Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:065/13
Data do Acordão:10/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IVA
MASSAS ALIMENTICIAS
Sumário:I - Da interpretação da verba 1.1.4 da Lista I anexa ao Código do IVA, na redacção introduzida pelo art. 41º, nº 4, da Lei nº 2/92, de 9/03, retém-se que foi intenção do legislador tributar as massas secas à taxa reduzida e as massas recheadas à taxa normal, independentemente do nome que as mesmas assumam.

II - À data dos factos (entre Janeiro de 2003 e Dezembro de 2004), e à luz da referida verba, as massas comercializadas secas (sem recheio) eram tributadas à taxa reduzida de IVA, ou seja, de 5%, ainda que comercializadas sob o nome de cannelloni ou de lasanha.

Nº Convencional:JSTA000P16434
Nº do Documento:SA220131023065
Data de Entrada:01/17/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA interpôs o presente recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fls. 171 e segs. dos autos, de procedência da impugnação judicial que a sociedade A…………, S.A., deduziu contra o acto de liquidação adicional de IVA referente aos anos de 2003 e 2004, e respectivos juros compensatórios, no montante de € 155.208,32.

Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respetivos juros compensatórios relativas ao período compreendido entre janeiro e dezembro de 2004.
B. Entendeu o Tribunal a quo no sentido propugnado pela Impugnante, que a taxa de IVA a aplicar na comercialização das massas do tipo lasanha e cannelloni seria a de 5%, por enquadramento na verba 1.1.4 da lista I anexa ao Código do IVA, na redação dada pelo nº 4 do art. 41º da Lei nº 2/92.
C. Entende a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que tais produtos não estão enquadrados na referida verba, pelo que deveriam ser tributados à taxa normal.
D. De toda a argumentação expendida na Douta sentença, duas conclusões podem ser retiradas: a primeira, que a Impugnante não comercializava massas recheadas, sendo as massas “cannelloni” e “lasanha” massas simples; a segunda, que a interpretação a dar à redação da verba 1.1.4. da Lista anexa ao Código do IVA é a de que o legislador teve como intenção distinguir as massas secas das massas recheadas, tributando as primeiras à taxa reduzida e as segundas à taxa normal.
E. Com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido.

Vejamos.

