estas questões são «questões de direito material», designadamente por serem reguladas por normas do direito material tributário.

O que para o caso importa é o facto de a decisão arbitral recorrida não se ter chegado a pronunciar sobre essas questões. Por ter entendido que a pretensão da Requerida relativamente à parte correspondente do pedido já se encontrava satisfeita, na sequência da prolação de uma outra decisão.

De salientar que, ao insurgir-se contra o facto de não ter sido ordenada a restituição de tudo o que tiver sido prestado nessa parte e de a Administração não ter sido condenada no pagamento dos juros indemnizatórios, a Recorrente não se está a insurgir contra nenhuma decisão arbitral que tenha conhecido das consequências da caducidade do direito a liquidar: está a insurgir-se precisamente contra a decisão que se absteve de delas conhecer.

No fundo, o que a Recorrente pretende é que o Tribunal Arbitral decidiu mal ao julgar inútil a lide, nesta parte. Por entender que, afinal e ao contrário do que foi ali decidido, a sua pretensão não se encontra satisfeita.

Mas a ser assim, a Recorrente está a insurgir-se contra uma decisão formal, contrapondo-lhe que não estão reunidos os pressupostos de que depende a aplicação de uma norma do direito processual.

E as decisões formais não apreciam a causa material subjacente.

Analisemos, agora, a outra parte do que acima afirmamos: que a lei só prevê a admissibilidade do recurso da decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida.

É o que resulta expressis verbis da primeira parte do n.º 2 do artigo 25.º do RJAT.

Poderia contrapor-se que a decisão arbitral se pronunciou, afinal, sobre o mérito da pretensão deduzida, na parte relativa a outras liquidações.

E isso é verdade, mas deve entender-se que existem tantas pretensões quantos os pedidos de anulação e que há um pedido de anulação por cada liquidação impugnada.

Por outro lado, o objetivo do legislador não foi aqui apenas o de reconduzir a admissibilidade do recurso às decisões de mérito, mas também à parte dessas decisões que conhece do mérito.

Isto é, o que se pretendeu foi que o recurso de oposição de acórdãos se reconduzisse às questões de mérito, aqui reconduzidas a questões de direito substantivo.

Por se entender que só relativamente a estas questões se justificava o esforço uniformizador, viabilizado por esta modalidade de recurso.

De todo o exposto decorre que esta parte do recurso não deve ser admitida, logo por aqui.

A tal não obsta o facto de o recurso já ter sido admitido pelo relator. Não só por se tratar de uma decisão de admissão liminar, mas também porque a decisão respetiva do relator não vincula o coletivo.


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3. Questão prévia: da inadmissibilidade do recurso da decisão arbitral que reformou o decidido quanto a custas

Na parte final da decisão arbitral foram condenadas em custas a Requerida e a Requerente, na proporção do decaimento.

A Fazenda Pública reclamou do assim decidido dizendo, na essência, que não deu causa à ação, porque os atos revogados o foram dentro do prazo legal. E que nela obteve vencimento integral (atenta a total improcedência do pedido).

Sobre o reclamado incidiu o seguinte despacho arbitral: «aceite requerimento da Requerida (AT) sobre a reforma da decisão arbitral quanto às custas, que se defere integralmente, eliminando-se, assim, o lapso cometido. Consequentemente, reforma-se a conta de custas, devendo as mesmas, no montante de € 306,00, serem suportadas na totalidade pela Requerente».

É contra o assim decidido que se insurge a ora Recorrente na parte em que conclui [conclusões “K)” e “L)”] que o despacho de reforma da sentença quanto a custas está em contradição com o acórdão do TCAN de 26/03/2015, proferido no processo 01719/14.6BEPRT.

Ora, a decisão que se pronuncia sobre uma reclamação quanto a custas também não se pronuncia sobre o mérito da pretensão deduzida no processo arbitral.

Pronuncia-se sobre o mérito da decisão relativa a custas.

