Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01113/12
Data do Acordão:02/05/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
ÓNUS DE PROVA
FALTA
FUNDAMENTOS
DECISÃO
Sumário:I - Relativamente às dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo a Lei Geral Tributária (alínea b), n º 1, do artigo 24º) faz incidir sobre o gerente ou o administrador o ónus de provar que a falta de pagamento das dívidas tributárias pela sociedade não lhe é imputável.
II - Para impugnar eficazmente, em recurso jurisdicional, a decisão em que se entendeu que perante os elementos de facto “é de concluir que a ruptura financeira não foi devida a gerência negligente” de molde a imputar aos oponentes “a responsabilidade pelas dívidas em questão na execução fiscal” a entidade recorrente haveria de atacar a sentença quanto a este fundamento o qual, por si só, justifica a decisão que julgou procedente a oposição, com a consequente extinção da execução.
III - Se não o faz, como não fez, não pode o tribunal de recurso alterar aquela decisão quanto ao nela decidido sobre tal matéria.
Nº Convencional:JSTA000P17004
Nº do Documento:SA22014020501113
Data de Entrada:10/23/2012
Recorrente:INST DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, IP DE CASTELO BRANCO
Recorrido 1:B... E MARIDO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a oposição à execução fiscal originariamente instaurada à sociedade A……………., Lda, e posteriormente revertida contra os sócios gerentes B………… e C………………, melhor identificados nos autos, por dividas de contribuições e cotizações à segurança social referentes a alguns meses de 2006 e 2007, no valor global de € 2.316,06.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I - O presente recurso visa reagir contra a douta sentença que considerou procedente a oposição deduzida pelos executados B……….. e C……….. nos processos de execução fiscal, aqui, em causa, que contra os mesmos reverteu, depois de originariamente instaurados contra a sociedade A…………….., Lda.
II - A sentença recorrida não pode proceder porque julgou em erro de Direito.
III - A sentença recorrida violou a aplicação do regime de responsabilidade subsidiária previsto no artigo 24º, nº 1, alínea a) da Lei Geral Tributaria, por errada interpretação dos pressupostos necessários à reversão.
IV — Não tendo sido posto em causa, como não foi, o exercício da gerência pelos oponentes, aqui, recorridos como, também, não se tendo questionado que os montantes em causa deviam ter sido pagos durante o período da sua gerência, a responsabilidade dos oponentes cai logo na al. b) do nº 1 do artigo 24 da Lei Geral Tributária e não na al. a) do nº 1 do citado artigo 24º da LGT, como se decidiu na douta sentença recorrida.
V - A situação em causa nos autos enquadra-se na previsão da al. a) do nº 1 do art. 24º da Lei Geral Tributário e não na al. b) do nº 1 do citado artigo, como se decidiu.
VI - E, desta forma, cabia aos oponentes nos termos do alínea b) do referido artigo, provar que a falta de pagamento não lhes era imputável.
VII - Esta a alínea B) do citado artigo 24º da LGT estabelece uma presunção legal de culpa do gestor.
VIII - E, para se afastar a responsabilidade subsidiária por dividas de impostos cujo o prazo legal de pagamento termine durante a gestão, o gestor tem que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos, designadamente, através de documentos contabilísticos, e que a falta de capacidade financeira não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser imputada.
IV - Não cabia à Administração tributária (IGFSS,IP) demonstrar a culpa efetiva dos gerentes, aqui, em causa oponentes, na insuficiência do patrimonial da devedora principal.
X - Pelo que, salvo melhor opinião e sempre com o devido respeito, a sentença proferida pela Mui Juiz “a quo” viola o disposto, no artigo 24° da LGT e a manter — se revela uma inadequada interpretação e aplicação do disposto no citado preceito

