Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01275/18.4BELRA
Data do Acordão:01/25/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:INSOLVÊNCIA
APENSAÇÃO
DESPACHO DE REVERSÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Decretada a insolvência do devedor originário devem ser sustados todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que, de novo, vierem a ser instaurados contra o mesmo devedor logo após a sua insaturação, incluindo os tramitados por apenso como é o caso da Oposição à Execução Fiscal, os quais devem ser apensados ao processo de insolvência (artigo 180.ºdo CPPT).
II – Do preceituado no artigo 180.º do CPPT não resulta uma atribuição genérica ou absoluta de competência do tribunal do processo de insolvência para decidir todas as questões que são objecto dos processos referidos em I, pelo que, nas situações em que a decisão das questões que neles estão a ser apreciadas não contendem com os créditos do insolvente ou quaisquer outros bens a integrar a massa falida, essa remessa ou apensação não se justifica, como sucede nos casos em que apenas estão suscitadas questões relativas à validade formal do despacho de reversão.
III – O despacho de reversão está formalmente fundamentado se dele consta a alegação dos pressupostos de que legalmente está dependente e é feita referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, não sendo exigível que nele se mostrem enunciados todos os factos e/ou diligências em que a Autoridade Tributária e Aduaneira suporta a conclusão de insuficiência patrimonial da devedora originária.
IV – É jurisprudência uniforme, e há muito consolidada neste Supremo Tribunal Administrativo, que a arguição de nulidade de citação em processo de execução fiscal tem, antes de mais, que ser suscitada junto do órgão de execução fiscal, a quem compete, num primeiro momento, dela conhecer e decidir, só devendo ser submetida em juízo, sendo desfavorável ao arguente, por meio de reclamação do acto do Chefe prevista e regulamentada nos artigos 276.º e seguintes do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P30492
Nº do Documento:SA22023012501275/18
Data de Entrada:07/12/2019
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:


ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. AA, inconformada com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a Oposição à Execução Fiscal por si deduzida no processo executivo nº 1929201501082434, originariamente instaurado contra a sociedade “T..., LDA”, interpôs recurso jurisdicional, em cujas conclusões conclui nos termos que infra reproduzimos:
«A. A Recorrente não se conforma com o teor decisório da sentença, considerando que a oposição judicial deveria ter sido reputada de procedente;

B. A reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários tem por fundamento legal, em especial, o disposto nos artigos 153.° e 160.° do CPPT e 22.° a 24.° da LGT;

C. De acordo com o previsto no artigo 153.°, n 1.°, e 2.°, alíneas a) e b), do CPPT, o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da: "1-Inexistência de bens penhoráveis do devedor ou dos seus sucessores ou; 2-Insuficiência do património do devedor para satisfação da dívida exequenda e acrescido”;

D. O artigo 23.°, n.° 1 e 2, da LGT, por sua vez, estabelece que: “1- A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal” e que "2 - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis subsidiários, sem prejuízo do benefício da excussão."

E. Do artigo 24.°, n.° 1, da LGT resulta que; "[o]s administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento."

F. Existem, assim, dois regimes distintos da responsabilidade do gestor, classificados de acordo com o fundamento pelo qual o gestor é responsabilizado, ou seja, i) a responsabilidade pela diminuição e ii) a responsabilidade pela falta de pagamento;

G. Estes regimes concretizam a extensão da responsabilidade conforme o prazo de pagamento voluntário das dívidas tenha ou não terminado no período do exercício da gestão;

H. Independentemente da modalidade de responsabilidade, esta obriga sempre a um juízo de censura, de culpa, em relação à actuação do gerente, pretendendo reprovar um lesante que poderia ter agido de modo diverso;

I. Os fundamentos do despacho de reversão foram a inexistência ou insuficiência de bens da devedora originária (artigo 23.°, n.° 2, da LGT) e os gerentes não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento ou entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo" (artigo 24.°, n.° 1, alínea b), da LGT);

J. Porém, a Autoridade Tributária não consegue determinar a alegada insuficiência de bens, dado que, para se considerar que estes são insuficientes, necessariamente haveria que constar no despacho qual o valor dos bens que existem;

K. A responsabilidade subsidiária pressupõe que o património do devedor originário não exista de todo ou, existindo, se revele ou preveja como insuficiente para garantir o pagamento da dívida tributária em causa - cfr. artigo 153.°, n.°2, do CPPT;

L. Veja-se, nesse sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16/05/2012, proferido no processo n.° 0123/12;

M. O conceito indeterminado de insuficiência não serve, sem justificação ou fundamento rigoroso, para atribuir ao órgão de execução qualquer liberdade na avaliação dos bens penhoráveis ou para estabelecer uma directriz de discricionariedade; tal é rechaçado pelo disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 153.° do CPPT;

