Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01058/14
Data do Acordão:12/03/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ALEGAÇÕES
ÓNUS DE CONCLUIR
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:I - Justifica-se a admissão de revista excepcional, ao abrigo do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, de Acórdão do TCA que confirmou despacho do Relator de não conhecimento do recurso por deficiente cumprimento do convite a que as conclusões fossem sintetizadas (artigo 639.º, n.º 3 do CPC).
II - A aplicação do n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, nomeadamente quanto à apreciação e determinação das consequências do deficiente cumprimento do ónus de concluir, coloca delicadas questões de limites, praticabilidade e exigências de proporcionalidade e surge frequentemente na prática judiciária, pelo que a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo permitirá construir padrões de aplicação e assegurar a garantia de controlo do sistema em casos mais acentuadamente duvidosos.
Nº Convencional:JSTA000P18320
Nº do Documento:SA22014120301058
Data de Entrada:10/02/2014
Recorrente:A.... E OUTRO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A………. e B…….., ambos com os sinais dos autos, vêm interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10 de Julho de 2014, que indeferiu a reclamação para a conferência do despacho do Relator naquele TCA-Sul de não conhecimento do recurso por eles interposto da sentença do TAF do Funchal de 31 de Agosto de 2013, que julgara improcedente a reclamação deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Funchal I que lhes indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, por não ter sido acatado o despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões.
Os recorrentes terminam as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A – O Recurso ora interposto preenche os requisitos legais estabelecidos pelo art. 150.º do CPTA, uma vez que a questão, pela sua relevância jurídica, se reveste de importância fundamental e, sobretudo, a sua admissão é claramente necessária para melhor aplicação do direito. A questão de gestão processual em causa, além da sua relevância imediata jurídico-processual, é também uma importante questão de aplicação do direito que se entende a toda a comunidade, a todos os profissionais do foro e utilizadores da justiça, contendendo com o princípio do processo equitativo e com o princípio da igualdade.
B – A nossa jurisprudência tem vindo a entender, de forma pacífica, que as conclusões das alegações do recurso devem ser um resumo, explícito e claro, da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente, visando, à luz do princípio da cooperação, facilitar a realização do contraditório e o balizamento do objecto do recurso.
C- Havendo que delas se depreender quais as questões postas ao Tribunal ad quem, quais os supostos erros cometidos na decisão recorrida e quais os fundamentos por que se pretende obter a sua alteração ou revogação.
D – Não se pode sustentar que as questões são complexas, prolixas, contraditórias só pelo facto de as mesmas, ao contrário do que será desejável e do que resultará de uma apurada técnica processual, serem extensas.
E – O ónus imposto na parte final do nº 1 do art. 690.º - da conclusão sintética – deve ser interpretado com moderação, importando mais ver em tal imposição uma recomendação de boa técnica processual, do que um comando rigoroso e rígido, a aplicar com severidade e sem contemplações.
F- Contrariamente ao acórdão recorrido, também não é verdade que tenha sido matéria nova aditada, porquanto tal matéria de pontos 1 a 3 das Conclusões encontram-se página 23 do alegatório do recurso,
G – Ora as invocadas contradições e correspondência com o alelegatório (sic), bem assim aditamento de material nova (sic), não se verifica, e mais certo se diga que não obstante terem sido fundamentos para o conhecimento do recurso, verifica-se falta de fundamentação porque em momento algum do acórdão (sic) resulta concretizado genérico ou especificamente; qual a material nova aditada, quais as contradições, quais as incoerências. Tal especificação seria sempre fundamental a fim de fundamentar a decisão, porem é o acórdão (sic) recorrido omisso quanto a isso o que sempre seria essencial, ocorrendo assim vício de falta de fundamentação.