Na verdade, ao aludir ao mérito da pretensão deduzida no processo arbitral, o legislador não pretendeu senão reconduzir-se à pretensão de direito material afirmada no processo.

Ora, ao decidir da responsabilidade quanto a custas, o Tribunal Arbitral não se está a pronunciar sobre o mérito da pretensão de direito material arrogada no processo, mas a extrair as consequências do decidido a este propósito no plano nas custas.

Não se está a pronunciar sobre a relação material subjacente, mas a pronunciar-se sobre a relação tributária que se constitui no próprio processo.

Sempre se dirá que a questão que a Recorrente suscita a propósito das custas também não é uma questão material, mas uma questão formal.

Porque o que está ali em causa é a aplicação de um princípio de direito processual: o princípio do contraditório.

Pelo que também não está em causa o mérito dessa decisão. Está em causa apenas a forma de decidir.

Acresce que nem sequer está em causa alguma contradição explícita sobre o funcionamento deste princípio. A decisão arbitral nem sequer sobre ele se pronunciou.

O que está em causa é saber se decisão arbitral, ao decidir o que decidiu (e fosse qual fosse o seu entendimento) violou este princípio.

E das decisões arbitrais que violam o princípio do contraditório, nos termos em que se encontra estabelecido para o processo arbitral, não se recorre para o Supremo. Porque delas cabe pedido de impugnação, dirigido para o Tribunal Central Administrativo – artigo 28.º, n.º 1, alínea d), do RJAT.

De todo o exposto deriva que o recurso também não pode ser admitido, neste segmento.


◇◇◇


4. Dos fundamentos de facto

4.1. A decisão arbitral recorrida relevou e deu como provados os seguintes factos: «(...)

27.1. Em 23-11-2012, o prédio urbano inscrito na matriz predial respetiva da freguesia de S. Silvestre, sob o artigo …., em nome da Requerente, com o valor patrimonial tributário de € 2 673,31, foi avaliado nos termos do regime de avaliação geral da propriedade urbana constante dos artigos 15.º-A a 15-P, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, aditados pela Lei n.º60-A/2011, de 30/11.

27.2. Nesta avaliação, efetuada de conformidade com as regras constantes do Código do IMI, foi atribuído ao prédio em causa o valor patrimonial tributário de € 77 880,00 (vd. PA4)

27.3. Oportunamente notificada à Requerente, esta deduziu impugnação judicial junto do TAF Coimbra – Processo 827/13.3CBR.

27.4. Entretanto, em 29-07-2013, foi efetuada uma nova avaliação ao prédio em causa, para correção da anteriormente efetuada, sendo apurado o valor patrimonial tributário de € 48 860,00, oportunamente notificada à Requerente por via posta (vd. PA6).

27.5. Por sentença do TAF de Coimbra, proferida no processo acima identificado, e transitada em julgado 14-10-2014, foi revogado aquele ato de avaliação, pelo que o prédio em causa continuou inscrito na matriz com o valor patrimonial tributário de € 2 673,31, anteriormente constante da respetiva matriz

27.6. Em 11-04-2015 foi concluída a avaliação do mesmo prédio sendo fixado o valor patrimonial tributário de € 103 070,00 (PA7).

27.7. Notificada a Requerente, esta apresentou pedido de segunda avaliação, que viria a ser efetuada em 10-02-2016, atribuindo ao prédio em causa o valor patrimonial de € 102 910,00 (PA8).

27.8. Esta segunda avaliação foi objeto de impugnação judicial deduzida pela Requerente, em 15-04-02016 junto do TAF de Coimbra – Proc. 223/16.0BECBR.

27.9. Em 25-06-2018 transitou em julgado a sentença proferida na ação acima referida, a qual julgou procedente o pedido determinando, em consequência, a anulação do ato impugnado.