N. O legislador remete para o órgão de execução fiscal a competência para fazer um rigoroso juízo técnico e objectivo da existência da situação de insuficiência patrimonial do devedor originário, tendo como mínimo de critérios avaliadores e concretizadores do juízo da fundada insuficiência: "os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão de execução disponha”;

O. Se há um valor indeterminado, ainda que se saiba que é reduzido, por decorrência do benefício da excussão prévia, sempre se imporia a suspensão automática dos efeitos da reversão (cfr. nº 3 do artigo 23° da LGT);"

P. Nada é dito no despacho de reversão quanto às razões pelas quais o órgão de execução fiscal entende que se verifica a insuficiência patrimonial da devedora originária para satisfação das dívidas exequendas e acrescidos;

Q. Com lastro em factos considerados provados, entre outros mais, verificamos que o tribunal a quo se entrega labor de explicar como estamos perante uma inequívoca e determinada insuficiência de bens, tendo em atenção o que a Recorrida executou para chegar ao desfecho conhecido;

R. Ou seja, observamos o Tribunal a quo a fazer aquilo que deveria ter sido feito pela Autoridade Tributária, integrando essa fundamentação no despacho de reversão fiscal;

S. No despacho foram aduzidos, por mera remissão para a letra da lei, supostos fundamentos formais para a efectivação de uma reversão de execução fiscal sem que fossem alegados factos que densificassem o porquê de estarmos diante de uma manifesta insuficiência patrimonial da devedora originária, não se especificando como é que a insuficiência se traduzia em valores patrimoniais incapazes de surprir as dívidas em causa e que diligências foram realizadas para esse apuramento, enunciando-as;

T. Os vícios salientados - e que fundamentaram a oposição - são do despacho e não de diligências que lhe antecedam ou que sejam posteriores à sua emanação, não estando em discussão se efectivamente a devedora principal se encontra numa circunstância de patente insuficiência patrimonial;

U. A questão está em saber se, em face dos requisitos legais e de fundamentação, o despacho poderia, para ser válido e conforme às exigências formais e substantivas, ter sido produzido nos termos em que foi;

V. Na alínea b) do n.°1, do artigo 24.° da LGT, estabelece-se uma presunção legal de culpa, cabendo aos gerentes provar que não foi por culpa sua que a empresa caiu em tal situação de insuficiência;

W. A Autoridade Tributária também não invocou, no despacho, qualquer factualidade relativamente à culpa do gerente pela insuficiência patrimonial, limitando-se a mencionar a letra da lei, não chegando sequer a alegar que a situação de insuficiência se consolidou no período de exercício do cargo de gerência pela Recorrida e qual a extensão temporal da responsabilidade; requisito de tempo imprescindível para que haja reversão (veja-se o acórdão do Pleno da SCT do STA, de 16/10/2013, no processo 0458/13, evocado na douta sentença);

X. Ora, a ausência ou falha no preenchimento destes requisitos consubstancia vício de violação de lei (compreenda-se mediante leitura do AC. TCAS, de 11.6.2013, proc.06739/13, CT, 2.° Juízo);

Y. Apenas indicando a letra da lei, a Autoridade Tributária violou o seu dever de atribuir validade substancial ao acto, explicando como é que os factos se subsumem ao direito;

Z. Ao não se especificar a factualidade sujeita à supramencionada presunção de culpa, não existe um lastro fáctico sobre o qual se possa efectivar a inversão do ónus da prova;

AA. O aresto recorrido afirma que a violação da última parte do disposto no artigo 23.°, n.° 4, da LGT, referente a vícios da citação, não cabe no âmbito dos fundamentos de oposição à execução";

BB. Esse entendimento choca com o estatuído no artigo 204.°, n°. 1, alínea i), do C. P. P.Tributário, quando este indica que são fundamentos de oposição: "Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.