F. A questão a decidir nos presentes autos prende-se com a interpretação a dar ao conteúdo constante da verba 1.1.4 da lista I anexa ao Código do IVA, na redação dada pelo nº 4 do art. 41º da Lei nº 2/92, no que concerne aos produtos em causa, que dispunha o seguinte - Bens e serviços sujeitos à taxa reduzida – 1.1.4 – Massas alimentícias e pastas secas similares (excluem-se as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata, e as massas dos tipos Raviolli, Canelloni, Tortellini e semelhantes).
G. Ora, a referida norma visa tributar à taxa reduzida as massas alimentícias e as pastas secas similares. Dentro deste género de massas e pastas, o legislador teve uma opção política, traduzida nas exclusões que estão dentro do parêntesis, decidindo tributar estas exclusões à taxa normal.
H. E as exclusões são duas, e não uma, como pretende a fundamentação expendida na sentença recorrida, uma vez que a conjunção “e” pretende separar duas realidades distintas e não inclui-las numa única realidade. Assim, a primeira exclusão refere-se às massas recheadas, embora prontas para utilização imediata; a segunda exclusão refere-se às massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes, onde aqui se inclui a lasanha.
I. Quanto à primeira exclusão, o legislador pretendeu excluir da tributação à taxa reduzida as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata. E neste aspeto andou bem o Tribunal a quo ao referir que não tendo a Impugnante aparelhos capazes de produzir tais massas (de acordo com a prova testemunhal dada como provada), esta exclusão não se lhe aplicaria.
J. Contudo, as massas cannelloni e lasanha, embora comercializadas enquanto pastas secas ou simples (já que, como se referiu, elas não eram comercializadas enquanto massas recheadas), enquadram-se na segunda exclusão mencionada.
K. Com efeito, a opção política traduzida nesta exclusão é bastante clara: estão excluídas da tributação à taxa reduzida, e por conseguinte, tributadas à taxa normal, as massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes (onde aqui se inclui a lasanha), independentemente dessas massas serem ou não recheadas.
L. Dispõe o artigo 11º da Lei Geral Tributária (LGT) que na determinação do sentido das normas jurídicas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, constantes do artigo 9º do Código Civil.
M. Estando assente que as normas tributárias se interpretam de acordo com os princípios gerais de hermenêutica jurídica, e sintonizados pelo disposto no art. 9º do Código Civil, há que recorrer ao elemento textual (vulgo, letra da lei), ao elemento histórico (que faz atentar e ponderar as circunstâncias envolventes do momento da produção legislativa) e no elemento racional (que nos leva a indagar dos motivos, fins ou interesses perseguidos pelo legislador).
N. Sem prejuízo da operância consertada e reciprocamente conformadora, delimitadora, destes três apresentados elementos, objetivando a obtenção do melhor e mais conforme “pensamento legislativo”, não se pode deixar de conferir algum ascendente, certa prevalência, ao elemento literal.
O. Como refere o Ilustre Professor Baptista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2ª reimpressão, Coimbra, 1989, pp. 187 ss., que “O texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei. Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva (...) se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma (...)”.
P. Resulta, assim, que, a letra da lei é a principal referência e o ponto de partida do intérprete, não se podendo por conseguinte, na interpretação, transcender a linguagem, a construção linguística para afirmar um significado que não resulte expresso, ou contrariar o que expressamente afirma o legislador, como pretende a Impugnante no caso sub judice.
Q. Com efeito, a letra da lei e o espírito do sistema não permitem uma outra interpretação, sob pena, aliás, de, caso procedesse a interpretação vertida na douta sentença recorrida, poder ficar absolutamente vazio o alcance da verba 1.1.4 da Lista I anexa ao Código do IVA.
R. Por conseguinte, ao serem expressamente excluídas pelo legislador as massas cannelloni e lasanha da Lista I anexa ao Código do IVA, estão consequentemente excluídas tais massas da tributação à taxa de 5%, prevista na al. a) do nº 1 do artº 18º do CIVA, aplicando-se assim a taxa normal de, à data dos factos, 19%, nos termos e em cumprimento da al. c) do nº 1 do mesmo preceito legal.
S. E não se diga, como ficou dito na sentença recorrida, que a nova redação dada à Lista I anexa ao CIVA, pela Lei nº 67-A/2007, de 31.12 veio “esclarecer” a interpretação a dar à antiga redação. Esta nova redação veio, sim, colocar no ordenamento jurídico uma opção política de excluir (somente) as massas recheadas da tributação reduzida em IVA e não, fazer uma interpretação retroativa da antiga redação daquela verba.
T. Assim, por tudo quanto se expôs, entende a Fazenda Pública que a douta sentença enferma de errónea interpretação e aplicação do disposto na verba 1.1.4 da Lista I anexa ao Código do IVA, na redação aplicável.