27.10. Em 05-02-2019 foi interposta ação de execução de Julgados para execução da sentença acima referida.

27.11. Anulada a avaliação, conforme decisão judicial, voltou a ser reposto na matriz predial respetiva o valor patrimonial tributário de €2 673,31.

27.12. Em 14-05-2019 foi concluída a avaliação, sendo atribuído ao prédio o valor patrimonial tributário de € 63 330,00. Esta avaliação foi notificada à Requerente por via postal, através de ofícios emitidos em 19-03-2019 sendo recebidos pela destinatária em 21-03-2019 (vd.PA9).

4.2. O segundo acórdão fundamento (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de janeiro de 2014, proferido no processo n.º 815/11) relevou a seguinte matéria de facto: «(...)

1. A Impugnante foi alvo de uma acção de inspecção interna baseada na análise formal e de coerência da Declaração de Rendimentos Modelo 22, do exercício de 2003.

Em resultado da referida análise, foram propostas diversas correcções que se traduziam num acréscimo global ao lucro tributável de (euro) 5.588.137,36, as quais foram notificadas à Impugnante, no Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, para efeitos de exercício do correspondente direito de audição prévia.

A Impugnante exerceu o direito de audição explicitando as razões pelas quais considerava indevidas as propostas de correcção propugnadas pela Administração Tributária.

A Administração Tributária não aceitou os argumentos invocados pela Impugnante relativamente às duas correcções, consubstanciadas no acto tributário que constitui o objecto exclusivo da presente impugnação judicial, e que se traduzem no acréscimo ao lucro tributável de 2003, nos seguintes montantes:

(a) (euro) 1.378.437,98, referente ao reforço da Provisão para Riscos Gerais de Crédito; e

(b) (euro) 4.177.445,80, relativo a Outras Perdas Extraordinárias, resultantes de um acto de infidelidade de um colaborador não aceites enquanto custo indispensável para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora da Impugnante.

Consequentemente, a Impugnante foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária, no qual se preconiza o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 2003, pelo valor total de (euro) 5.555.883,78, do qual resultou a liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios no valor global de (euro) 1.386.554,92.

A Impugnante apresentou, em 12 de Março de 2007, reclamação graciosa do acto de liquidação adicional em causa, solicitando a sua anulação. Em 15 de Março de 2007, a Impugnante apresentou um aditamento à referida reclamação graciosa, com vista a prestar esclarecimentos e juntar documentação adicional.

Na ausência de decisão expressa, dentro do prazo legal, por parte da Administração Tributária quanto ao procedimento tributário de reclamação graciosa, a Impugnante apresentou, no passado dia 12 de Outubro de 2007, recurso hierárquico do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa.

Não foi a Impugnante notificada de qualquer decisão relativa ao recurso hierárquico por si interposto.

2. A Impugnante procedeu, no exercício de 2003, ao reforço da provisão para riscos gerais de crédito, no montante de (euro) 1.378.437,98. Tal valor foi contabilizado na conta #7990 - Provisões do exercício - Para riscos gerais de crédito.

O que está em causa nesse "reforço da provisão para riscos gerais de crédito" é o resultado ou saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003.

3. A Impugnante identificou, no exercício de 2003, actos de infidelidade de um dos seus colaboradores que se traduziram no desvio, para benefício próprio, de montantes avultados de aplicações financeiras de clientes.

Em concreto, o colaborador da Impugnante procedeu à abertura de contas bancárias em nome de clientes, utilizou indevidamente elementos de identificação desses clientes e falsificou as respectivas assinaturas. Em seguida, o colaborador em causa procedeu a ordens de transferência em nome desses clientes para as referidas contas bancárias e dessas contas para o estrangeiro.

Em 18 de Outubro de 2003, a Impugnante apresentou queixa-crime contra o referido colaborador, submetendo o respectivo requerimento ao Departamento de Investigação Criminal da Polícia Judiciária de Ponta Delgada. Ao processo de inquérito, assim iniciado, foi atribuído o número de processo ……..

