Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02620/12.1BEPRT
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:MÚTUO
JUROS
RETENÇÃO NA FONTE
Sumário:I - De acordo com o n.º 6 do artigo 88.º do CIRC, «[A] obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos».
II - Do disposto no artigo 7.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. a), 1) do CIRS resulta que o momento a partir do qual os rendimentos de mútuos – ou seja, os juros – ficam sujeitos a tributação é do vencimento na data estipulada.
III - Num contrato em que se prevê expressamente que os juros são calculados anualmente, mas apenas liquidados e pagos no fim do prazo, conjuntamente com o reembolso do capital, deve entender-se que a liquidação do imposto apenas tem lugar nesse momento, pelo que é também aí quando o substituto fica obrigado a realizar a retenção na fonte.
Nº Convencional:JSTA000P26786
Nº do Documento:SA22020111802620/12
Data de Entrada:07/15/2019
Recorrente:A........
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A………….. Lda., vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto, de 31 de Março de 2019, que julgou improcedente a impugnação judicial, por si intentada, contra a liquidação de retenção na fonte de IRC n.º 2012 64200000635, no valor de 16.145,233€, e a liquidação de juros compensatórios n.º 2012 6420000635, no valor de 2.165,67€, ambas referentes ao exercício de 2008, tendo apresentado, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
I - O reconhecimento contabilístico dos juros, o qual foi efetuado pela Recorrente de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, não se pode confundir com o momento do seu vencimento;
II - O vencimento dos juros aqui em apreço, tal como previsto no segundo parágrafo da cláusula terceira do contrato de empréstimo aqui subjacente, só viria a ocorrer em 31 de dezembro de 2016;
III - O Tribunal a quo confundiu a estipulação do modo de cálculo dos juros, para o qual o dia 31 de dezembro de cada ano tem relevância, com a estipulação da data de vencimento dos mesmos, que ficou expressamente acordada como sendo 31 de dezembro de 2016;
IV - O Tribunal a quo desvirtuou o sentido e alcance que o legislador pretendeu fixar relativamente ao momento em que os juros ficam sujeitos a retenção na fonte;
V - A intenção do legislador com o uso do termo “vencimento”, relativamente à retenção na fonte de rendimentos resultantes de juros, é precisamente fazer coincidir o momento da tributação com o momento a partir do qual o credor adquire o direito a exigir do devedor o cumprimento da obrigação;
VI - A interpretação da Lei tem de respeitar as regras previstas no artigo 9° do Código Civil, tendo sobretudo em consideração da unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a Lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada;
VII - Nesta medida, a interpretação do Tribunal a quo das normas aqui em causa, nomeadamente da alínea a) do n.º 3 e dos ns.° 1 e 2 do artigo 7° do Código do IRS, ex vi n.° 6 do artigo 94° do Código do IRC, não deverá proceder;
VIII - As conclusões do Tribunal a quo relativas à liquidação de juros compensatórios não deverão proceder pois, demonstrado o não retardamento da liquidação aqui em causa, aqueles não são devidos;
IX - Assim, a Recorrente entende que o Tribunal a quo fez, no caso em apreço, uma interpretação e aplicação indevida da alínea a) do n.º 3 e dos ns.° 1 e 2 do artigo 7º do Código do IRS, ex vi n.º 6 do artigo 94° do Código do IRC;
X - Consequentemente, a Recorrente considera que o momento do vencimento dos juros não ocorre com o momento da sua relevação contabilística, mas sim no prazo de cumprimento da obrigação de pagamento dos mesmos, o qual foi expressamente estipulado pelas partes do contrato de empréstimo;
XI - Deste modo, podemos concluir que o presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo e, consequentemente, a impugnação judicial apresentada pela Recorrente deve ser julgada procedente, com todas as consequências legais.
Pedido:
Nestes termos e nos demais que Vs. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo e, consequentemente, a impugnação judicial apresentada pela Recorrente deve ser julgada procedente, com todas as consequências legais. Pois, só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!.

2. Não foram produzidas contra-alegações.

3. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado procedente.