1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações para sustentar a manutenção do julgado, tendo rematada a sua alegação com as seguintes conclusões:
1ª Não estão excluídas da verba 1.1.4 da tabela I anexa ao Código do IVA, na redação em vigor nos períodos entre janeiro de 2003 e dezembro de 2004, as massas alimentícias comercialmente designadas por lasagna e cannelloni, quando comercializadas simples e secas.
2ª O entendimento do tribunal a quo neste mesmo sentido não extravasa o teor literal da exclusão daquela verba que, por não ser unívoco, foi simplesmente interpretado com recurso a outros fatores hermenêuticos.
3ª Ainda que o teor literal da exclusão constante da acima referida verba fosse unívoco o que não se concede –, e que daí resultasse o entendimento oposto ao declarado na sentença recorrida, sempre aquele teor literal contrariaria o espírito da norma, motivo pelo qual deveria ser objeto de interpretação restritiva ou ab-rogante.
4ª A aplicação prática do entendimento da administração tributária resulta no seguinte: a aplicação de taxas de IVA distintas ao mesmo tipo de bem, alicerçado, tão-somente, na designação comercial atribuída pelo sujeito passivo.
5ª A interpretação da verba 1.1.4 da tabela I anexa ao Código do IVA (na redação em vigor nos períodos entre janeiro de 2003 e dezembro de 2004) no sentido de estarem excluídas do âmbito da taxa reduzida daquele imposto as massas alimentícias comercialmente designadas por lasagna e cannelloni, quando comercializadas simples e secas, viola o princípio da neutralidade, da objetividade e da igualdade que enformam a tributação sobre o consumo no ordenamento jurídico comunitário.
6ª Com efeito, o TJUE pronunciou-se já sobre matérias idênticas à controvertida nos presentes autos, a saber: acórdão de 23 de Outubro de 2003 (processo C-109/02), acórdãos de 19 de setembro de 2000 (processo C-158/98), de 10 de abril de 2008 (processo C-309706, Marks & Spencer), de 5 de junho de 1997 (processo C-2/95, Sparekassemes Datacenter SDC) e de 28 de junho de 2007 (processo C-363/05, JP Morgan Flemming Claverhouse).
7ª Sem prejuízo da vasta jurisprudência do TJUE, caso subsistam dúvidas quanto à interpretação das normas comunitárias motivo, deverá ser aquele Tribunal questionado quanto à correta interpretação da verba 1.1.4 da tabela I anexa ao Código do IVA, na redação em vigor nos períodos entre janeiro de 2003 e dezembro de 2004, por via do mecanismo do reenvio prejudicial.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que não devia ser concedido provimento ao recurso, enunciando, para o efeito, a seguinte motivação:

«Embora com reserva propendemos à adesão ao entendimento sustentado na fundamentação da sentença: as massas alimentícias secas e simples (não recheadas) tipo Canneloni e Lasagna, estavam sujeitas à taxa reduzida de 5%, por subsunção à verba 1.1.4 da Lista I anexa ao CIVA (e não à cláusula de exclusão da verba).

Argumentário sintético:

a) considera-se reproduzido o discurso teórico da sentença sobre hermenêutica jurídica (fls. 182/184);

b) a interpretação propugnada pela administração tributária sustenta-se exclusivamente no texto da norma, o qual excluía do âmbito de aplicação da taxa reduzida não somente as massas recheadas mas também as massas dos tipos Ravioli, Canneloni, Tortellini e semelhantes (onde se inclui o tipo Lasagna).

c) o legislador pretendeu aplicar a taxa reduzida (5%) às massas alimentícias e pastas secas similares, enquanto produtos alimentares menos essenciais do que os merecedores do beneficio da isenção mas de consumo generalizado (cf. preâmbulo do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado nº 9; na doutrina António Joaquim Carvalho/João Amaral Tomás Manual do Imposto sobre o Valor Acrescentado p.241);

d) tais características não são alteradas pelo facto de a massa alimentar seca ser confeccionada sob forma laminada; ser comercializada sob a designação Canneloni ou Lasagna; ter vocação para recheio ou puder ser posteriormente recheada pelo consumidor;

e) a formulação imperfeita ou equívoca da cláusula de excepção de aplicação da verba 1.1.4 foi corrigida em legislação posterior, mediante redacção inequívoca, segundo a qual apenas as massas recheadas estavam excluídas do âmbito de aplicação da taxa reduzida (art.53º Lei no 67-A/2007, 31 dezembro - Lei OGE 2008)».


1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência.