Tais actos, traduzidos em desvio de fundos das contas de clientes da Impugnante, ocorreram de Maio a Outubro de 2003, tendo afectado o exercício de 2003, e resultaram numa perda patrimonial de (euro) 4.177.445,80.

Perante tal constatação, a Impugnante reconheceu a perda patrimonial na sua esfera e, para cumprir com as obrigações creditícias decorrentes dos contratos de depósito bancário celebrados com os seus clientes, procedeu à reposição, nas respectivas contas, dos valores desviados pelo seu colaborador.

Por considerar que a perda patrimonial em apreço enquadrável como custo fiscal, a Impugnante procedeu à sua dedução no cômputo do lucro tributável do exercício de 2003. Em concreto, o valor da perda patrimonial foi registado como custo na conta #671927.

A Administração Tributária não aceitou a referida perda patrimonial como custo fiscal, tendo, em consequência, procedido ao respectivo acréscimo ao lucro tributável de 2003 e à emissão da respectiva liquidação adicional de imposto e juros compensatórios.

A Impugnante submeteu, em 31 de Dezembro de 2003, um pedido de informação vinculativa, sobre esta concreta situação tributária, ao abrigo do artigo 68.º da LGT.

A Impugnante foi notificada do Parecer n.º 107/06, emitido em 7 de Dezembro de 2006 pelo Centro de Estudos Fiscais, no qual se considera que as perdas motivadas por uma fraude não serão consideradas como custo fiscal, excepto se conduzirem a uma situação excepcional de impossibilidade ou extrema dificuldade de obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora, sendo que a perda patrimonial sofrida pela Impugnante não se mostra passível de ser aceite como custo fiscal do exercício de 2003».

4.3. O terceiro acórdão fundamento (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de setembro de 2012, proferido no processo n.º 659/12) relevou a seguinte matéria de facto: «(...)

a) O impugnante foi notificado da liquidação de IMI do ano de 2005, 1ª prestação, do prédio sito na freguesia de Ramalde/Porto, artigo ………, no montante de (euro) 9.409,67 com pagamento da 1ª prestação no mês de Abril de 2006, através do documento de cobrança n.º 2006 114532603 (cf. doc. de fls. 12 dos autos).

b) Naquela notificação constavam as seguintes informações:

(ver documento original)

c) Resulta da nota de liquidação que o valor patrimonial atribuído ao imóvel é de (euro) 1.176.210,31 (201.636.05 + 50.409,01 + 184.833,05 + 50.409,01 + 504.090,14 + 184.833,05 = 1.176.210,31) (cf. fls. 12 dos autos).

d) Por não se conformar com a liquidação realizada em relação ao mesmo imóvel, já no ano de 2003, havia deduzido reclamação graciosa mas não obteve resposta, o mesmo acontecendo para o ano de 2004 (cf. fls. 13 e 14 dos aos autos).

e) A presente impugnação foi deduzida em 27/07/2006 (cf. doc. de fls. 2 dos autos).».


◇◇◇

5. Dos fundamentos de Direito

5.1. Face ao teor dos pontos 2 e 3 supra, o recurso prossegue apenas para verificar se há oposição entre a decisão arbitral recorrida e dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, tirados nos processos 815/11 e 659/12.

5.2. Como se sabe, a apreciação o mérito dos recursos com fundamento em oposição de julgados depende de um conjunto de pressupostos substantivos.

Que, no essencial se destinam a confirmar que a questão suscitada nas duas decisões (a decisão recorrida e a decisão fundamento) é substancialmente idêntica e que a resposta que neles foi dada a essa questão é diversa e contraditória.

Ou seja, identidade substancial da questão suscitada e decisão contraditória quanto a essa questão.

A Recorrente entende que há identidade entre a questão suscitada na decisão arbitral recorrida e no acórdão tirado no processo n.º 815/11, porque considera que em ambos se discutiu a questão fundamental de saber se «…pode ser decidida uma questão de direito que não alicerce em matéria de facto previamente considerada provada» [ver a pág. 2 das doutas alegações de recurso e a alínea “G)” das conclusões].

