Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:013/11
Data do Acordão:03/30/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:CADUCIDADE DE GARANTIA
ENCARGO
JUROS MORATÓRIOS
Sumário:I – Nos termos do artigo 183.º-A do CPPT, a caducidade da garantia prestada conferia ao interessado o direito a ser indemnizado pelos encargos suportados com a sua prestação, nos termos e com os limites previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 53.º da LGT.
II – O direito a indemnização por prestação indevida de garantia não comporta, em situação alguma, o direito a juros indemnizatórios e/ou de mora, nos termos dos artigos 43.º e 102.º da LGT, cingindo-se, tão somente, ao valor correspondente aos encargos efectivamente suportados com a prestação da mesma, ainda assim com o limite previsto no n.º 3 do supracitado artigo 53.º da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P12765
Nº do Documento:SA220110330013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – O Representante da Fazenda Pública, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa que declarou o direito da requerente A…, com os sinais dos autos, à indemnização, no valor total de € 348.037,06, por prestação indevida de garantia, e condenou a FP ao seu pagamento, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1) Resulta do estabelecido no art.º 53.º, n.ºs 1 e 3 da LGT, que, em caso de prestação indevida de garantia, o interessado tem direito a ser indemnizado pelos encargos suportados com a prestação da mesma, sendo que tal indemnização tem como limite máximo o valor resultante da aplicação da taxa de juros indemnizatórios ao valor objecto de garantia.
2) Assim, tendo em vista o carácter taxativo do disposto no supra mencionado preceito legal, facto que determina, desde logo, a insusceptibilidade de aplicação, ao caso em apreço, do princípio geral consagrado no art.º 562.º do Cód. Civil, é patente que o valor da indemnização em causa será o resultante da contabilização rigorosa das despesas efectivamente suportadas com a prestação da garantia, sendo manifesto que o aludido regime geral não comporta o pagamento, por parte da Administração Fiscal, de quaisquer outras quantias, designadamente a título de juros moratórios.
3) Em consequência, o reconhecimento do direito a juros moratórios, nos termos constantes do despacho recorrido, numa situação em que, manifestamente, não há lugar ao pagamento de tais juros, revela-se claramente incompatível com os termos e com os limites do referido direito a indemnização por prestação indevida de garantia, pelo que tal despacho, tendo decidido com base em entendimento contrário ao que resulta das presentes conclusões, violando, desse modo, o supra mencionado preceito legal, deverá, nessa medida, ser revogado, com as legais consequências.
Contra-alegando, veio a requerente, ora recorrida, dizer que:
1.ª- A FP veio interpor recurso da decisão que declarou o direito da impugnante à indemnização por prestação indevida de garantia, na parte referente aos juros peticionados e incluídos no montante de € 348.037,06.
2.ª- A douta decisão sob recurso, na substância, não merece à ora recorrida qualquer censura.
3.ª- Com efeito, considerou estarem reunidos os pressupostos para declaração do direito à indemnização, nomeadamente no que se refere ao cumprimento do limite imposto no n.º 3 do art.º 53.º da LGT.
4.ª- No seu recurso a FP considera que o direito à indemnização previsto no art.º 53.º da LGT é apenas “… o resultante da contabilização rigorosa das despesas efectivamente suportadas com a prestação da garantia, sendo manifesto que o aludido regime geral não comporta o pagamento, por parte da Administração Fiscal, de quaisquer outras quantias, designadamente a título de juros moratórios”.
5.ª- Acrescenta ainda “… a insusceptibilidade de aplicação, ao caso em apreço, do princípio geral consagrado no art.º 562.º do Cód. Civil …”.
6.ª- Não tem razão a FP.
7.ª- O art.º 53.º da LGT, sob a epígrafe “Garantia em caso de prestação indevida” refere expressamente no n.º 1 que o contribuinte que ofereceu garantia bancária “… será indemnizado (…) pelos prejuízos resultantes da sua prestação …”.
8.ª- O legislador quis prever a totalidade dos prejuízos resultantes da prestação da garantia e não, apenas, os encargos directa e exclusivamente suportados com a mesma.
9.ª- Embora estipulando um limite, qual seja o estabelecido no n.º 3 daquela norma.
10.ª- Em anotação ao art.º 53.º (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 2.ª edição, 2002, Vislis Editores, pp. 207/208), os Autores referem que “Os prejuízos referidos no número 1 englobam, não só o custo da garantia prestada, como qualquer outro lucro cessante ou dano emergente, dentro dos limites previstos no número 3” (sublinhados nossos).
