Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0138/11
Data do Acordão:01/22/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IVA
INCIDENCIA DO IMPOSTO
TAXA DE EXIBIÇÃO DE PUBLICIDADE
DIREITO COMUNITÁRIO
Sumário:A taxa de exibição prevista no art. 28.º, n.º 1, da Lei 42/2004, de 18 de Agosto, está directamente ligada à prestação de serviços de exibição de publicidade comercial e insere-se no conceito de «impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos», na acepção do art. 11.º, A, n.º 2, alínea a), da Sexta Directiva, do art. 78.º, primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva 2006/112 e do art. 16.º, n.º 5, alínea a), do CIVA, pelo que deve ser incluída no valor tributável em sede de IVA devido pelos serviços de exibição de publicidade comercial.
Nº Convencional:JSTA00068547
Nº do Documento:SA2201401220138
Data de Entrada:12/17/2011
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CIVA08 ART11 ART16 N1 N5 A N6 C
DL 227/06 DE 2006/11/15 ART50 N1
L 42/04 DE 2004/08/18 ART28 N1
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE SEXTA DIRECTIVA 77/388 DE 1977/05/17 ART11 A N1 A N3 C
DIR CONS CEE 2006/112CE DE 2006/11/28 ART73 ART78 §1 A ART79 §1 C
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0284/11 DE 2014/01/15; AC STA PROC01063/11 DE 2014/01/15
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 512/09.0BESNT

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A…………, S.A.” (a seguir Impugnante ou Recorrente) recorreu para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo ao mês de Outubro de 2004.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.3 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usaremos o itálico na transcrição, as partes que no original estavam em itálico surgem aqui em tipo normal, a fim de respeitar o destaque que lhes foi concedido pela Recorrente.): «

1. O montante da taxa de exibição deve ser excluído do valor tributável para efeitos de IVA, porquanto assim o impõem o artigo 16.º, n.º 1 e n.º 6, al. c) do CIVA, o artigo 11.º, A, n.º 1, al. a) e n.º 3, al. c) da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CE do Conselho, de 17.05.1977) e bem assim a jurisprudência emanada do TJCE.

2. A taxa de exibição devida pelos anunciantes é liquidada, por substituição tributária, pelos operadores ou distribuidores de televisão que a tem que entregar ao Estado no prazo referido no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 227/2006, e informar o mesmo sobre: teor das exibições, identificação dos anunciantes, importância sobre a qual recaiu a taxa e montantes de contribuição liquidados a cada anunciante.

3. No caso em apreço não ocorre retenção na fonte, contrariamente ao pressuposto de que parte o Tribunal a quo e que normalmente está associado ao mecanismo da substituição.

4. A melhor doutrina considera haver substituição tributária quando a lei determina que um dado sujeito passivo se substitua àquele relativamente ao qual se verificou o facto tributário, ocupando o seu lugar na obrigação de imposto e, via de regra, beneficiando do direito de haver aquilo que pagou.

5. Alexandre do Amaral distingue claramente entre o sujeito passivo por débito próprio e o sujeito passivo por débito alheio, sendo o sujeito passivo por débito próprio aquele em que confluem as qualidades de sujeito passivo e contribuinte, enquanto o sujeito passivo por débito alheio é aquele que, sendo embora sujeito passivo, não é contribuinte. O ilustre autor dá como exemplo deste último caso o substituto tributário, qualidade que a ora Recorrente assume por força da lei no presente caso.

6. Todos os autores são unânimes em considerar que a substituição fiscal não se confunde com a retenção e em afirmar que a substituição não é ditada por nenhum princípio de equilíbrio ou justiça, mas tão só por um princípio de eficácia, ou seja, por razões de natureza técnica (v.g. um pagamento mais rápido ao estado, a redução do número de sujeitos, etc.).

7. De acordo com o probatório, em Outubro de 2004 a Recorrente prestou serviços de publicidade, emitiu facturas aos seus clientes anunciantes, exigiu-lhes a taxa de 4% a que alude o Decreto-Lei n.º 227/2006 e liquidou IVA sobre o valor dos serviços prestados e ainda sobre o montante arrecadado dos 4%, entregando-o ao Estado.

