Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0362/20.3BEMDL-S1
Data do Acordão:11/04/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
EFEITO SUSPENSIVO
GRAVE LESÃO DO INTERESSE PÚBLICO
COMBATE A INCENDIOS FLORESTAIS
Sumário:I – O levantamento do efeito suspensivo automático previsto no n.º 1 do artigo 103.º do CPTA, a pedido da entidade demandada, depende da demonstração da gravidade do prejuízo que o diferimento da execução do ato é suscetível de causar aos interesses públicos por ela defendidos no processo.
II – A precaução inerente à prevenção antecipada de riscos de incêndios florestais constitui uma justificação bastante para que o efeito suspensivo do ato de adjudicação seja levantado.
Nº Convencional:JSTA00071291
Nº do Documento:SA1202111040362/20
Data de Entrada:10/08/2021
Recorrente:A……………… S.A.
Recorrido 1:B…………….., SA (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT
Área Temática 2:PRÉ-CONTRATUAL
Legislação Nacional:CPTA2015 ART 95.º, 1
CPTA2015 ART 103.º-A
CPTA2015 ART 120.º, 2
CCP ART 104.º
CPC2013 ART 581.º, 1 e4
CPC2013 ART 608.º, 2
CPC2013 ART 615.º, 1, al. D)
DL 124/2004, de 04/04 ART 15.º, 1, al. A)
Legislação Comunitária:DIRECTIVA 2007/66/CE do PARLAMENTO e do CONSELHO EUROPEU, de 11/12/2007
Jurisprudência Nacional:AC STA 30/05/201\9 PROC 1409/11
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

I. Relatório

1. A……………, SA. - identificada nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 18 de junho de 2021, que revogou a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Mirandela, de 14 de março de 2021, que, no âmbito de uma ação de contencioso pré-contratual proposta pela Recorrente contra a INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL – SA, indeferiu o pedido formulado pela entidade demandada de levantamento do efeito suspensivo automático, tendo, em sua substituição, decidido julgar procedente aquele pedido.

2. Nas suas alegações, a Recorrente formulou, com relevo para a presente decisão, as seguintes conclusões:

«XI. O Acórdão recorrido revogou a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que ordenou a manutenção do efeito suspensivo automático dos Lotes aqui impugnados.

XII. No entanto, é nulo o referido Acórdão por quanto o mesmo não conhece – como deveria – todos os factos de que devesse conhecer, designadamente o alegado pela Recorrente em Resposta ao Parecer do Ministério Público, que aquele Tribunal não considerou.

XIII. É que, naquela resposta, a Recorrente alegava a existência das duas decisões contraditórias ao sentido decisório deste aresto agora recorrido, e tais decisões não constam se quer ponderadas na decisão.

XIV. Ora, nos termos do disposto no n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do artigo 1.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, é nula a sentença quando: «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

XV. E tal omissão originou a violação pelo Tribunal a quo de princípio essenciais, como o princípio do contraditório e o princípio da proibição da indefesa, previstos no artigo 3.º do Código de Processo Civil e no artigo 20.º número 4 da Constituição da República Portuguesa, respetivamente, o que prejudicou irremediavelmente a Recorrente.

XVI. Na verdade, a garantia de acesso aos tribunais e a possibilidade de reação contra determinados vícios da decisão jurisdicional, são corolários do Estado de Direito, sendo constitucionalmente consagrada a plenitude de acesso à jurisdição e os princípios de juridicidade e da igualdade.

XVII. E esta omissão resulta apenas da desconsideração dos fundamentos alegados pela Recorrente naquela Resposta, mas sim a denegação de uma pretensão processual ali formulada.

XVIII. E é por isso que, ao transpor para a sua decisão os fundamentos alegados no Parecer pelo Digníssimo Ministério Público sem considerar a defesa apresentada pela Recorrente e o peticionado na sua resposta, a decisão do TCAN está enfermada por um vício que conduz à sua nulidade.

POR OUTRO LADO,

XIX. Concluiu o Tribunal a quo que, a manter-se a suspensão dos atos, a Entidade Demandada/Recorrida se via impossibilitada de cumprir as suas obrigações de limpeza das faixas de gestão de combustível exigidas ao abrigo do SDFCI, e que tal impossibilidade era geradora de um risco gravemente prejudicial para o interesse público, o que sustentou a sua decisão de levantamento do efeito suspensivo automático daqueles atos.

XX. Sucede que, tal decisão viola frontalmente a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de Primeira Instância e que não foi alterada pelo Tribunal Recorrido.

XXI. Porquanto, no ponto 5 dos factos provados resulta inequívoco que a Entidade Demandada/Recorrida executa as mencionadas tarefas ao abrigo de outros contratos em vigor e/ou cujos procedimentos se encontram em curso.

XXII. É que, o que decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, foi exatamente que: «(…) através da junção de outros contratos celebrados e de anúncios de outros procedimentos igualmente lançados pela Entidade Demandada neste âmbito, dos quais resulta serem, de facto, contempladas, noutros instrumentos contratuais, alguns dos quais ainda vigentes, as atividades ambientais cuja execução se pretende salvaguardar através do levantamento do efeito suspensivo automático (cfr. ponto 5 do probatório).»

XXIII. E adiantou aquele Tribunal na sua fundamentação que os contratos em questão se «encontram configurados, na própria fundamentação da decisão de contratar, como um complemento e um incremento [aumento/desenvolvimento] do modelo de gestão implementado e dos trabalhos já contratualizados e executados ou a executar pela Entidade Demandada e não como instrumento exclusivo de execução da atividade em questão (…)»

XXIV. Pelo que, não alterando o TCAN a matéria de facto dada como provada, como não alterou, não podia nem pode concluir como concluiu.

XXV. Designadamente, não pode entender o TCAN que a Recorrida não pode executar as atividades ambientais previstas no SDFCI por outros meios que não os deste Concurso, quando resulta provado, que está a executá-las e vai executá-las ao abrigo de outros contratos que se encontram especificados naquele ponto da matéria de facto.

XXVI. Dispõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil que é nula a decisão quando: «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.»

XXVII. E como bem decidiu o Supremo Tribunal Administrativo: «A nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão, que é prevista na alínea c), do nº1, do artigo 615º do CPC, verifica-se quando há um vício na lógica-jurídica que presidiu à respetiva construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam, logicamente, num certo sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso;»

XXVIII. E foi exatamente isso que ocorreu nos autos vertentes – por um lado, o TCAN não indica quais os factos provados que sustentam a sua decisão, e, por outro lado, os factos que estão provados nos autos levam-nos inelutável e logicamente, a uma decisão em sentido absolutamente contrário ao decidido.

XXIX. A contradição é latente e inegável, e por isso o Acórdão recorrido enferma de nulidade nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

ACRESCE AINDA QUE,

XXX. O Tribunal a quo incorreu ainda num grave erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação do Decreto-lei 124/2006 que institui o Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios, na medida em que sustentou, entre o mais, que, após a entrada no dia 1 de julho, correspondente ao primeiro dia do «período crítico», não mais poderão ser realizados trabalhos nos termos do definido no Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios, sistema este aprovado pelo Decreto-lei 124/2006.

XXXI. O que é falso, na medida em que estamos perante um procedimento tendente à celebração de um contrato plurianual, tal como o é o Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios.