2 – Os recorridos não apresentaram contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu o douto parecer, com a seguinte fundamentação:
«O recorrente acima identificado vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, exarada a fls. 89/92, em 30 de Maio de 2012.
A sentença recorrida julgou procedente oposição deduzida contra a execução fiscal, por reversão, que tem por escopo a cobrança coerciva de quantias relativas a contribuições e quotizações para a segurança social, dos anos de 2006 e 2007, no entendimento de que, nos termos do artigo 24.°/1/a) do CPPT, o exequente não logrou demonstrar que foi por culpa dos recorridos que o património da devedora originária se tornou insuficiente para satisfação da dívida exequenda, antes pelo contrário, pela factualidade apurada será de concluir que não foi por culpa dos recorridos que tal património se tornou insuficiente.
O recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 123/124, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684.°/3 e 685.°-A/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
Não houve contra-alegações.
O STA é competente para conhecer dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1ª instância se estiver apenas em causa matéria de direito, conforme estatuído nos artigos 26.°/b) e 38°/a) do ETAF e 280.°/1 do CPPT.
Ora, salvo melhor juízo, o presente recurso jurisdicional não se funda, exclusivamente, em matéria de direito pelo que se verifica a excepção de incompetência do Tribunal, em razão da hierarquia., que merece imediata e prioritária apreciação, nos termos do disposto no artigo 13.° do CPTA e 16.°/2 do CPPT.
Como refere o ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, I volume, página 224), “A jurisprudência tradicional do STA quanto à delimitação da sua competência em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos vinha sendo no sentido de ser a efectuada com base nos fundamentos do recurso, devendo entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso (art. 684°, n.º 3, do CPC), o recorrente pede a alteração da matéria de fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa.”
“Mais recentemente o STA, por razões pragmáticas, passou a adoptar o entendimento de que, perante as conclusões das alegações de recurso que não estejam suportadas em factos estabelecidos no probatório fixado na sentença recorrida, haverá que ponderar se tais conclusões se traduzem efectivamente em novos factos que contrariam os fixados ou em novas ilações de facto deles retiradas (caso em que se verifica excepção dilatória de incompetência do STA para conhecimento do recurso) ou se, pelo contrário, estão em causa factos, em abstracto, irrelevantes para a decisão da questão decidenda ou meras ilações jurídicas retiradas dos factos fixados, caso, em que o STA será ainda competente para conhecer do recurso” (obra citada, pagina 226
Ora, o recorrente, como fundamento, da sua pretensão invoca que a responsabilidade subsidiária em análise não é de enquadrar na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.° da LGT, mas sim na sua alínea b), conclusão com a qual, aliás, concordamos.
Todavia, na conclusão VIII das sua alegações, o recorrente refere que os recorridos não demonstram que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos, nomeadamente através de documentos contabilísticos e que a falta de capacidade financeira não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser assacada.
Ora, estas ilações de facto parecem contrariar as ilações de facto retiradas pela sentença recorrida, quando a fls. 92 refere que a factualidade apurada justifica “o descontrole financeiro em que a sociedade entrou e as dificuldades de liquidez de tesouraria para fazer face a todos os encargos que a sociedade detinha” e que “a ruptura financeira não foi devida a gerência negligente de molde a ser-lhes imputada a responsabilidade pelas dívidas em questão na execução fiscal.”
Este STA é, pois, incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, sendo competente para o efeito o TCAS.
O recorrente poderá requerer a remessa do processo ao Tribunal competente, nos termos do estatuído no artigo 18.°/2 do CPPT.
Se assim não se entender, então, parece-nos que o recurso merece provimento.
De facto, como refere o recorrente, a sentença recorrida fez um incorrecto enquadramento da responsabilidade subsidiária dos recorridos na aliena a) do n.º 1 do artigo 24.° da LGT.
Na verdade, como resulta do probatório e do despacho de reversão a situação enquadra-se na alínea b) do mencionado artigo.
De facto, nos termos da referida alínea os gestores são responsáveis pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Ora, no caso em análise não se discute a gerência de facto da devedora originária por parte dos recorridos nem que o prazo legal de pagamento terminou no período de exercício do cargo.
O que se discute é se os recorridos provaram que não lhes é imputável a falta de pagamento da dívida.
Como muito bem refere o recorrente, os recorridos tinham o ónus de demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar a dívida exequenda, o que poderiam fazer, nomeadamente, através de documentos contabilísticos.
“O fundamento da falta de culpa no não pagamento das obrigações tributárias que o gerente tem de provar é a insuficiência dos recursos que administre para o efeito, sem prejuízo de a administração fiscal poder provar que essa insuficiência do património se deve ao próprio responsável subsidiário, caso em que se mantém a responsabilidade subsidiária (Lei Geral Tributária, anotada, António Lima Guerreiro, página 143).
A factualidade apurada, a saber, as dívidas não pagas de dois clientes da devedora originária, nos montantes de € 78.000,00 e de € 22.243,00, no Natal de 2005 e Abril de 2005, bem como o furto do camião-frigorífico em 7 de Agosto de 2006, em nosso entendimento, não permite concluir, só por si, que a devedora originária não tinha fundos, na altura do vencimento da dívida, para pagar a obrigação exequenda de € 2.316,04 e acrescido
Termos em que deve ser julgada verificada a excepção de incompetência deste STA, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, por ser competente para o efeito o TCAS, ou caso assim se não entenda, ser dado provimento ao recurso, revogar-se a decisão recorrida e julgar improcedente a oposição.»