8. Mais se provou que em Outubro de 2004 a recorrente contabilizou os montantes referentes à taxa de exibição.

9. Não obstante a prova dos referidos factos, entendeu o M.º Juiz [do Tribunal] a quo não se dever aplicar ao caso em apreço o disposto na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA, porquanto, na sua óptica, o obrigado, ao efectuar a liquidação do tributo aos anunciantes e na medida em que recebe as quantias apuradas, fica constituído na posição de devedor do mesmo e, não suportando o encargo tributário, não pode pretender que tais quantias pagas aos titulares do crédito sejam efectuadas em nome e por conta do destinatário do serviço.

10. Ora, salvo o devido respeito, não tem o M.º Juiz [do Tribunal] a quo razão e desde logo porque, receba ou não (e em tempo) dos anunciantes, a recorrente tem sempre que entregar o montante da contribuição ao Estado, o que resulta expressamente do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 227/2006, além de que sempre que a Recorrente recebe tais montantes – e é o mais comum – recebe-os a título de direito de regresso sobre os seus clientes.

11. O substituto realiza uma prestação que constitui objecto de uma obrigação alheia, i.e., do substituído, que é quem realiza o facto tributário. O substituto, embora seja devedor, “não preencheu o facto tributário, mas outro pressuposto de facto conexo ao facto gerador” (Diogo Leite de Campos, ob. cit.).

12. Ao indicar ao Estado o nome dos anunciantes, ao calcular o valor das contribuições devidas pelos mesmos, ao recolher junto deles tais valores e entregá-los ao Estado, é evidente que a Recorrente entrega uma contribuição em nome e por conta de outrem.

13. O momento exacto em que essa recolha é feita – antes ou depois do prazo definido no artigo 52.º do referido Decreto-Lei n.º 227/2006 para entrega ao Estado, ou seja, saber se estamos perante um adiantamento ou perante um reembolso do anunciante devidamente registado em conta de terceiros transitórias – não pode alterar o facto de, perante o Estado, tratar-se sempre de um pagamento que, embora obrigatório, é feito em nome e por conta de outrem.

14. Assim entendeu a Advogada-Geral no Processo n.º C-98/05, do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), a respeito da interpretação do artigo 11.º, A, n.º 3, al. c) da Sexta Directiva: “O momento em que o imposto deve ser pago não representa, pelo contrário, um critério distintivo em si mesmo … Se, designadamente, o imposto for de qualificar como valor a registar na conta transitória, na acepção do artigo 11.º, A, n.º 3, alínea c) da sexta Directiva, não é incluído na matéria colectável, ainda que o fornecedor o tenha pago antes da entrega”.

15. Por conseguinte, fica claro que o momento em que o tributo é recolhido junto do cliente (substituído) não contende com o enquadramento desse montante na alínea c) do n.º 3 do artigo 11.º, A da Sexta Directiva.

16. É certo que a Recorrente, quando liquida e entrega ao Estado as quantias devidas pelos anunciantes, fá-lo no interesse de terceiros e por isso mesmo é tão feliz a expressão “sujeito passivo por débito alheio” de Alexandre do Amaral,

17. Só em face do exposto se atenderá ao princípio da qualificação dos factos de acordo com a sua substância económica, aliás consagrado no n.º 3 do artigo 11.º da LGT.

18. Em face do exposto, o entendimento consagrado pelo M.º Juiz [do Tribunal] a quo contraria o disposto na al. c) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA e a al. c) do n.º 3 do artigo 11.º, A da Sexta Directiva, sendo certo de que de acordo com a orientações que tem sido seguida pelo TJCE (Chaussures Bally S.A. contra o Estado Belga), “a alínea c) destina-se a precisar que existem montantes que o fornecedor na prática recebe do comprador, mas que não deve, porém, incluir na matéria tributável, uma vez que só correspondem a um reembolso de despesas efectuadas pelo fornecedor no interesse do comprador e que não podem ser consideradas parte da contrapartida do bem entregue”.

