Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0526/11
Data do Acordão:11/16/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IVA
TAXA
PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUIZES
Sumário:I – Não há violação dos princípios do juiz natural nem da plenitude de assistência dos juízes consagrado no artigo 654.º do CPC nas situações de conhecimento imediato do pedido a que se refere o artigo 113.º, n.º 1 do CPPT, ainda que por outro juiz, porquanto este princípio pressupõe a existência de actos de instrução e discussão praticados na audiência final, o que não ocorre nessas situações.
II – A nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito só se verifica quando haja a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a sua insuficiência ou mediocridade.
III – As sementes comercializadas pela recorrente, que visam a alimentação de aves canoras e ornamentais, que não se destinam à alimentação humana, sendo totalmente alheias à actividade agrícola, não beneficiam da tributação em IVA à taxa reduzida de 5%, por não se integrarem em qualquer das categorias de bens mencionados no ponto 3 da lista I anexa ao CIVA.
Nº Convencional:JSTA00067237
Nº do Documento:SA2201111160526
Data de Entrada:05/26/2011
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 2:DIR PROC CIV
Legislação Nacional:CPC96 ART510 N1 B ART653 N2 ART654 ART658 ART668 N1
CPPTRIB99 ART113 N1 ART125
CIVA01 LISTA1 ALINEA3.3 ALINEA3.5
Referência a Doutrina:LEBRE DE FREITAS E OUTROS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO V2 PAG634
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A……….., Lda., com sede em …, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do TAF de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações de IVA de 2002, 2003 e 2004, e juros compensatórios, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1) O princípio da plenitude da assistência dos juízes consagrado no art.º 654.º do CPC, aplicável por força do art.º 2.º, al. e) do CPPT, impõe que para a formação da livre convicção do julgador, este terá de ser o mesmo ao longo de todos os actos de instrução e discussão da causa realizados em audiência.
2) Nas acções reguladas pelo CPPT, como é a presente, o juiz que preside à fase instrutória deve ser o juiz que profere a sentença, que deve abranger o julgamento quer da matéria de facto quer da matéria de direito.
3) Com efeito, no que concerne à acção de impugnação tramitada segundo o CPPT, o julgamento da matéria de facto não se autonomiza do julgamento da matéria de direito (artigos 123.º e 124.º do CPPT), devendo a sentença abranger fixação dos factos e aplicação do direito.
4) Aliás este tem sido o entendimento aplicado neste Tribunal, TAF de Aveiro, em outros processos deste mandatário, cujos processos que vieram do TAF de Viseu já em fase de sentença voltaram para o Juiz que presidiu à instrução de modo a proferir sentença.
5) No presente processo foi proferida decisão pré-instrutória a fls. 82 pelo Meritíssimo Juiz de Direito, Dr. B………. (então titular do processo), no sentido de que a questão em análise é apenas de Direito e sendo também de facto, que o processo fornece os elementos necessários (art.º 113.º do CPPT) e que se afigurava inútil qualquer diligência instrutória posterior.
6) Se o juiz no poder que tem de avaliar se já tem ao dispor todos os elementos relevantes para decidir formou a sua convicção sobre a matéria de facto e de direito e entendeu conhecer do pedido, impõe-se que seja esse Magistrado a proferir a sentença, e não o que o veio substituir.
7) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, que antes de proferir a sentença não teve qualquer intervenção na fase instrutória, não pode ponderar toda a prova e indicar os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (art.º 653.º, n.º 2 CPC).
8) Revela-se incongruente indicar nos factos não provados “que mais nada se provou com relevância para a decisão a proferir” quando a inquirição das testemunhas foi dispensada.
9) Como é que a impugnante pode ficar convencida de que a valoração da prova e a solução de direito apresentada é a mesma que foi prevista pelo anterior Magistrado quando decidiu que o processo tinha os elementos relevantes para decidir?
10) É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (art.º 668.º, n.º 1, b) do CPC e art.º 125.º CPPT).
11) É nula a sentença que não foi proferida por o Magistrado que proferiu a decisão pré-instrutória quanto aos factos relevantes para decidir, que prescindiu da produção de prova testemunhal, isto é, que presidiu à produção de prova, verificando-se, assim, a violação do Juiz natural e do disposto no art.º 658.º do CPC.