CC. Pelo que o douto tribunal deveria haver apreciado os vícios de forma referentes à citação que, neste caso, seria nula, eivando de nulidade processual todo o processado ulterior;

DD. A sentença Recorrida assevera que um despacho de reversão cumpre a legalidade mesmo que, pese embora a Autoridade Tributária não apresente factos e fundamentos que determinem a insuficiência patrimonial do devedor para satisfação da dívida exequenda e acrescido, nem qualquer factualidade relativamente à culpa do gerente pela insuficiência patrimonial para pagar uma dívida fiscal, se chegue à conclusão de que essa insuficiência corresponde à verdade;

EE. Nem se apercebendo de que está a impor a um gerente que, no domínio da aludida presunção de culpa, sem factos e fundamentos concretos que possa contestar, venha provar que não foi por culpa sua que a empresa caiu em tal situação de insuficiência patrimonial no período do exercício do seu cargo;

FF. Esta interpretação de conformidade de um despacho de reversão com os artigos 23.°, n.° 2, e 24.°, n.° 1, alínea b), da LGT é inconstitucional, aviltando os princípios constitucionais da igualdade de armas, do processo equitativo e do direito à defesa e bulindo com o disposto nos artigos 13.°, n.° 1, e 20.°, n.° 4, da CRP;

GG. Prevalecendo a sentença, cometer-se-á uma inconstitucionalidade, porque um contribuinte, sujeito a reversão fiscal, tem de ter condições de se aperceber das razões de facto e de direito que levaram o órgão de execução fiscal a decidir como decidiu e de poder impugnar a decisão por erro nos pressupostos - ou qualquer outro vício - que conduziram a essa resolução.».

1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira, não obstante ter sido notificada da interposição do recurso e da sua admissão, não contra-alegou.

1.4. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi proferido parecer pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no sentido do não provimento do recurso, por, em síntese nossa, resultar patente dos factos apurados, que a Recorrente não contesta, que o despacho de reversão se encontra formalmente fundamentado e ser pacífico que a Oposição não é o meio próprio para, primariamente, ser apreciada uma eventual existência de nulidade da citação.

1.5. A Recorrente requereu, a 30 de Outubro de 2019, a junção aos autos de uma certidão da sentença de declaração de insolvência da devedora originária.

1.6. Foi dado conhecimento à Recorrida e ao Ministério Público do requerimento e documento juntos, tendo-se este último pronunciado pelo prosseguimento dos autos com conhecimento do recurso interposto.

1.7. Cumpre decidir.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte da decisão de mérito proferida quanto a questões por si suscitadas, desta forma impedindo que essas questões voltem a ser reapreciadas pelo Tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC). Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida nos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, para apreciação do mérito do recurso, são, no essencial, duas as questões a decidir: saber se o Tribunal a quo errou ao julgar que o despacho de reversão está formalmente fundamentado e ao decidir não apreciar a alegada nulidade da citação com fundamento em que esta apreciação pelo órgão judicial só dever ocorrer após a referida nulidade ser arguida perante o órgão de execução fiscal.

Sem prejuízo da delimitação efectuada, apreciaremos, a título prévio, a questão suscitada pela Recorrente com a junção da certidão da sentença de insolvência da devedora originária, ou seja, este Supremo Tribunal analisará e decidirá qual o impacto que deve ser reconhecido a essa declaração na tramitação destes autos.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1. Contra a sociedade "T..., LDA" foi instaurado, pelo serviço de finanças de Abrantes, o processo de execução fiscal [PEF] n.° 1929201501082434 e apensos, por dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado [IVA], dos anos de 2015 e 2016, com datas limite de pagamento situadas entre 22.06.2015 e 27.06.2017 [cfr. autuação e certidões de dívida de fls. 24-32 do processo físico].

2. Da certidão permanente relativa à sociedade "T..., LDA, consultada em 07.06.2015, constavam as seguintes menções [cfr. certidão permanente fls. 40-42 do processo físico]:

"Matrícula (...) NIPC ... (...) Firma: T..., LDA. (...)

(…)

Ap. 118/20140519: (...) Constituição de sociedade (...) designação de membro (s) de órgão(s) social(ais) (...)

Forma de obrigar (...): (...) com intervenção de um gerente (...).

Gerência: BB

AA

Data da deliberação: 19 DE Maio de 2014 (...)".

3. Em 02.07.2015, pela sociedade "T..., LDA", com relação ao processo executivo 1929201501082434 e apensos, foi apresentado no serviço de finanças de Abrantes um pedido de pagamento em prestações, subscrito pela ora Oponente na qualidade de gerente, ali se indicando como contacto da referida sociedade "...@hotmail.com" [cfr. requerimento de fls. 33 do processo físico].

4. Em 22.09.2016, CC, na qualidade de TOC "Técnico Oficial de Contas" da sociedade executada, em resposta a pedido de informação por parte do serviço de finanças de Abrantes, anexou mapa de depreciações e amortizações de onde constam como elementos do activo fixo tangível da sociedade executada, no ano de 2015, adquiridos em 2014, registados pelo preço de aquisição, computadores com o valor de aquisição de € 1.150,00, ferramentas e utensílios com o valor de aquisição € 3.340,00, televisores com o valor de aquisição € 1.180,49 e mobiliário com o valor de aquisição de € 1.510,72, e respondeu o seguinte [cfr. teor de e-mail de fls. 34 do processo físico]: "(...)