2. Na sentença recorrida julgou-se como provada a seguinte matéria de facto:
1. A Impugnante foi objecto da acção inspectiva determinada pela Ordem de Serviço nº 01200602426, de 04.05.2006 (Código PNAIT 22122), efectuada pela Divisão de Inspecção Tributária V, referente a IVA, relativo aos anos de 2003 e 2004, a qual foi iniciada em 04.01.2007 e finalizada em 18.01.2007 - cfr. fls. 74 dos autos
2. No âmbito da acção inspectiva referida em 1, foi, em 23.01.2007, expedida carta registada à Impugnante para notificação do projecto de conclusões do relatório de inspecção - cfr. resulta dos autos, maxime fls. 77
3. A impugnante não se pronunciou relativamente ao projecto de relatório referido em 2 - Cfr. resulta dos autos, maxime fls. 77
4. Em 14.02.2007 foi elaborado relatório final do qual constava:
“III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Tendo sido solicitado ao Sujeito Passivo uma listagem dos produtos por si comercializados e as taxas de IVA utilizadas aquando da sua venda, este entregou ficheiro em formato Excel com a Informação pretendida (“IVA-ARTIGOS-VENDAS. xls”), que foi gravado em CD-R, tendo sido entregue uma cópia deste ao representante do contribuinte.
Da análise efectuada, detectou-se que as massas do tipo lasanha e cannelloni estavam a ser comercializadas à taxa de 5%, conforme quadro que se junta (Anexo 1), elaborado a partir do ficheiro fornecido pela empresa, onde constam as referências dos artigos em causa, o grupo a qual pertencem, a sua descrição detalhada, o armazém de expedição, e a taxa de IVA aplicada aquando da sua comercialização.
Ora, da leitura do artigo 18º nº 1 alínea a) do Código do IVA (CIVA) e da Verba 1.1.4 da Lista 1 anexa ao CIVA, que regula a aplicação da taxa reduzida de IVA às massas alimentícias, pode ler-se que os produtos a que esta taxa se aplica são as “massas alimentícias e pastas secas similares (excluem-se as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata, e as massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes)”:
Verifica-se assim, que as massas já recheadas estão excluídas da aplicação da taxa reduzida e as massas dos tipos Raviolli Cannelloni, Tortellini e semelhantes (onde se inclui a Lasanha), independentemente de serem comercializadas recheadas ou não.
No mesmo sentido aponta o Ofício Circulado 22642, de 07.03.1969, da Direcção de Serviços do IVA, fazendo mesmo no ponto 2 uma separação entre os processos de fabrico entre as “massas comuns” e as “massas laminadas” (Raviolli, Cannelloni, Tortellini, Lasanha).
De acordo com este Ofício Circulado, “as massas do tipo Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes, são sempre massas para consumir recheadas”, daí o legislador entender que apesar de ainda não se encontrarem recheadas, e/as irão ser consumidas dessa forma, pelo que a taxa a aplicar deve ser idêntica às massas previamente recheadas, isto é, a taxa normal.
Assim, os artigos discriminados no Anexo I ao presente relatório foram comercializados à taxa reduzida (com excepção de duas situações que serão apresentadas posteriormente, em que foi liquidado IVA à taxa normal), quando conforme o mencionado anteriormente, o deveriam ter sido à taxa normal.
Com base na informação constante dos dados da facturação do Sujeito Passivo, este elaborou o ficheiro de Excel com o nome “VENDAS ARTG-IVA mz.xls” (que também foi gravado no CD-R entregue ao representante do contribuinte), tendo-se imprimido a partir da informação nele constante o quadro que se junta (Anexo 2), com os valores facturados (base tributável e IVA liquidado), discriminados por mês e por artigo, constantes na contabilidade da empresa e registados na conta 711 — Venda de Mercadorias.
Ora, como já foi referido, a taxa de IVA aplicada na comercialização dos produtos identificados foi a taxa reduzida, quando deveria ter sido aplicada a taxa normal.
Assim, partindo dos valores contabilizados e declarados pelo Sujeito Passivo, foi calculado o IVA que deveria ter sido efectivamente liquidado (tendo em conta que a taxa normal estava fixada em 19% para os períodos de imposto em análise), bem como a diferença entre aquilo que foi liquidado pela empresa e o montante que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado, conforme os valores constantes no Anexo 3.
Em resumo, foram apurados os seguintes valores de IVA adicional a entregar por período de imposto:
(…)
VII - INFRACÇÕES VERIFICADAS
O comportamento tributário descrito no capítulo III constitui contra-ordenação por infracção às seguintes disposições legais:
- infringiu os artigos 7º, 18º e 26º CIVA, pela realização de operações tributáveis em que foi liquidado imposto inferior ao devido, por aplicação da taxa reduzida de imposto na comercialização de artigos tributáveis à taxa normal, verificando uma omissão do diferencial do imposto nas declarações periódicas, e correspondente falta de entrega do imposto (IVA).
Às infracções acima descritas correspondem as penalidades previstas no Artigo 114° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT). - Cfr. fls. 75 a 77 dos autos.

5. Na sequência do relatório de inspecção referido em 4. foi, em 22.02.2007, exarado Parecer com o seguinte teor: “Confirmo o teor do presente relatório, nomeadamente:
a) A tributação à taxa normal das massas tipo Cannelloni e Lasanha, excluídas da verba 1.1.4 da Lista I anexa ao Código do IVA;
b) Os montantes de IVA em falta apurados nos anos de 2003 e 2004 de €61.191,15 e €94.017,17, respectivamente.” - Cfr. fls. 72 dos autos.
6. Em 23.02.2007 foi exarado despacho concordante com o relatório de inspecção e parecer referidos em 4. e 5. do probatório - Cfr. fls. 72 dos autos
7. Em 27.02.2007 foi expedido pela Direcção de Finanças do Porto, sob o registo nº RM 039920194 PT, o Ofício nº 1760610510 (Proc. nº 05.10.014), datado de 26.02.2007, dirigido à Impugnante, do qual constava:
“Notificação do Relatório de inspecção Tributária
(artigo 77º da Lei Geral Tributária - LGT e artigo 62º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária - RCPIT)
Fica(m) V.a(s) Exa(s), por este meio notificado(s) nos termos do artigo 71º da LST e do artigo 62º do RCPIT, do Relatório de Inspecção Tributária e do teor do despacho que sobre ele recaiu, que se anexa como parte integrante da presente notificação, relativamente ao seguinte:
Das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a métodos indirectos, cujos fundamentos constam do referido Relatório.
A breve prazo, os serviços da DGCI procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houve lugar.
Da presente notificação e respectiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação.” - Cfr. fls. 71 dos autos e 120 do PA apenso
8. A impugnante foi notificada, em 28.02.2007, do teor da comunicação referida em 7 - cfr. fls. 121 do PA apenso
9. Em 20.03.2007 foram emitidas e expedidas ao Impugnante para pagamento até 31.05.2007, as seguintes liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios:

10. As liquidações de IVA referidas em 9. reportam-se a massa seca e simples designada por “cannelloni” e “lasanha” - Cfr. depoimento prestado pelas testemunhas B…………, C………… e D…………
11. A composição das massas secas é à base de sêmola de trigo duro e água. - Cfr. depoimento prestado pelas testemunhas B…………, C…………, E………… e D…………
12. À data dos factos a Impugnante não confeccionava “cannelloni” e “lasanha” recheados, por não ter os equipamentos e condições necessárias à sua preparação - Cfr. depoimento prestado pela testemunha D…………
13. Em 02.08.2007 deu entrada neste TAF da presente impugnação, a qual foi remetida pelo correio em 01.08.2007 - Cfr. fls. 2 e 103 dos autos

3. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade A…………, S.A., contra o acto de liquidação adicional de IVA referente ao período compreendido entre Janeiro de 2003 e Dezembro de 2004 e respectivos juros compensatórios, acto que provém da correcção, levada a cabo pela Administração Tributária, da taxa reduzida de 5% de IVA aplicada pela impugnante na comercialização de massas secas tipo lasanha e cannelloni, para a taxa normal de 19%, com fundamento na verba 1.1.4 da Lista I, anexa ao Código do IVA, na redacção vigente à data dos factos.