19. No conhecido Acórdão do TJCE proferido no Processo n.º C-98/05 (Danske Bilimportorer contra Skatteministeriet) a respeito do Imposto Automóvel Dinamarquês, o TJCE configurou bem a questão e concluiu que a matrícula, embora requerida pelo distribuidor, era efectuada em nome e por conta do cliente, acrescentando que, sendo um pressuposto para a circulação do veículo na via pública, constituía um interesse exclusivo do ciente, pelo que havia lugar à aplicação do n.º 3, alínea c), do artigo 11, A da Sexta Directiva.

20. De acordo com as conclusões da Advogada-Geral neste processo, “se a matrícula for efectuada em nome do cliente deve assumir-se que o imposto também será pago em seu nome e registado na contabilidade do distribuidor como conta transitória. Esta configuração da legislação fiscal está em perfeita conformidade com a Sexta Directiva, cujo artigo 11.º, A, n.º 3, alínea c) também contém uma norma expressa aplicável aos impostos sobre os montantes registados nas contas transitórias”.

21. Adaptando tais conclusões ao caso em apreço, conclui-se que a taxa de exibição se enquadra no “conceito comunitário de acção em nome e por conta de outrem”.

22. Em face de todo o exposto, é lícito concluir que, ao contrário do que foi sufragado pelo M.º Juiz [do Tribunal] a quo, o montante correspondente à taxa de exibição deve estar excluído da base tributável para efeitos de IVA.

23. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que mesmo em face do artigo 16.º, n.º 1 do CIVA e do artigo 11.º, A, al. a) da Sexta Directiva, as contribuições em causa não apresentam uma ligação directa com a prestação de serviço para que se integrem no valor da contraprestação, contrariamente ao que foi entendido pelo M.º Juiz [do Tribunal] a quo, pois as taxas de exibição não constituem uma contrapartida do serviço prestado pela Recorrente, nem apresentam ligação directa com a prestação do serviço.

24. Com efeito, a contrapartida pela difusão da publicidade por parte da Recorrente – uma prestação de serviços – é o pagamento do preço pelo anunciante. É esse preço que apresenta uma ligação directa com a prestação da Recorrente.

25. Isso sem contar com a circunstância de o facto gerador da taxa ou contribuição em apreço não ser idêntico ao do IVA: o primeiro (facto gerador da taxa) é a exibição de publicidade comercial nos moldes definidos pelo artigo 50.º, n.º 1 do Decreto-Lei 227/2006 e o segundo (facto gerador do IVA) é toda a actividade de prestação de serviços.

26. Acresce que a actividade da Recorrente não consiste na mera exibição da publicidade comercial em causa e o valor pela contrapartida da prestação do serviço (preço global) não coincide com o valor base da taxa de exibição (preço de exibição/difusão), sendo o primeiro superior ao segundo.

27. Relativamente ao caso concreto das prestações de serviços, atente-se no Acórdão do TJCE de 05.02.1981 (Processo n.º 154/80) onde se refere que “a matéria colectável de uma prestação de serviços é constituída por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado; deve, portanto, existir um vínculo directo entre o serviço prestado e o valor recebido para que uma prestação de serviços seja tributável (…)”.

28. Ora, a taxa de exibição não tem a natureza de uma contrapartida pelo serviço prestado, visando exclusivamente “o financiamento do fomento e desenvolvimento das artes cinematográficas e do audiovisual” sendo evidente a falta de nexo sinalagmático entre o serviço prestado aos anunciantes e o pagamento da taxa de exibição”.

29. Em consequência do exposto, a taxa de exibição não pode integrar o conceito de valor tributável para efeitos do artigo 16.º, n.º 1, al. a) do CIVA.

30. Importa ainda realçar que, embora não se confunda com a taxa de exibição, a contribuição prevista no artigo 23.º, n.º 1 da Lei n.º 42/2004 tem em comum com esta a finalidade intrínseca – o financiamento do desenvolvimento do cinema e do audiovisual – e o mecanismo de liquidação – por substituição tributária.

31. Em ambos os casos, as contribuições não apresentam qualquer ligação directa com a prestação do operador e, quer num caso, quer noutro, não é o substituto um “sujeito passivo por débito próprio”, pois quem pratica o facto tributário é o anunciante ou o operador/distribuidor.