[IMAGEM]

Bom dia,

Em resposta ao vosso ofício 1427/JT sobre o processo executivo nº 1929201501082434 e outros, executado T..., LDA

-Junto anexo mapa de amortizações e depreciações referente ao ano de 2015.

-Informo que não temos conhecimento de nenhuma transmissão de bens integrantes do ativo.

-Em relação aos créditos respeitantes a dívidas de clientes, o executado em causa não nos presta esta informação.

-O executado é possuidor de uma conta à ordem na ... Ribatejo Norte e Tramagal e no B..., SA.

-Não temos conhecimento de nenhum veículo da empresa.

-O executado paga uma renda mensal de 250,00 € ao senhorio DD com o NIF: ...

-O executado ainda exerce a atividade nas mesmas instalações Rua ... Abrantes

-A gerência de facto da empresa está a cargo de:

AA com o NIF: ...

BB com o NIF: ...

(…)”

5. Em 10.10.2016 e 10.03.2017, o B..., em resposta aos pedidos de penhora de conta bancária titulada pela sociedade executada, n.º 192920160000083560 e n.º 1929201501082434 respondeu que a mesma não apresentava saldo credor susceptível de ser penhorado [cfr. fls. 36 e 39 do processo físico]

6. Em 07.06.2018 foi prestada informação no processo executivo a que se refere o ponto 1 antecedente que apresenta o seguinte teor [cfr. fls. 42 do processo físico]:

“(…)

Cumpre-me informar V. Exa que:

•A firma executada “T..., LDA”, NIPC ..., com sede na Rua ... em Abrantes, é presentemente devedora do montante de € 8.167,97, acrescido de juros de mora e custas;

Verifica-se que, por consulta à Base de Dados que a firma está cessada em IVA à data de 31/10/2017 mas não está dissolvida para efeitos de IR;

•Foram efectuadas diligências, na aplicação SIPE, no sentido de efectuar pedidos de penhora de outros valores e rendimentos, porém, não produziram quaisquer efeitos;

Verificou-se na Base de Dados do Ministério da Justiça não existir a decorrer qualquer processo de insolvência ou recuperação de empresas;

•Foi consultada a certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial de Abrantes de forma a obter a identificação dos corpos sociais, bem como identificar a legitimidade da gerência, sendo identificada o seguinte sócio gerente:

› AA, NIF ..., residente na Rua ... em Abrantes;

› BB, NIF ..., residente em Rua ... em Abrantes

Face ao exposto, estão reunidas as condições impostas pelo n.° 2 do artigo 23° da LGT e pelo n.° 2 do artigo 153° do CPRT, para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, porém V. Ex.a melhor decidirá.

(…)”

7. Em 08.06.2018 foi proferido despacho do processo executivo a que se refere o ponto 1 antecedente que apresenta o seguinte teor [cfr. fls. 43 do processo físico]:

“(…)

Concordo com a informação que antecede, que passa a constituir parte integrante do presente Despacho, pelo que determino, no tocante às dívidas, nos termos do artigo 153° n° 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, pelo que consequentemente reverto as referidas dívidas contra AA- NIF ... e BB - NIF ..., em observância do disposto no artigo 160° do referido CPPT.

Proceda-se à citação do responsável subsidiário para no prazo de 30 dias a contar da mesma, proceder ao pagamento da(s) Certidão(ões) de dívida na importância de € 8.167,97, de que era devedora T..., LDA, (NIF ...) ou ainda requerer o pagamento em prestações previsto no artigo 196° até à marcação da venda, a dação em pagamento prevista no artigo 201º ou deduzir oposição com os fundamentos previstos no artigo 204°, todos do já referido CPPT, fazendo-se constar que, nos termos do n° 5 do artigo 23° da Lei Geral Tributária (LGT), se o pagamento for efectuado no referido prazo beneficia da isenção de Juros de Mora e Custas Processuais.

Com a citação e para cumprimento do disposto na parte final do n° 4 do artigo 23° da referida LGT, anexe-se cópia do presente Despacho que serve de informação fundamentada dos pressupostos e extensão da reversão.

Deverá informar-se ainda que, nos termos do artigo 22° n° 4 da LGT poderá apresentar reclamação graciosa ou deduzir impugnação judicial com base nos fundamentos previstos no artigo 99° e nos prazos estabelecidos nos artigos 70° e 102°, todos do CPPT.