XXXII. Conforme resulta do artigo 8.º do Decreto-lei 124/2006 de 28 de junho, nos seus números 1 e 2:

«1 - O PNDFCI define os objetivos gerais de prevenção, pré-supressão, supressão e recuperação num enquadramento sistémico e transversal da defesa da floresta contra incêndios.
2 - O PNDFCI é um plano plurianual, de cariz interministerial, submetido a avaliação bianual, e onde estão preconizadas a política e as medidas para a defesa da floresta contra incêndios, englobando planos de prevenção, sensibilização, vigilância, deteção, combate, supressão, recuperação de áreas ardidas, investigação e desenvolvimento, coordenação e formação dos meios e agentes envolvidos, bem como uma definição clara de objetivos e metas a atingir, calendarização das medidas e ações, orçamento, plano financeiro e indicadores de execução.» (negrito e sublinhado nossos).

XXXIII. Todos os serviços contemplados neste procedimento prevêem uma abrangência trienal, e podem inclusivamente ser prestados durante o período crítico, porque durante este período, as entidades mencionadas no n.º 3 do artigo 2.º do mesmo Decreto-lei não estão impedidas e/ou proibidas de executar as mencionadas tarefas de ceifa e limpeza, corte seletivo de vegetação, poda e abate de árvores e arbustos, tratamentos fitossanitários e de controlo de plantas invasoras que refere o Digníssimo Ministério Público.

XXXIV. Conforme resulta do artigo 3.º número 1 alínea bb), o «Período crítico», é o período durante o qual vigoram medidas e ações especiais de prevenção contra incêndios florestais, por força de circunstâncias meteorológicas excecionais, mas nessas medidas não está a proibição de execução das tarefas incluídas neste procedimento de contratação, designadamente as operações de limpeza a que se refere a decisão recorrida, mas sim a obrigação de tomar medidas de prevenção extraordinárias na execução das tarefas.

XXXV. Pelo que, alegar que a esta data já nada pode fazer a Recorrida por estarmos – na data da prolação da decisão recorrida – em meados de junho, é falso, e resulta de uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

ALÉM DISSO,

XXXVI. O TCAN fundamenta a sua decisão no facto de ser «facto notório não carecendo por isso de alegação e prova, que a manutenção do efeito suspensivo automático levará que apenas se poderá fazer essa limpeza nos 3 metros que marginam eixos rodoviários, o que, é insuficiente para acautelar os riscos de incêndio com as já enunciadas consequências para a vida, a saúde e o património da comunidade (…)»

XXXVII. No entanto, e ainda que os Digníssimos Magistrados que proferiram o Acórdão Recorrido fossem dotados de conhecimentos técnicos extraprocessuais sobre a Defesa da Floresta contra Incêndios, sobre o perímetro que há-de ser limpo, ou sobre as normais impostas acima do comum, ainda assim, os factos alegados nunca poderiam ser factos públicos e notórios, porque resultam de conclusões formuladas pelo Tribunal perante os factos que foram carreados para os autos e as alegações das partes.

XXXVIII. Porque: «Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos. De acordo com este tipo de consideração, a Relação, ao abrigo do disposto no artigo 514.°, n.° 1, do CPC pode considerar certos factos como notórios, independentemente - até - de os mesmos, no caso de terem sido levados ao questionário, terem obtido resposta negativa por parte do tribunal.»9

XXXIX. Ora não é isto que acontece no caso, na medida em que o Tribunal teve de se socorrer de operações lógicas e cognitivas – e mais, aos factos alegados na ação – para proferir tal conclusão, na medida em que o cidadão comum não sabe que a limpeza de terrenos tem de ir para lá dos 3 metros do eixo rodoviário, que tal limpeza não pode ser feita (alegadamente) com a manutenção da suspensão deste concurso, e menos ainda que essa limpeza de «apenas» 3 metros é ou não é suficiente para acautelar riscos de incêndio.

XL. Estes conhecimentos precisos e específicos resultaram dos autos e não do conhecimento público e notório.

XLI. Pelo que, a decisão do TCAN é contraditória e obscura, na medida em que, não só vai num sentido oposto àquele que os factos provados, lógica e inelutavelmente nos conduzem, como também porque tenta lançar mão de factos públicos e notórios que não o são, para sustentar o decidido, e por isto está inquinado com o vício da nulidade, devendo ser revogado.

POR ÚLTIMO,

XLII. A decisão recorrida foi proferida em contradição com duas decisões anteriores, que recaíram sobre o mesmo Concurso Público – uma proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, e outra pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.

XLIII. Aquelas decisões, proferidas sobre o mesmo Concurso Público, decidiram, com base nos mesmos factos, manter o efeito suspensivo dos autos de adjudicação, na medida em que todas elas concluíram que não era impossível à Entidade Demandada/Recorrida, executar as mencionadas tarefas de limpeza que impõe o SDFCI ao abrigo de outros contratos – tal como resulta provada no ponto 5 dos factos provados destes autos.

XLIV. Inexistindo assim um grave prejuízo para o interesse público, que sempre se impunha para se decidir pelo levantamento do efeito suspensivo automático.

XLV. Na verdade, o interesse público em presença nas três ações judiciais, é exatamente o mesmo, existe identidade quanto a parte dos lotes impugnados em cada uma das ações, e quanto ao pedido e à causa de pedir – ao ponto de ter sido apenas por se encontrarem em estados decisórios diversos de que não foram apensadas as ações.

XLVI. O que significa estarmos em presença de uma violação da autoridade do caso julgado, na vertente positiva.

XLVII. A autoridade de caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito em julgado, possa vir a ser apreciada de forma diversa por outra decisão, como aconteceu neste caso.

XLVIII. E, incide sobre a parte decisória, podendo, no entanto, estender-se à decisão das questões preliminares que fora, antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.12

XLIX. Assim, deveriam ter imperado, também aqui, como se espera, razões de segurança jurídica e de necessária e desejável conformidade e harmonia das decisões judiciais.

L. Porque na realidade, não se pode compreender que o TCAS decida pela manutenção do efeito suspensivo, e o TCAN, e com os mesmos fundamentos, os mesmos factos e as mesmas alegações, decida pelo seu levantamento.

LI. É inegável – e unânime nas 3 decisões proferidas em 1.ª Instância pelo TAF de Mirandela, Viseu e pelo TAC de Lisboa – que a aqui recorrida poderia executar as tarefas previstas neste concurso ao abrigo de outros contratos, sendo que duas delas já transitaram em julgado antes da prolação desta terceira decisão.

LII. Na realidade, a ponderação realizada pelo Tribunal tem de ser criteriosa de modo a serem devidamente apreciados os contornos do concreto contrato em crise – e, neste caso, provado fica que, podendo executar as tarefas por outro meio, não há grave prejuízo para o interesse público em manter tal decisão.

LIII. E note-se que esse efeito suspensivo irá manter-se – por força das outras decisões – em grande parte dos lotes aqui em apreço, o que gera uma situação de inexplicável incerteza, de inegável contradição.

LIV. Na verdade, este recurso não visa, em primeira linha, a defesa dos interesses das partes mas antes a proteção do interesse geral na boa aplicação do direito, a fim de evitar decisões que ponham em causa a eficácia do direito e a sua credibilidade, como esta.

LV. Fragilizando a norma jurídica em apreço que visa representar uma válvula de escape ao efeito suspensivo do ato de adjudicação que passou a resultar automaticamente da impugnação daquele ato, atenta a importância dos contratos públicos para o Estado de Direito!

LVI. Em súmula, o acórdão recorrido ao decidir pelo levantamento do efeito suspensivo automático, põe manifestamente em crise a eficácia do direito e a sua credibilidade, quer na formulação legal, quer na aplicação casuística, pondo em causa a boa aplicação do direito, pelo que, pela sua peculiar importância e atualidade, leva por si só à admissão da revista por os interesses em jogo ultrapassarem significativamente os limites do caso concreto, em cumprimento dos pressupostos do artigo 150.º, n.º 1 e 2 do CPTA.

LVII. Face ao exposto, a decisão recorrida não pode manter-se pois não estão preenchidos os pressupostos para a aplicação daquele normativo, pelo que consequentemente deve ser determinada a manutenção do levantamento do efeito suspensivo automático dos atos de adjudicação aqui em apreço, pondo cobro a uma vergonhosa contradição de julgados

3. A Recorrida contra-alegou, , com relevo para a presente decisão, nos seguintes termos:

«5. (...) ao contrário do que alega a Recorrente para tentar justificar a apresentação das suas alegações de recurso, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte procede adequadamente à avaliação dos critérios previstos no artigo 103.º- A do CPTA e no Decreto-lei n.º 124/2006, de 28 de junho e à sua aplicação à matéria assente.

6. Além disso, como já referimos, o presente recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte incide sobre uma decisão interlocutória da 1.ª instância, o levantamento do efeito suspensivo previsto no artigo 103.º-A do CPTA.

7. Ora, apesar de existirem outras decisões sobre o levantamento do efeito suspensivo previsto no artigo 103.º-A do CPTA relativos a vários lotes do Concurso público para execução da empreitada denominada “Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 – 18 Lotes”, apenas o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 18 de junho de 2021, incide sobre os Lotes 1, 11, 13, 15 e 16, que são exclusivamente objeto do presente processo.

8. E, ao contrário do que pretende a Recorrente, repetindo argumentos errados que se encontram claramente desmentidos e devidamente esclarecidos, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte não enferma de nulidade nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPTA.

9. Na realidade, os fundamentos do douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, que se pronuncia sobre questões que deve apreciar e não conhece questões de que não podia tomar conhecimento, encontram-se em consonância com a decisão, que é totalmente clara, lógica e compreensível.

10. No âmbito das obrigações legais da IP S.A. destaca-se toda a atividade associada ao cumprimento dos critérios de gestão de combustível, enquadrados na legislação do Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SDFCI), estando as vias rodoviárias inseridas na rede secundária de faixas de gestão de combustível (FGC).

11. A IP S.A. assegura os trabalhos de conservação/manutenção da rede rodoviária através de contratos trienais de conservação corrente (CCC), os quais englobam os diferentes trabalhos com vista a preservar a vida útil dos diversos ativos rodoviários.

12. Neste âmbito, englobam-se as designadas atividades ambientais (capítulo com maior investimento logo após a conservação de pavimentos), com uma vasta tipologia de trabalhos (ceifas, corte seletivo de vegetação, podas, abates, plantações e sementeiras, entre outros), que permitem manter as condições de segurança da circulação, bem como assegurar a preservação do património vegetal na envolvente das vias.

13. Conforme refere, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 36, os interesses que presidiram à celebração dos contratos denominados CCC “são, designadamente, a segurança rodoviária e a preservação do património ambiental e económico, sabendo-se, até porque é facto notório, que não estando essas zonas limpas, facilmente por via da circulação, a pé e de veículo, essas zonas estão expostas a riscos de incêndio consideráveis, com consequências imprevisíveis tanto quanto é certo que o fogo propaga-se de forma incontrolável enquanto houver combustível podendo destruir no seu percurso quilómetros de floresta, de edificado, devastando aldeias e zonas de produção agrícola, enquanto não for travado ou não houver matéria combustível que mais permita ou alimente a sua propagação. Diz-nos a normal experiência de vida que o fogo percorre com uma velocidade avassaladora vias rodoviárias e, inclusivamente, atravessa cursos de água, sendo, na prevenção que primacialmente devem ser concentrados os maiores esforços nesta luta contra os incêndios”.

14. Segundo menciona, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 36, é “facto notório, não carecendo de alegação, sequer de prova, que nas vias rodoviárias circulam veículos e que no interior deles são transportadas pessoas e bem assim, que nas casas mas também nas próprias florestas, e zonas agrícolas, existem pessoas e que o fogo caso as atinja lhes causará graves lesões físicas e inclusivamente facilmente lhes poderá ceifar a própria vida”.

15. E, continua, o douto acórdão, na página 37, “se dúvidas houvesse quanto a estes aspetos foi o que aconteceu nos inditosos incêndios ocorridos em Pedrógão Grande em que o fogo se propagou às vias rodoviárias, consumindo quilómetros de vegetação, devastando propriedades agrícolas, e destruindo no seu percurso muitas vidas daqueles que por ali circulavam, numa via rodoviária, que até era um IP ( itinerário principal) com uma faixa de rodagem bem mais larga que o habitual e com um trajeto apto a permitir elevadas velocidades mas que ainda assim não permitiu a fuga ao fogo de muitos daqueles que por ali circulavam nessa ocasião”.

16. Os trabalhos necessários à manutenção das FGC foram até 2017 desenvolvidos no âmbito destes contratos.

17. No entanto, após os acontecimentos do Verão de 2017, tornou-se mais abrangente e com critérios mais exigentes a execução dos trabalhos necessários para dar cumprimento à legislação do SDFCI.

18. Também se tornou obrigatório, conforme disposto nas Leis do Orçamento do Estado (LOE) para 2018, 2019 e 2020, a intervenção em todos os espaços florestais independentemente de existirem Planos Municipais de Defesa da Floresta contra Incêndios (PMDFCI) aprovados.

19. Complementarmente, a obrigação de entrar em domínio privado, sempre que necessário para cumprir a gestão de combustível numa faixa de 10m, extravasa o objeto definido para os CCC, que apenas abrangem os trabalhos dentro do domínio rodoviário, pelo que é impossível intervencionar estes espaços com este instrumento contratual.

20. Neste contexto, com este alargamento de âmbito, os CCC não estavam dimensionados para a resposta necessária ao quadro legal, face à especialização dos trabalhos em causa, o local onde os mesmos decorrem, marginalmente à via, entrando em domínio privado, a que acresce o prazo para a realização dos trabalhos, não compatível com os meios existentes e o intervalo de tempo disponível nos contratos para a sua execução.

21. Assim, para obviar este problema, desde 2018 que os CCC têm sido complementados com outros contratos específicos, que permitiram, embora com dificuldades operacionais, envolvendo escassez de meio dos adjudicatários, face à grande procura por todas as entidades gestoras de infraestruturas, e também por questões meteorológicas e dificuldades de acesso aos terrenos, ter uma resposta mais dimensionada para as necessidades.

22. Face à experiência adquirida nestes dois anos, com elevado número de procedimentos contratuais implicando um grande acréscimo da atividade de gestão administrativa e operacional dos mesmos, entendeu-se, face à dimensão dos trabalhos envolvidos tanto operacional como financeiramente, a que acresce a impossibilidade de executar trabalhos em propriedade privada, individualizar esta tipologia de atividade adotando uma gestão num contrato individualizado das restantes atividades incluídas nos CCC, mais vocacionadas para trabalhos típicos de engenharia civil.

23. Neste contexto, operacionalizou-se um novo modelo de gestão da manutenção rodoviária, em que as atividades de cariz ambiental estão englobadas num contrato dedicado, “Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 – 18 Lotes” (ETGV), em regime plurianual, assegurando-se nos CCC as atividades de pavimentação, drenagem, manutenção de taludes, limpezas, segurança, manutenção de obras de arte, entre outras, visando a manutenção dos ativos rodoviários e a segurança da exploração rodoviária, visando garantir o cumprimento das obrigações legais e contratuais que impendem sobre a Empresa e os princípios da boa gestão empresarial.

24. Tal como nos CCC, seguiu-se a organização distrital, de modo a compatibilizar os dois contratos no mesmo distrito, o que levou ao lançamento de um procedimento com 18 lotes.

25. A preparação deste procedimento decorreu em 2019, na perspetiva de se efetuar a contratualização em 2020, tendo o anúncio do concurso público sido publicado apenas em 16 de março 2020, por a Portaria de extensão de encargos ter sido publicada a 6 de março.

26. A necessidade dos presentes contratos de ETGV justifica-se dado que os CCC já estão exauridos de quantidades para assegurar a realização dos trabalhos de gestão de vegetação que permitam o cumprimento da legislação.

27. Como forma de colmatar o impacto do atraso no início destes contratos e porque a empresa já tinha sido notificada pelas entidades fiscalizadoras da necessidade de efetuar trabalhos de gestão de combustível em alguns distritos, recorreu-se a adicionais aos CCC, com trabalhos a mais, os quais estão sujeitos aos limites constantes do Código de Contratação Pública.

28. No entanto, para a campanha de 2021 já não é possível dotar os atuais CCC de quantidades que permitam dar resposta às necessidades, com a agravante que com estes contratos não é possível executar trabalhos em domínio privado, dado que este não faz parte do objeto destes contratos.

29. Deste modo, os contratos ora impugnados são imprescindíveis para se cumprir as obrigações da IP no âmbito do SDFCI, o que não é possível com os CCC.

30. Conforme refere o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 38, o “concurso em causa nos autos surge em consequência desta nova realidade, estando, portanto, em causa, a limpeza das zonas que marginam os eixos rodoviários para além dos 3 metros que os CCC previam”.

31. Como refere, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 38, “é facto notório não carecendo por isso de alegação e prova, que a manutenção do efeito suspensivo automático levará que apenas se poderá fazer essa limpeza nos 3 metros que marginam os eixos rodoviários, o que, é insuficiente para acautelar os riscos de incêndio com as já enunciadas consequências para a vida, a saúde e o património da comunidade, e os interesses ambientais uma vez que, reafirma-se, ainda que limpos os aludidos 3 metros, por recurso aos CCC, facilmente o fogo se iniciará nas zonas não limpas que se situam para lá destes ou se propagará dos restos de vegetação existentes nas zonas limpas para as zonas não limpas com as consequências imprevisíveis, incontroláveis mas efetivas e concretas, colocando em risco a vida, a integridade física e o património de quem circula nessas vias rodoviárias e para toda a comunidade envolvente, cumprindo aqui relembrar que não é inusual um incêndio iniciar-se num concelho e propagar-se a concelhos vizinhos a quilómetros de distância, levando na sua frente tudo o que é suscetível de ser destruído”.

32. Assim, com atraso no início das presentes empreitadas, a IP deixa de poder assegurar, em 2021, o cumprimento das suas obrigações de limpeza das faixas de gestão de combustível, incumprindo o seu dever de prevenção previsto no SDFCI, que define que os trabalhos devem estar concluídos antes do início do período crítico, isto é, em 1 de julho.

33. Segundo menciona, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 38, estamos praticamente “em plena época de incêndios, onde independentemente dos vícios de que possa enfermar o processo concursal já não é possível ou dificilmente seria possível lançar-se um concurso em tempo útil que permitisse dar solução à situação de risco que emerge da não limpeza das zonas que marginam as vias públicas para lá dos 3 m que a manutenção do efeito suspensivo automático determinaria não fossem limpas”.

34. Desta forma, a IP ficará também sujeita às consequentes notificações por incumprimento por parte das autoridades competentes e eventualmente contraordenações com os respetivos pagamentos de multas.

35. Mas, mais preocupante ainda, o incumprimento de limpeza das faixas de gestão de combustível aumentará exponencialmente o risco de incêndios, com consequências imprevisíveis, urgindo, por isso, evitar a todo o custo, a repetição das tragédias que ocorreram em 2017.

36. Como refere, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 39, “só por distração se poderá afirmar que o risco que se visa acautelar e que vem alegado pela Apelante” - (aqui Recorrida) - “é o risco daquela ser cominada com coimas em sede contraordenacional, desconsiderando-se tudo quanto por aquela vem alegado, e sobretudo os fins que presidem aos contratos que se visa celebrar, a RCM que tornou premente a necessidade da limpeza das zonas que marginam as vias públicas para além dos 3 m e as razões que levam a autora”, (aqui Recorrida) - “nessa sequência, a contratar estes serviços para além dos 3 m, onde se fala sempre em segurança rodoviária, combate a incêndios, eliminação do risco de incêndio, ignorando-se, quiçá desvalorizando-se, as consequências mais que evidentes dos incêndios, como se há escassos anos atrás não se tivesse vivido a tragédia de Pedrógão Grande. E olvida-se ou desconsidera-se o presente momento temporal em que estando-se já em plena época de incêndios o risco destes virem a acontecer é presente, impondo-se rapidez na eliminação desse risco”.

37. Nos termos do n.º 6 do Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 104, de 29 de maio de 2015, a Infraestruturas de Portugal, S.A é gestora das infraestruturas rodoviárias e ferroviárias.

38. Segundo determina a alínea a), do n.º 1, do artigo 15.º do Decreto-Lei 124/2006, de 28 de junho, sob a epígrafe “Redes secundárias de faixas de gestão de combustível”, nos espaços florestais previamente definidos nos PMDFCI é obrigatório que a entidade responsável pela rede viária providencie a gestão do combustível numa faixa lateral de terreno confinante numa largura não inferior a 10 m.

39. A alínea r), do n.º 1, do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho, determina que “Gestão de combustível” é a criação e manutenção da descontinuidade horizontal e vertical da carga combustível nos espaços rurais, através da modificação ou da remoção parcial ou total da biomassa vegetal, nomeadamente por pastoreio, corte e ou remoção, empregando as técnicas mais recomendadas com a intensidade e frequência adequadas à satisfação dos objetivos dos espaços intervencionados.

40. Os critérios para a gestão de combustíveis no âmbito das redes secundárias de gestão de combustível encontram-se previstos no Anexo ao Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho.

41. Na sequência dos incêndios florestais que afetaram Portugal em 2017, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 161/2017, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 210, de 31 de outubro de 2017, veio determinar o reforço da atuação no âmbito da Limpeza das Bermas e Faixas de Gestão de Combustível da Rodovia e da Ferrovia, visando contribuir eficazmente para o Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios.

42. Na realidade, existem outros contratos de limpeza e manutenção para segurança rodoviária e que os contratos a celebrar, para execução da Empreitada denominada “ Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 – 18 Lotes”, que são objeto do requerido levantamento do efeito suspensivo, não são os únicos celebrados pela Entidade Demandada neste âmbito e que esta tem ao seu dispor, para prossecução dos seus fins e realização das atividades que lhe estão cometidas na matéria.

43. Todavia, é fundamental sublinhar que a contratualização de tais trabalhos consubstancia um complemento a outros trabalhos, mas não uma repetição dos mesmos ou até uma alternativa aos mesmos.

44. Ora, estes trabalhos específicos tornaram-se necessários após a publicação, na sequência dos incêndios florestais que afetaram Portugal em 2017, da Resolução do Conselho de Ministros n.º 161/2017, no Diário da República, 1.ª série, n.º 210, de 31 de outubro de 2017, que veio determinar o reforço da atuação no âmbito da Limpeza das Bermas e Faixas de Gestão de Combustível da Rodovia e da Ferrovia, visando contribuir eficazmente para o Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios.

45. No presente caso, a palavra “complementar” é utilizada no sentido de “adicionar” ou “completar”, já que nenhum dos outros contratos em vigor cobre esta necessidade na sua totalidade.

46. Na verdade, a suspensão do ato de adjudicação, cujo levantamento se pretende, não implica que a Entidade Demandada deixe de realizar, em absoluto, os trabalhos de manutenção das vias rodoviárias, mas a Entidade Demandada deixa de cumprir, em parte, com as suas obrigações legais nesta matéria.

47. Pois, como já referimos, estes trabalhos são complementares e não repetição de outros trabalhos, pelo que não se encontram abrangidos nos contratos em vigor.

48. A impossibilidade de realizar os trabalhos objeto dos contratos em discussão fora do respetivo âmbito, facilmente se compreende que porque os presentes trabalhos não estão incluídos noutros contratos de conservação corrente já celebrados, é claro que não existem verbas disponíveis nestes para trabalhos que não estão previstos nesses contratos e que, como sabemos, ainda não se encontram contratualizados.

49. Ora, este é um facto que decorre das regras de Contratação Pública e que, consequentemente, não carece de demonstração probatória pela Entidade Demandada.

50. De facto, se estes trabalhos concretos não foram objeto de contratualização e não se enquadram nos trabalhos complementares a qualquer outro contrato celebrado pela Entidade Demandada, nos termos e limites estabelecidos no n.º 2 do artigo 370.º do Código dos Contratos Públicos, é impossível a realização dos trabalhos em causa por outra via que não seja através dos contratos em questão.

51. Além disso, é importante lembrar as boas práticas da Contratação Pública, aliada à vasta jurisprudência do Tribunal de Contas sobre essa matéria, disponível em www.tcontas.pt, que proíbem o recurso sistemático e sem um enquadramento legal rigoroso a outros procedimentos para o efeito, nomeadamente à figura do ajuste direito por razões de urgência imperiosa, que só pode ser adotado na sequência de acontecimentos imprevisíveis, com base no disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º do Código dos Contratos Públicos.

52. Na realidade, o incumprimento de limpeza das faixas de gestão de combustível aumentará exponencialmente o risco de incêndios, com consequências imprevisíveis, que é necessário evitar a todo o custo e representa um sério e grave prejuízo para o interesse público, em caso de não execução do contrato.

53. Pois, foi amplamente evidenciada a produção de danos gravemente prejudiciais para o interesse público prosseguido pela Entidade Demandada decorrentes da manutenção do efeito suspensivo automático.

54. Como refere, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 39, “o interesse que a Apelada” - (aqui Recorrente) - “visa acautelar é um interesse patrimonial, interesse esse que sempre lhe estará salvaguardado por via indemnizatória, caso se venha a decidir que lhe assiste razão. Porém, os prejuízos que o Apelante - (aqui Recorrida) - visa acautelar mediante o afastamento do efeito automático da suspensão, para além de patrimoniais, incluem prejuízos de índole não patrimonial, mais concretamente, o risco de perda de vidas, de ofensas à integridade física, de danos ambientais, etc…”.

55. Segundo menciona, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 39, “o risco patrimonial que a Apelada” - (aqui Recorrente) – “visa acautelar não tem comparação possível com o risco patrimonial que o Apelante” (aqui Recorrida) - “visa acautelar posto que o prejuízo da primeira será sempre muito inferior ao risco patrimonial de dezenas, centenas ou milhares de cidadãos que poderão ver todos os seus bens destruídos pela ação do fogo, caso não sejam executadas as devidas ações de limpeza das zonas que marginam as vias rodoviárias e que compete ao Apelante” - (aqui Recorrida) - “assegurar”.

56. Como refere, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 39 “os prejuízos patrimoniais têm de ceder aos graves danos não patrimoniais onde se incluem a vida humana que a manutenção do efeito automático da suspensão poderá acarretar indiscutivelmente para um vasto número de cidadãos”.

57. Conforme menciona, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 40, “o Apelante” - (aqui Recorrida) - “demonstrou, conforme lhe era exigível, que o diferimento da execução do contrato se afigura gravemente prejudicial para o interesse público, tendo justificado os motivos pelos quais o efeito suspensivo do ato impugnado o impede de assegurar as adequadas condições de segurança da circulação na rede rodoviária sob sua jurisdição, demonstrando de modo bastante a razão pelas quais os contratos impugnados são imprescindíveis para que cumpra com as suas obrigações no âmbito do SDFCI”.

58. Face ao exposto, deverá ser totalmente confirmado o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, que decidiu julgar procedente o incidente do levantamento do efeito suspensivo automático deduzido pela entidade demandada.»

4. O recurso de revista foi admitido por Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, em formação de apreciação preliminar, de 23 de setembro de 2021, porque «as instâncias divergiram na apreciação do regime previsto no artigo 103.º-A do CPTA, sendo que a solução adoptada pelo acórdão recorrido não é isenta de dúvidas».

5. Notificado para o efeito, o Ministério Público não se pronunciou – artigo 146.º/1 do CPTA.

6. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 36.º do CPTA.

II. Matéria de facto

7. As instâncias consideraram como provados os seguintes factos relevantes para a decisão, tendo em atenção a prova documental produzida e as alegações das partes:

«1. Por deliberação de 14.11.2019 do Conselho de Administração da INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., foi aprovada a decisão de contratar referente ao lançamento do concurso público para a empreitada “Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 (etgv2020-2022) – 18 Lotes”, alicerçada em proposta de contratação subjacente, da qual consta, entre o mais, o seguinte:

“ (...)

1. Enquadramento – Justificação da Necessidade da Intervenção

“Nos termos da informação da Direcção da Rede Rodoviária (DMS n.º 10003712282-514) “a actividade de Conservação Corrente norteia-se pelo cumprimento dos princípios constantes das Bases da Concessão, cabendo à IP a Conservação das vias que integram a Rede Rodoviária Nacional, mantendo a rede em bom estado de funcionamento, conservação e segurança na prossecução do contínuo e eficiente funcionamento do serviço público. Devendo manter as vias em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização e assegurar o seu funcionamento ininterrupto e permanente.

A manutenção das vias rodoviárias engloba, entre outras, a obrigação de gestão da vegetação na envolvente das mesmas, dando cumprimento à base 35 do contrato de concessão bem como ao quadro legal em vigor.

No âmbito das obrigações legais destaca-se toda a atividade associada ao cumprimento dos critérios de gestão de combustível, enquadrados no Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SDFCI), estando as vias rodoviárias inseridas na rede secundária de faixas de gestão de combustível (FGC).

A IP S.A. tem assegurado os trabalhos de conservação/manutenção da rede rodoviária através de contratos trienais de conservação corrente – CCC, os quais englobam os diferentes trabalhos com vista a preservar a vida útil dos diversos ativos rodoviários.

Neste âmbito englobam-se as designadas atividades ambientais, com um vasta tipologia de trabalhos (ceifas, corte seletivo de vegetação, podas, abates, plantações e sementeiras, entre outros) que permitem manter as condições de segurança da circulação, bem como assegurar a preservação do património vegetal na envolvente das vias.

Os trabalhos necessários à manutenção das FGC tradicionalmente têm vindo a ser desenvolvidos no âmbito destes contratos.

No entanto, após os acontecimentos do Verão de 2017, tornou-se mais abrangente e com critérios mais exigentes, a execução dos trabalhos necessários para dar cumprimento à legislação do SDFCI.

Complementarmente, a obrigação de entrar em domínio privado, sempre que necessário para cumprir a gestão de combustível numa faixa de 10m, extravasa o definido para os CCC, que apenas abrangem os trabalhos dentro do domínio rodoviário.

Em 2018, na ausência de CCC, foram lançados vários concursos de empreitadas de corte de vegetação para dar cumprimento à legislação da defesa da floresta, cujo montante ascendeu a cerca de 15,7 ME, sendo que os trabalhos mais relevantes neste domínio são ceifa e corte seletivo de vegetação.

No balanço financeiro dos trabalhos incluídos em cada capítulo dos CCC verifica-se que em primeiro lugar se encontra o capítulo dos Pavimentos logo seguido do das Atividades Ambientais.

O investimento anual nos trabalhos incluídos nas Atividades Ambientais ascende a mais de 20% dos valores totais dos contratos, sendo o valor das rubricas de ceifa e de corte seletivo os de maior significado, tendo ascendido a 10,4 ME no triénio 2010-2013, baixando para 6,3 ME nos dois triénios seguintes, função dum enquadramento financeiro que obrigou à redução dos valores dos contratos, tendo-se também verificado para o caso da ceifa, uma redução significativa do valor unitário médio.

O investimento efetuado no ano de 2018 espelha o que se terá que realizar para dar cumprimento à legislação atualmente em vigor, o qual se situa 2,5 vezes acima do valor dos três anos anteriores.

A experiência de 2018, a qual está a ter sequência em 2019, dada a necessidade de entrar em domínio privado (não previsto nos CCC, o que levou ao lançamento de procedimentos para as intervenções em domínio privado num montante de 3,8 ME) e complementar quantidades do CCC que não foi dimensionado para o atual quadro legal, tem demonstrado que a especialidade do trabalho em causa e o local onde decorre, marginalmente à via, beneficia de uma gestão num contrato individualizado das restantes atividades incluídas nos CCC, mais vocacionadas para trabalhos típicos de engenharia civil.

Assim, com o presente pedido de contratação pretende-se operacionalizar um novo modelo de gestão da manutenção rodoviária, em que as atividades de cariz ambiental estão englobadas num contrato dedicado, em regime plurianual, complementando os CCC de modo a assegurar tanto a segurança da exploração rodoviária, como o cumprimento das obrigações legais e contratuais que impendem sobre a Empresa.

Seguindo a organização distrital dos CCC, prevêem-se 18 contratos, um por distrito, constituindo-se como 18 Lotes do presente procedimento.”

Anexa-se Memorando sobre “A Estratégia da Gestão da Manutenção Rodoviária – Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação-ETGV 2020-2022” que apresenta as justificações para a necessidade destes contratos e modelo de contratação.

2. Objeto dos Contratos – Âmbito e Características das Empreitadas

Do que vem descrito na citada informação, no âmbito do ETGV desenvolvem-se os seguintes trabalhos/atividades:

- Trabalhos planeados no âmbito da gestão da vegetação, entre os quais, de corte seletivo de vegetação, abates e podas de árvores, ceifas, podendo estas, em situações a definir, ser efetuadas também até aos 3m;

- Executa trabalhos de gestão da vegetação no interior dos ramos dos nós;

-Executa trabalhos de gestão da vegetação nos terrenos privados incluindo os procedimentos administrativos definidos;

- Executa trabalhos de gestão da vegetação em parcelas sobrantes;

- Limpeza de valetas de banqueta, de crista e de pé de talude na sequência das intervenções que lhe estão cometidas;

- Ceifa/desmata 1+1 m centrados nas redes de vedação;

-Avalia intervenções em árvores protegidas e prepara processos administrativos de autorizações;

- Efetua levantamentos para gestão do património arbóreo e identificação de situações de risco;

- Efetua trabalhos de controlo de plantas invasoras;

- Efetua trabalhos de valorização paisagística designadamente sementeiras e/ou plantações.

(...)

Fundamentação do Pedido de Contratação – Processo e-Contratos n.º 5010043724 Empreitada para “EXECUÇÃO DE TRABALHOS DE GESTÃO DE VEGETAÇÃO 2020-2022 (ETGV20202022) – 18 LOTES” (...)

2. Enquadramento do pedido de contratação

Para efeitos de início do procedimento de contratação, referente à empreitada de Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 apresenta-se, de seguida, o enquadramento do pedido de contratação: A atividade de Conservação Corrente norteia-se pelo cumprimento dos princípios constantes das Bases da Concessão, cabendo à IP a Conservação das vias que integram a Rede Rodoviária Nacional, mantendo a rede em bom estado de funcionamento, conservação e segurança na prossecução do contínuo e eficiente funcionamento do serviço público. Deve manter as vias em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização e assegurar o seu funcionamento ininterrupto e permanente.

A manutenção das vias rodoviárias engloba, entre outras, a obrigação de gestão da vegetação na envolvente das mesmas, dando cumprimento à base 35 do contrato de concessão bem como ao quadro legal em vigor. No âmbito das obrigações legais destaca-se toda a atividade associada ao cumprimento dos critérios de gestão de combustível, enquadrados no Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SDFCI), estando as vias rodoviárias inseridas na rede secundária de faixas de gestão de combustível (FGC).

A IP S.A. tem assegurado os trabalhos de conservação/manutenção da rede rodoviária através de contratos trienais de conservação corrente – CCC, os quais englobam os diferentes trabalhos com vista a preservar a vida útil dos diversos ativos rodoviários.

Neste âmbito englobam-se as designadas atividades ambientais, com um vasta tipologia de trabalhos (ceifas, corte seletivo de vegetação, podas, abates, plantações e sementeiras, entre outros) que permitem manter as condições de segurança da circulação, bem como assegurar a preservação do património vegetal na envolvente das vias.

Os trabalhos necessários à manutenção das FGC tradicionalmente têm vindo a ser desenvolvidos no âmbito destes contratos.