32. Todavia, o legislador, no artigo 23.º da Lei n.º 42/2004, preocupou-se em consagrar expressamente a não incidência de outros tributos sobre essa contribuição mas, pelo menos em matéria de IVA, esta incidência sempre ficaria afastada pelo artigo 16.º, n.º 6, al. c) do CIVA. À mesma conclusão chegaríamos por aplicação do artigo 16.º, n.º 1 do CIVA, porquanto a contribuição não constitui contrapartida do que quer que seja.

33. Quer isto dizer que, no que concerne especificamente ao IVA, mesmo que o artigo 24.º, n.º 2 não existisse a solução adoptada teria de ser a mesma, pelo que, não obstante a consagração expressa da não incidência de imposições fiscais sobre a contribuição do artigo 23.º, n.º 1 da Lei n.º 42/2004, ao contrário do que sucede para a taxa de exibição, o mesmo entendimento terá de valer para esta última taxa. Tratam-se, conforme exposto, de situações materialmente idênticas.

34. Dessa forma, não tem razão o Tribunal a quo quando refere que, se o legislador tivesse pretendido afastar a taxa de exibição da incidência de qualquer imposição tributária, teria obrigatoriamente de consagrar uma regra igual à do artigo 24.º, n.º 2 da Lei 42/2004.

35. Concluindo, também por força do disposto no artigo 16.º, n.º 1 do CIVA o montante correspondente à taxa de exibição liquidada aos anunciantes deve ser excluído da base tributável para efeitos de IVA.

36. Finalmente, o caso vertente suscita um conjunto de questões relativas à interpretação de normas de direito comunitário, o que justifica um pedido de clarificação perante o TJCE, com vista a uma correcta interpretação e, subsequentemente, boa aplicação das referidas normas jurídicas, o caso em apreço suscita, pelo menos, as seguintes questões, cuja submissão a apreciação prejudicial do TJCE a Recorrente requer a V. Exas.

37. Sobre o sentido e alcance do disposto no artigo 11.º, A, n.º 1, al. a) da Directiva 77/388/CE, nomeadamente: qual a ratio legis subjacente a esse preceito? Qual o conteúdo do conceito de “contrapartida que o fornecedor ou prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações”? A taxa de exibição liquidada pela Recorrente aos anunciantes na qualidade de substituta tributária, nos termos do artigo 50.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 227/2006, enquadra-se nesse conceito? Em consequência, as quantias liquidadas pela Recorrente a título de taxa de exibição devem ser incluídas na base tributável para efeitos de IVA?

38. Sobre o sentido e alcance do disposto no artigo 11.º, A, n.º 3, al. c) da Directiva 77/388/CE, nomeadamente: qual a ratio legis subjacente a esse preceito? Qual o conteúdo do conceito de “quantias que um sujeito passivo recebe do adquirente ou do destinatário, a título de reembolso de despesas efectuadas em nome e por conta destes últimos, e que estão registadas na sua contabilidade em contas transitórias”? A taxa de publicidade liquidada pela Recorrente aos anunciantes na qualidade de substituta tributária e contabilisticamente registada numa conta de terceiros, enquadra-se nesse conceito? Em consequência, essas quantias liquidadas pela Recorrente a título de taxa de exibição devem ser incluídas na base tributável para efeitos de IVA?

Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser a douta decisão recorrida substituída por outra que considere que a taxa de exibição liquidada pela recorrente nos termos legais está excluída da base tributável em IVA.

Requer-se ainda seja ordenado, nos termos da legislação comunitária em vigor, o reenvio prejudicial para o TJCE tendo em vista o esclarecimento das questões supra identificadas».

1.4 Não foram apresentadas contra alegações.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:

«1. A conformidade da norma constante do art. 50.º n.º 1 DL n.º 227/2006, 15 (taxa de exibição de publicidade comercial difundida pela televisão) com as normas constantes do art. 11.º-A n.º 1 al. a) e n.º 3 al. c) Directiva 77/388/CE (Sexta Directiva – IVA) para efeitos de inclusão/exclusão do valor tributável do IVA (art. 16.º n.º 6 al. c) CIVA) configura questão nova e complexa, sobre a qual não se pronunciou a jurisprudência dos tribunais superiores, susceptível de vir a ser colocada noutros litígios.
A solução da questão pode representar um contributo relevante para eventual pronúncia do STA-SCT no âmbito de reenvio prejudicial ou de recurso de revista (art. 27.º n.º 2 ETAF; arts. 93.º e 150.º CPTA).

