Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01004/10
Data do Acordão:03/10/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
PRAZO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
GARANTIA
Sumário:I - A questão da prescrição é de conhecimento oficioso mesmo em sede de impugnação judicial tendo em vista a eventual inutilidade superveniente da lide.
II - Para determinar se o prazo de prescrição aplicável é o do CPT ou o da LGT apenas há que atentar no que estabelece o artigo 297.º, n.º 1 do CC, de acordo com o qual a regra é a aplicação do novo prazo, a não ser que da aplicação do mesmo, ainda que mais curto, resulte um termo mais tardio do que o que resultaria da lei antiga.
III - Verificando-se a ocorrência, antes de 1 de Janeiro de 2007 (data da entrada em vigor da Lei n.º 53.º-A/2006, de 29 de Dezembro), de várias causas de interrupção da prescrição da prescrição - citação do executado e dedução de impugnação judicial - cada uma delas produz os seus efeitos próprios no decurso do prazo.
IV - As causas de interrupção da prescrição ocorridas antes da alteração do n.º 3 do artigo 49.º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminação do período de tempo anterior à sua ocorrência e suspensão do decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
V - Por força do disposto no n.º 2 do artigo 49.º da LGT, na redacção anterior à Lei 53-A/2006, de 29/12, a impugnação judicial interrompe o prazo de prescrição, cessando, porém, esse efeito se este processo estiver parado por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, somando-se neste caso o tempo que decorrer após esse período ao que decorreu até à data da autuação do processo.
VI - Embora tal norma esteja hoje revogada, a mesma continua a ser aplicável aos factos interruptivos pretéritos cujo período de paragem se completou antes da entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12.
VII - A paragem da execução fiscal por motivo de prestação de garantia pela executada é-lhe imputável, pois a sua actuação impede o órgão da execução fiscal de prosseguir com ela.
VIII - Assim sendo, nos termos do disposto nos artigos 49.º, n.º 3 da LGT e 169.º do CPPT, suspenso o processo de execução, na sequência da interposição de impugnação judicial e da prestação de garantia, o prazo de prescrição manter-se-á suspenso enquanto durar aquela suspensão.
Nº Convencional:JSTA00066859
Nº do Documento:SA22011031001004
Data de Entrada:12/14/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF VISEU PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL. / EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CCIV66 ART12 ART297.
CPPTRIB99 ART170 ART175.
CPTRIB91 ART34 N1.
LGT98 ART48 N1 ART49 N2 N3 ART52 N4.
DL 398/98 DE 1998/12/17 ART6.
L 53-A/2006 DE 2006/12/29 ART91.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC659/08 DE 2009/03/11.; AC STA PROC160/09 DE 2009/03/04.; AC STA PROC1/11 DE 2011/01/26.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CPPT ANOTADO E COMENTADO 5ED PAG205.
JORGE DE SOUSA SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA 2ED PAG52 PAG53 PAG72 PAG73.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I - A representante da Fazenda Pública, não se conformando com a decisão do Mmo. Juiz do TAF de Viseu que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, de impugnação judicial deduzida por A…, Lda., com os sinais dos autos, contra as liquidações adicionais de IVA de 1996, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
A) Vem a presente impugnação interposta contra as liquidações adicionais de IVA do exercício de 1996 e respectivos juros compensatórios;
B) O Mmo. Juiz a quo, conhecendo da prescrição, julgou extinta a impugnação por inutilidade superveniente da lide;
C) Por errónea interpretação e aplicação do art.º 297.º do Código Civil, no sentido que o mesmo integra uma regra de aplicação global do regime mais favorável ao devedor;
D) Quando o mesmo visa, apenas, as leis que alteram prazos, não estando abrangidas na sua previsão as leis que alteram causas de suspensão ou de interrupção da prescrição;
E) Pelo que a aplicação do prazo de prescrição efectuada, nos termos em que o foi, carece de suporte legal.
Contra-alegando, veio a impugnante, ora recorrida, defender que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida, embora com fundamentos não inteiramente coincidentes, e, sempre, julgando extintas as obrigações tributárias e extinta a instância, como é de Justiça.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal, tendo vista, não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Mostram-se provados os seguintes factos:
A) Nestes autos impugnam-se as liquidações adicionais de IVA de 1996 - cfr. cabeçalho da petição inicial e docs. de fls. 17 a 29, aqui dados por reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;
B) As referidas liquidações foram objecto de reclamação nos termos do artigo 91.º da LGT instaurada em 20-05-1999, cuja decisão final foi comunicada à impugnante em 06-08-1999 - vide fls. 28 e 36 do processo administrativo;
C) Os presentes autos foram instaurados em 19-01-2000 e, por razões estranhas à impugnante, pararam entre 06-11-2001 e 18-11-2002 - cfr. fls. 35;
D) O processo de execução destinado à cobrança coerciva das quantias originadas nas liquidações em causa nestes autos foi instaurado em 28-04-2000, nele não se tendo verificado qualquer pagamento ou adesão ao “Plano Mateus”, mas encontrando-se suspenso, desde, pelo menos, Outubro de 2002, por prestação de garantia - vide informação de fls. 53.