11.ª- Em consequência, deve ressarcir-se o contribuinte da indevida prestação da garantia, que envolve todos os prejuízos incorridos, reconstituindo-se a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.ºs 562.º e 563.º do CC).
12.ª- A opção do legislador, contida no art.º 53.º da LGT, é uma decorrência do que se estabelece no art.º 22.º da CRP.
13.ª- A fundamentação jurídica da douta decisão sob recurso não depende da tipificação da natureza dos juros, moratórios ou indemnizatórios, conformando-se, tão só e inteiramente, como se viu, com as disposições legais aplicáveis.
14.ª- Com efeito, a ora recorrida requereu o pagamento dos encargos com a garantia, compreendidos os respectivos juros, calculados à taxa legal de 4%, que é aplicável a juros indemnizatórios, a juros compensatórios e que é também a taxa dos juros legais (cf. art.ºs 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 559.º do CC e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).
15.ª- Independentemente da qualificação dos juros solicitados, e qualquer que seja, não pode deixar de se ter em conta que se trata da compensação que é devida à recorrida pela privação que, indevidamente, sofreu.
16.ª- Contrariamente ao que defende o Exmo. Representante da FP, está-se no domínio da obrigação de indemnização prevista nos art.ºs 562.º a 564.º do CC.
17.ª- Como ensina o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa: “O efeito directo do facto gerador de responsabilidade civil é a obrigação de indemnização (…) sendo o seu objectivo a reparação de todos os danos de que o facto foi lesivo, foi causa adequada, danos esses em que se incluem não só os prejuízos sofridos como os benefícios que se deixaram de obter (artigos 563.º e 564.º do mesmo)” – (Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Juros nas Relações Tributárias, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, p. 157).
18.ª- Mais refere: “Tendo tal direito de indemnização garantia constitucional, o seu exercício pelo sujeito passivo não está limitado ao circunstancialismo e limites do direito de indemnização previsto pelas leis tributárias, podendo, por um lado, pedir uma indemnização superior à que resulta destas e, por outro, exigi-la em situações distintas das indicadas” (in Ob. e loc. Cit. No n.º 20).
19.ª- A invocação da doutrina perfilhada por aquele Ilustre Conselheiro vai até para além do problema sob recurso.
20.ª- Com efeito, basta-nos o que se preceitua no art.º 53.º, n.ºs 1 e 3 da LGT que responde inteiramente à questão sub judice.
21.ª- Assim sendo, como é, não deve proceder a tese da recorrente FP.
22.ª- Devendo, em consequência, ser mantida a douta decisão sob recurso.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso merece provimento, devendo revogar-se o julgado recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
A) A presente impugnação judicial foi apresentada em 4 de Fevereiro de 2003 -(carimbo aposto a fls. 2 dos autos).
B) A requerente/impugnante prestou, a 1 de Julho de 2003, a garantia bancária n.º 125-02-0410672, no valor de € 10.034.412,65, no processo de execução fiscal n.º 3247200201123785 - (documentos juntos a fls. 200 a 202 dos autos).
C) Foram emitidos, pelo Banco Comercial Português, documentos respeitantes a lançamentos na conta de depósitos à ordem da requerente/impugnante, relativos à emissão da garantia referida em B), com os seguintes valores:
Data Valor
02-07-200369.895,96
01-10-2003 9.689,48
02-01-2004 9.689,48
01-04-2004 9.689,48
01-07-2004 9.689,48
01-10-2004 9.689,48
03-01-2005 9.689,48
01-04-2005 9.689,48
01-07-2005 9.689,48
03-10-2005 9.689,48
02-01-2006 9.689,48
03-04-2006 9.689,48
03-07-2006 9.689,48
02-10-2006 9.689,48
02-01-2007 9.689,48
02-04-2007 9.689,48
02-07-2007 9.689,48
01-10-2007 9.689,48
02-01-2008 9.689,48
01-04-2008 9.689,48
01-07-2008 9.689,48
01-10-2008 9.689,48
02-01-2009 9.689,48
01-04-2009 9.689,48
01-07-2009 9.689,48
- (documentos juntos de fls. 212 a fls. 236 dos autos).
D) Por requerimento que deu entrada neste Tribunal a 30 de Junho de 2009, a requerente/impugnante requereu a declaração de caducidade da garantia referida em B) - (fls. 164 e 165 dos autos)
E) Foi proferida decisão da impugnação judicial, em primeira instância, a 8 de Julho de 2009 - (fls. 171 a 191 dos autos).