2. Neste contexto o Ministério Público pronuncia-se nos seguintes termos:
a) Concordância com a suscitação da questão do reenvio prejudicial perante o TJCE, nos termos formulados nas 37.ª/38.ª conclusões do recurso (art. 267.º TFUE ex-art. 234.º TCE)
b) Suspensão da instância de recurso até junção ao processo de cópia da decisão a proferir pelo TJCE».
1.6 Por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo (de fls. 170 a 182), foi ordenada a suspensão da instância até à pronúncia em reenvio prejudicial do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nos termos do art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) (Correspondente ao art. 234.º do Tratado das Comunidades Europeias.), sobre as seguintes questões:

«1.ª - O artigo 16.º n.º 1 do CIVA, tal como interpretado pela sentença recorrida (no sentido de que a taxa de exibição de publicidade comercial é inerente à prestação de serviços publicitários razão pela qual deve ser incluída no valor tributável da prestação de serviços para efeitos de IVA) é compatível com o disposto no artigo 11.º, A, n.º 1, al. a) da Directiva 77/388/CE (actual artigo 73.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006), em particular com o conceito de “contrapartida que o fornecedor ou prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações”?

2.ª - O artigo 16.º n.º 6 alínea c) do CIVA, tal como interpretado pela sentença recorrida (no sentido de que a taxa de exibição de publicidade comercial não constitui quantia paga em nome e por conta do destinatário dos serviços, ainda que contabilisticamente registadas em contas transitórias de terceiros e destinadas a ser entregues a entidades públicas, pelo que não estariam excluídas do valor tributável para efeitos de IVA) é compatível com o disposto no artigo 11.º, A, n.º 3, al. c) da Directiva 77/388/CE (actual artigo 79.º c) da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006), em particular com o conceito de “quantias que um sujeito passivo recebe do adquirente ou do destinatário, a título de reembolso de despesas efectuadas em nome e por conta destes últimos, e que estão registadas na sua contabilidade em contas transitórias?».

1.7 O TJUE veio a pronunciar-se por acórdão (de fls. 278 a 291) em que declarou que «[o] artigo 11.º, A, n.ºs 1, alínea a), 2, alínea a), e 3, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, e os artigos 73.º, 78.º, primeiro parágrafo, alínea a), e 79.º, primeiro parágrafo, alínea c), da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que uma taxa como a taxa de exibição prevista na legislação portuguesa a favor da arte cinematográfica e audiovisual deve ser incluída no valor tributável em sede de imposto sobre o valor acrescentado devido pelos serviços de exibição publicidade comercial».

1.8 Na sequência desse acórdão, o relator declarou cessada a suspensão da instância.

1.9 Foi dada vista ao Ministério Público e o seu Representante junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida. Isto, em síntese, com a seguinte fundamentação:

«Perante os termos da pronúncia do TJUE, que vai de encontro à interpretação das instâncias, no sentido de que o valor da taxa incidente sobre os serviços de publicidade comercial deve ser incluída no valor tributável para efeitos de IVA, nos termos das disposições do artigo 16.º, n.º 1, n.º 5, alínea a) e n.º 6, alínea c), do CIVA, porque inerente à prestação de serviços e porque não constituiria uma quantia paga em nome e por conta do destinatário dos serviços de publicidade, ainda que os montantes arrecadados sejam registados em contas transitórias de terceiros e destinados a ser entregues a entidades públicas, e nessa medida da conformidade da interpretação com o direito comunitário (Directiva 77/388/CE, do Conselho, de 17.05.1977 Sexta Directiva)».

1.10 Cumpre apreciar e decidir, sendo a questão a de saber se, como decidido, o montante da taxa de exibição de publicidade comercial, liquidada aos anunciantes pelos operadores ou distribuidores de televisão, deve ser incluída no valor tributável para efeitos de IVA ou se, como alegado, deve ser excluído do valor tributável para efeitos daquele imposto ex vi do disposto no art. 16.º, n.ºs 1 e 6, alínea c), do Código do IVA (CIVA), interpretados em conformidade com o disposto no art. 11.º, A, n.º 1, alínea a) e n.º 3, alínea c), da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CE do Conselho, de 17 de Maio de 1977).


*

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: «

A) A impte, no âmbito da sua actividade audiovisual operando no mercado televisivo, prestou serviços de publicidade comercial a diversos anunciantes no mês de Outubro de 2004, no âmbito do qual facturou aqueles clientes pelos serviços prestados, no qual se inclui o valor de 4% sobre o preço facturado pela exibição e difusão de publicidade e relativo à taxa de exibição enquanto contribuição para apoio ao cinema e audiovisual, nos termos do disposto no Dec.-Lei nº 227/2006, de 15.11, sobre a qual fez incidir o IVA sobre a totalidade das importâncias facturadas apurando o imposto a pagar, procedendo à entrega do imposto liquidado no período e devidamente incluída na respectiva declaração periódica – cfr. Declaração Periódica de fls. 32 a 36, e cópia de extractos de conta da classe 2, de fls. 37 a 50, dos autos.

B) Em resultado da liquidação da taxa de exibição referida supra, foram contabilizados os montantes de receita a favor da Cinemateca Portuguesa e do Instituto do Cinema e do Audiovisual e Multimédia, processadas e pagas as importâncias assim apuradas – cfr. documentos de fls. 51 a 52, de fls. 53 e de fls. 53 a 57, dos autos.

C) Da autoliquidação de imposto referida supra efectuada em 3.12.04 apresentou, em 30.09.08, pedido de revisão oficiosa do acto tributário constante de fls. 19 a 57, dos autos, a qual foi recebida na mesma data, não tendo merecido qualquer decisão – cfr. art. 1.º e 2.º da p.i. e art. 12.º e segs. da Informação de fls. 66 a 81, dos autos».

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação deduzida contra autoliquidação de IVA referente ao mês de Outubro de 2004, considerando que o montante da taxa de exibição de publicidade comercial liquidada pela impugnante aos anunciantes se inclui na base tributável do imposto ex vi do art. 16.º, n.ºs 1 e 5, alínea a), do CIVA.
Para assim decidir, considerou a sentença recorrida: que os montantes da taxa de exibição de publicidade não podiam ser considerados como “quantias pagas em nome e por conta do destinatário dos serviços”, ainda que registadas em contas provisórias de terceiros, para efeitos da exclusão prevista na alínea c) do n.º 6 do art. 16.º do CIVA, porquanto o obrigado, ao efectuar a liquidação do tributo aos anunciantes e na medida em que recebe as quantias apuradas, fica constituído na posição de devedora do mesmo, pelo que não suportando o encargo tributário não pode pretender que tais quantias pagas aos titulares do crédito são efectuadas em nome e por conta do destinatário do serviço como alega, nem se constituindo como titulares do direito de reembolso das importâncias despendidas a cargo dos destinatários dos serviços; que as taxas apresentam uma ligação directa com a prestação de serviço, pois que tendo por objecto os serviços prestados de exibição ou difusão de publicidade comercial (cfr. art. 28.º da Lei n.º 42/2004, de 18 de Agosto), é inerente ao serviço prestado, ainda que em benefício de entidades públicas; que se o legislador pretendesse afastar a incidência do IVA sobre o montante das taxas tê-lo-ia dito expressamente, como fez relativamente à contribuição prevista no n.º 2 do art. 24.º da Lei n.º 42/2004, o que não sucede no caso da taxa de exibição.
Discorda do decidido a Impugnante, alegando, em síntese: que o montante da taxa de exibição deve ser excluído do valor tributável para efeitos de IVA, porquanto assim o impõem o art. 16.º, n.ºs 1 e 6, alínea c), do Código do IVA (CIVA), o art. 11.º, A, n.ºs 1, alínea a), e 3, alínea c) da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CE do Conselho, de 17 de Maio de 1977) e bem assim a jurisprudência emanada do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (conclusões 1 a 22 das alegações de recurso); que ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que mesmo em face do art. 16.º, n.º 1, do CIVA e do art. 11.º, A, alínea a) da Sexta Directiva, as contribuições em causa não apresentam uma ligação directa com a prestação de serviço para que se integrem no valor da contraprestação, contrariamente ao que foi entendido pelo Juiz do Tribunal a quo, pois as taxas de exibição não constituem uma contrapartida do serviço prestado pela Recorrente, nem apresentam ligação directa com a prestação do serviço, não podendo, em consequência, integrar o conceito de valor tributável para efeitos do artigo 16.º, n.º 1, al. a) do CIVA (cfr. conclusões 23 a 29 das alegações); que relativamente à contribuição prevista no artigo 23.º, n.º 1 da Lei 42/2004, que teria em comum com a taxa sindicada a finalidade intrínseca – o financiamento do cinema e do audiovisual – e o mecanismo de liquidação – por substituição tributária –, o legislador consagrou expressamente a não incidência de outros tributos sobre essa contribuição (art. 24.º, n.º 2), pelo que o mesmo entendimento terá de valer para a taxa de difusão por se tratarem de situações materialmente idênticas (cfr. conclusões 30 a 35 das alegações).
Considerando ainda que o caso suscita um conjunto de questões relativas à interpretação de normas comunitárias, requereu a este Supremo Tribunal que submeta, a título prejudicial, à apreciação do TJUE as questões que enuncia nas conclusões 37 e 38 das suas alegações de recurso, relativas ao sentido e alcance do disposto no artigo 11.º, A, n.º 1, al. a) e 11.º, A, n.º 3, al. c) da Directiva 77/388/CE, do Conselho (cfr. conclusões 36 a 38 das alegações de recurso).
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão proferido nestes autos, suspendeu a instância até que o TJUE se pronunciasse sobre essas questões. Após essa pronúncia, cumpre agora decidir, tendo presente a interpretação que o TJUE deu às normas comunitárias em causa.
A questão objecto do presente recurso consiste em saber se o montante da taxa de exibição de publicidade comercial, liquidada aos anunciantes pelos operadores ou distribuidores de televisão, deve ser incluído no valor tributável para efeitos de IVA ou se, como alega a recorrente, deve ser excluído do valor tributável para efeitos daquele imposto ex vi do disposto no art. 16.º, n.ºs 1 e 6, alínea c), do CIVA, interpretados em conformidade com o disposto no art. 11.º. A, n.º 1, alínea a) e n.º 3, alínea c), da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CE do Conselho, de 17 de Maio de 1977).
Como ficou dito em recente acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo – de 15 de Janeiro de 2014, proferido no processo 284/11 (Ainda não publicado no jornal oficial, mas brevemente disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.), em que se colocou a mesma questão – e que passamos a seguir, a argumentação aduzida pela Recorrente não pode proceder, já que, como foi declarado pelo TJUE, o art. 11.º, A, n.ºs 1, alínea a), 2, alínea a), e 3, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 e os arts. 73.º, 78.º, primeiro parágrafo, alínea a), e 79.º, primeiro parágrafo, alínea c), da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, devem ser interpretados no sentido de que a taxa de exibição liquidada pela Recorrente aos anunciantes na qualidade de substituta tributária, nos termos do art. 50.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 227/2006 deve ser incluída no valor tributável em sede de IVA devido pelos serviços de exibição publicidade comercial (No mesmo sentido, vide também o acórdão, da mesma data, proferido no processo 1063/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas brevemente disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.).