Averbamentos necessários,

(…)

8. Em 19.06.2018 foi proferido “despacho para audição (reversão)” no processo a que se refere o ponto 1 que antecede que apresenta, além do mais, o seguinte teor [despacho para audição (reversão) de fls. 55-55v do processo físico]:

“(…) PROJECTO DA REVERSÃO

Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23º/n.º 2 da LGT):

Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT].

1) Insuficiência de bens do devedor originário (artigos 23°/1 a 3 da LGT e 153°1/2/b do CPPT), decorrente do resultado de penhoras efetuadas por este órgão de execução fiscal, sobre os potenciais bens conhecidos ao devedor originário, nomeadamente créditos, rendas, contas bancárias, imóveis ou veículos, do qual resultou o reconhecimento e entrega de valores insuficientes para pagar integralmente a dívida em questão, não sendo conhecidos mais bens penhoráveis. (…)”.

9. Em 17.09.2018 foi proferido despacho no processo a que se refere o ponto 1 que antecede que apresenta, além do mais, o seguinte teor [despacho de fls. 59-60 do processo físico]: “(…)

Vistos os autos,

Vista a informação que antecede.

Em 08 de Junho de 2018, foi iniciado o procedimento de reversão contra as contribuintes AA (NIF ...) e BB (NIF ...), tendo sido a notificação para exercício de audição prévia recebida em 23 de Junho de 2018. Assim, decorrido o prazo estabelecido, verifica-se que nada de novo foi alegado, contestado ou provado documentalmente.

Assim, determino, no tocante às dívidas, nos termos do artigo 153° n° 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, pelo que consequentemente reverto as referidas dívidas contra AA NIF ... e BB NIF ..., em observância do disposto no artigo 160° do referido CPPT.

Proceda-se à citação do responsável subsidiário para no prazo de 30 dias a contar da mesma, ao pagamento da importância de € 8.167,97, de que era devedora T..., LDA, (NIF ...) ou ainda requerer o pagamento em prestações previsto no artigo 196° até á marcação da venda, a dação em pagamento prevista no artigo 201° ou deduzir oposição com os fundamentos previstos no artigo 204°, todos do já referido CPPT, fazendo-se constar que, nos termos do n° 5 do artigo 23° da Lei Geral Tributária (LGT), se o pagamento for efectuado no referido prazo beneficia da isenção de Juros de Mora e Custas Processuais.

Com a citação e para cumprimento do disposto na parte final do n° 4 do artigo 23° da referida LGT, anexe-se cópia do presente Despacho que serve de informação fundamentada dos pressupostos e extensão da reversão.

Deverá informar-se ainda que, nos termos do artigo 22° n° 4 da LGT poderá apresentar reclamação graciosa ou deduzir impugnação judicial com base nos fundamentos previstos no artigo 99° e nos prazos estabelecidos nos artigos 70° e 102°, todos do CPPT.

(…)”

10. Em 17.09.2018 foi proferido “despacho (reversão)” no processo a que se refere o ponto 1 que antecede, pela quantia exequenda de € 8.167,97, pelas dívidas constantes da informação anexa, da qual constam os n.ºs das certidões de dívida, a identificação dos documentos de origem, os períodos de tributação, as datas limite de pagamento voluntário, o tributo e os valores correspectivos, e que apresenta, além do mais, o seguinte teor [despacho de fls. 61-62 do processo físico]:

“(…) Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT].

1) Insuficiência de bens do devedor originário (artigos 23°/1 a 3 da LGT e 153°1/2/b do CPPT), decorrente do resultado de penhoras efetuadas por este órgão de execução fiscal, sobre os potenciais bens conhecidos ao devedor originário, nomeadamente créditos, rendas, contas bancárias, imóveis ou veículos, do qual resultou o reconhecimento e entrega de valores insuficientes para pagar integralmente a dívida em questão, não sendo conhecidos mais bens penhoráveis. (…)”

11. Em 24.09.2018 foi recebida a carta registada com aviso de recepção dirigida à Oponente que integra a menção “citação”, a identificação do processo executivo identificado no ponto 1 antecedente, a quantia exequenda de € 8.167,97, pelas dívidas constantes da informação anexa, de onde constam os n.ºs das certidões de dívida, a identificação dos documentos de origem, os períodos de tributação, as datas limite de pagamento voluntário, o tributo e os valores correspectivos [cfr. ofício, registo CTT e aviso de recepção de fls. 65-68 p.f.].

12. Em 18.10.2018, foi registada a entrada da petição inicial da Oposição no serviço de finanças de Abrantes [cfr. fls. 7 do processo físico].

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Como se depreende dos pontos 1 e 2 do presente acórdão, a Recorrente está inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou não verificado o vício de fala de fundamentação formal imputado ao despacho de reversão e, bem assim, que o conhecimento da validade da citação em processo judicial só pode ocorrer após a arguição dessa nulidade ser suscitada perante o órgão judicial.

