Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0194/11
Data do Acordão:11/16/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:IMPOSTO SOBRE PRODUTOS PETROLÍFEROS
GASÓLEO
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Sumário:A norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, na medida em que responsabiliza os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pelo pagamento do ISP resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no sistema de controlo subjacente à obrigatoriedade de a venda ser feita a titulares de cartões com microcircuito, é organicamente inconstitucional, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição.
Nº Convencional:JSTA00067230
Nº do Documento:SA2201111160194
Data de Entrada:03/03/2011
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:DIRECTOR-GERAL DAS ALFÂNDEGAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IMPOSTOS ESPECIAIS DE CONSUMO
Área Temática 2:DIR CONST - SISTEM FINANC FISC
Recusa Aplicação:PORT 234/97 DE 1997/04/04 PAR7
Legislação Nacional:PORT 234/97 DE 1997/04/04 PAR7
CIEC99 ART3 N2 E ART74
ETAF02 ART1 N2
CONST76 ART103 N2 ART165 N1 I
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC363/07 DE 2007/10/03; AC STA PROC836/08 DE 2008/12/03; AC STAPLENO PROC173/10 DE 2010/12/16; AC TC PROC1090/07 DE 2008/06/18
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1.1. A…, Lda, melhor identificada nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial que instaurou contra a liquidação do Imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) e juros compensatórios no valor global de 10.171,90€.
Nas respectivas alegações, concluiu o seguinte:
a) A douta decisão recorrida julgou parcialmente improcedente a impugnação, na parte referente a ISP e juros compensatórios do ano de 2002, por entender que "a impugnante não observou as formalidades substanciais exigidas pela referida Portaria, e uma vez que a taxa reduzida de imposto estava dependente do cumprimento dessas formalidades, não tendo esta sido cumprida, não se verificam todos os pressupostos do beneficio fiscal, devendo o sujeito passivo pagar o imposto, por isso, à taxa normal".
b) Porém, a douta sentença recorrida incorre em erróneo julgamento de direito, em contradição com as mais recentes posições assumidas por este Supremo Tribunal Administrativo e com a jurisprudência do Tribunal Constitucional.
c) O Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 176/2010 do Plenário de 5 de Maio de 2010, proferido no recurso nº 400/09, decidiu julgar organicamente inconstitucional, por violação dos artigos 103.°, nº 2, e 165.°, nº 1, alínea i), da Constituição (na sua numeração actual), a norma do § 7.° da Portaria nº 234/97, de 4 de Abril e a norma do artigo 3.°, nº 2, alínea e) do CIEC (na redacção anterior às alterações pela Lei nº 53- A/2006, ao artigo 74.° deste Código), na medida em que responsabiliza os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pelo pagamento do ISP resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no sistema de controlo subjacente à obrigatoriedade de a venda ser feita a titulares de cartões com microcircuito.
d) Posição de inconstitucionalidade que já anteriormente o Supremo Tribunal Administrativo havia pronunciado, no Acórdão de 3/10 /2007, no processo nº 363/07, e mais recentemente no Acórdão de 16/12/2010, no processo nº 0173/10.
e) Com efeito, a Portaria nº 234/97, no seu § 7, inovou em matéria de incidência subjectiva, ao determinar que a venda ao público de gasóleo colorido e marcado sem registo no sistema informático tomava o imposto devido à taxa prevista para o gasóleo rodoviário, sendo responsáveis pelo pagamento da diferença do imposto os proprietários ou responsáveis legais pela exploração dos postos de abastecimento, quando se detectar que a venda foi feita sem obediência aos formalismos legais.
f) Ou dito de outro modo, a referida portaria introduziu uma responsabilização de sujeitos passivos pela diferença de imposto, que antes não estava prevista no Decreto-Lei nº 123/94. Nem tal previsão, da responsabilização dos responsáveis pela exploração dos postos de abastecimento no pagamento da diferença do imposto, estava consagrada na lei habilitante (Lei nº 87-B/98 de 31/12) ao abrigo da qual o Governo decretou o Código do Imposto Especiais de Consumo (CIEC), revelando este diploma um carácter inovador no artigo 3°, n.º 2, alínea e).