III - Vem o presente recurso interposto da decisão do Mmo. Juiz do TAF de Viseu que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, de impugnação judicial deduzida por A…, Lda., com os sinais dos autos, contra as liquidações adicionais de IVA de 1996, por considerar que a obrigação tributária em causa nestes autos se mostrava prescrita.
Para tanto, considerou o Mmo. Juiz a quo que, tendo o prazo de prescrição começado a correr em 1/1/97 e apesar de interrompido em 20/5/99, por força da reclamação apresentada, em 19/1/2000, data em que foi instaurada a presente impugnação judicial, parada por razões alheias à impugnante entre 6/11/2001 e 18/11/2002, e voltado a correr a partir de 7/11/2002, a prescrição já ocorrera em Junho de 2010, uma vez que não se aplicava neste caso o prazo previsto na LGT mas sim o prazo do CPT.
Alega a recorrente FP que, nos termos do artigo 297.º do CC, o prazo aplicável é, antes, o previsto na LGT, daí decorrendo, em consequência, que a prescrição não teria ainda ocorrido por força da suspensão da execução, entretanto instaurada, em consequência da prestação de garantia.
Contra-alegando, veio a impugnante sustentar a decisão recorrida, invocando que o prazo de prescrição foi interrompido logo à data da autuação da reclamação apresentada e, tendo a impugnação estado parada por mais de um ano por facto que lhe não é imputável, sendo irrelevante a instauração posterior da execução e a prestação da garantia nesta prestada, por não serem causas interruptivas da prescrição, a prescrição ter-se-ia consumado em 18/5/2010.
Vejamos. Certo é que a questão da prescrição é de conhecimento oficioso mesmo em sede de impugnação judicial tendo em vista a eventual inutilidade superveniente da lide, no pressuposto que os autos forneçam os dados necessários para o efeito e ainda não tenha transitado em julgado decisão final sobre o objecto da causa, o que acontece no caso “sub judicio”- cfr. artigo 175.º do CPPT; Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, a fls. 205, anotação 4 ao mesmo artigo e acórdão de 11/03/09, no recurso n.º 659/08.
Sendo assim, importa, então, apurar se no caso se encontra prescrita a obrigação tributária relativa a IVA de 1996, em causa nos autos.
O prazo de prescrição aplicável ao tempo era o de 10 anos, contado do início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário, nos termos do art. 34.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário.
Sucede que, com a entrada em vigor da LGT (1/1/99 - artigo 6.º do DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro), esse prazo foi reduzido para 8 anos.
Assim, em face da sucessão de diferentes prazos prescricionais, importará começar por apurar qual o prazo aplicável na situação em apreço.
Para tanto, cumpre convocar a regra estabelecida no artigo 297.º, n.º 1 do CC, de acordo com a qual deverá aplicar-se o prazo mais curto, que se conta a partir da entrada em vigor da lei nova, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
A contagem do prazo de 10 anos previsto no n.º 1 do artigo 34.º do CPT teve o seu início em 1/1/97, sendo que, à data de entrada em vigor da LGT, em 1/1/1999, mesmo que não tivessem ocorrido quaisquer factos interruptivos ou suspensivos da prescrição, sempre faltariam ainda 8 anos para se completar o prazo de prescrição, ou seja, nunca faltaria, segundo a lei antiga, menos tempo para o prazo se completar do que o previsto nesta lei, pelo que se impõe concluir, assim, que será de atender ao novo prazo de 8 anos previsto na lei nova (artigo 48.º, n.º 1 da LGT), contado a partir da respectiva entrada em vigor.
Há que considerar, contudo, a ocorrência de factos interruptivos e/ou suspensivos da prescrição, susceptíveis de influir no decurso do prazo, sendo aplicáveis ao caso dos autos os previstos na lei vigente à data que ocorreram, ex vi do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.
Nos termos do n.º 1 do artigo 49.º da LGT, na redacção anterior à Lei 100/99, de 26/7, a reclamação e a impugnação interrompem a prescrição, mas já não a instauração da execução, como sucedia no domínio do artigo 34.º do CPT.
Contudo, com a alteração introduzida por aquela lei, também a citação passou a constituir facto interruptivo da prescrição.
E, conforme consta da informação junta aos autos, a fls. 55, a citação ocorreu em 24 de Outubro de 2002.
Dispõe o actual n.º 3 do artigo 49.º da LGT, que a interrupção da prescrição tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar, mas esta norma, porque apenas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007, apenas será aplicável se ocorrerem novos factos interruptivos já depois da sua entrada em vigor, não prejudicando os que antes dessa data, tiverem ocorrido.