Como esclareceu o TJUE, «para que os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos possam ser incluídos no valor tributável de IVA, mesmo que não representem valor acrescentado e não constituam a contrapartida económica de uma prestação de serviços, devem apresentar uma ligação directa com essa prestação (v., neste sentido, acórdãos de 20 de maio de 2010, Comissão/Polónia, C 228/09, n.º 30, e Lidl & Companhia, já referido, n.º 33).»
Ora, no caso sub judice resulta do art. 28.º, n.º 1, da Lei n.º 42/2004, que a publicidade comercial exibida nas salas de cinema e difundida pela televisão, mais precisamente os anúncios publicitários, os patrocínios, as televendas, o teletexto, a colocação de produtos em cena ou incluída nos guias electrónicos de programação, qualquer que seja a plataforma de emissão, está sujeita a uma taxa de exibição, que constitui encargo do anunciante, de 4% sobre o preço pago por este.
E resulta do art. 50.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 227/2006 que as quantias recebidas a título desta taxa de exibição constituem uma receita dos então denominados “Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia” e “Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema”.
Resulta, pois, daqueles normativos, que o facto gerador da taxa de exibição coincide com o do IVA devido pelos serviços de exibição de publicidade comercial.
Com efeito, a taxa de exibição torna-se exigível no momento em que os serviços são prestados e só é exigível se esses serviços forem prestados. Consequentemente a referida taxa de exibição apresenta uma ligação directa com a prestação de serviços de exibição de publicidade comercial, uma vez que os factos geradores da taxa de exibição e do IVA coincidem. A mesma insere-se, pois, no conceito de «impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos» referido no art. 11.º, A, n.º 2, alínea a), da Sexta Directiva e no artigo 78.º, primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva 2006/112.
Acresce que, como de igual modo sublinha o TJUE, esta conclusão não é invalidada pelo facto de, segundo o art. 50.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 227/2006, a taxa de exibição ser liquidada, através de um mecanismo de substituição tributária, pelos prestadores de serviços de exibição de publicidade comercial. Com efeito, segundo o referido mecanismo, a taxa de exibição, ainda que devida pelos destinatários de serviços de exibição de publicidade comercial, a saber, os anunciantes, é paga pelo prestador desses serviços.
Estando em causa no caso sub judice uma liquidação da contribuição por substituição tributária (art. 50.º, n.º 3, do citado diploma legal) a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento [art. 28.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT)].
Trata-se de uma retenção efectuada a título liberatório, sendo o responsável pela retenção o sujeito passivo da relação tributária (art. 18.º, n.º 3, da LGT) e ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade pelo seu pagamento.
Quer isto dizer que, tal como concluiu o TJUE, resulta da legislação nacional, nomeadamente do disposto nos arts. 18.º e 28.º da LGT, que é a pessoa que paga a taxa de exibição na sua qualidade de substituto tributário que é considerada o seu sujeito passivo, ou seja, que a Recorrente é obrigada a pagar esta taxa mesmo que os anunciantes não tenham pago os serviços de exibição de publicidade comercial em questão, e mesmo que esta não lhe seja reembolsada pelos referidos anunciantes.
Em face das considerações precedentes, concluímos que a taxa de exibição prevista no art. 28.º, n.º 1, da Lei 42/2004, de 18 de Agosto, está directamente ligada à prestação de serviços de exibição de publicidade comercial e se insere no conceito de «impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos», na acepção do art. 11.º, A, n.º 2, alínea a), da Sexta Directiva, do art. 78.º, primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva 2006/112 e do art. 16.º, n.º 5, alínea a), do CIVA, pelo que deve ser incluída no valor tributável em sede de IVA devido pelos serviços de exibição de publicidade comercial.
A sentença recorrida, que decidiu nesse sentido, não merece censura e deve ser confirmada.

2.2.3 CONCLUSÕES

Face ao exposto, o recurso não poder ser provido e, preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão, decalcada do sumário doutrinal do referido acórdão de 15 de Janeiro de 2014 desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A taxa de exibição prevista no art. 28.º, n.º 1, da Lei 42/2004, de 18 de Agosto, está directamente ligada à prestação de serviços de exibição de publicidade comercial e insere-se no conceito de «impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos», na acepção do art. 11.º, A, n.º 2, alínea a), da Sexta Directiva, do art. 78.º, primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva 2006/112 e do art. 16.º, n.º 5, alínea a), do CIVA, pelo que deve ser incluída no valor tributável em sede de IVA devido pelos serviços de exibição de publicidade comercial.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

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Dê conhecimento ao Tribunal Central Administrativo Sul, como solicitado (cfr. ofícios de fls. 194 e 262), do acórdão do TJUE e do presente acórdão, mediante remessa de cópias.
Após o trânsito, remeta cópia certificada ao TJUE, como solicitado (cfr. ofício de fls. 278)
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Lisboa, 22 de Janeiro de 2014.Francisco Rothes (relator) - Casimiro Gonçalves - Pedro Delgado.