g) Assim, a tipificação dos elementos objectivos e subjectivos da Portaria em conjugação com a alínea e) do n.º 2 do artigo 3° e artigo 74° do CIEC (na redacção anterior à Lei nº 53-A/2006), é organicamente inconstitucional por violação do princípio constitucional da reserva de lei.
h) De acordo com a douta fundamentação do Acórdão n.º 176/2010 do Tribunal Constitucional «não está apenas em causa o carácter inovatório daquele segmento normativo do § 7º da Portaria nº 234/97, mas também o carácter inovatório do próprio artigo 3º nº 2, alínea e), do Código dos IEC. ( .. .) Em suma, as situações de "venda" (mais tarde, expressamente contempladas na alínea e) do n.º 2 do artigo 3.º do Código dos IECJ não são assimiláveis às situações de "introdução no consumo" previstas no nº 2 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 123/94. (. . .) Em suma, uma leitura contextualizada e sistémica dos conceitos indeterminados constantes da norma do nº 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 123/94 não permite a interpretação de que esta norma é susceptível de abranger os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos de abastecimento enquanto responsáveis pelo pagamento da diferença entre a taxa normal e a taxa reduzida, nos casos de venda irregular acima referidos.»
i) Atendendo ao que antecede, ainda que a douta sentença recorrida tenha julgado inexistir prova da observância do formalismo legalmente exigido na Portaria n.° 234/97, não pode a impugnante ser responsabilizada pelo pagamento da liquidação de ISP e juros compensatórios do ano de 2002, decorrente da diferença entre o imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e ao imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado, vendido sem observância do formalismo legal.
j) Em face do juízo de inconstitucionalidade orgânica do § 7 da Portaria nº 234/97 e do artigo 3°, nº 2, alínea e) do CIEC, conclui-se que a douta sentença incorreu em errónea interpretação e aplicação do direito, em violação dos artigos 103º, nº 2, e 165.°, nº l , alínea i) da Constituição da República Portuguesa.
1. Houve contra-alegações.
2. O Ministério Público não se pronunciou.
3. A sentença deu como assente os seguintes factos:
a) A impugnante foi alvo de uma inspecção levada a cabo pela Direcção de Serviços Antifraude - Divisão Operacional do Sul no âmbito da qual foi elaborado do relatório de fls. 4 a 7 do processo de cobrança apenso, que se dá por integralmente reproduzido, do qual se destaca o seguinte:
«( .. .)
- a empresa veio defender, na sua resposta à Audição Prévia, não haver imposto em falta, uma vez que as quantidades de gasóleo colorido e marcado vendidas foram sempre objecto de registo num terminal informático (P.0.5.);
-segundo a A…, houve um acordo com o responsável da B…, S.A. (NIF …) o Sr. C…, para que, enquanto não dispusessem de um P.0.5. nas suas instalações, utilizassem o terminal informático n. o 00388, existente nas instalações da B…;
- como prova destas afirmações, a empresa limita-se a juntar à sua Resposta à Audição Prévia indicação de registos efectuados no P.O.S. nº 00388, que alega dizerem respeito a vendas efectuadas pela A….
De acordo com o artigo 74° da Lei Geral Tributária (L.G. T.), aprovada pelo Decreto-Lei n» 398/98 de 17.12, o ónus da prova dos factos, recai sobre quem os invoque.
No presente caso, não nos parece ser prova suficiente a simples indicação de alguns registos de uma listagem que diz respeito a um terminal informático de outra empresa. Ainda mais que várias empresas utilizaram este mesmo terminal para registo das suas vendas.
Uma outra questão que levanta dúvidas diz respeito às quantidades: as quantidades de gasóleo colorido e marcado "justificadas" na Resposta à Audição Prévia totalizam 41.367 litros, no entanto nos registos contabilísticos da A… só se encontram registados 35,121 litros deste produto, para o mesmo período (ver Mapa de Trabalho em anexo), ou seja, a empresa está a justificar mais quantidade do que aquela que registou como vendas na sua contabilidade.
De modo a tentar esclarecer estas questões, foi notificada a empresa B…, S.A., para se pronunciar sobre estes registos do P.0.5. n. o 388 (N/ Ofícios n.? 981 de 11.10.2004 e nº 1271 de 16.11.2004), no entanto não obtivemos qualquer resposta por parte desta firma.
Face a todas estas questões, não se consideram suficientes as provas apresentadas pela A… mantendo-se assim as conclusões referidas na Informação nº,» 215/04:
Vendas de Gasóleo Colorido e Marcado
Da análise da contabilidade da empresa verifica-se que as vendas não são suportadas por factura. A empresa procede à quantificação das saídas do Posto através da diferença das quantidades existentes nos depósitos no início e no final do mês, sendo esse o valor registado na Contabilidade (ver Anexo 3).
Comparação dos registos dos P.O.S. e das vendas registadas na contabilidade da empresa.
Como pode ser observado através do Mapa de trabalho, procedemos à comparação dos registos dos P.O.S. com as quantidades inscritas na contabilidade.
Verificámos que, para o período compreendido entre o início de actividade da empresa (Maio de 2002) e Abril de 2003, foram registados 35.121 litros de gasóleo colorido e marcado na contabilidade geral da empresa, relativamente aos quais não foram apresentadas provas conclusivas sobre o seu correcto registo nos terminais informáticos, como já foi acima referido.
De Maio a Agosto de 2003, o P.O.S. n.º 000 447 (ver Anexo 2), que a A… afirma ter utilizado inicialmente, apresenta movimentos no montante de 17.838 litros, enquanto que na contabilidade da empresa os registos totalizam 19.656 litros de gasóleo colorido e marcado (ver Anexo 3).
A partir de Setembro de 2003 entrou em funcionamento o P.O.S. nº 219 514 (cujos registos aparecem já em nome da A… - ver Anexo 2). Também neste caso se verifica que as quantidades registadas no terminal informático são inferiores às quantidades registadas na contabilidade como vendas (ver Anexo 3) - apurou-se uma diferença de 932 litros.
Fundamento e Apuramento da Dívida
Segundo o disposto nos nº 7 e nº 8 da Portaria nº 234/97 de 04.04, os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado, só poderão vender o produto aos titulares de cartões com micro circuito ( ... ) sendo responsáveis pelo pagamento do I.S.P. e respectivo I.V.A. resultantes da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas, acrescentando o diploma que o controlo das quantidades vendidas pelos postos é da competência da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e terá por base a informação constante nos sistemas informáticos.
Assim, só são passíveis de ser controladas as quantidades de gasóleo colorido e marcado que se encontram registadas nos P.O.S. acima mencionados. Relativamente às restantes, não é possível determinar se foram cumpridos os requisitos exigidos para a concessão da taxa de I.S.P. reduzida, ou seja, se este gasóleo foi efectivamente vendido a titulares de cartões de micro-circuito.
Assim, conjugando esta norma da Portaria nº 234/97 de 04.04 com a alínea a) do nº 3 do artigo 7° do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (C.I.E.C.), aprovado pelo Decreto-Lei nº 566/99 de 22.12, que estabelece a exigibilidade do imposto no momento da violação dos pressupostos da isenção, procedeu-se ao apuramento do imposto em falta, tendo sido determinada uma prestação tributária em sede de I. S. P. no montante de 8.944 € (oito mil novecentos e quarenta e quatro euros), referentes a 37.871 litros de gasóleo colorido e marcado registados na contabilidade da empresa e que não estão inscritos nos movimentos dos P.O.S. - todos os cálculos efectuados encontram-se reflectidos no Mapa de Trabalho (ver Anexo 1).
CONCLUSÕES
A empresa A… é revendedora de combustíveis desde Maio de 2002, explorando um posto de abastecimento em … - Porto de Mós, que também comercializa gasóleo colorido e marcado.
Para registo das quantidades vendidas de gasóleo colorido e marcado possui actualmente o P.O.S. nº 219 514, tendo declarado que anteriormente o registo era feito noutro terminal informático existente nas suas instalações - P.O.S. nº 000 447. Referiu ainda que no início da actividade utilizava o P.O.S. existente nas instalações de outra firma sitas em Parceiros de Igreja, mas não apresentou provas conclusivas.
Comparando as quantidades registadas na contabilidade da empresa com as quantidades dos movimentos dos citados P.O.S., verificamos que se registaram vendas de gasóleo colorido e marcado que não foram registadas em terminal informático.
De acordo com a legislação em vigor, e acima mencionada, estas quantidades não devidamente registadas são passíveis de pagamento de imposto, referente à diferença entre a taxa de gasóleo rodoviário e a taxa de gasóleo colorido e marcado que vigorem à data dos factos.
Assim sendo, foi apurada uma dívida em sede de I.S.P. no montante de 8.944 C (oito mil novecentos e quarenta e quatro euros), devendo a empresa proceder à liquidação do correspondente I.V.A. junto das autoridades competentes.
(. .. ). »
B) A coberto do ofício nº 001582, em 11/04/2005, a impugnante foi notificada para proceder ao pagamento da quantia de 10.171,90€, sendo 8.944,00€ respeitante a ISP-Gasóleo e 1.227,90€ referente a juros compensatórios - fls. 78 a 81 do processo de cobrança apenso.
C) A impugnante comprou à B…, Lda, 23.480 litros de gasóleo colorido, no ano de 2002 e, no ano de 2003, 24.500 litros - fls. 50 a 68.
D) A impugnante e outras clientes da B…, Lda, utilizavam o POS desta última empresa para registo das vendas de gasóleo colorido e marcado - facto referido pela testemunha C….
3. A ora recorrente impugnou o acto de liquidação do ISP e juros compensatórios, no valor de 10.171,90€, emitido na sequência de um relatório de uma inspecção efectuada à sua empresa pela Direcção de Serviços Antifraude, alegando erro nos pressupostos de facto, por não ser verdade que tenha vendido gasóleo colorido e marcado a clientes que não eram titulares de cartões com microcircuito.
A sentença recorrida considerou (i) ilegal a liquidação relativamente ao gasóleo adquirido pela impugnante no ano de 2003, porque os cartões microcircuito caducaram em Janeiro desse ano e não estar demonstrado que o gasóleo existente em depósito nessa data tivesse por destino o aquecimento, (ii) e julgou improcedente a impugnação da liquidação relativamente ao gasóleo adquirido em 2002, por estar demonstrado que o impugnante não observou o formalismo previsto na Portaria nº 234/97 de 4/4, ou seja, que tenha registado as vendas no sistema informático POS (Point of Sail, gerido pela SIBS) e nos movimentos contabilísticos do posto de abastecimento.
Conforme se vê das conclusões acima transcritas, a recorrente não se insurge contra o julgamento de facto efectuado na sentença, mas contra a norma com base na qual foi liquidado o ISP - o artigo 7º da Portaria nº 234/97 de 4/4 – que no seu entender é organicamente inconstitucional, por violação do princípio constitucional da reserva de lei estabelecido nos artigos 103º, nº 2, e 165.°, nº l , alínea i) da Constituição da República Portuguesa, uma vez que, tendo inovado em matéria de incidência subjectiva do imposto, precisava de ser criada ou autorizada por lei da Assembleia da República.
A legalidade da norma do artigo 7º da Portaria nº 234/97, na vertente de reserva de lei ou conformidade, quanto à natureza do parâmetro normativo requerido pela Constituição, já foi objecto de várias decisões, quer do Tribunal Constitucional quer do Supremo Tribunal Administrativo, tendo-se consolidado a tese de que aquela norma (e também a alínea e) do nº 2 do art. 3º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo – CIEC aprovado pela DL nº 566/99 de 22/12) é organicamente inconstitucional.
Aquele artigo 7º prescreve o seguinte: «Os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado só poderão vender o produto aos titulares de cartões com microcircuito, emitidos sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, sendo responsáveis pelo pagamento do ISP e respectivo IVA resultantes da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no movimento contabilístico do posto».