II – Fundamentação


1. Dos factos
A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade concreta:
1) Em 15.10.2006 foi outorgado contrato entre B………….. em representação de ……… Europa SL como primeiro outorgante e C………… em representação de A…………, Lda. de onde decorre o seguinte: “(...) Terceira - O capital disposto vencerão juros que se calcularão em conformidade com +índice EURIBOR a um ano com data de 31 de Dezembro, pelo que, a revisão dos juros a aplicar far-se-á com base anual, coincidindo com o final do ano do exercício, nomeadamente a 31 de Dezembro de cada ano correspondente. A liquidação dos juros realizar-se-á sempre ao dia 31 de Dezembro de 2016, salvo cancelamento antecipado total que nesse caso se liquidará nesse momento (...)”- cfr. fls. 55 a 59 do processo físico.
2) No cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201103524, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto efectuaram procedimento inspectivo a A…………, Lda., de âmbito geral, com incidência no exercício de 2008, tendo resultado correcções meramente aritméticas à matéria tributável no montante de €1.270.889,99 e apurado falta de retenção na fonte no montante de €16.145,23 - cfr. fls. 9 a 18 do processo administrativo (PA) junto aos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) Na sequência do procedimento inspectivo a que se alude em 2) foi emitida a liquidação de retenção na fonte de IRC n.º 2012 64200000635 no montante de €16.145,233 e a liquidação de juros compensatórios n.º 2012 6420000635 no montante de €2.165,67 - cfr. fls. 20 do PA junto aos autos.
Factos não provados
Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos.»


2. Questões a decidir
A questão que está subjacente ao presente recurso é a de saber se a sentença do TAF do Porto incorreu em erro de julgamento ao considerar que a obrigação de o substituto reter na fonte o imposto correspondente ao rendimento dos juros deve realizar-se anualmente e não apenas na data convencionada no contrato de mútuo para a restituição do capital e o pagamento da globalidade dos juros.

3. De direito
3.1. Está em causa a tributação, em regime de substituição tributária total, por retenção na fonte a título definitivo (ex vi dos artigos 20.º e 34.º da LGT), dos rendimentos de juros de um contrato de mútuo celebrado em 2006 entre a Impugnante e aqui Recorrente e uma empresa com sede em Espanha.
Segundo o estipulado no contrato, os juros vencer-se-iam apenas no dia 31 de Dezembro de 2016, sem prejuízo de o respectivo montante anual ser determinado em função do valor da taxa EURIBOR a um ano no dia 31 de Dezembro de cada ano – ponto 1 da matéria de facto.
Na interpretação que fizeram desta cláusula contratual, os Serviços da AT, no âmbito da inspecção tributária que levaram a efeito em 2008, consideraram que da mesma resultava um “vencimento anual dos juros” e que apenas o respectivo pagamento teria sido diferido para a data fixada no contrato (lembre-se, 31 de Dezembro de 2016). Nesse seguimento, consideraram também que o Impugnante deveria ter efectuado a retenção na fonte do imposto sobre aquele rendimento e procedido à sua entrega ao Estado, razão pela qual procederam à liquidação adicional do que consideraram ser o imposto em falta e os respectivos juros compensatórios.
Esta tese seria também corroborada pelo TAF do Porto. Mas sem razão.

3.2. Com efeito, de acordo com o n.º 6 do artigo 88.º do CIRC “[A] obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou em legislação complementar”.
Assim, aplica-se neste caso o disposto no artigo 7.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. a), 1) do CIRS, de onde resulta que o momento a partir do qual os rendimentos de mútuos – ou seja, os juros – ficam sujeitos a tributação é do vencimento na data estipuladain casu a data estipulada era 31 de Dezembro de 2016 – e na ausência dessa estipulação (o que não é o caso aqui), na data do reembolso do capital (que neste caso coincide com data do vencimento dos juros).

3.3. A AT interpretou mal a cláusula respeitante à fixação da taxa – essa sim calculada todos os anos a 31 de Dezembro – confundindo a regra sobre a respectiva determinação com a data do vencimento dos juros, que, nos termos contratualizados, apenas tem lugar a 31 de Dezembro de 2016, juntamente com o reembolso do capital. De resto, o teor da cláusula terceira do contrato, que consta do ponto 1 da matéria de facto provada, é inequívoco quanto ao facto de a liquidação (e não apenas o pagamento) dos juros apenas ter lugar no dia 31 de Dezembro de 2016. Nesta conformidade, apenas nessa data – ou seja, em 31 de Dezembro de 2016 – teria igualmente lugar a retenção na fonte a título de liquidação em substituição. Errou, por isso, o TAF do Porto na interpretação que fez das cláusulas do contrato e, consequentemente, na decisão judicial, seja quanto à determinação do momento da liquidação dos juros, seja, consequentemente, quanto à questão de serem devidos juros compensatórios.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial, anulando as liquidações de IRC e de juros compensatórios impugnadas nos presentes autos.


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Custas pela Recorrida [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário] em ambas as instâncias.
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Lisboa, 18 de Novembro de 2020. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes