Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01427/15
Data do Acordão:05/12/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES
REMUNERAÇÃO
Sumário:I - Os magistrados do MºPº só têm o «direito a remuneração», previsto no art. 63.º, n.º 6, do EMP, por acumulação de funções se esta derivar de um ato enquadrável no tipo legal previsto nos ns.º 4 e 5 do mesmo artigo.
II - Se a alegada acumulação de funções adveio de sucessivos provimentos alheios ao condicionalismo referido nos ns.º 4 e 5 desse art. 63.º, não ocorreu o antecedente legalmente indispensável para que se constituísse o direito mencionado no n.º 6 do mesmo artigo.
III - Faltando o direito, inexiste também qualquer obrigação que lhe fosse correlativa - designadamente a do Ministro da Justiça fixar o «quantum» remuneratório que corresponderia a uma acumulação de funções.
Nº Convencional:JSTA00069712
Nº do Documento:SA12016051201427
Data de Entrada:01/29/2016
Recorrente:MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM GER - ESTATUTÁRIO.
Legislação Nacional:EMP ART63 N4 N6 ART64 N4.
L 52/08 DE 2008/08/28.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01428/15 DE 2016/03/10.; AC STA PROC01389/15 DE 2016/04/07.; AC STA PROC0904/15 DE 2016/04/14.
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
1.1. A…………, magistrado do Ministério Público, com a categoria de procurador adjunto, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF Porto], contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA [doravante «MJ»], ação administrativa especial de condenação à prática de ato administrativo legalmente devido pedindo a condenação da entidade demandada a praticar os atos de fixação ao autor da remuneração suplementar devida, nos termos dos n.ºs 4 e 6 do artigo 63.º, e n.º 4 do artigo 64.º do Estatuto do Ministério Público, na redação então vigente, atos esses ilegalmente omitidos”[cfr. fls. 03 a 16].

1.2. O TAF Porto, por acórdão de 14.09.2012 [cfr. fls. 146 a 161], julgou a ação procedente e, em consequência, condenou a entidade demandada “a, no prazo de 30 dias, fixar ao Autor a remuneração suplementar devida nos termos dos n.ºs 4 e 6 do art. 63.º e n.º 4 do art. 64.º do Estatuto do Ministério Público, na redação então vigente, variável entre um quinto e a totalidade do vencimento do Autor”.

1.3. Inconformado, o «MJ» recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA Norte] o qual, por acórdão de 08.05.2015, negou provimento ao recurso jurisdicional e confirmou o acórdão recorrido [cfr. fls. 235 a 251].

1.4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA, o «MJ», não se conformando com o acórdão proferido pelo TCA Norte, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista, produzindo alegações com o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 260 a 287]:

1. O regime de recursos contido no CPTA não prevê, em regra, recurso dos acórdãos proferidos em segundo grau de jurisdição, salvo na situação de estarem verificados os requisitos excecionais da revista.
2. Como previsto nos arts. 142.º/4 e n.º 1 do art. 150.º do CPTA, o recurso de revista só é admissível quando: a. esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; b. a admissão seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
3. Nos presentes autos encontram-se preenchidos os pressupostos para que o recurso de revista seja admitido, quer na sua vertente substantiva quer na vertente adjetiva/processual, designadamente a relevância jurídica da questão objeto do recurso e, por violação evidente de lei substantiva e processual, a necessidade de melhor aplicação do direito.
4. A decisão em recurso não limita os seus efeitos ao caso concreto do Recorrido e à sua esfera pessoal, tal assim não acontece, pois, respeitando ao estatuto remuneratório de uma carreira profissional - a dos magistrados.
5. Daqui decorrendo a possibilidade da controvérsia suscitada nos presentes autos se replicar a casos futuros similares, o que acontece já, aliás, conforme se deu conta ao longo das alegações, sendo vários os processos em curso com o mesmo objeto, uns ainda em primeira instância, outros nos Tribunais Centrais, e outros já neste Supremo Tribunal.
6. Mais, sobre a matéria em litígio, assistimos já a jurisprudência divergente, sobre aspetos concretos da condenação; a própria decisão em recurso disso é exemplo, dada a existência de um voto de vencido.
7. Mesmo quando não existe disparidade sobre a qualificação da situação de base - a existência de acumulação de funções - existem divergências sobre a aplicação dos pressupostos legais para a atribuição da requerida retribuição, como se deu conta ao longo das alegações.
8. Em caso sobre estatuto remuneratório dos magistrados foi já admitida revista, por este tribunal, por despacho de 12/3/2015 (Proc. 199/15, da 1.ª Secção): «Está em discussão no presente recurso uma questão jurídica respeitante ao sistema retributivo dos magistrados judiciais. Trata-se de litígio sobre uma situação estatutária suscetível de repetir-se em termos essencialmente semelhantes sempre que a nomeação como juiz de direito ocorra antes de o interessado perfazer o módulo de três anos de tempo de serviço».
9. Os enormes custos associados ao pagamento de retribuições por tão longos períodos de tempo, por vezes de centenas de milhares de euros para um só magistrado, além de contenderem com o princípio da igualdade, deixando magistrados que exerceram as mesmas funções em posições bem diferenciadas, contendem com os princípios da confiança e da proporcionalidade, impondo despesa pública extraordinária, e com fortes reflexos na situação económica do país.
10. A revista mostra-se necessária para «uma melhor aplicação do direito», pois a decisão recorrida mostra-se ostensivamente violadora da lei e desconforme, em várias vertentes decisórias, com outros acórdãos de tribunais superiores.
11. Por outro lado, e como resulta do acórdão recorrido, «Analisando o quadro jurídico aplicável, uma primeira constatação que nos é dada observar é que o mesmo padece de uma insuficiente densificação, designadamente quanto aos critérios para a existência de acumulação e para a fixação da remuneração, bem como quanto à natureza do parecer a emitir pelo CSMP», pelo que a intervenção deste Tribunal Supremo mostra-se necessária para densificação dos critérios legais.
12. Sendo admitido, como se espera, ao presente recurso tem de ser dado provimento.
13. O Recorrente nunca poderia ser condenado ao pagamento, sob pena de o tribunal se substituir a órgão que nem sequer é parte nos autos e neles não foi ouvido.
14. E para a prática desse ato, o CSMP não exerce um poder vinculado, mas antes um poder discricionário, desde logo porque não foi autorizada a situação de acumulação. Igual pendor discricionário tem o ato de fixação de remuneração, da competência do Ministro da Justiça.
15. E assim foi recentemente decidido pelo TCA Norte, no Proc. 2920/11.8BEPRT-Braga.
16. No caso dos autos, não havia ainda sido proferido Parecer aquando da entrada da ação em juízo, mas veio a sê-lo no decurso da mesma. Todavia, tal Parecer concluiu pelo não reconhecimento da situação de acumulação.
17. Em outro acórdão em que, tal como nos presentes autos, não havia ainda sido proferido Parecer do CSMP aquando da entrada da ação em juízo, mas veio a sê-lo no decurso da mesma, e em que no referido Parecer se concluiu pelo não reconhecimento da situação de acumulação, decidiu o TCA Norte de forma divergente ao do acórdão recorrido (Proc. 2910/11.0BEPRT).
18. Erra o acórdão recorrido na apreciação dos efeitos do Parecer em causa, suportando-se desde logo em teses doutrinárias que afastam a posição que veio a defender.
19. Mas é outro o erro principal do acórdão: o de considerar que a intervenção do CSMP se limita a mero parecer, cabendo ao Ministro da Justiça a decisão sobre a verificação ou não dos requisitos da acumulação, quando a norma habilitante apenas lhe atribui competência para fixar o quantum remuneratório.
20. Ora, como o acórdão acolhe, cabe aos Conselhos Superiores decidir se e quando se verificam situações de acumulação.
21. O CSMP decide se existe ou não acumulação de funções - a Lei é expressa «os procuradores da República que acumulem funções»; considerando que existe acumulação, o CSMP propõe uma remuneração; o Ministro da Justiça atribui a remuneração, de acordo com os elementos decisórios que julgar pertinentes, atendendo, designadamente à proposta remuneratória do CSMP - diz a Lei «têm direito a uma remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça».
22. Como já decidiu o TCA Norte, «exatamente para que possa ser confirmada a situação de acumulação e porventura mensurada a correspondente remuneração, é que a lei impõe a emissão de parecer prévio por parte do CSMP» (acórdão de 17/4/2015, Proc. 2920/11. 8BEPRT - Braga).
23. Ao contrário do que pretende o Recorrido, este não exerceu funções que vão para além do conteúdo funcional do seu cargo de Magistrado do Ministério Público.
24. Não se verifica um só dos requisitos previstos na lei para que a situação possa ser considerada de acumulação, designadamente: atribuição de funções correspondentes a outro cargo; por razões excecionais e transitórias e por período de tempo delimitado.
25. Conforme resulta do Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 74/2005, homologado em 21/2/2006, o regime da acumulação de funções e sua remuneração é marcado pela excecionalidade e transitoriedade, o que não se compagina com a situação concreta do tribunal e do Recorrido.
26. Segundo o mesmo Parecer, «A acumulação de funções (...) supõe, com efeito, um acréscimo de trabalho motivado pelo exercício de tarefas que não são próprias do cargo». E é essa circunstância, como se salienta no Parecer n.º 519/2000, «que justifica uma compensação remuneratória de carácter excecional».
27. A acumulação de funções é um instrumento de gestão com natureza excecional, usada em três tipos de situações: extinção de pendências atrasadas; substituição de magistrados temporariamente impedidos; auxílio de magistrados com volumes elevados de pendência.
28. A acumulação de funções é distinta daquela situação em que o magistrado do Ministério Público, colocado em determinada comarca, desenvolve o serviço que lhe foi distribuído pelo superior hierárquico, serviço esse que se contém no âmbito das funções próprias, integrando o conteúdo da respetiva prestação funcional.
29. No caso presente, não nos encontramos perante uma situação de acumulação de funções, mas antes e tão-somente de desempenho de funções abrangidas pelo conteúdo funcional do cargo em que o Recorrido se encontra provida, que inclui a direção de inquéritos e o exercício da ação penal quanto a determinados crimes.
30. Quando o Recorrido iniciou funções nos Juízos Criminais d… ………, já aos magistrados deste estavam cometidos processos de inquérito sobre determinados crimes. Na comarca d… ………, a direção e o exercício da ação penal de determinados inquéritos esteve a cargo dos magistrados do MP em funções em tribunais de julgamento da área criminal desde pelo menos 1994.
31. Estas tarefas não são acrescidas, pois não estavam atribuídas a outro Magistrado ao qual corresponda um lugar no respetivo quadro, como exige o Parecer n.º 499/2000, do CC da PGR.
32. Segundo o parecer do CC da PGR n.º 519/2000, «todos os magistrados que fazem parte da mesma comarca, departamento ou serviço têm igual competência para exercer funções que estejam cometidas a esse escalão hierárquico».
33. O serviço desenvolvido pelo Recorrido ocorreu dentro da mesma área, que era a criminal, cumpridas as tarefas dentro do tempo e no Local normal de trabalho, não se identificando o plus que justifique acréscimo remuneratório.
34. Nada na lei obriga a que a direção de inquéritos de todos os crimes cometidos na área da comarca d… ……… apenas possa integrar o conteúdo funcional dos magistrados adstritos ao ..........
35. Diferentemente do que acontece com os magistrados judiciais que exercem funções nos tribunais de 1.ª instância, as funções dos magistrados do Ministério Público não correspondem, tão só e necessariamente, ao serviço de determinada unidade organizativa; pelo contrário, o seu concreto conteúdo funcional pode ser definido em função de outros critérios que não o da competência material da específica unidade orgânica onde se encontra integrado.
36. Erra o acórdão ao considerar que «o cargo do autor ‘ficou definido com a sua afetação aos Juízos Criminais da Comarca d… ………, sendo em razão desse cargo que são definidas as suas funções em relação às funções dos demais procuradores colocados noutros serviços do Ministério Público ou departamentos’».
37. Esta interpretação viola o art. 64.º, n.º 3 do EMP.
38. E esta situação é diferente do que acontece com os magistrados judiciais que exercem funções nos tribunais de 1.ª instância, razão pela qual não tem aplicação o decidido pelo Ac. do TCA Sul de 19.12.2007, aplicável aos magistrados judiciais, contrariamente ao que vem invocado no acórdão.
39. E o Recorrido não alegou que as tarefas denominadas de «acrescidas» estavam distribuídas a outro Magistrado com lugar no quadro, que por qualquer forma provocou a vaga do lugar, ou, se em exercício de função tinha serviço acumulado que tinha que ser recuperado com recurso a outro magistrado.
40. Outros requisitos da acumulação falham aqui, como a decisão pelo procurador-geral distrital, com prévia comunicação ao CSMP, e observância dos preceitos legais relativos à verificação da conformidade legal e da regularidade financeira da despesa inerente.
41. É incontornável a ponderação de normas que enformam transversalmente as relações de trabalho subordinado no sentido da possibilidade de atribuição ao trabalhador de funções, não expressamente mencionadas, que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas (n.º 3 do art. 43.º da Lei 12-A/2008, de 27/2 e art. 118.º do Código do Trabalho).
42. Tal alteração de funções pode decorrer, designadamente, de alterações legislativas, como aconteceu no presente caso, como claramente decorre do provimento 7/2008: «Decorridos que são 7 meses sobre o entrada em vigor das alterações ao Código Penal e Processo Penal, já é possível analisar o impacto que as mesmas tiveram no volume de processos distribuídos a cada uma delas, sendo certo que as secções genéricas foram as mais penalizadas, tendo em conta que a elas cabe a investigação do maior número de inquéritos distribuídos».
43. E assim foi reconhecido no voto de vencido ao acórdão em recurso: «O serviço das … e … secções do ……… ……… foram reduzidos drasticamente com as sucessivas alterações legislativas, em particular com o Decreto-Lei n.º 316/97, de 19.11. Face a estas alterações legislativas - bem como na sequência e de acordo com um provimento emitido em 1994 - os Procuradores Gerais-Adjuntos encarregados da coordenação dos serviços do Ministério Público d… ………, foram determinando novas distribuições de serviço de forma a obter uma ‘distribuição mais equitativa do serviço’».
44. Sufragar um pedido do Recorrido, vários anos volvidos sobre o início do exercício de funções, exercício que se prolongou por todo esse tempo nos mesmos exatos moldes, e sem oposição daquela, violaria o princípio da confiança, constitucionalmente consagrado, e que não vale apenas para os particulares.
45. Tivesse a situação sido equacionada de imediato e não vários anos após o seu início e poderiam ser tomadas medidas de distribuição de serviço e racionalização de custos bem diferentes.
46. Num período de forte contenção orçamental e de rígida austeridade, a condenação em causa importa relevantes custos para o erário público, em nítido prejuízo da melhor racionalização de meios públicos.
47. Ou seja, quando todos os funcionários públicos são sujeitos a cortes salariais, o Recorrido e outros magistrados, aproveitando-se de uma sua inércia contrárias às mais elementares regras de boa-fé no relacionamento funcional, reclamam e vêm ser-lhes reconhecidos direitos ao recebimento de elevadíssimos valores, sem qualquer fundamento.
48. E assim foi já decidido pelo TCA Norte, qualificando situação em tudo igual como abuso de direito. Segundo acórdão de 22 de maio, no Proc. 2919/11.4BEPRT: «Em circunstâncias que, segundo os ditames da boa-fé, esse exercício se torna inesperado, pretendendo benefício não expectável pela sua própria inação, de forma que fere clamorosamente o equilíbrio suposto no instituto».
49. A condenação pré-existente, a ser mantida, violaria ainda o princípio da igualdade, pois atribui apenas a um magistrado uma remuneração acrescida, deixando sem perceber tal remuneração todos os outros magistrados que, desde 1994, desempenharam funções no mesmo Tribunal, nas mesmas exatas condições em que o Recorrido as desempenhou.
50. As posições defendidas pelo Recorrente encontraram eco nos votos de vencido do Desembargador Rogério Martins, nos acs. do TCA Norte de 8/5/2015 (Proc. 2908/11.9BEPRT e 2912/11.7BEPRT, que têm subjacente uma situação fática em tudo idêntica à do Recorrido) …”.

1.5. Devidamente notificado o A., aqui ora recorrido, ofereceu contra-alegações [cfr. fls. 297 a 312], formulando o seguinte quadro conclusivo que, igualmente, se reproduz:

a) o presente recurso não deve ser admitido pois que não ocorrem in casu os pressupostos do art. 150.º do CPTA; com efeito,
b) está em causa a apreciação de questão sem relevância social, abrange um número diminuto de interessados, não se reveste de importância fundamental; sendo que a admissão do recurso se evidencia manifestamente desnecessária, se não mesmo dispensável, para uma melhor aplicação do direito;
c) a acrescer à circunstância de tal conflitualidade haver cessado com a publicação e entrada em vigor do recente bloco legislativo de 2012/13 sobre sistema e organização dos tribunais judiciais;
d) não vislumbra a ora recorrida qua razão ou pretexto - ou fundamento - para a revogação do acórdão de 8 de maio de 2015 do Tribunal a quo que, por isso mesmo, deve ser integralmente mantido;
e) ou seja, e tendo em conta os factos provados, tudo vale por dizer que tem o recorrido direito a uma remuneração suplementar, uma vez que se demonstra a situação de acumulação de funções ininterrupta e por muito mais do limite imposto de trinta dias, sendo o montante desse valor fixado entre um quinto e a totalidade do vencimento;
f) estão reunidos integralmente os pressupostos de facto e de direito para que assim se proceda - n.ºs 4 a 6 do art. 63.º e n.º 4 do art. 64.º do EMP;
g) verificando-se assim os pressupostos materiais para o reconhecimento do direito da recorrida, deverá o mesmo direito ser reconhecido pelo Tribunal, como até agora foi;
j) ademais a recorrida é alheia, como é bom de ver, à demora e/ou não pronúncia do Conselho Superior, tal como à omissão do Ministério, e tal como ao parecer a desoras deliberado para também a desoras dar entrada nos presentes autos;
k) mais ainda: tal parecer é obrigatório mas nunca vinculativo; razão pela qual tendo sido pedido e verificando-se os pressupostos da formação do direito, cumpria ao recorrente assumir o seu reconhecimento ou ao Tribunal reconhecer tal direito - como judiciosamente fez - e impor à entidade administrativa a prática do ato;
l) por outro lado, é a presente ação o meio adequado à satisfação da pretensão do recorrido, que pretende a condenação do Ministério na prática dos atos de fixação da aludida remuneração, atos esses ilegalmente omitidos, já que tendo requerido ao Sr. Ministro da Justiça a concessão da remuneração a que tem jus, tal pedido nunca foi objeto da decisão administrativa que é legalmente devida;
m) a omissão da prática do ato legalmente devido é inválida, pelas razões materiais que se demonstram, de que resulta quedar insanavelmente inquinada pelo vício de violação da lei;
n) posto isto, verificando-se, como se verificam, os pressupostos materiais para o reconhecimento do direito do recorrido ao abono de remuneração suplementar por acumulação de funções, deveria o mesmo ter sido reconhecido pelo Tribunal recorrido, como foi, não podendo em caso algum obstar a tal questão de uma alegada falta de interesse em agir da recorrida e de inexistência de dever de agir da Administração, o recorrente Ministério da Justiça;
o) aliás, não obstante o defendido pelo recorrente, tal posição seria manifestamente contrária à Lei, pois o parecer que o Conselho Superior do Ministério Público emitisse nos termos dos n.ºs 4 a 6 do art. 63.º e n.º 4 do art. 64.º do EMP quer sobre a existência ou não da situação de acumulação, quer sobre o quantum da remuneração suplementar a abonar, deveria ser considerado como revestindo-se de natureza meramente consultiva, conforme o previsto no art. 98.º, n.º 2 do CPA;
p) na verdade, não há nenhuma norma, e nem o Ministério indica qualquer uma que expressamente afirme que o parecer em questão é vinculativo ou sequer que o CSMP deveria ser parte na presente ação;
r) parafraseando o acórdão do STA de 19.10.2005 que pôs termo ao processo 0785/05, «Não tendo esses pareceres natureza vinculativa, não produzem, por si mesmos, qualquer efeito lesivo na esfera jurídica dos particulares nem determinam o sentido da decisão final, não podendo também considerar-se como atos material e horizontalmente definitivos, pois (...) a sua emissão não dispensa a prática de um outro ato procedimental que contenha uma decisão final»;
s) depois, e como é de conhecimento público, é o próprio Ministério da Justiça recorrente que reputa os pareceres do Conselho Superior (em questão nos autos) como sendo meramente consultivos: tal como se pode verificar in http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ministério;
t) para além disso, e como decorre dos factos provados pelas instâncias, certo é que o recorrido se encontra (encontrou) em situação de acumulação de funções (pese embora o parecer tardio do CSMP); tem interesse em agir e é parte legítima; e o ora recorrente, o Ministério da Justiça, é a única parte legítima passiva nos presentes autos, tendo quanto a esta questão ficado pacificamente assente no douto despacho saneador, pelo que erra o recorrente ao alegar como alegou, ao arrepio da jurisprudência que é por si bem conhecida, e contra a lei.
u) sendo certo que a jurisprudência conhecida vai justamente no sentido de que o Tribunal pode condenar a Administração, nos termos peticionados pela recorrida nestes autos, conforme se pôde concluir nos acórdãos do TCA Sul de 19.12.2007, proferido no processo 06018/02, e de 24.01.2008, no processo n.º 06007/02.
v) face aos argumentos supra expostos e tendo em consideração os elementos documentais que foram juntos aos autos pela recorrida, bem como a matéria de facto provada e a aplicação do direito aos factos provados, deve o acórdão recorrido integralmente mantido, e mantida a decisão de primeira instância condenatória do ente demandado a praticar os atos de fixação da remuneração devida o recorrido;
x) isto porque tal conclusão é o que resulta e se impõe com a aplicação do disposto nos n.º 4 a 7 do art. 63.º e n.º 4 do art. 64.º do EMP, razão pela qual deve manter-se inalterada a condenação do Ministério da Justiça …”.

1.6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal, prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 07.01.2016, veio a ser admitido o presente recurso de revista [cfr. fls. 328 a 330].

1.7. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º, nº 1, do CPTA [cfr. fls. 385], o digno Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal não emitiu qualquer pronúncia [cfr. fls. 386 e segs.].

1.8. Dispensados os vistos legais, vieram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


2. DAS QUESTÕES A DECIDIR
No essencial, constitui objeto de apreciação, nesta sede, aferir se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao, alegadamente, a pronúncia condenatória haver infringido o disposto nos arts. 63.º, n.ºs 4 e 6 e 64.º, n.º 4, do Estatuto do Ministério Público - «EMP» e, nessa conformidade, se deve ou não o R., aqui recorrente, ser condenado a praticar o ato consubstanciado na fixação da remuneração suplementar que o A., ora recorrido, reclama como contrapartida pelo exercício, invocado, de funções em regime de acumulação [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].





3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
I) O A., A…………, é magistrado do Ministério Público com a categoria de procurador adjunto, a exercer funções no ……… [………] dos Juízos Criminais d… ……….
II) O A. tomou posse, como procurador adjunto na área da jurisdição criminal da comarca d… ……… a 19.09.2000.
III) O A. foi funcionalmente colocado a exercer funções juntos dos Juízos Criminais da Comarca d… ………, onde se encontra atualmente colocado, e aí desenvolve o trabalho decorrente dessas funções, designadamente: realização de julgamentos, tramitação de processos dos respetivos juízos, elaboração de recursos e respostas e todas as demais diligências inerentes a essas funções.
IV) Desde 19 de setembro de 2000 o A. exerceu a competência fixada pela Portaria n.º 454/99, de 27 de agosto, para as … e … secções do ………, relativamente a inquéritos instaurados contra desconhecidos - cfr. provimento n.º 146/2000, de 5 de maio que constitui o doc. 01 junto com a «p.i.», que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
V) Desde 19.09.2000, para além das funções descritas nos artigos anteriores, ficou a cargo do A. a competência para a direção do inquérito e exercício da ação penal relativamente a todos os crimes de furto praticados na Comarca d… ……… que tivessem sido instaurados contra desconhecidos e posteriormente reabertos com base no aparecimento de um qualquer cheque falsificado - cfr. Provimento n.º 7/2008, de 5 de maio, que constitui o doc. n.º 02 junto com a «p.i.», que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
VI) A partir de 17 de abril de 2009, as funções acima descritas transitaram para o ……… e, por força do Provimento n.º 5/2009, de 17 de abril passou a estar a cargo do A. a competência para a direção do inquérito e exercício da ação penal relativamente aos seguintes crimes praticados na comarca d… ………: Condução sem habilitação legal; Condução sob o efeito do álcool; Acidentes de viação; Desobediências relacionadas com o Código da Estrada; Crimes de falsificação e burla, à exceção dos crimes de burla atribuídos à … secção do ……… e dos previstos no artigo 221.º do Código Penal - cfr. Provimento n.º 7/2008, de 5 de maio, que constitui o doc. n.º 03 junto com a «p.i.», que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
VII) A partir de 23 de dezembro de 2009, para além das funções decorrentes da sua colocação junto dos Juízos Criminais da Comarca d… ………, passou a estar a cargo do autor por força do Provimento n.º 13/2009 de 23 de dezembro, a direção do inquérito e exercício da ação penal relativamente aos seguintes crimes praticados na comarca d… ………: Condução sem habilitação legal; Acidentes de viação com danos físicos; Omissão de auxílio relacionada com o Código da Estrada; Crimes contra a segurança das comunicações, previstos nos artigos 287.º a 294.º do Código Penal; Desobediências relacionadas com o Código da Estrada; Violações de imposições, proibições ou interdições relacionadas com o Código da Estrada; Resistência e coação sobre funcionário relacionada com o Código da Estrada; Crimes previstos no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos - cfr. doc. n.º 04 junto com a «p.i.», que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
VIII) Pelo Provimento n.º 12/2010, de 15 de dezembro, foi alterado o Provimento n.º 13/2009, de 23 de dezembro, na parte relativa à competência das … e … Secções acrescentando-se a competência para a direção do inquérito e exercício da ação penal relativamente aos crimes previstos no Código da Propriedade Industrial - cfr. doc. n.º 05 junto com a «p.i.», que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
IX) Com data de 9 de dezembro de 2010, o A. e Outros dirigiram ao Ministro da Justiça requerimento no qual requereram ... em conformidade com o disposto nos arts. 63.º, n.ºs 5 a 7, 64.º, n.º 4, 72.º, 73.º, 120.º, 134.º, n.º 4 e 141.º, n.º 1, todos do Estatuto do Ministério Público se digne: fixar aos mesmos as remunerações suplementares, devidas pela acumulação de funções, dentro dos parâmetros fixados no art. 63.º, n.º 7, do Estatuto do Ministério Público (um quinto e a totalidade do vencimento); - processar, doravante, mensalmente com o respetivo vencimento, a remuneração por acumulação de funções que vier a ser determinada; - quantificar e efetuar o pagamento dos retroativos devidos aos Magistrados requerentes, individualmente considerados, atentas as respetivas datas de posse do exercício de funções nos juízos criminais d… ……… - cfr. doc. n.º 06 junto com a «p.i.».
X) O A. não recebeu qualquer resposta do Ministério Justiça ao requerimento referido no item anterior.
XI) O A. instaurou a presente ação em 07.10.2011.
XII) Em ofício n.º 7276/2012 de 29.03.2012, foi comunicado à Ministra da Justiça o seguinte:


XIII) Em 28.03.2012, foi elaborada a informação de fls. 113 e 114 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida.
XIV) Pelos competentes serviços do CSMP foi elaborado o projeto de acórdão de fls. 115 a 126 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
XV) Em 28.03.2012, a Senhora Conselheira Vice-Procuradora-geral da República proferiu o seguinte despacho:
«1. Pelas razões invocadas na presente peça, emito parecer no sentido de sufragar a solução nela preconizada. Como assim, deverá ser proferida decisão que indefira a atribuição de suplemento remuneratório aos Lic. ... A……… ….
2. Proceda, em consequência, como proposto na informação de 28.03.2012 junta».
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3.2. DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação da questão que se mostra supra enunciada e que constitui o objeto deste recurso de revista.

I. A discussão nos presentes autos mostra-se centrada no determinar se face às funções exercidas na situação apurada assiste ao A. o direito à perceção de remuneração suplementar nos termos dos arts. 63.º, n.ºs 4 e 6 e 64.º, n.º 4, do «EMP» entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento.

II. Presentes a delimitação do objeto de discussão e, bem assim, a factualidade que se mostra apurada supra importa, previamente, enunciar o quadro legal tido por pertinente.

III. Assim, resultava do art. 63.º do referido Estatuto na redação anterior à alteração operada pela Lei n.º 52/2008, de 28.08, sob a epígrafe de «competência» e no que para os autos releva, que “[e]m caso de acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimento do seu titular, por período superior a 15 dias, os procuradores-gerais distritais podem, mediante prévia comunicação ao Conselho Superior do Ministério Público, atribuir aos procuradores da República o serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos” [n.º 4], que “[a] medida prevista no número anterior caduca ao fim de seis meses, não podendo ser renovada quanto ao mesmo procurador da República, sem o assentimento deste, antes de decorridos três anos” [n.º 5] e que “[o]s procuradores da República que acumulem funções por período superior a 30 dias têm direito a remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público, entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento” [n.º 6], sendo que, após tal alteração, passou a prever-se no mesmo preceito que “[e]m caso de acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimento do seu titular, por período superior a 15 dias, o procurador-geral distrital pode, sob proposta do procurador-geral-adjunto da comarca e mediante prévia comunicação ao Conselho Superior do Ministério Público, atribuir aos procuradores da República o serviço de outros tribunais ou departamentos” [n.º 5], que “[a] medida prevista no número anterior caduca ao fim de seis meses, não podendo ser renovada quanto ao mesmo procurador da República, sem o assentimento deste, antes de decorridos três anos” [n.º 6] e que “[o]s procuradores da República que acumulem funções por período superior a 30 dias têm direito a remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público, entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento” [n.º 7].

IV. Preceituava-se, por sua vez, no art. 64.º, respeitante aos «procuradores-adjuntos», que “[o]s procuradores-adjuntos exercem funções em comarcas segundo o quadro constante das leis de organização judiciária” [n.º 1], que “[c]ompete aos procuradores-adjuntos representar o Ministério Público nos tribunais de 1.ª instância, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior” [n.º 2], que “[s]em prejuízo da orientação do procurador-geral distrital respetivo, a distribuição de serviço pelos procuradores-adjuntos da mesma comarca faz-se por despacho do competente procurador da República” [n.º 3], sendo que “[a]plica-se, com as necessárias adaptações, aos procuradores-adjuntos o disposto nos n.ºs 4 a 6 do artigo anterior” [n.º 4] [leia-se hoje n.ºs 5 a 7].

V. Munidos do quadro normativo a atender para a apreciação da questão sob litígio temos que este Supremo Tribunal chamado a emitir pronúncia sobre o mesmo vem afirmando entendimento uniforme no sentido de que os magistrados do MºPº só têm o «direito a remuneração», previsto no art. 63.º, n.º 6, do «EMP» [na redação anterior a 2008 - hoje n.º 7], por acumulação de funções se esta derivar de um ato enquadrável no tipo legal previsto nos n.ºs 4 e 5 do mesmo artigo, pelo que se a alegada acumulação de funções adveio de sucessivos provimentos alheios ao condicionalismo referido naquele quadro normativo não ocorreu o antecedente legalmente indispensável para que se constituísse o direito mencionado no n.º 6 do mesmo preceito, termos em que faltando o direito, inexiste também qualquer obrigação que lhe fosse correlativa - designadamente a do «MJ» - fixar o «quantum» remuneratório que corresponderia a uma acumulação de funções [cfr. os Acs. de 10.03.2016 - Proc. n.º 01428/15, de 07.04.2016 - Proc. n.º 01389/15 e de 14.04.2016 - Proc. n.º 0904/15 todos disponíveis in: «www.dgsi.pt/jsta»].

X. Assim, no acórdão de 10.03.2016 [Proc. n.º 01428/15], cuja jurisprudência veio a ser inteiramente secundada nos demais acórdãos citados, sustentou-se que é “certo que o «direito» previsto no art. 63.º, n.º 6, do EMP - «direito a remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça» - pressupõe que o Procurador-Adjunto haja acumulado funções por período superior a 30 dias (cf. também o art. 64.º, n.º 4, do mesmo diploma). Todavia, esse n.º 6 não pode desligar-se dos n.ºs 4 e 5, que o antecedem e explicam. Assim, o referido direito não brota de uma qualquer acumulação de funções; é que ele só verdadeiramente se constitui se derivar de um ato enquadrável no tipo legal previsto no art. 63.º, n.ºs 4 e 5, do EMP. (…) Estes números dizem-nos o seguinte: a acumulação de funções causal do surgimento do direito do magistrado a uma remuneração acrescente tem de se suportar num ato com as seguintes características: um ato do Procurador-Geral Distrital que atribua ao Procurador-Adjunto «o serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos»; um ato motivado por «acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimento do seu titular, por período superior a 15 dias»; um ato precedido de «prévia comunicação» ao CSMP; e um ato cuja «medida» não pode vigorar por mais de seis meses. (…) O condicionalismo legal dos atos desse género existe para proteção dos magistrados, pois não apenas delimita os casos em que pode impor-se-lhes «o serviço de outros círculos, tribunais e departamentos», como configura o modo e o tempo dessa imposição. Mas o dito condicionalismo também existe para salvaguarda do Estado, que só se verá na contingência de custear uma acumulação de funções nos casos - aliás, sempre restringidos no tempo - em que a lei tipicamente preveja que ela se justificaria. (…) Portanto, o regime da acumulação remunerada de funções opera dentro de um quadro que abrange os n.ºs 4, 5 e 6 do art. 63.º do EMP”.