H – A sanção do não conhecimento do recurso pelo não cumprimento do dever de síntese adveniente do convite formulado pelo relator, deve aplicar-se apenas, e se necessário, à parte afectada, com aproveitamento de tudo o mais, seja, de tudo aquilo que, mesmo com esforço do Tribunal ad quem (e da parte contrária) permita saber quais as questões postas pelo recorrente e quais as razões da sua discordância com a decisão recorrida.
I – Por despacho do Exmo Senhor Doutor Juiz Desembargador aqui relator, notificou os recorrentes nos seguintes termos que se transcreve. “Considerando que as conclusões formuladas nas suas alegações pela recorrente face à sua extensão (por comparação com o corpo de alegações), não obedecem ao disposto no artigo 639.º nº 1 do CPC., ao abrigo do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, convido o Recorrente a sintetiza-las, no prazo de cinco dias, sob pena de não se conhecer do recurso.” Nosso sublinhado
J – Ora, daqui resulta claro que em momento algum, o Exmo Senhor Doutor Juiz Desembargador aqui Relator, acusou a existência de conclusões obscuras, complexas, deficientes, contraditórias, incongruentes, inócuas, apenas realçou a extensão das mesmas face ao alegatório.
K – Repare-se que pois não há coincidência completa entre o “convite” feito pelo Exmo Senhor Doutor Desembargador Relator e os motivos da não admissão do recurso para o TCAS (constantes do despacho final do Exmo Senhor Doutor Desembargador Relator e do acórdão do TCAS que o manteve em conferência).
L - Os Recorrente, deram cumprimento ao despacho do Sr. Relator que os convidou a formular novas conclusões menos extensas e nesse sentido, é verdade, conformaram-se com o convite e não se limitaram a reduzir as suas conclusões (para mais de metade), manifestaram respeito e cooperação por esse muito distinto Tribunal e no cumprimento do ónus de síntese além redução numérica de conclusões, antes se exigiram a si próprios um esforço efectivo de síntese e clarificação do discurso argumentativo de forma a permitir a célere e eficaz apreciação jurisdicional.
M – O princípio pro actione (também chamado anti-formalista) encontra clara manifestação no art. 124.º do CPPT (o qual segue de muito perto o art. 57.º da LPTA) e aponta para a ultrapassagem de escolhos de cariz adjectivo e processual em ordem à resolução do dissídio para cuja tutela o meio processual fora usado.
N – Aplicando tal princípio ao recurso, deve conhecer-se das questões de mérito, preterindo o conhecimento dos vícios formais da sentença quando estes não contendam com a procedência daquelas o que não significa, porém, que a instauração do recurso seja de todo alheia à observância de um número mais ou menos apertado de regras instrumentais adequadas a esse fim. Tal inovação abrangente ínsita no preceito não teve porém o propósito de subverter a “normalidade legal” antes visando alcançar uma adequação ou racionalização dos meios de tutela processual aos fins a atingir, em consonância com o art. 2.º, n.º 2 do CPC por forma a estabelecer um elo de correspondência entre o direito a defender e o meio processual a utilizar para o efeito.
O – Nesse sentido, há a considerar que o “pro actione” postula, além do mais, uma interpretação da situação em análise, por forma a privilegiar, sempre que tal seja processualmente possível, o conhecimento da questão de fundo, assim se assegurando a tutela jurisdicional efectiva, possibilitando o exame do mérito das pretensões deduzidas em juízo. Dito de outro modo: - o que releva é que à recorrente se possa reconhecer um interesse actual na anulação da sentença por vícios de forma ou de estruturação em virtude de, a partir do conhecimento de tal vício, se poder alcançar uma decisão de fundo favorável.
P – O art. 124.º do CPPT possui um sentido útil que resulta da respectiva interpretação conforme à Constituição: o conhecimento dos vícios formais da sentença só deverá ser exercitado nos casos em que a solução normal e típica não se apresente como garantindo uma efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa; isto segundo uma ideia de complementariedade ou alternatividade instrumental, que não por uma ideia de subalternização ou de secundarização dos vícios formais em relação aos substanciais.
Nestes termos e nos Melhores que V. Exa Muito gentilmente Suprirá Requer a V. Exas. Senhores Conselheiros admitir o Recurso Interposto a fim de acautelar, direitos, liberdade e garantias dos Recorrentes que de outra forma ficam injustiçados e ignorados, a reponderação e ondem (sic) a baixa do processo ao Trinunal Centr Sul (sic), devendo o recurso ser conhecido por justiça.
Pede Justiça