4 – Em cumprimento do despacho a fls. 138 dos autos, foram notificadas as partes para se pronunciarem, querendo, sobre a questão da incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal suscitada no parecer do Ministério Publico,

Ao que a recorrente veio manifestar o seu desacordo (fls. 142 e segs.) sustentando que quando se refere na conclusão VIII das suas alegações que «para se afastar a responsabilidade subsidiária por dividas de impostos cujo o prazo legal de pagamento termine durante a gestão, o gestor tem que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos, designadamente, através de documentos contabilísticos, e que a falta de capacidade financeira não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser imputada» não está afirmar, ao contrário do que sustenta o Ministério Público, que os recorridos não demonstraram que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos ou que a falta de capacidade financeira não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser imputada.
Em suma sustenta que os factos alegados na conclusão VIII têm que ser interpretados no contexto global das conclusões da recorrente, designadamente das conclusões IV, VI e VII, conclusões estas em que apenas se quis demonstrar que a sentença recorrida errou na aplicação do regime de responsabilidade subsidiária previsto no artº 24º da Lei Geral Tributária ao considerar que a situação em causa se enquadra na alínea a) deste preceito e não na alínea b).
Concluindo que não se verifica a invocada incompetência em razão da hierarquia.

5 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

6- Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:
«Foi instaurada execução fiscal, pelo IGFSS, contra a sociedade comercial «A……………., Ldª», por dividas provenientes de:
- cotizações dos meses de Setembro a Dezembro de 2006;
- contribuições dos meses de Setembro a Dezembro de 2006;
- cotizações dos meses de Janeiro a Março de 2007;
- contribuições dos meses de Janeiro a Março de 2007, Perfazendo o montante total de 2.316,04€, incluindo juros.
A sociedade foi citada para a execução e para efectuar o pagamento da quantia exequenda, não o tendo efectuado.
Das diligências levadas a cabo apurou o exequente que à devedora não eram conhecidos bens móveis ou imóveis suficientes para satisfação da quantia exequenda. Foram então os autos de execução preparados para a reversão contra os seus gerentes.
Das informações recolhidas junto da Conservatória do Registo Comercial verificaram que eram sócios e gerentes da sociedade em questão, desde Fevereiro de 1999 até essa data os aqui oponentes.
Foram ambos notificados para exercício de audição prévia relativamente à reversão enquanto responsáveis solidários da executada originária.
A autora exerceu tal direito, afastando a sua responsabilidade e apresentando documentos nesse sentido.
Veio a ser proferido despacho de reversão contra ambos os sócios e gerentes, aqui oponentes, os quais foram citados em 23/01/2009.
Em 23/02/2009 apresentaram a petição inicial que deu origem aos presentes autos. O objecto da sociedade era a comercialização de carnes frescas. Laboravam num estabelecimento/talho sito em Castelo Branco e faziam entregas a clientes fora deste. Os oponentes trabalhavam na actividade da sociedade devedora originária.
A sociedade comercial “D………….., Lda” era a principal cliente da devedora originária, tendo-lhe fornecido pelo natal do ano de 2005 uma volumosa quantidade de carne.
Como esta entrou em ruptura financeira ficou a dever desde então à sociedade executada a quantia de 78.000,00 euros, reconhecidas em documentos de assunção de dívida quer pela própria sociedade cliente quer por um dos seus sócios.
A cobrança deste montante não se mostrou possível.
Também E……………….. e mulher, proprietários à altura de um restaurante sito em Castelo Branco, ficaram, em Abril de 2005, a dever o valor de 22.243,00 euros de fornecimentos de carne, dívida que reconheceram mas nunca satisfizeram.
Em 07/08/2006 desconhecidos furtaram o veículo — camião-frigorifico — propriedade da sociedade executada com a qual procedia às entregas e que foi avaliado na altura em 25.000,00 euros.
Os autores efectuaram pagamentos de contribuições ao ISS, enquanto trabalhadores independentes, relativamente aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2007. Os oponentes trabalhavam no talho da sociedade executada diariamente.
O estabelecimento veio a encerrar após os acontecimentos de 2006.»