F) Por despacho de 13 de Agosto de 2009, declarou-se que ocorrera deferimento tácito do pedido de caducidade de garantia - (fls. 203 dos autos).
G) A decisão referida em E) transitou em julgado.
H) O despacho referido em F) transitou em julgado.
I) O requerimento do presente pedido de declaração de direito a recebimento de indemnização deu entrada neste Tribunal a 22 de Setembro de 2009 - (carimbo aposto a fls. 208 dos autos).
III – Vem o presente recurso interposto da decisão da Mma. Juíza do TT de Lisboa que reconheceu o direito da ora recorrida à indemnização global de € 348.037,06, correspondente aos encargos suportados com a prestação indevida de garantia, e condenou a FP ao pagamento de tal quantia.
A quantia em causa, de acordo com os documentos juntos aos autos, corresponde, conforme se refere na decisão recorrida, aos valores suportados com a prestação da garantia, acrescidos de juros de mora, calculados à taxa de 4% que era a taxa de referência à data.
Para tanto, considerou a Mma. Juíza “a quo” que, verificada a caducidade da garantia, tinha a requerente, nos termos do artigo 183.º-A do CPPT, entretanto revogado, mas aplicável ao caso dos autos, o direito a ser indemnizada pelos encargos suportados com a sua prestação, nos termos e com os limites previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 53.º da LGT.
A indemnização, em seu entender, abrangeria, pois, todos os encargos suportados com a garantia bancária, acrescidos dos juros de mora calculados à taxa de juro legal, sendo que o direito a esses juros de mora assistiria à requerente porquanto lhe assiste o direito à reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562.º do CC), o que abrange tais juros moratórios.
O objecto do recurso reporta-se tão só à parte da decisão recorrida que reconhece o direito da requerente aos juros peticionados e incluídos no montante referido.
Vejamos. Nos termos do artigo 183.º-A do CPPT, já revogado mas ainda aqui aplicável ao caso dos autos, a caducidade da garantia prestada conferia ao interessado o direito a ser indemnizado pelos encargos suportados com a sua prestação, nos termos e com os limites previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 53.º da LGT.
Assim, a indemnização terá como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na LGT (artigos n.ºs 35.º, n.º 10 e 43.º, n.º 4 da LGT).
Ora, dos preceitos legais aplicáveis, parece resultar claro que o direito a indemnização por prestação indevida de garantia, cujo regime, em concreto, nada tem a ver com o princípio geral consagrado no artigo 562.º do CC, citado na decisão recorrida, não comporta, em situação alguma, o direito a juros moratórios, cingindo-se, tão somente, ao valor correspondente aos encargos efectivamente suportados com a prestação da mesma, ainda assim com o limite previsto no n.º 3 do supracitado artigo 53.º da LGT.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, vol. II, pág. 252/253, “Fazendo-se referência genérica aos encargos suportados com a prestação da garantia, sem qualquer restrição que não seja o limite máximo que resulta da remissão para o artigo 53.º da LGT, deverá entender-se que o direito de indemnização abrange tudo o que o contribuinte despendeu com a prestação da garantia, incluindo importâncias pagas a entidades bancárias ou seguradoras (…) e custas processuais, mas não danos derivados da prestação, designadamente da privação de bens (…).”.
Por outro lado, não se está aqui perante nenhuma das situações que dão lugar a juros indemnizatórios – erro imputável aos serviços, incumprimento do prazo de restituição oficiosa dos tributos, anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária ou revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte efectuada mais de um ano após o seu pedido (artigo 43.º da LGT) – ou de mora (artigo 102.º da LGT), mas sim perante a declaração da caducidade da garantia que suspendeu a execução fiscal.
Assim, não haverá, pois, lugar ao pagamento dos juros peticionados, aliás, no sentido da jurisprudência deste STA (v., entre outros, os acórdãos de 10/11/2010, 4/6/2008 e de 11/10/2006, proferidos nos recursos n.ºs 489/10, 23/08 e 513/06, respectivamente).
A decisão recorrida não pode, por isso, ser mantida neste segmento.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte em que condenou a FP no pagamento de juros moratórios, que não são devidos, e mantendo-a no mais.
Custas pela requerente, ora recorrida, na instância, e no STA, por ter contra-alegado, fixando-se ali a taxa de justiça em metade de 1 (uma) UC e neste STA em € 99.
Lisboa, 30 de Março de 2011 – António Calhau (relator) – Isabel Marques da Silva – Valente Torrão.