No entanto, após os acontecimentos do Verão de 2017, tornou-se mais abrangente e com critérios mais exigentes, a execução dos trabalhos necessários para dar cumprimento à legislação do SDFCI.

Complementarmente, a obrigação de entrar em domínio privado, sempre que necessário para cumprir a gestão de combustível numa faixa de 10m, extravasa o definido para os CCC, que apenas abrangem os trabalhos dentro do domínio rodoviário.

Em 2018, na ausência de CCC, foram lançados vários concursos de empreitadas de corte de vegetação para dar cumprimento à legislação da defesa da floresta, cujo montante ascendeu a cerca de 15,7 ME, sendo que os trabalhos mais relevantes neste domínio são ceifa e corte seletivo de vegetação.

No balanço financeiro dos trabalhos incluídos em cada capítulo dos CCC verifica-se que em primeiro lugar se encontra o capítulo dos Pavimentos logo seguido do das Atividades Ambientais.

O investimento anual nos trabalhos incluídos nas Atividades Ambientais ascende a mais de 20% dos valores totais dos contratos, sendo o valor das rubricas de ceifa e de corte seletivo os de maior significado, tendo ascendido a 10,4 ME no triénio 2010-2013, baixando para 6,3 ME nos dois triénios seguintes, função dum enquadramento financeiro que obrigou à redução dos valores dos contratos, tendo-se também verificado para o caso da ceifa, uma redução significativa do valor unitário médio.

O investimento efetuado no ano de 2018 espelha o que se terá que realizar para dar cumprimento à legislação atualmente em vigor, o qual se situa 2,5 vezes acima do valor dos três anos anteriores.

A experiência de 2018, a qual está a ter sequência em 2019, dada a necessidade de entrar em domínio privado (não previsto nos CCC, o que levou ao lançamento de procedimentos para as intervenções em domínio privado num montante de 3,8 ME) e complementar quantidades do CCC que não foi dimensionado para o atual quadro legal, tem demonstrado que a especialidade do trabalho em causa e o local onde decorre, marginalmente à via, beneficia de uma gestão num contrato individualizado das restantes atividades incluídas nos CCC, mais vocacionadas para trabalhos típicos de engenharia civil.

Assim, com o presente pedido de contratação pretende-se operacionalizar um novo modelo de gestão da manutenção rodoviária, em que as atividades de cariz ambiental estão englobadas num contrato dedicado, em regime plurianual, complementando os CCC de modo a assegurar tanto a segurança da exploração rodoviária, como o cumprimento das obrigações legais e contratuais que impendem sobre a Empresa. Seguindo a organização distrital dos CCC, prevêem-se 18 contratos, um por distrito, constituindo-se como 18 Lotes do presente procedimento.

(...)

3.1 Necessidade de contratar – Justifica-se pela insuficiência de condições nos CCC para assegurar a realização dos trabalhos de gestão de vegetação que permitam o cumprimento da legislação em vigor e os princípios da boa gestão empresarial.

Considera-se que com estes contratos é incrementada a eficiência do serviço e a qualidade do mesmo. Anexa-se o Memorando sobre “A Estratégia da Gestão da Manutenção Rodoviária – Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação - ETGV 2020-2022” que apresenta as justificações para a necessidade destes contratos.”

- cfr. decisão de contratar e respetiva informação constante do Processo Administrativo (PA) junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. O concurso identificado no ponto anterior foi publicitado, no Diário da República, 2.ª Série, n.º 53, de 16.03.2020, através do anúncio n.º 3032/2020, e no Jornal Oficial da União Europeia - JO/S S54 de 17.03.2020, através do anúncio n.º 054-127434. – cfr. anúncios constantes do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido .

3. As regras do procedimento e as condições dos contratos a celebrar, atinentes à empreitada de “EXECUÇÃO DE TRABALHOS DE GESTÃO DE VEGETAÇÃO 2020-2022 – 18 LOTES”, foram estabelecidas no programa do concurso e no caderno de encargos relativo a cada um dos lotes, aprovados pela entidade adjudicante e cujo teor, atenta a respetiva extensão se dá por integralmente reproduzido, tendo sido delimitado como objeto da empreitada o seguinte: “executar trabalhos de manutenção da vegetação, englobados nas designadas atividades ambientais, com uma vasta tipologia trabalhos que permitem manter as condições de segurança da circulação, bem como assegurar a preservação e valorização do património vegetal na envolvente das vias. No âmbito das atividades ambientais estão previstos, entre outros, trabalhos de ceifa e limpezas, corte seletivo de vegetação, poda e abate de árvores e arbustos, tratamentos fitossanitários e de controlo de plantas invasoras, nas áreas do domínio público rodoviário afetas à rede de estradas do distrito em apreço, bem como em parcelas sobrantes e áreas de domínio privado, sempre que as intervenções decorram ao abrigo da legislação da Defesa da Floresta Contra Incêndios (DFCI) (...)”. - cfr. programa do concurso e caderno de encargos constante do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4. Através de deliberação do Conselho de Administração de 6.08.2020, remetida à Autora por ofício de 12.10.2020, foi aprovada a decisão de adjudicação, em conformidade com o proposto no relatório final do júri, nos seguintes termos:

[IMAGEM]

– cfr. notificação do ato adjudicação constante do PA e documento 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5. Foram celebrados, pela Entidade Demandada, no âmbito da atividade que desenvolve, designadamente com vista à execução de atividades ambientais em cumprimento das obrigações decorrentes da legislação do Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SDFCI), incluindo, em alguns casos, a intervenção em domínio privado, o Contrato de Conservação Corrente para o triénio 2017-2020 - Lisboa, Contratos de Execução de Gestão de Combustível – 2019, Contratos de Gestão de Vegetação em Espaços Integrados em Faixas de Gestão de Combustível, bem como lançado um procedimento para celebração do Contrato de Conservação Corrente para o Distrito de Lisboa 2020-2023, nos termos e condições que resultam dos documentos n.ºs 1 a 10 juntos com o requerimento de resposta da Autora, cujo teor, face à respetiva dimensão, se dá por integralmente reproduzido. - cfr. fls. 1081 a 1266 e 1316 dos autos.»