Tal impugnação teve por fundamento a ilegalidade da liquidação por errado enquadramento na taxa de 19% das referidas massas secas, por força de desacertada interpretação daquela verba 1.1.4 da Lista I, interpretação que contraria a ratio legis do preceito e viola os princípios da neutralidade, da objectividade e da igualdade fiscal.

O tribunal a quo julgou procedente a impugnação, anulando o acto de liquidação impugnado, com a seguinte fundamentação:

«(…) na actividade interpretativa, a letra da lei constitui o primeiro patamar na tarefa da interpretação, constituindo simultaneamente seu ponto de partida e seu limite, conforme artigo 9º do Código Civil.(…).

Tomando, pois, como ponto de partida o texto da lei, poder-se-ia concluir que o legislador pretendeu excluir da taxa reduzida não só as massas recheadas mas também as massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes.(…)

Todavia, tal interpretação acarretaria grandes dificuldades na aplicação da lei, tornando-a demasiado casuística em função de cada tipo de massa, o que não se compadece com as características da generalidade e abstracção da lei.

Acresce que o aplicador do direito não pode cingir-se à letra da lei, devendo “reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.(…)

Atentemos, pois, aos demais elementos interpretativos.

No que concerne aos antecedentes legislativos, o IVA foi introduzido pelo Decreto-Lei nº 394-B/94, de 26.12, que veio transpor a 6ª Directiva do IVA (Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17.05.1977).

Logo no seu preâmbulo refere expressamente que se manteve a “protecção fiscal a consumos essenciais que constituem ainda uma parte importante das despesas das famílias.”.(…).

Pelo exposto, extrai-se que a diferenciação na aplicação das taxas de IVA, no que concerne aos bens alimentares, decorria da sua essencialidade, de tal modo que os bens essenciais eram tributados a taxa 0, os que não sendo de primeira necessidade mas que representavam um consumo generalizado eram tributados a taxa reduzida e à taxa normal eram tributados aqueles que não demonstrassem serem essenciais para o cidadão comum.(…)

Não obstante as alterações sofridas com a LOE para 1993, as conclusões são as mesmas: a ratio essendi da integração na lista I anexa ao Código do IVA relativa a bens e serviços sujeitos a taxa reduzida contende com a consideração de tratarem-se de bens alimentares essenciais.

Nestes, como decorre do item 1.1.4., integram-se as massas alimentícias e as pastas secas similares.

Destas, dispunha a lei, que se excluíam “as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata, e as massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortelini e semelhantes”.

Atendendo à razão de ser da aplicação da taxa reduzida não se descortina fundamento para considerar a massa seca “cannelloni” e a massa seca ‘lasanha” devam ser excluídos desta tributação.

Na verdade, a massa “cannelloni” e a massa “lasanha” pode apresentar-se como massa seca ou fresca, recheada ou não.

Nesse sentido, afigura-se que o legislador pretendeu distinguir as “massas recheadas” das “massas sem recheio”.

Em reforço da interpretação expendida, atente-se a redacção dada pela pelo artigo 53º da Lei nº 67-A/2007, de 31.12 à Lista I anexa ao CIVA que veio, definitivamente, colocar um ponto final na contenda ao estatuir que estão sujeitas à taxa reduzida as “massas alimentícias e pastas secas similares, excluindo-se as massas recheadas” eliminando da exclusão o segmento “embora prontas para utilização imediata, e as massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes”.(…)

Sustenta a Administração Tributária, no Ofic Nio Circulado nº 22842, de 07.03.1989 que a razão de ser da diferenciação das “massas alimentícias e pastas secas alimentares” das “massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes” assenta, por um lado, no processo de fabrico e, por outro lado, por se destinarem a serem consumidas recheadas.