12) Se assim não se entender, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a douta sentença sob recurso ao não aplicar in casu a verba 3.5 do ponto 3 da lista I anexa ao CIVA incorreu em erro de julgamento.
13) A douta sentença não fez essa aplicação, ao considerar que as sementes aí indicadas visam a reprodução de plantas, dando origem a produtos agrícolas para consumo, e as sementes comercializadas pela impugnante não têm esse destino.
14) Vejamos, pois, o teor deste normativo, transcrevendo-o: “Lista I – Bens e serviços sujeitos à taxa reduzida 3 – Bens de produção da agricultura 3.5 – Sementes, bolbos e propágulos”.
15) A impugnante adquire sementes, tais como milho, trigo, aveia, arroz trinca, etc., tributadas à taxa de 5% de IVA, e embala essas misturas de sementes e comercializa-as com a designação de lote de sementes n.º 1 a lote de sementes n.º 5, vários lotes de diferentes tipos de rações para pombos e ração para rolas (cfr. alíneas 1), 2) e 3) do probatório).
16) Na interpretação das leis não pode ser considerado pelo intérprete um pensamento legislativo sem o mínimo de correspondência verbal.
17) Na interpretação das leis há que ter em atenção o art.º 9.º do Código Civil que proclama não dever a interpretação cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha um mínimo de correspondência verbal, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
18) No caso vertente temos que o legislador determinou na verba 3.5 do ponto 3 da Lista I do CIVA que seriam abrangidas pela taxa reduzida de 5% as sementes, bolbos e propágulos.
19) Da redacção da verba 3.5 resultam 3 previsões distintas e nenhuma exclusão.
20) O que se extrai das palavras da lei é que todas as sementes sem qualquer excepção têm enquadramento na verba 3.5 anexa ao CIVA.
21) Do texto da lei não se extrai que bens que aí se refere se destinam a ser lançados à terra a fim de germinarem e gerarem novas plantas.
22) O Código do IVA não define o que se entende por “bens de produção da agricultura” mas tratando-se de um conceito lato pode aproveitar-se a definição que é dada para as transmissões de bens de um produtor agrícola em que o legislador remete para uma lista fechada de actividades, anexa ao Código do IVA, concretamente o anexo A.
23) Nessa lista, se determina afinal quais são as actividades consideradas de produção agrícola, contemplando nos seus números a cultura propriamente dita, a pecuária, a apicultura e a silvicultura.
24) De notar que na referida lista define-se como actividade de produção agrícola tanto a criação de animais em geral, como a criação de aves canoras, ornamentais e de fantasia.
25) E se é a lista que define o universo das actividades designadas de produção agrícola pode aproveitar-se essa definição para delimitar os bens de produção agrícola, uma vez que os mesmos conexionam-se com essas actividades.
26) A Lista I encontra-se dividida em 3 partes distintas. Na primeira, contempla-se os bens alimentares de primeira necessidade, na segunda genericamente outros e na terceira os inputs da agricultura.
27) Os bens de produção agrícola a que alude a Lista I têm de ser entendidos como reportando-se aos bens relativos à agricultura propriamente dita, à pecuária, à apicultura e à silvicultura.
28) As sementes transaccionadas pela impugnante destinam-se à criação de aves canoras, ornamentais e de fantasia, que é considerada também uma actividade de produção agrícola.
29) No caso vertente vemos que o legislador determinou que a transmissão de bens de produção da agricultura indicados na 3.ª parte da Lista I estão sujeitos à taxa reduzida de 5%.
30) A douta sentença exclui da previsão da verba 3.5 do ponto 3 da Lista I as sementes que se destinassem a alimentação de animais.
31) Ora, como se alcança das normas atrás citadas, este entendimento não é aceitável.
32) A Lista I do ponto 3 lista uma série de bens designados de “bens de produção da agricultura” e por remissão para o anexo A ao CIVA indica-se quais são as actividades de produção agrícola.
33) Ficando a saber-se que a criação de animais e especificamente a criação de aves canoras, ornamentais e de fantasia são consideradas como actividades de produção agrícola.
34) Consequentemente, a verba 3.5 ponto 3 da Lista I abrange as sementes independentemente de se destinarem ao cultivo ou à alimentação de animais.
35) É, pois, perfeitamente claro quais as sementes a que se aplica a taxa reduzida de 5%.