Admite-se, em tese, que a questão de saber em que circunstâncias podem ser subsumidos os factos fixados a uma norma jurídica possa gerar – ela própria – uma questão de direito controvertida, sobre a qual possam ser tomadas posições expressas antagónicas em diferentes decisões.

Mas tem que ser uma questão sobre a qual, depois de devidamente identificada, tenha sido tomada posição expressa nas diferentes decisões.

Ora, essa questão nunca foi suscitada na decisão arbitral recorrida. Em parte alguma o Senhor Árbitro se debateu com ela ou, pelo menos, sobre ela tomou posição expressa. Nem a Recorrente indica nenhuma passagem do aresto da qual possa ser extraída alguma posição jurídica sobre tal tema.

O que sucede é que a Recorrente entende que o Tribunal Arbitral concluiu o que não podia concluir (qualquer que fosse o entendimento que professasse sobre a matéria), por não ter matéria de facto suficiente para o concluir.

Ou seja, a Recorrente entende que o Tribunal Arbitral concluiu que a Administração Tributária já lhe pagou (restituiu) o imposto liquidado a mais (conclusão de facto), sem ter elementos (de facto) para o concluir (erro no julgamento de facto).

Pelo que a Recorrente não opõe à decisão arbitral recorrida a oposição de entendimentos sobre alguma questão fundamental de direito: aponta-lhe o erro no julgamento da matéria de facto.

E o erro no julgamento de facto não constitui fundamento do recurso para uniformização de jurisprudência.

Sempre se dirá que aquela questão também não foi suscitada no acórdão fundamento. As questões identificadas no acórdão fundamento e que foram ali problematizadas eram as de saber se determinados custos eram dedutíveis para efeitos de IRC (questões que não têm paralelismo algum com as da decisão arbitral).

O que sucede é que o acórdão fundamento concluiu também que não tinha elementos para decidir a questão da dedutibilidade de determinado custo e anulou a decisão ali recorrida.

Sendo que esse segmento da decisão nunca poderia estar em oposição com nenhuma outra, porque o Supremo Tribunal Administrativo só ali concluiu pela insuficiência da matéria de facto naquele caso concreto.

De todo o exposto resulta que as questões de direito dirimidas nos dois arestos não são idênticas e que, por isso, o recurso não pode prosseguir nesta parte.

5.3. Passemos ao outro caso.

A Recorrente entende que há identidade entre a questão suscitada na decisão arbitral recorrida e no acórdão tirado no processo n.º 0659/12, porque considera que em ambos se discutiu a questão fundamental de saber se se pode «…aceitar como fundamentado um acto tributário que se baseie em actualizações do VPT, que não foram notificadas à ora recorrente, com a sua fundamentação» [ver a pág. 3 das doutas alegações de recurso e a alínea “J)” das conclusões].

A título introdutório, deve assinalar-se que no acórdão fundamento se discutiu a questão fundamental de direito de saber se a fundamentação do ato tributário de liquidação do IMI deve sempre conter as razões da fixação da matéria tributável, apesar de o artigo 119.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis não lhes fazer alusão.

Tendo-se ali concluído que sim, mas apenas no caso de o sujeito passivo não ter sido anteriormente notificado da operação de avaliação (com indicação dessas razões, naturalmente), recaindo sobre a Administração o ónus da falta de prova de que essa notificação foi efetuada, quanto tiver sido chamada a fazer a sua demonstração.

Já na decisão arbitral recorrida essa questão não se colocava. Em primeiro lugar, porque o processo administrativo demonstrava que a segunda avaliação tinha sido notificada à Requerente em 21.03.2019 (ponto 4.2. da decisão); em segundo lugar, porque tinha sido a própria Requerente a demonstrar perfeito conhecimento do teor da avaliação, ao reagir administrativa e contenciosamente contra este ato (seu ponto 41.).