7. Do objecto do recurso:

7.1 Questão prévia da incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia.
Importa a título prévio decidir da competência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal para conhecer do presente recurso, questão essa suscitada no parecer do Ministério Público fls. 135 s segs. dos autos.
A competência em razão da hierarquia integra pressuposto processual relativo ao Tribunal, constituindo requisito de interesse e ordem pública, devendo, por isso mesmo, o seu conhecimento preceder o de qualquer outra matéria – cf. artigos 16º n.º 1 e 2 do CPPT e 13º do CPTA.
Ora, de harmonia com o disposto nos artigos 26º al. b) e 38º al. a) do novo ETAF e 280º n.º 1 do CPPT-, à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo compete apenas conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com exclusivo fundamento em matéria de direito,
Sendo que aos Tribunais Centrais Administrativos compete, por sua vez conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com excepção dos referidos na alínea b) do n.º 1, do citado art. 26.º do referido Estatuto.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender que na delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à do Tribunal Central Administrativo deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses, factos para o julgamento da causa.

Alega o Exmº Procurador-Geral Adjunto que na conclusão VIII das suas alegações, a recorrente afirma que os recorridos não demonstram que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos, nomeadamente através de documentos contabilísticos e que a falta de capacidade financeira não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser assacada.
E conclui que estas ilações de facto parecem contrariar as ilações de facto retiradas pela sentença recorrida quando a fls. 92 refere que a factualidade apurada justifica “o descontrole financeiro em que a sociedade entrou e as dificuldades de liquidez de tesouraria para fazer face a todos os encargos que a sociedade detinha” e que “a ruptura financeira não foi devida a gerência negligente de molde a ser-lhes imputada a responsabilidade pelas dívidas em questão na execução fiscal.”
Não cremos, no entanto, que lhe assista razão.
Como é sabido é pelas conclusões que se determina o objecto do recurso. As conclusões devem sumariar as questões suscitadas pelo recorrente na respectiva motivação. Devem ser assim uma exposição sintetizada dos fundamentos por que se pede a alteração do recorrido.
No caso subjudice, e tanto quanto se apura das referidas conclusões, a questão trazida pela recorrente à apreciação deste Tribunal é a de saber se padece de erro de julgamento a sentença recorrida ao aplicar o regime de responsabilidade subsidiária previsto no artº 24º da Lei Geral Tributária e ao considerar que a situação em causa se enquadra na alínea a) deste preceito e não na alínea b).
Tem razão a recorrente quando sustenta que não se verifica a suscitada incompetência em razão da hierarquia.

Com efeito a entidade recorrente não põe em causa a matéria de facto nem invoca factos novos ou que contrariem o probatório nas conclusões das suas alegações, nomeadamente na referida conclusão VIII e na conclusão seguinte (estranhamente designada por “IV”).
A recorrente limita-se ali a dizer que não cabia à Administração Tributária demonstrar a culpa efectiva dos gerentes na insuficiência patrimonial da devedora principal e que cabia aos oponentes provar que a falta de pagamento não lhes era imputável, afirmação essa que contextualiza na perspectiva da sua tese que é a de que a sentença recorrida errou na aplicação do regime de responsabilidade subsidiária previsto no artº 24º da Lei Geral Tributária ao considerar que a situação em causa se enquadra na previsão da alínea a) deste preceito e não na alínea b).
O recurso tem assim por fundamento exclusivo matéria de direito, pelo que improcede a questão prévia suscitada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, sendo este Supremo Tribunal Administrativo competente, em razão da hierarquia, para dele conhecer .