36) Por isso, quando a douta sentença vem retirar as sementes que se destinam à alimentação de aves, não está a interpretar a norma, mas a excluir “ex novo” determinadas sementes do regime definido na Lista I ponto 3 verba 3.5, e ao fazê-lo atenta contra o art.º 9.º do CC.
37) E se o legislador não distingue não compete ao intérprete fazê-lo.
38) Não tem qualquer apoio na “letra da lei” o sentido que o Meritíssimo Juiz pretende dar à norma ao restringir a sua aplicação a determinadas sementes, bolbos e propágulos destinados exclusivamente ao cultivo.
39) Pois se atendermos ao significado natural dos produtos elencados na verba 3.5 verificamos que a semente possibilita uma função reprodutora, mas também se destina ao consumo inclusive humano, nomeadamente o feijão e o sésamo, bem como o bolbo no caso por exemplo da cebola e do alho (veja-se http://pt.wikipedia.org/wiki/Semente e http://pt.wikipedia.org/wiki/Bolbo).
40) E não é por terem outro destino que deixam de ter lugar na Lista I, ponto 3.5 do CIVA.
41) Atenta a matriz comunitária do IVA, na medida em que é um imposto estruturado em conformidade com a Directiva 77/388/CEE, de 17 de Maio, chamada 6.ª Directiva IVA, a apreciação da legislação interna deve ser ponderada face às regras estabelecidas naquele texto comunitário.
42) Assim, quanto à possibilidade de aplicação da taxa reduzida de IVA às vendas das sementes aqui em causa, deve ter-se em consideração o disposto no art.º 12.º, n.º 3, a) da 6.ª Directiva, que determina que os Estados membros só poderão aplicar taxas reduzidas “ao fornecimento de bens e à prestação de serviços das categorias referidas no anexo H”.
43) Este anexo, que procede à enumeração dos bens e serviços a que os Estados membros poderão aplicar taxas reduzidas de IVA, no âmbito dos produtos alimentares inclui tanto os destinados ao consumo humano como animal e inclui expressamente na sua previsão as sementes com um dos produtos alimentares contemplados na categoria 1.
44) De notar também que no referido anexo na categoria 10 dos bens e serviços do tipo utilizado normalmente na produção agrícola a única exclusão que está prevista é para os bens de equipamento, tais como maquinaria ou construções.
45) Não pode aceitar-se uma interpretação restritiva da verba 3.5 da Lista I do CIVA no sentido de daí serem excluídas as sementes com destino à alimentação animal, porque tal interpretação não tem nenhuma aderência ao texto da norma como já vimos, nem é conforme à ratio legis a ela subjacente.
46) A douta sentença recorrida violou os artigos 658.º, 654.º, 653.º, n.º 2, 655.º, n.º 1, 668.º, n.º 1, b) do CPC, 123.º, 124.º, 113.º e 125.º do CPPT, verba 3.5 do ponto 3 da Lista I do CIVA, art.º 9.º do CC, e art.º 12.º, n.º 3, a) da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977.
Não foram apresentadas contra-alegações.
A Mma. Juíza a quo” veio sustentar a decisão recorrida.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, devendo confirmar-se o julgado recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Na decisão recorrida, consideraram-se provados os seguintes factos:
1. A impugnante tem como objecto social a transformação e comércio de cereais para fins de alimentação animal.
2. A empresa, no exercício do seu objecto social, adquire cereais, tais como milho, trigo, aveia, arroz, trinca, etc., no mercado interno, externo e comunitário, tributados à taxa de 5% (reduzida) de IVA.
3. Posteriormente, produz e embala misturas, a partir das sementes, constituindo estas misturas o seu produto acabado, as quais constituem rações para alimentação de aves e outros animais.
4. De entre os produtos comercializados pela impugnante, constam os seguintes produtos:
- lote de sementes n.º 1 (mistura para canários);
- lote de sementes n.º 2 (mistura para periquitos);
- lote de sementes n.º 3 (mistura para exóticos);
- lote de sementes n.º 4 (mistura para caturras);
- lote de sementes n.º 5 (mistura para papagaios);
- vários lotes de diferentes tipos de ração para pombos;
- ração para rolas.
5. Durante os anos de 2002, 2003 e 2004 e até Abril de 2005, os lotes de sementes referidos em 4. foram vendidos e tributados à taxa de IVA de 5%.