A questão da constitucionalidade desta norma foi levantada pela primeira vez no acórdão do STA de 3/10/2007, proferido no recurso nº 363/07, onde se considerou que, qualquer que seja a perspectiva, a estatuição contida nessa norma insere-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República: «é uma norma que prevê o pagamento da taxa correspondente ao gasóleo rodoviário relativamente a factos tributários que não consistem na comercialização deste tipo de mercadoria, sendo desta perspectiva, uma norma definidora da incidência objectiva do ISP; ou, doutra perspectiva, uma norma que «impõe a quem não vendeu gasóleo rodoviário o pagamento do imposto correspondente à sua comercialização, na parte em que este imposto excede o correspondente à comercialização de gasóleo marcado e colorido, sendo, desta óptica, uma norma que define a incidência subjectiva do ISP»; Ou, ainda doutra perspectiva, a norma «reconduz-se a aplicar a taxa correspondente à comercialização de gasóleo rodoviário, à comercialização de gasóleo marcado e colorido, sendo, por isso, uma norma definidora da taxa aplicável à comercialização deste tipo de gasóleo, em termos diferentes da prevista no Código, nas circunstâncias aí indicadas».
Este acórdão foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, tendo este decidido, em acórdão de 18/6/2008, com o n.º 321/2008, e publicado no DR II Série, n.º 154, que a norma constante do n.º 7 da Portaria 234/97, de 4 de Abril, não reveste carácter inovatório, limitando-se a precisar mecanismos de cobrança do imposto devido nos termos dos artigos 3.º, n.º 2, alínea e) e 74.º do CIEC, não sendo, por isso, inconstitucional na parte em que prevê a responsabilidade dos proprietários ou dos responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pela diferença entre o montante do ISP liquidado e pago e a que seria devida se se tratasse de gasóleo rodoviário.
Nesse acórdão argumentou-se que, «mesmo antes da introdução da redacção actualmente vigente do n.º 5 do artigo 74º do CIEC – recorde-se, pelo artigo 69º da Lei n.º 53-A/2006, de 31 de Dezembro –, aquele diploma legal já permitia concluir pela responsabilidade tributária dos vendedores de gasóleo colorido ou marcado a consumidores não portadores de cartão válido. É que, sempre que o gasóleo não se destinasse àquelas finalidades, seria evidente que a venda se afiguraria como irregular, ficando sujeita à taxa normal de imposto especial sobre o consumo. Ora, na medida em que a alínea e) do n.º 2 do artigo 3º do CIEC sempre determinou a sujeição a imposto das pessoas singulares ou colectivas que vendessem, de modo irregular, produtos sujeitos a imposto especial de consumo, torna-se forçoso concluir que o disposto no § 7º da Portaria n.º 234/97 não pode afigurar-se como inovatório face ao já preceituado nos referidos preceitos legais do CIEC».
A conclusão a que chegou o Tribunal Constitucional nesse processo, acabou por influenciar de certo modo uma nova decisão do STA sobre a mesma matéria, tomada no recurso nº 836/08, de 3/12/2008, onde, embora com voto de vencido, se aderiu àqueles argumentos, julgando-se que «o n.º 7 da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, não é material nem organicamente inconstitucional, na parte em que prevê a responsabilidade dos proprietários ou dos responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pela diferença entre o montante do ISP liquidado e pago e a que seria devida se se tratasse de gasóleo rodoviário, em relação às quantidades vendidas e não devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões com microcircuito atribuídos».
Tendo sido interposto recurso deste acórdão, o Tribunal Constitucional, reunido em plenário, refez a posição anteriormente tomada no acórdão nº 321/2008, e decidiu julgar organicamente inconstitucional, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição (na sua numeração actual), a norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, na medida em que responsabiliza os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pelo pagamento do ISP resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no sistema de controlo subjacente à obrigatoriedade de a venda ser feita a titulares de cartões com microcircuito.
Depois de pôr em confronto o conteúdo prescritivo da norma do nº 7 da mencionada Portaria (e do próprio artigo 3º, nº 2 alínea e) do CIEC), com o quadro legal anterior, concluiu que «uma leitura contextualizada e sistémica dos conceitos indeterminados constantes da norma do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 123/94 não permite a interpretação de que esta norma é susceptível de abranger os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos de abastecimento enquanto responsáveis pelo pagamento da diferença entre a taxa normal e a taxa reduzida, nos casos de venda irregular acima referidos. O que leva a concluir pela “novidade” da previsão normativa constante do § 7.º da Portaria n.º 234/97, relativamente à legislação que a antecedeu».