7.2. Improcedendo a questão prévia suscitada, haverá então que conhecer da questão objecto do recurso que é a de saber se incorre em erro de julgamento a sentença recorrida ao fazer o enquadramento da responsabilidade subsidiária dos recorridos na al. a) do artº 24º da Lei Geral Tributária.
A sentença recorrida, ponderando o disposto no artº 24º, al. a) da Lei Geral Tributária Assim, considerou que, tendo os oponentes invocado a sua ausência de culpa na insuficiência do património da devedora originária para pagamento das dívidas tributárias, lhes incumbia a alegação e prova dos factos consubstanciadores da mesma, sendo que, por outro lado cabia ao IGFSS demonstrar que tal culpa tinha lugar.
E considerando a matéria de facto levada ao probatório, concluiu que a ruptura financeira não foi devida gerência negligente dos recorridos de molde a ser-lhes imputada a responsabilidade pelas dívidas em questão na execução fiscal, julgando procedente o invocado fundamento da oposição.

Não conformada com tal decisão sustenta entidade recorrente que face à matéria de facto dada como provada, onde não se discute a gerência de facto, nem sendo questionado que os montantes em causa deviam ter sido pagos durante o período da sua gerência, a responsabilidade dos oponentes “cai logo na al. b) do nº 1 do artº 24º da Lei Geral Tributária e não na al. b) do nº 1 do citado artigo 24º”
Prosseguindo no seu discurso argumenta que, atento o disposto naquela alínea b) do artigo 24º, para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo legal de pagamento termine durante a gestão, o gestor tem que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos, designadamente, através de documentos contabilísticos, e que a falta de capacidade financeira não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser imputada.
Sendo que não é à Administração Tributária que cabe demonstrar a culpa efectiva dos gerentes na insuficiência patrimonial da devedora principal como considerou a recorrida.

Vejamos pois.

De harmonia com o disposto no artº 24º, nº 1 da Lei Geral Tributária os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Como foi sublinhado no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23.06.2010, recurso 304/10, in www.dgsi.pt, «a bipartição de regimes quanto à repartição do ónus da prova que a LGT introduziu através das duas alíneas do n.º 1 do seu artigo 24.º (de forma inovadora em relação ao antes disposto no artigo 13.º do Código de Processo Tributário), parte da distinção fundamental entre "dívidas tributárias vencidas" no período do exercício do cargo e "dívidas tributárias vencidas" posteriormente (cfr. a alínea c) do n.º 15 do artigo 2.º da Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto), sendo este igualmente o sentido que lhe atribui a generalidade da doutrina que ex professo versou o tema em face do regime actual..»
Assim a alínea a) é aplicável às dívidas tributárias:
- cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do cargo, mas postas à cobrança posteriormente à cessação do mesmo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício.
Já a alínea b) é aplicável quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, o que significa que está aqui abrangida a situação em que nesse período concorrem o facto constitutivo e a cobrança (Vide, também neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.09.2010, recurso 498/10, in www.dgsi.pt.).
Ora relativamente a estas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo a Lei Geral Tributária (alínea b), n º 1, do artigo 24º) faz incidir sobre o gerente ou o administrador o ónus de provar que a falta de pagamento das dívidas tributárias pela sociedade não lhe é imputável.
No caso dos autos resulta do probatório que os recorridos exerceram as suas funções de gerentes da executada, quer no período em que as dívidas se constituíram, quer no período em que se venceram.
Portanto, como bem refere a recorrente, a situação sub judice era enquadrável na previsão da al. b) do referido artº 24º, pelo que não terá andando bem a decisão recorrida ao considerar que o caso cabia na previsão da alínea a) do mesmo normativo.
Neste contexto, como também sublinha recorrente, cabia aos recorridos o ónus de provar que a falta de pagamento das dívidas tributárias pela sociedade não lhes era imputável.
Sucede porém que, pese embora tivesse feito incorrecto enquadramento legal, subsumindo a situação à previsão da al. a) do artº 24º, a decisão recorrida não transferiu o ónus de prova para a Fazenda Pública.
O que na sentença se diz quanto a esta matéria é que afinal os oponentes lograram provar que não foi por culpa sua que se verificou a situação de insuficiência económica da empresa, considerando procedente aquele fundamento de oposição, identificado na sentença como “ausência de culpa na insuficiência do património social” (cf. fls. 89 e 92)
Ora a entidade recorrente olvida por completo este julgamento da matéria de facto e não ataca nesta parte a sentença recorrida (se o tivesse feito o recurso versaria matéria de facto e estaríamos, sim, perante uma situação de incompetência em razão da hierarquia).
Limita-se a dizer que a sentença recorrida errou na aplicação do regime de responsabilidade subsidiária previsto no artº 24º da Lei Geral Tributária e fez uma inadequada interpretação do preceito ao considerar que a situação em causa se enquadra na previsão da alínea a) e não na alínea b).