6. Com base na ordem de serviço n.º 200501845, de 28.10.2005, foi determinado o procedimento de inspecção à impugnante, na sequência do qual foram efectuadas correcções em sede de IVA de 2002, 2003 e 2004, por erro na aplicação da taxa de IVA.
III – Vem o presente recurso interposto da decisão do Mmo. Juiz do TAF de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra as liquidações de IVA dos anos de 2002, 2003 e 2004, referentes às vendas de sementes destinadas à alimentação de aves canoras e ornamentais, por considerar que tais sementes não beneficiam da tributação em IVA à taxa reduzida de 5%.
Nas suas alegações de recurso, são três as questões suscitadas pela recorrente:
- nulidade da decisão recorrida por não ter sido proferida pelo magistrado que proferiu a decisão pré-instrutória quanto aos factos relevantes para decidir, e que prescindiu da produção de prova testemunhal, o que em seu entender constituiria violação do juiz natural e do disposto no artigo 658.º do CPC;
- nulidade da decisão recorrida por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artigos 125.º, n.º 1 do CPPT e 668.º, n.º 1, alínea b) do CPC);
- erro de julgamento por não ter interpretado correctamente a verba 3.5 do ponto 3 da lista I anexa ao CIVA ao não considerar aplicável às sementes destinadas à alimentação de aves canoras e ornamentais a taxa reduzida de 5%.
Vejamos.
- Quanto à primeira nulidade invocada, alega a recorrente, em síntese, que, de acordo com o princípio da plenitude da assistência dos juízes consagrado no artigo 654.º do CPC, que impõe que para a formação da livre convicção do julgador este terá de ser o mesmo ao longo de todos os actos de instrução e discussão da causa realizados em audiência, o juiz que preside à fase instrutória deve ser o juiz que profere a sentença, que deve abranger o julgamento quer da matéria de facto quer da matéria de direito.
Ora, o Mmo. Juiz a quo que antes de proferir a decisão recorrida não teve qualquer intervenção na fase instrutória não pode ponderar toda a prova e indicar os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 653.º do CPC.
Não tem, porém, razão a recorrente.
Na verdade, como resulta dos autos, a decisão recorrida foi proferida ao abrigo do artigo 113.º, n.º 1 do CPPT, nos termos do qual, junta a posição do RFP ou decorrido o respectivo prazo, o juiz, após vista ao MP, conhecerá logo o pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários.
Trata-se de disposição equivalente à do artigo 510.º, n.º 1, alínea b) do CPC, segundo a qual o juiz, findos os articulados, profere despacho saneador destinado a conhecer imediatamente do mérito da causa sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, e que tem aplicação frequente no procedimento judicial tributário.
Em tal situação não há propriamente uma fase de instrução.
Daí que não colha, por isso, no caso, a argumentação da recorrente quanto a uma pretensa violação do princípio da plenitude de assistência dos juízes consagrado no artigo 654.º do CPC.
Com efeito, este princípio pressupõe a existência de actos de instrução e discussão praticados na audiência final, o que não ocorre nas situações de conhecimento imediato do pedido a que se refere o artigo 113.º, n.º 1 do CPPT.
Acresce que, como salienta o Exmo. PGA no seu parecer, o princípio da plenitude da assistência dos juízes se circunscreve no âmbito dos actos da audiência final, deixando de ter aplicação já relativamente à elaboração da sentença, a qual, no caso, designadamente, de transferência do juiz que haja presidido à audiência, cabe ao juiz que o substituir – cfr., neste sentido, Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil anotado, vol. 2, pág. 634.
Por outro lado, no caso em apreço, o novo juiz titular, se entendesse que não se verificava a possibilidade de conhecimento imediato do pedido, sempre poderia ter ordenado a realização das diligências de prova pertinentes, pois nada o impedia que o fizesse; se o não fez foi porque considerou, tal como o seu antecessor, que o processo continha já todos os elementos necessários para conhecer imediatamente do mérito da causa, sem necessidade de mais provas.
Improcede, pois, nesta parte a argumentação da recorrente já que não se verifica a invocada nulidade.
- Quanto à nulidade da decisão recorrida decorrente da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, é por demais evidente que a mesma se não verifica também.