Não há dúvida por isso, que os dois arestos responderam a situações de facto muito distintas, nesta parte: o acórdão fundamento, a uma situação em que não se logrou saber se sujeito passivo tinha sido anteriormente notificado da operação de avaliação; a decisão arbitral, a uma situação em que se logrou fazer essa prova nos autos.

Ou seja, as situações de facto não são idênticas, pelo que não pode haver oposição nesta parte.

Pelo que a Recorrente só pode estar a referir-se a um outro segmento da decisão, que diz respeito à atualização periódica a que alude o artigo 138.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (ver o ponto 43. da decisão arbitral recorrida).

Ou seja, no seu entendimento, as duas decisões opõem-se quanto à questão de saber se a atualização periódica do VPT assenta num ato administrativo em matéria tributária que deva ser devidamente fundamentado e se o teor dessa fundamentação deve ser oportunamente comunicado ao sujeito passivo.

E opõem-se porque, na decisão arbitral recorrida, foi entendido que esse valor é atualizado «automaticamente» e no acórdão fundamento foi decidido que a fundamentação do ato de fixação do VPT deve ser notificada ao sujeito passivo ainda que «resulte de atualização».

Deve, porém, sublinhar-se desde já que, ao aludir a atualização do VPT, o acórdão fundamento não tinha em vista a atualização periódica a que alude o artigo 138.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, mas o regime transitório de atualização que resulta do disposto no Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de dezembro.

Tendo-se ali concluído que o ato de atualização respetivo tinha que estar fundamentado e que essa fundamentação deveria ser comunicada ao sujeito passivo, não só porque na operação respetiva intervém diversos fatores de avaliação, mas também porque a própria lei transitória prevê a reclamação do resultado dessas atualizações (artigo 20.º do referido Decreto-Lei).

Deriva do exposto que o acórdão fundamento nunca foi chamado a interpretar o artigo 138.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis nem a responder à questão que, nessa parte, foi colocada na decisão arbitral recorrida.

Pelo que nunca poderia haver oposição entre as decisões, quanto a essa questão.

Pelo que – também nesta parte – não estão reunidos os pressupostos da admissibilidade do recurso.

Razão porque se decide não tomar conhecimento do mesmo.


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6. Conclusões

6.1. Constitui pressuposto específico da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência a que aludem o artigo 25.º, n.º 2 do RJAT e 152.º do CPTA, que o mesmo incida sobre a decisão arbitral que se pronuncia sobre o mérito da pretensão deduzida;

6.2. Não se pronuncia sobre o mérito da pretensão deduzida a decisão arbitral que se abstém de conhecer da ilegalidade de liquidações de IMI por inutilidade superveniente da lide respetiva;

6.3. Não se pronuncia sobre o mérito da pretensão deduzida a decisão arbitral quanto a custas;

6.4. Constitui pressuposto do conhecimento do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência a que aludem o artigo 25.º, n.º 2 do RJAT e 152.º do CPTA que a decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou acórdão do Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo;

6.5. Não há oposição entre decisões sobre alguma questão fundamental de direito se o que está subjacente ao recurso da decisão recorrida é o erro no julgamento da matéria de facto.

6.6. Também não há oposição entre as decisões se o acórdão recorrido respondeu à questão da falta de fundamentação da operação de atualização periódica do VPT a que alude o artigo 138.º e o acórdão fundamento respondeu à questão da falta de fundamentação da atualização do VPT prevista no regime transitório regulado no Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de dezembro.


◇◇◇

7. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:

a) Não admitir o recurso na parte relativa às liquidações dos anos de 2012 a 2014, bem como na parte relativa às custas (pontos 2 e 3 supra);

b) Não tomar conhecimento do mérito do recurso, na parte restante.

Custas pela RECORRENTE.

Registe, notifique e comunique ao CAAD.

Lisboa, 26 de janeiro de 2022. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.