XI. E continua-se “[n]ão é possível cindir o n.º 6 dos anteriores e encarar uma qualquer acumulação de funções como geradora do direito aí previsto. O direito somente emerge de uma acumulação imposta ao magistrado dentro do circunstancialismo dito nos números anteriores - onde precisamente se prevê o tipo legal do ato determinativo da acumulação de funções, ato esse que funciona como causa mediata da constituição do direito à remuneração suplementar. E, no fundo, tudo isto se adequa a uma ideia jurídica geral: a de que é impossível que algum direito subjetivo nasça ou se constitua sem previamente se dar o condicionalismo legal de que ele dependa”, sendo que se “olharmos o n.º 6 do art. 63.º do EMP, logo vemos que a intervenção do CSMP, aí aludida, se restringe à emissão de parecer sobre o «quantum» da remuneração a fixar” e tal “deduz-se do pormenor da referência à audição do CSMP estar intercalada dentro da previsão da única pronúncia exigida ao Ministro da Justiça - a qual consiste em fixar a remuneração «entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento»”, dado ser “apenas sobre isso que o CSMP é «ouvido»; o que bem se compreende, visto ser esse órgão quem está nas melhores condições para avaliar a quantidade e a qualidade do trabalho acrescente desempenhado pelo titular do direito, isto é, para fornecer ao Ministro da Justiça os critérios relevantes na concretização do abono”.

XII. Por outro lado, “a questão de saber se deveras ocorreu uma acumulação de funções - potencialmente geradora de despesa pública - há-de ser resolvida pelo CSMP. Por isso é que o ato atributivo do «serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos», previsto nos n.ºs 4 e 5 do art. 63.º do EMP, tem de ser previamente comunicado ao CSMP. Dando o seu aval, expresso ou tácito, a essa medida, o CSMP automaticamente reconhece que o magistrado referido no ato entrará em acumulação de funções - e obterá o direito à remuneração suplementar correspondente se ela se prolongar por mais de 30 dias” e que ao invés “qualquer serviço atribuído pela hierarquia fora do condicionalismo previsto nos n.ºs 4 e 5 do art. 63.º do EMP não pode assumir-se como um antecedente da consequência dita no n.º 6 do mesmo artigo; é que a lei une incindivelmente as previsões constantes desses números, articulando-os numa relação lógica - em que o «direito» só se segue dessa outra coisa, se anteriormente posta”.

XIII. Daí que “a ação dos autos perspetivou mal o problema. O Ministério da Justiça não tem de ser convencido de que houve uma acumulação de funções - visto que a intervenção do Ministro se localiza a jusante disso, limitando-se à fixação do «quantum» remuneratório. Com efeito, das duas, uma: ou as coisas se passaram no âmbito dos n.ºs 4 e 5 do art. 63.º do EMP - ou seja, com prévio reconhecimento, pelo CSMP, de que o magistrado esteve em acumulação - e o direito à remuneração suplementar surge ao fim de 30 dias, restando pedi-la e fixá-la; ou as coisas não se passaram naquele âmbito - e tal direito, pura e simplesmente, não surge nem existe”.

XIV. Para, centrando-se no caso, afirmar que os provimentos que oneraram os magistrados do MP colocados nos Juízos Criminais d… ……… com outras funções próprias do ……… da mesma cidade “com um acréscimo de trabalho não se inscreveram no tipo legal de ato previsto no art. 63.º, n.ºs 4 e 5, do EMP” já que “esse acréscimo resultou de uma reorganização do serviço que não se deveu a uma acumulação transitória de processos - e a exigência dessa transitoriedade acompanha a caducidade, «ao fim de seis meses» (n.º 5), da «medida» prevista no n.º 4 - ou à vacatura de um lugar ou ao impedimento do seu titular” já que “[t]ais provimentos (…) não emanaram do Procurador-Geral Distrital nem foram, face aos dados disponíveis, objeto de «prévia comunicação» ao CSMP. Estas circunstâncias evidenciam imediatamente que os mencionados provimentos não são enquadráveis no tipo de atos impositivos de uma acumulação de funções causal de um direito remuneratório”.

XV. Conclui-se, então, que a situação não integrava a precisa acumulação de funções que, segundo os n.ºs 4, 5 e 6 do art. 63.º do «EMP», seria conferidora do direito patrimonial invocado, pelo que na ausência do direito cuja titularidade era reclamada também inexistia a obrigação correlativa da entidade demandada de praticar o ato que se cria ser devido [fixação do «quantum» da remuneração suplementar]

XVI. Acolhendo-se e sufragando-se esta jurisprudência, clara e perfeitamente transponível para a situação «sub specie» já que similar à ali julgada e, bem assim, às que foram decididas nos demais acórdãos citados, não pode deixar de se concluir que ao A., ora recorrido, não assiste o direito à atribuição da remuneração suplementar pelo mesmo peticionada, o que conduz, ao invés do sustentado e decidido nas instâncias, mormente, no acórdão recorrido - que, note-se, não julgou procedente qualquer exceção, seja a ilegitimidade ou a falta de interesse em agir, mas antes conheceu de mérito da pretensão -, a que a presente ação administrativa tenha de ser julgada totalmente improcedente.

XVII. Assim, na procedência do recurso de revista impõe-se a revogação do decidido no acórdão recorrido já que lavrado em violação do quadro normativo em questão, com todas as legais consequências.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) conceder provimento do recurso jurisdicional sub specie e revogar o acórdão recorrido;
B) julgar a presente ação administrativa especial improcedente, e, em consequência, absolver o R. «MJ» do pedido.
Custas nas instâncias e neste Supremo a cargo do A./recorrido. D.N..
Lisboa, 12 de maio de 2016. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires UrbanoVítor Manuel Gonçalves Gomes.