Ora, quer a reclamação, quer a impugnação, quer a citação são anteriores a 1 de Janeiro de 2007, pelo que haverá três factos interruptivos a considerar, sendo ambos relevantes para efeitos do cômputo do prazo (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária: Notas Práticas, 2.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2010, pp. 72/73).
Importa, igualmente, considerar que, embora o então n.º 2 do artigo 49.º da LGT - nos termos do qual a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação - esteja hoje revogado, e o legislador tenha determinado que essa revogação se aplica aos prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, ainda que não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo (artigo 91.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro), tal norma continua a ser aplicável aos factos interruptivos pretéritos cujo período de paragem se completou antes da entrada em vigor daquela lei (1 de Janeiro de 2007).
Ora, aplicando o exposto ao caso dos autos, temos como factos relevantes para a sua apreciação que a reclamação instaurada em 20/5/1999 já findou, tendo a sua decisão final sido comunicada à impugnante em 6/8/1999.
O efeito interruptivo derivado da sua instauração não degenerou em efeito suspensivo, nos termos do aludido n.º 2 do artigo 49.º da LGT.
Já, quanto à impugnação judicial instaurada em 19/1/2000, se constata que, por razões a que a impugnante é totalmente alheia, a mesma esteve parada entre 6/11/2001 e 18/11/2002, como se vê a fls. 35 dos autos.
Daí que, de acordo com o n.º 2 do artigo 49.º da LGT, na redacção então em vigor, a paragem do processo nessas circunstâncias faz cessar o efeito interruptivo, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
Haveria, assim, que voltar a contar-se o prazo de prescrição a partir de 7/11/2002.
Só que sucede que, entretanto, ocorreu a citação em 24 de Outubro de 2002 na execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da dívida aqui em causa, citação que, nessa data, também já constituía causa de interrupção da prescrição, nos termos do n.º 1 do artigo 49.º da LGT, na redacção dada pela Lei 100/99, de 26 de Julho, como vimos, e, por isso, produzindo os efeitos que a lei vigente no momento em que ela ocorreu associava à sua ocorrência.
Sendo que a regra constante do n.º 3 do artigo 49.º da LGT, na redacção dada pela Lei 53.º-A/2006, de 29 de Dezembro, não tem aqui aplicação, por força do artigo 12.º, n.º 2 do CC.
É certo que o processo executivo se mostra sem qualquer diligência desde Outubro de 2002, por prestação de garantia (v. alínea D) do probatório e informação de fls. 55).
Mas a paragem da execução fiscal, por motivo da garantia prestada pela executada, ora recorrida, é-lhe imputável, pois a sua actuação impede o órgão da execução fiscal de prosseguir com ela.
E, assim sendo, nos termos do disposto nos artigos 49.º, n.ºs 2 e 3 da LGT e 169.º do CPPT, tendo o processo de execução fiscal ficado suspenso, o prazo de prescrição também ficou suspenso (v., neste sentido, entre outros, os acórdãos deste Tribunal de 4/3/09 e de 26/1/2011, proferidos nos recursos n.ºs 160/09 e 1/11, respectivamente).
Há, pois, no caso dos autos, que considerar, assim, para cômputo do prazo de prescrição, a suspensão do prazo em virtude da dedução de impugnação judicial, ex vi do então vigente n.º 3 do artigo 49.º da LGT, pois que esta foi acompanhada da prestação de garantia para suspender a execução fiscal.
É que, como diz JORGE LOPES DE SOUSA (Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária: Notas Práticas, 2.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2010, pp. 52/53), nos termos do art. 49.º n.º 3, da LGT, na redacção introduzida pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho, estabeleceu-se que «o prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso».
«A paragem do processo de execução fiscal por motivo de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial ocorre nos casos em que o uso desses meios impugnatórios é acompanhado de prestação de garantia (à prestação de garantia será de considerar equivalente a sua dispensa, nos termos dos arts. 52.º n.º 4, da LGT e 170.º do CPPT) ou penhora de bens suficientes para pagamento da dívida exequenda e do acrescido (art. 169.º n.º 1, do CPPT).».
Razão por que a prescrição da obrigação tributária aqui impugnada se não mostra, pois, prescrita.
A decisão recorrida não pode, por isso, manter-se, devendo o processo ser devolvido ao tribunal recorrido para apreciação das questões suscitadas na petição de impugnação, e não conhecidas por se mostrar prejudicado o seu conhecimento face à questão da prescrição, por manifesta insuficiência da matéria de facto constante do probatório para conhecimento em substituição por este Tribunal.
IV - Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, por não se mostrar prescrita a obrigação tributária impugnada, e ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para, após fixação da matéria de facto pertinente, conhecimento das demais questões suscitadas na petição de impugnação.
Custas pela recorrida, fixando-se a taxa de justiça devida em 1/6.
Lisboa, 10 de Março de 2011. – António Calhau (relator) – Casimiro GonçalvesDulce Neto.