3.2.2. Antes, porém, como deixámos antecipado no ponto 2. deste acórdão, importa decidir quais os reflexos da declaração de insolvência neste processo de Oposição, atentando, de forma particular, que a referida sentença de insolvência se reporta à Executada originária e que o que ficou determinado na sentença de declaração de insolvência foi a avocação dos processos de execução pendentes contra essa executada originária.

Nesse sentido, começamos por convocar a disciplina consagrada no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) com reflexos directos nesta apreciação e que consta do artigo 180.º deste último diploma legal, o qual dispõe o seguinte:

«1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.

2 - O tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes, os quais serão apensados ao processo de recuperação ou ao processo de falência, onde o Ministério Público reclamará o pagamento dos respectivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.

3 - Os processos de execução fiscal, antes de remetidos ao tribunal judicial, serão contados, fazendo-se neles o cálculo dos juros de mora devidos.

4 - Os processos de execução fiscal avocados serão devolvidos no prazo de 8 dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de falência.

5 - Se a empresa, o insolvente ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição

6 - O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa, que seguirão os termos normais até à extinção da execução.

Resulta, assim, da leitura deste preceito, por um lado, a existência de uma regra: decretada a insolvência do devedor originário devem ser sustados todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que, de novo, vierem a ser instaurados contra o mesmo devedor logo após a sua insaturação, os quais serão avocados e apensados ao processo de insolvência. É esta a imposição normativa consagrada nos n.ºs 1 e 2 do referido preceito.

Note-se, com particular relevo para o caso concreto, que esta determinação legal abrange a remessa de todos os processos que dele são incidentes, mesmo que neles tenha havido reversão da execução contra os responsáveis subsidiários, incluindo os tramitados por apenso, como os de oposição à execução fiscal, deduzida pelo executado originário ou por revertidos, e de embargos de terceiro. O que se justifica no “entendimento de na pendência do processo de insolvência, terem de ser centralizadas no respectivo juiz todas as decisões relativas às dívidas e créditos a ele atinentes e aos bens que se integram na massa insolvente (Jorge de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado, Área, 2011, 6.ª Edição, vol. III, página 325.)

Por outro lado, a existência de excepções: a execução fiscal pode prosseguir para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública nas situações em que a empresa, o insolvente ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens (devendo, nesta situação, manterem-se acauteladas ou serem respeitadas pela Administração Tributária as obrigações por si contraídas no âmbito do processo de recuperação e, em qualquer caso, se não se tiver entretanto verificado a prescrição da dívida exequenda) e essa suspensão do processo executivo não deverá ocorrer se os créditos nela em cobrança se tiverem vencido após a declaração de insolvência. É este o regime que emerge dos n.ºs 5 e 6 do artigo 180.º do CPPT.

Acresce que, do referido normativo não resulta que não seja possível a reversão de dívidas contra os obrigados subsidiários, procedimento que, temos vindo a afirmar, se mostra legitimado à luz do artigo 23.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária (LGT), verificados os respectivos pressupostos. (Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2-7-2014 (proferido no processo n.º 1200/13); de 17-12-2014 (proferido no processo n.º 1199/13); de 12-2-2015 (proferido no processo n.º 257/14) e de 12-7-2018 (proferido no processo n.º 783/17), todos integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt)

É esta, igualmente, a posição da doutrina, que defende que sempre que seja declarada a insolvência do devedor originário, o órgão de execução fiscal tem o dever de apreciar a possibilidade de reversão das dívidas tributárias, justificando deste modo a sua tese: “a declaração de insolvência consubstancia um forte indício de insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário, encontrando-se, pois, verificado um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, à luz do n.º 2 do artigo 23.º/2 da LGT. O n.º 7 do artigo 23.º da LGT impõe, pois ao órgão de execução fiscal que aprecie a possibilidade da reversão, mesmo que tenha ocorrido a avocação dos processos de execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 181.º do CPPT. Deste modo, antes da remessa dos autos de execução ao tribunal onde corre o processo de insolvência, deverá o órgão de execução fiscal avaliar a possibilidade de prossecução da execução contra os administradores, diretores e gerentes da executada insolvente.

Nos casos em que se verifiquem os pressupostos para prosseguir com a reversão contra os responsáveis subsidiários, deverá a administração tributária adotar medidas cautelares necessárias para salvaguardar os créditos tributários (…) A declaração de insolvência não é sinónimo de inexistência de bens, mas sim da sua insuficiência para satisfação dos créditos vencidos. Deste modo, estará legitimada a reversão, mas não a prática de atos coercivos sobre os responsáveis subsidiários. Daí que deverá a administração tributária acautelar os créditos, designadamente, através do arresto de bens, em face do justo receio de insolvência, alienação ou dissipação de bens dos revertidos, desde que este seja autorizado pelo tribunal (artigo 214.º do CPPT)., (José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, Almedina, 2015, anotação ao artigo 23.º)

Em suma, a Autoridade Tributária, notificada da declaração de insolvência do devedor originário não está impedida de aferir da verificação dos pressupostos de responsabilidade subsidiária nos termos do regime consagrado no n.º 7 do artigo 23.º da LGT, designadamente, a esse dever não pode ser oposta a sustação da execução por força da referida declaração de insolvência do devedor originário.

A única limitação que lhe está legalmente imposta, neste específico contexto, é a de não fazer prosseguir a execução fiscal contra o revertido até que seja extinto o processo de insolvência, ou seja, até que esteja definitivamente identificados os bens do devedor originário e definitivamente decidido se estes são ou não insuficientes para o pagamento da dívida exequenda, assim se assegurando o benefício da excussão prévia previsto no artigo 23.º, n.º 2 da LGT.

Posto isto, e revertendo ao caso concreto, deixamos já expresso que não temos dúvidas de que no caso, pese embora nos movamos no âmbito de uma Oposição à execução fiscal, a integrar, como vimos, em abstracto, no conjunto de processos cuja avocação e remessa, em regra, deve ser realizada após a declaração de insolência, essa remessa não se deve realizar.

Na verdade, devidamente compulsados os autos facilmente se conclui que a sua causa de pedir se reconduz ou tem por fundamento a verificação do vício de falta de fundamentação e alegada nulidade da citação, traduzida, ainda, numa alegada violação do princípio do contraditório, da igualdade de armas, do processo equitativo e do direito de defesa. Ou seja, as questões colocadas nesta Oposição não tem qualquer relação com o objecto e fim da insolvência, com os créditos do insolvente, antes, e tão só, com os pressupostos da sua responsabilização subsidiária e com a legalidade dos termos em que ocorreu a reversão, o que significa que do seu desfecho não vão resultar impactos para a massa falida, razão pela qual não existe justificação para que deva ocorrer a apensação. (Neste sentido, vide, acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 10-2-2010 (proferido no processo n.º 1257/09), de 12-2-2014 (proferido no processo n.º 238/12) e de 4-11-2015 (proferido no processo n.º 834/14). E, na doutrina, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado, Área, 2011, 6.ª Edição, vol. III, página 326.)

3.2.3. Posto isto, enfrentemos agora as duas questões de mérito do recurso, que são, recordamos, a questão da falta de fundamentação formal do despacho de reversão e a questão do meio e tempo próprios de conhecimento do vício imputado à citação em execução fiscal, mais concretamente, à arguida nulidade desta no processo de execução a que a ora Recorrente se opõe.

3.2.1. No que respeita à falta de fundamentação formal do despacho de reversão, insiste a Recorrente, em síntese, que dele não constam factos que permitam concluir que a devedora não possui bens suficiente para solver a dívida exequenda, para além de nele nem sequer constarem a que período de tempo a dívida se reporta ou se, nesse período, a Recorrente era legalmente responsável por cuidar desse pagamento. E, consequentemente, diz a Recorrente, não é possível, neste contexto, defender-se ou cumprir quaisquer ónus que lhe estejam a ser imputados, designadamente demonstrar que a falta de pagamento não lhe é culposamente imputável.

Em suma, como resulta da petição inicial, a Recorrente nunca questionou a existência da dívida ou a sua qualidade de gerente de facto e direito da sociedade, mas, tão só, a falta de fundamentação do despacho de reversão, por dele não constarem as diligências que concretamente suportaram a conclusão da Administração Tributária vertida no despacho de reversão quanto à invocada insuficiência patrimonial; a inexistência, nesse despacho, de factos/provas capazes de suportar a verificação do “pressuposto culpa” quanto à mencionada insuficiência e a inexistência de nexo causal entre qualquer conduta que tenha assumido e o não pagamento das dívidas fiscais. Tudo, defende, que se impunha que a Fazenda Pública tivesse invocado e realizado, por assim o determinar o que se mostra consagrado no artigo 24.º da LGT e por tal se revelar essencial à sua defesa, a exercer em igualdade de circunstâncias com a Autoridade Tributária, como a lei fundamental lhe reconhece.

Vejamos.