Com efeito, como é jurisprudência deste Tribunal, tal nulidade só se verifica quando haja a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a sua insuficiência ou mediocridade.
Ora, na decisão recorrida estão bem explicitados os fundamentos de facto e de direito que o Mmo. Juiz a quo julgou relevantes para a improcedência da impugnação, pelo que também esta nulidade se não verifica.
- Resta, assim, apreciar, então, a questão de fundo que constitui o objecto do presente recurso e que se prende com a taxa de tributação, em sede de IVA, das sementes destinadas à alimentação de aves canoras e ornamentais, ou seja, a interpretação do ponto 3.5 da lista I anexa ao CIVA.
O CIVA previa, na redacção aplicável ao caso, além da taxa normal de 19% uma taxa reduzida de 5% para as transmissões de bens constantes da lista I anexa, entre os quais se inclui no ponto 3.5 nomeadamente “sementes, bolbos e propágulos”.
Para o Mmo. Juiz a quo as sementes transformadas e comercializadas pela ora recorrente para fins de alimentação animal, designadamente para a alimentação de aves ornamentais e outras que não se destinam a alimentação humana não beneficiam da tributação em IVA à taxa reduzida de 5%.
Já para a recorrente a letra da lei não permite tal interpretação, sendo que o que dela se extrai é que todas as sementes, sem qualquer excepção, têm enquadramento naquela verba 3.5 da lista I anexa ao CIVA.
Além de que, destinando-se as sementes transaccionadas pela recorrente à criação de aves canoras, ornamentais e de fantasia, também esta actividade deve ser considerada uma actividade de produção agrícola e, como tal, tais bens devem também considerar-se incluídos na lista de bens designados como bens de produção da agricultura.
Todavia, também neste aspecto, carece a recorrente de razão, pois a interpretação do ponto 3.5 da lista I anexa ao CIVA feita na decisão recorrida pelo Mmo. Juiz a quo não merece qualquer censura.
De facto, as sementes referidas no ponto 3.5 da lista I anexa ao CIVA beneficiam da redução de taxa de IVA apenas e na medida em que sejam consideradas bens de produção da agricultura.
Como se ressalta na decisão recorrida, transcrevendo parte do preâmbulo do diploma que aprovou o CIVA, houve da parte do legislador português a preocupação de evitar o «salto demasiado brusco» que constituiria a passagem de uma situação de «isenção completa para uma tributação por taxa normal» relativamente a certas «categorias de bens, particularmente de bens alimentares, que, isentos de IT, não beneficiarão de isenção em IVA», pelo que foi criada uma lista de bens sujeitos à taxa reduzida.
E, nessa medida, se consagrou no ponto 3 da lista I a tributação à taxa de 5% dos bens de produção da agricultura, especificando, nas diversas subalíneas, quais os produtos agrícolas sujeitos a essa taxa reduzida.
Ora, analisando o ponto 3.5 dessa lista I, vemos que ali são incluídas sementes, bolbos e propágulos, produtos que visam a reprodução de plantas e que têm em comum o facto de permitirem, através do seu cultivo, darem origem a produtos agrícolas para consumo.
O que não sucede com as sementes comercializadas pela ora recorrente que visam, como vimos, a alimentação de aves canoras e ornamentais, sendo totalmente alheias à actividade agrícola.
Por outro lado, para que tais sementes pudessem integrar o ponto 3.3 da lista I anexa ao CIVA – no qual se incluem farinhas, resíduos e desperdícios das indústrias alimentares e quaisquer outros produtos próprios para alimentação de gado e de outros animais, incluindo os peixes de viveiro, destinados a alimentação humana – era necessário que as mesmas se destinassem à alimentação de animais que, por sua vez, se destinassem à alimentação humana, o que também não é o caso, pois trata-se de aves canoras e ornamentais.
Razão por que se entenda, por isso, do mesmo modo que o fez na decisão recorrida o Mmo. Juiz a quo, que as sementes comercializadas pela recorrente, que visam a alimentação de aves canoras e ornamentais, que não se destinam à alimentação humana, não beneficiam da tributação em IVA à taxa reduzida de 5%, por não se integrarem na alínea 3.3 nem em qualquer das categorias de bens mencionados no ponto 3 da lista I anexa ao CIVA.
A decisão recorrida deve, por isso, ser confirmada.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 16 de Novembro de 2011. – António Calhau (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.