Desde já se refira que nenhum dos argumentos aduzidos no referido Ofício Circulado poderá colher, uma vez que tal interpretação não tem um mínimo de correspondência verbal com a letra da lei.

No atinente ao processo de fabrico das “massas comuns” (ou “massas trefiladas”) e das “massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes» (ou “massas laminadas”), analisando as diversas fases produtivas, tal como resulta do ofício circulado em questão, conclui-se que o processo é idêntico, sendo que as “massas laminadas” incorporam adicionalmente a fase da laminagem, pelo que não se consegue descortinar qual a lógica da distinção ao nível da tributação em virtude dessa diferença.(…)

A tributação das massas alimentícias secas não pode estar dependente de um juízo prévio sobre o modo como será confeccionada.

Atendendo aos cânones interpretativos impera, pois, concluir que na verba 1.1.4 da Lista I anexa ao CRIA o legislador pretendeu distinguir as massas recheadas (tributadas a uma taxa mais elevada) das massas sem recheio.(…)

Competia à Administração Tributária alegar e provar que a massa em causa (cannelloni e lasanha) já se encontrava recheada e foi tributada como se de massa seca se tratasse, o que não sucedeu.

Ao invés, tal como resulta do probatório, ficou provado que na origem das liquidações ora impugnadas estão massas secas e simples (cfr. facto 10, do Probatório).

Na verdade, resulta assente que, pelo menos à data dos factos, a Impugnante não comercializava massas recheadas, por falta dos equipamentos e condições exigíveis para a preparação das mesmas (cfr. facto 12. do probatório), pelo que as massas designadas pelo nomen “cannelloni” e “lasanha” não correspondem ao produto final confeccionado com o mesmo nome mas tão-só a um dos seus ingredientes: a massa.».

É contra essa decisão que se insurge a Fazenda Pública, ora Recorrente, sustentando que ela padece de erro de julgamento em matéria de direito, na medida em que terá interpretado e aplicado o disposto na verba 1.1.4 da Lista I anexa ao CIVA, na redacção dada pelo art. 41º, nº 4, da Lei nº 2/92, de 9 de Março, contra o sentido expressamente consagrado na letra da lei, em moldes não consentidos pelo regime legal vertido no art. 9º, do CC.

Neste contexto, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal é a de saber se a sentença padece de erro de julgamento, em matéria de direito, por ter julgado que as massas secas tipo “cannelloni” e “lasanha” se enquadram na verba 1.1.4 da Lista I anexa ao Código do IVA, na redacção introduzida pelo art. 41º, nº 4, da Lei nº 2/92, de 9/03, estando, por isso, a sua venda sujeita à taxa reduzida de IVA, de 5%, nos termos do art. 18º, nº 1, al. a), do CIVA, com a redacção que resultou do Decreto-Lei nº 16/97, de 21/01.

Vejamos.

É incontroverso, face ao probatório, que as impugnadas liquidações adicionais de IVA se consubstanciam na diferença entre a taxa reduzida de 5%, que foi aplicada, e a taxa normal de 19%, que a AT entende ser aplicável quanto às vendas de massas secas tipo “cannelloni” e “lasanha”.

À data dos factos, o art. 18º, nº 1, do CIVA, nas suas alíneas a) e b), fixava as taxas de imposto em 5% e 12%, quanto às importações, transmissões de bens e prestações de serviços referenciadas, respectivamente, nas listas I e II, anexas ao Código, e em 19%, quanto às demais – sua alínea c).

A verba 1.1, da referida lista I, refere-se a cereais e preparados à base de cereais, descriminando-se, na verba 1.1.4, o seguinte:

«1.1.4 — Massas alimentícias e pastas secas similares.
(Excluem-se as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata, e as massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes).»