É há muito pacífico que o despacho de reversão, enquanto acto administrativo em matéria tributária, tem que ser fundamenado. Efectivamente, como de forma sistemática tem vindo a ser expressamente afirmado, a decisão de um procedimento deve ser sempre fundamentada ainda que por sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, admitindo-se que essa fundamentação possa consistir numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, sem prejuízo, como é natural, da indicação das disposições legais aplicáveis, conforme artigo 77.°, n.º 1 e 2, da Lei Geral Tributária.

Acresce que, o artigo 125° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), em conformidade com a constitucional exigência plasmada no artigo 268º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), dispõe que a fundamentação deve ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres ou informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.

Num acórdão do Supremo Tribunal Administrativo em que a questão da fundamentação dos actos administrativos em matéria tributária foi profundamente analisada, (Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 3-11-2010, relatado pelo Conselheiro Casimiro Gonçalves e integralmente disponível em www.dgsi.pt) fez-se uma síntese impar do que não pode ser desconsiderado na apreciação desta questão: «A fundamentação do acto tributário ou de acto «praticado em matéria tributária» que afecte os direitos ou interesses legalmente protegidos do contribuinte, deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação).

Em suma, diz-se no mesmo Acórdão, «Utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade - O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pág. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02)».

Ainda no que respeita concretamente à fundamentação do despacho de reversão, também a jurisprudência do nosso Superior Tribunal há muito firmou o entendimento de que o acto administrativo tributário - despacho de reversão deve incluir, “além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».

Assim, e porque são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT), a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT), não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a Autoridade Tributária fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.

Em suma, para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material, isto é, que se autonomize a questão de saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, (validade formal do acto) da questão de saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (validade substancial do acto).

Clarificada a distinção, e dentro do âmbito daquela primeira vertente ou tipo de fundamentação, aferir se efectivamente no despacho se encontram vertidos os referidos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária e a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, como dissemos, imprescindíveis ao reconhecimento da validade formal do acto.

No caso concreto, e face ao que supra deixámos notado, impõe-se concluir que a Recorrente só questiona a falta de fundamentação formal uma vez que, como dissemos, apenas alega que no despacho deviam constar as concretas diligências realizadas e os factos concretos de que decorrem a sua responsabilidade directa

Ora, salvo o devido respeito, se atentarmos no teor dos factos apurados sob os n.ºs 8., 9. E 10., logo se constata a falta de fundamento do vício suscitado, uma vez que do despacho de reversão resulta que nele foram vertidos os pressupostos da reversão: evidente insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal que possa satisfazer a dívida exequenda e respectivos acréscimos legais, necessidade de garantir esse pagamento pela figura da reversão chamando à execução o responsável subsidiário/ gerente para que satisfaça aquele pagamento, invocando-se, juridicamente, o preceituado, conjugadamente, nos artigos 23.º e 24.º, 153.º e 159.º do CPPT e ordenando a sua citação, nestes termos e com cópias do despacho e da informação que o antecedia. O que veio a ser feito, como igualmente resulta evidente do probatório.

Não podemos, pois, contemporizar com a insistentemente alegada “falta de fundamentação formal” do despacho de reversão, o que determina, consequentemente, a falência das alegadas inconstitucionalidades suscitadas que na procedência daquelas outras alegações de falta de fundamentação, se louvavam.

Não será, pois, com este fundamento, provido o recurso.

3.2.2. Relativamente à questão do conhecimento em sede de Oposição da arguição de nulidade da citação realizada em processo de execução, limitamo-nos a confirmar a decisão do tribunal a quo, por não ser minimamente discutível que essa arguição tem, antes de mais, que ser suscitada junto do órgão de execução fiscal, a quem compete, num primeiro momento, dela conhecer e decidir e, só após essa decisão, sendo desfavorável ao arguente, pode ser submetida em juízo, por meio de reclamação do acto do Chefe prevista e regulamentada nos artigos 276.º e seguintes do CPPT. É este entendimento que se mostra firmado em múltiplos acórdãos desta Secção, incluindo em formação de Pleno, remetendo-se as partes, nesta parte, para o acórdão de 2 de Abril de 2014, proferido no processo 247/14, integralmente disponível em www.dgsi.pt, por neste ter sido realizado uma lista amplíssima dos arestos que sobre esta matéria, e sempre no mesmo sentido, foram proferidos até àquela data, sendo que, até hoje, essa jurisprudência não sofreu qualquer alteração.

Improcedem, pois, também nesta parte, as alegações da Recorrente e, com ela, se conclui pelo naufrágio total da pretensão recursória.

3.3. As custas serão suportadas pela Recorrente, integralmente vencida (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT).

4. DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso jurisdicional.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2023 – Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Gustavo André Simões Lopes Courinha.