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 591/593 dos autos, concluindo que por considerar que não se mostram preenchidos, no caso, os pressupostos do recurso de revista a que alude o n.º 1 do art. 150.º do CPTA, sou de parecer que o mesmo não deverá ser admitido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

- Fundamentação -

4 – Apreciando.
4.1 Da admissibilidade do recurso
O presente recurso foi interposto para este STA como Recurso Excepcional de Revista e como tal admitido por despacho de fls. 576 dos autos, havendo, pois agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o recente Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

No caso dos autos, e no que especificamente respeita aos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista excepcional, os recorrentes pouco concretizam a sua alegação de que o recurso preenche os requisitos legais estabelecidos pelo art. 150.º do CPTA, uma vez que a questão, pela sua relevância jurídica, se reveste de importância fundamental e, sobretudo, a sua admissão é claramente necessária para melhor aplicação do direito, limitando-se a invocar o decidido por Acórdão da 1.ª Secção do STA do passado dia 24 de Junho – rec. n.º 625/14 – no qual se admitiu revista excepcional perante alegação do recorrente de que A questão de gestão processual em causa, além da sua relevância imediata jurídico-processual, é também uma importante questão de aplicação do direito que se entende a toda a comunidade, a todos os profissionais do foro e utilizadores da justiça, contendendo com o princípio do processo equitativo e com o princípio da igualdade.
Entendemos, porém, que dada a, ao menos aparente, similitude da questão objecto dos presentes autos com a que foi decidida naquela Acórdão, se justifica também aqui a admissibilidade da presente revista.
De facto, à semelhança do que ali lapidarmente se consignou, a aplicação do n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, nomeadamente quanto à apreciação e determinação das consequências do deficiente cumprimento do ónus de concluir, coloca delicadas questões de limites, praticabilidade e exigências de proporcionalidade. As mais das vezes, como sucedeu no presente caso, trata-se de questão suscitada pelo tribunal e materializa-se na aplicação de conceitos relativamente indeterminados que, não suscitando no seu recorte teórico radicais divergências e estando bastante trabalhados doutrinal e jurisprudencialmente, comportam uma larga faixa de indeterminação ou dependência da subjectividade do aplicador. Sobretudo por isso, as decisões neste domínio podem contender (ou não são imunes à suspeita de contender) com princípios fundamentais, como o do processo equitativo e a garantia de acesso aos tribunais, e gerar suspeitas de tratamento arbitrário. //A questão surge frequentemente na prática judiciária. E apesar de neste domínio os enunciados generalizantes serem pouco operativos porque a decisão acaba por ser fortemente dependente das particularidades do caso, a intervenção do Supremo tribunal permite construir padrões de aplicação e assegurar a garantia de controlo do sistema em casos mais acentuadamente duvidosos.

Ora, atento o teor das alegações de recurso e primitivas conclusões, do despacho de aperfeiçoamento do Relator no TCA-Sul, das conclusões sintetizadas apresentadas pelos recorrentes, da decisão do Relator no TCA-Sul de não conhecimento do recurso e do Acórdão recorrido que a confirmou, bem como as alegações do presente recurso entende-se justificada a admissão do presente recurso de revista ao abrigo do n.º 1 do art. 150.º do CPTA.
- Decisão -
5 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso.

Sem custas, pois a recorrida não contra-alegou.
Lisboa, 3 de Dezembro de 2014. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Dulce Neto - Casimiro Gonçalves.