E o dissídio que se apresenta neste pleito assenta na interpretação do teor desta verba 1.1.4, defendendo a AT que a mera designação de cannelloni e de lasanha, atribuídos pela impugnante a massas secas que comercializou substancia factor de exclusão da tributação à taxa reduzida, e sustentando a impugnante a tese, acolhida na sentença recorrida, de que não é o nominem que está em causa, mas antes as suas características de comercialização como massas secas ou recheadas, sendo que é a estas últimas que se destina a exclusão da taxa de 5%.

A questão que se coloca reconduz-se à aplicação, no caso vertente, do normativo legal que estabelece as regras a observar na interpretação da lei, ou seja, do art. 9º do Código Civil, que, sob a epígrafe «Interpretação da lei», diz o seguinte:

«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.».

Na anotação 1. a este artigo, escreveram Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, págs. 57-58, o seguinte: «1.Em lugar de impor um método ou consagrar uma corrente doutrinária em matéria de interpretação das leis, o Código limita-se a consagrar os princípios que podem considerar-se já uma aquisição definitiva na matéria, combatendo os excessos a que os autores objectivistas e subjectivistas têm chegado muitas vezes.
Afasta-se, assim, o exagero dos objectivistas que não atendem sequer às circunstâncias históricas em que a norma nasceu, na medida em que o nº 1 do artigo 9º manda reconstituir o pensamento legislativo e atender às circunstâncias em que a lei foi elaborada. Como se condena igualmente o excesso dos subjectivistas que prescindem por completo da letra da lei, para atender apenas à vontade do legislador, quando no nº 2 se afasta a possibilidade de qualquer pensamento legislativo valer como sentido decisivo da lei, se no texto desta não encontrar um mínimo de correspondência verbal.
E ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias (históricas) em que a lei foi elaborada, o preceito não deixa de expressamente considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada (nota vincadamente actualista).
O facto de o artigo afirmar que a reconstituição do pensamento legislativo deve fazer-se a partir dos textos não significa, de modo nenhum, que o intérprete não possa ou não deva socorrer-se de outros elementos para esse efeito, nomeadamente do espírito da lei (mens legis).».

Ora, da leitura da profícua e exemplarmente convincente sentença recorrida, ressalta evidente que na análise da questão controvertida foram tidos em conta os aludidos critérios interpretativos consignados no referido art. 9º.
E afigura-se-nos também acertada a interpretação que o tribunal a quo faz do preceito legal em causa, tomando em consideração quer as razões de ordem histórica que o conformam, quer a natureza geral e abstracta da lei, quer ainda a motivação lógica que lhe subjaz, na medida em que também mal se entenderia que o legislador procedesse, em sede de IVA, à tributação dos produtos em função do seu nome, e não da sua natureza.
De facto, se assim fosse, bastava mudar o nome do produto para alterar a sua taxa de tributação, e não era isto, decerto, que estava na mente do legislador.
E, sendo assim, da interpretação da verba 1.1.4 da Lista I anexa ao Código do IVA, na redacção introduzida pelo art. 41º, nº 4, da Lei nº 2/92, de 9/03, retém-se que foi intenção do legislador tributar as massas secas à taxa reduzida e as massas recheadas à taxa normal, independentemente do nome que as mesmas assumam.
Ora, transparece no probatório que as massas, cuja taxa de IVA se controverte nestes autos, eram comercializadas pela Recorrida sem recheio, e, por conseguinte, como massas secas. Daí que, à data dos factos (entre Janeiro de 2003 e Dezembro de 2004), e à luz da referida verba 1.1.4, essas massas - porque secas (sem recheio) - eram tributadas à taxa reduzida de IVA, ou seja, de 5%, ainda que comercializadas sob o nome de cannelloni ou de lasanha.
Deste modo, a douta sentença que assim decidiu, julgando procedente a impugnação judicial, não merece qualquer censura, devendo manter-se na ordem jurídica.

4. Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 23 de Outubro de 2013. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva - Valente Torrão.