E na medida em que anteriormente nada se previa quanto às condições em que se verifica a responsabilidade dos proprietários e responsáveis legais pela exploração de postos de abastecimento no conjunto dos sujeitos passivos, nada se definia sobre a incidência objectiva e subjectiva relativamente a um “produto petrolífero misto” para efeitos tributários, com as “características físicas do gasóleo colorido e marcado, mas a que é aplicável a taxa do gasóleo rodoviário”, conclui-se que o § 7 da Portaria nº 234/97 é organicamente inconstitucional, por violação do princípio constitucional da reserva da lei fiscal.
A divergência de soluções quanto à questão da constitucionalidade desta norma tomadas nos acórdãos do STA nº 363/07 e nº 836/08, acima referidos, os quais também foram objecto de acórdãos divergentes do Tribunal Constitucional, foi por sua vez objecto do recurso por oposição de julgados – o recurso nº 173/10 - tendo o Pleno da Secção do Contencioso Tributário assumido a última posição do Tribunal Constitucional no acórdão de 16/12/2010. Para o STA, na respectiva Secção, está assente que o § 7 da Portaria nº 234/97 sofre de inconstitucionalidade orgânica.
Remetendo-se para a fundamentação deste último acórdão, com o qual se concorda inteiramente, considera-se também que «de acordo com o disposto no nº 5 do art. 74º do CIEC (na redacção introduzida pelo DL 223/2002, de 30/10, que é a aplicável tendo em conta a data dos factos) a venda de gasóleo marcado e colorido com violação do disposto no nº 4 do mesmo normativo, faz incorrer os responsáveis pela venda, aquisição ou consumo nas sanções previstas no RGIT ou em legislação especial, não resultando do mesmo CIEC que a venda de gasóleo marcado e colorido a quem não seja titular de cartão com microcircuito, altere a natureza jurídica desse gasóleo, designadamente que estabeleça que ele passa a ser considerado gasóleo rodoviário, ficando a sua comercialização sujeita às taxas aplicáveis à comercialização deste tipo de produto petrolífero, havemos de concluir que o § 7 da Portaria nº 234/97, de 4/4, na medida em que atribui aos proprietários ou aos responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado, a responsabilidade pelo pagamento de ISP e IVA resultantes da diferença entre o imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e o imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no movimento contabilístico do posto, é uma norma que altera a taxa ou a incidência do ISP e, reflexamente, a incidência do IVA, nestas situações».
E igualmente se conclui que a «tipificação dos elementos objectivos e subjectivos exigidos para aquela responsabilização também não pode ser retirada da conjugação da dita Portaria com a al. e) do nº 2 do art. 3º e com o art. 74º, ambos do CIEC (na redacção anterior à Lei nº 53-A/2006), uma vez que aí apenas se estabelecia a obrigação de utilização de cartões de microcircuito em todos os abastecimentos efectuados (como forma de evitar situações de abastecimento de gasóleo colorido e marcado por pessoas que legalmente não podiam efectuar esses abastecimentos, ou seja, que não podiam beneficiar da taxa reduzida a estes aplicada), bem como a aplicação de “sanções” em caso de venda sem cumprimento destas regras. Ora, uma vez que a norma constante do § 7º da Portaria nº 234/97 tem natureza meramente regulamentar e, de acordo com o princípio da legalidade fiscal, os impostos e a definição dos seus elementos essenciais só podem ser criados por lei ou por decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa (cfr. al. i) do nº 1 e o nº 2 do art. 165º da CRP), há, finalmente, que concluir que aquele citado § 7 da Portaria nº 234/97 sofre da invocada inconstitucionalidade orgânica».
Em face de tudo o que se vem dizendo, e estando vedado aos tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (cfr. art. 204º da CRP e nº 2 do art. 1 do ETAF), a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, o que determina a sua anulação. Como o acórdão recorrido, em parte, aplicou o § 7 da Portaria 234/97, o mesmo não pode manter-se e consequentemente o recurso procede.
4. Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença proferida em 1ª instância, na parte impugnada, e julgar totalmente procedente a impugnação, assim se anulando a liquidação impugnada.
Custas pela recorrida, por ter contra-alegado, com procuradoria que se fixa em 1/8.
Lisboa, 16 de Novembro de 2011. – Lino Ribeiro (relator) – Valente Torrão – Dulce Neto.