Pese embora lhe assista razão neste ponto, em que a sentença manifestamente não andou bem, tal não é bastante para lograr provimento no recurso.
Com efeito, de acordo com o nº 4 do artigo 635º do Código de Processo Civil, o recorrente pode restringir, nas conclusões da alegação, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso.
As conclusões das alegações são, pois, decisivas para delimitar o âmbito do recurso, já que nelas o recorrente pode restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso que, na falta de indicação expressa, abrangia toda a decisão.
Por outro lado resulta daquele artº 635º, nº 5 do Código de Processo Civil que, havendo na sentença recorrida apreciação de questões jurídicas distintas e não sendo impugnada a posição assumida sobre alguma delas a parte não recorrida da decisão transita em julgado e os efeitos do julgado não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo. (Ver também neste sentido José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol 3, pág. 33 e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.11.2013, recurso 1020/13, e de 11.05.2005, recurso 1166/04, in www.dgsi.pt.)
Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se, objectiva e materialmente, excluídas dessas conclusões, têm de se considerar definitivamente decididas e arrumadas não podendo delas conhecer-se em recurso. (C. Abílio Neto, Código de Processo Civil anotado, 16ª edição pag. 968 e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.3.1966, de 4.2.1976, de 2.12.1982, de 5.6.1984 e de 16.10.1986, em BMJ, respectivamente, 255- p.391, 258 - p.180, 322-p.315, 338 – p. 377 e 360 – p. 354.)

No caso em apreço, para impugnar eficazmente, em recurso jurisdicional, a decisão em que se entendeu que perante os elementos de facto “é de concluir que a ruptura financeira não foi devida a gerência negligente” de molde a imputar aos oponentes “a responsabilidade pelas dívidas em questão na execução fiscal” (cf. fls. 92) a entidade recorrente haveria de atacar a sentença quanto a este fundamento o qual, por si só, justifica a decisão que julgou procedente a oposição, com a consequente extinção da execução.
Se não o faz, como não fez, não pode o tribunal de recurso alterar aquela decisão quanto ao nela decidido sobre tal matéria – cf. neste sentido Acórdãos desta Secção de 13.11.2013, recurso 1020/13, 24.10.2012, recurso 696/12, de 17.10.2012, recurso 583/12, de 14.04.2010, recurso 677/09, de 14.10.2009, recurso 492/09, e de 11.05.2005, recurso 1166/04, todos in www.dgsi.pt.

Neste contexto, independentemente do desacerto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco ao enquadrar a situação sub judice na previsão da alínea a) do artº 24º da Lei Geral Tributária, o certo é que a decisão de procedência da oposição sempre encontrará suporte suficiente no segmento da decisão recorrida em que se aborda a invocada questão da ilegitimidade dos oponentes por ausência de culpa na insuficiência do património social e se conclui pela inexistência de responsabilidade subsidiária dos mesmos pela dívida exequenda imputada à sociedade, originária executada.
Assim sendo, transitando em julgado, por carência de impugnação, este segmento da decisão recorrida, fica impossibilitada a alteração do decidido nesta via de recurso, não resultando qualquer efeito útil no conhecimento dos fundamentos do recurso invocados pela recorrente, pois, mesmo que se lhe reconhecesse razão na sua totalidade, sempre teria de permanecer intocada, por inatacada, a decisão do Tribunal Tributário de 1.ª Instância sobre a improcedência da reclamação.
E porque não é permitido ao Tribunal praticar nos processos actos inúteis (artigo 130.º do CPC), o recurso terá necessariamente de improceder.

8. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao presente recurso e confirmar, com esta fundamentação, a sentença recorrida.

Custas pela recorrente

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2014. - Pedro Delgado (relator) - Valente Torrão - Francisco Rothes.