III. Matéria de direito

8. Antes de entrar na apreciação do mérito do recurso, importa conhecer das nulidades que a Recorrente imputa ao acórdão recorrido.
Alega a Recorrente, em primeiro lugar, que o acórdão recorrido «é nulo (...) por quanto o mesmo não conhece – como deveria – todos os factos de que devesse conhecer, designadamente o alegado pela Recorrente em Resposta ao Parecer do Ministério Público, que aquele Tribunal não considerou».
Vejamos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 95.º do CPTA, que nessa matéria não difere substancialmente do que se dispõe no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, «a sentença deve decidir sobre todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.»
Assim, para avaliar se, no caso dos autos, se verifica ou não uma omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, é necessário determinar se o alegado pela Recorrente na sua «Resposta ao Parecer do Ministério Público» é ou não uma questão que o tribunal a quo devesse conhecer, pois apenas o incumprimento desse eventual dever de conhecimento conduziria à nulidade da sentença recorrida.
E a este Tribunal parece evidente que não é.
Desde logo, porque o tribunal a quo decidiu no âmbito de um recurso jurisdicional interposto pela ora Recorrida de uma decisão do TAF de Mirandela que manteve o efeito suspensivo do ato impugnado na presente ação, sendo o objeto daquele recurso constituído pelos vícios por ela imputados àquela decisão, delimitado pelas respetivas conclusões. A ora Recorrente, então Recorrida, não interpôs recurso qualquer subordinado daquela decisão, pelo que não estava em posição de aditar novas «questões» que devessem ser conhecidas pelo tribunal a quo, limitando-se, no quadro dos poderes que a lei lhe reconhece enquanto parte no processo, a exercer o contraditório.
Em qualquer caso, a questão de direito submetida à apreciação do tribunal a quo é a da correta interpretação e aplicação ao caso dos autos do artigo 103.º-A do CPTA. Mais concretamente, a questão controvertida prende-se com o âmbito da ponderação de interesses que o n.º 4 daquele artigo impõe como condição do levantamento do efeito suspensivo automático previsto no n.º 1.
Essa questão foi devidamente apreciada e decida pelo tribunal a quo, que entendeu dever levantar aquele efeito suspensivo, ainda que não se tenha pronunciado sobre todos os argumentos utilizados pela ora Recorrente, então Recorrida, para fundamentar a sua oposição a essa decisão. A falta de apreciação desses argumentos, contudo, não releva para a definição do thema decidendum, mas apenas para a fundamentação da decisão, não integrando, por essa razão, o rol das questões que devessem ser decidas.
Como se decidiu, em conferência, no Acórdão desta Secção, de 30 de Maio de 2019, proferido no Processo n.º 1409/11, «(…) questões para este efeito são, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais debatidos nos autos, sendo que, não podem confundir-se aquilo que são questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição nas questões objecto de litígio.
Assim, o julgador não tem que analisar e apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que decidir as questões que por aquelas lhe tenham sido postas ou que sejam de conhecimento oficioso. Ou seja, o que se impõe é que o julgador conheça de todas as questões de fundo que lhe foram colocadas, excepto aquelas cujas decisões tenham ficado prejudicadas pela solução dada a outras, desde que, não sejam de conhecimento oficioso».
Pelo que, não tendo o tribunal a quo deixado de conhecer nenhuma questão que devesse conhecer, não se verifica a alegada nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia.

9. Alega também a Recorrente que o acórdão recorrido é nulo, por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Para fundamentar a sua alegação, a Recorrente sustenta que os factos provados nos autos, em especial o constante do ponto número 5 da matéria de facto, «levam-nos inelutável e logicamente, a uma decisão em sentido absolutamente contrário ao decidido».
Não existe, contudo, qualquer contradição entre os fundamentos de facto e a decisão. O acórdão recorrido não só não ignora a existência dos Contratos de Conservação Corrente (CCC) a que se refere o ponto n.º 5 da matéria de facto, como explicita detalhadamente as razões pelas quais, no seu entendimento, aqueles contratos não asseguram a proteção dos interesses públicos em cuja lesão fundamenta o levantamento do efeito suspensivo automático da deliberação impugnada.
Não existe, por isso, quanto a essa matéria, qualquer vício lógico que redunde em ambiguidade, obscuridade ou ininteligibilidade da decisão e que determine a sua nulidade, havendo quando muito, um erro de julgamento na subsunção dos factos ao direito, que a seu tempo se apreciará.

10. Alega ainda a Recorrente que a decisão recorrida é nula por ofensa de caso julgado, na medida em que «foi proferida em contradição com duas decisões anteriores, que recaíram sobre o mesmo Concurso Público – uma proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, e outra pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu».
A alegação é, no entanto, desprovida de qualquer fundamento.
Nos termos do n.º 1 do artigo 581.º do CPC, para que uma decisão constitua caso julgado oponível a outra é necessário que se verifique identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
Ora, o n.º 4 do mesmo artigo dispõe que só «há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico», o que no caso dos autos não ocorre, na medida em que aquelas decisões, embora relativas ao mesmo concurso, versam sobre a adjudicação de lotes distintos em que se divide o seu objeto.
Quanto ao mais, e sem prejuízo da «desejável» harmonia das decisões judiciais, é obvio que, fora das relações de hierarquia no âmbito da organização da jurisdição administrativa e fiscal, e dos mecanismos de uniformização de jurisprudência previstos na respetiva lei de processo, o tribunal a quo não se encontra vinculado às decisões de outros tribunais.
Inexiste, assim, qualquer vício que determine a nulidade do acórdão recorrido.

11. A questão de fundo que se discute no presente recurso é, como se disse, a da correta interpretação e aplicação ao caso dos autos do artigo 103.º-A do CPTA. Mais concretamente, a questão controvertida prende-se com o âmbito da ponderação de interesses que o n.º 4 daquele artigo impõe como condição do levantamento do efeito suspensivo automático previsto no n.º 1.
As instâncias divergiram na forma como realizaram aquela ponderação.
O TAF de Mirandela entendeu que «a suspensão do ato de adjudicação cujo levantamento se pretende não implica que a Entidade Demandada deixe de realizar, em absoluto, os trabalhos de manutenção das vias rodoviárias e de cumprir com as suas obrigações legais nesta matéria, mas apenas, e quando muito, de parte deles, o que, ainda assim, não é líquido, tendo em conta a existência de outros contratos celebrados pela Entidade Demandada alguns dos quais abrangem, efetivamente, atividades ambientais como a gestão da vegetação (cfr. ponto 5 do probatório).», pelo que não considerou que a manutenção do efeito suspensivo do ato de adjudicação fosse gravemente prejudicial para o interesse público.
O TCAN, pelo contrário, concluiu que «que o Apelante demonstrou, conforme lhe era exigível, que o diferimento da execução do contrato se afigura gravemente prejudicial para o interesse público, tendo justificado os motivos pelos quais o efeito suspensivo do ato impugnado o impede de assegurar as adequadas condições de segurança da circulação na rede rodoviária sob sua jurisdição, demonstrando de modo bastante a razão pelas quais os contratos impugnados são imprescindíveis para que cumpra com as suas obrigações no âmbito do SDFCI», levantando, em consequência o efeito suspensivo do ato impugnado, e da execução do respetivo contrato.
Vejamos

12. O artigo 103.º-A do CPTA foi introduzido no código pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, visando dar cumprimento ao estabelecido na Diretiva 2007/66/CE, do Parlamento e do Conselho Europeu, de 11 de Dezembro de 2007, que altera as Directivas 89/665/CEE e 92/13/CEE, do Conselho, no que diz respeito à melhoria da eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos.
Ao inverter a regra dominante no contencioso administrativo português, nos termos da qual a impugnação de um ato administrativo não suspende a sua eficácia, o disposto no referido artigo reforçou consideravelmente a tutela jurisdicional dos particulares interessados em procedimentos de contratação pública, que assim deixaram de ter de lançar mão de uma providência cautelar de suspensão da eficácia para impedir a consumação de uma situação de facto lesiva dos seu interesses, com o inerente ónus de fazer prova – por vezes diabólica – da irreparabilidade daquela lesão, no caso de o ato de adjudicação produzir plenamente os seus efeitos, e de o respetivo contrato ser celebrado e executado. A medida, aliás, conjuga-se com a cláusula do standstill, prevista no artigo 104.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), que impede a imediata celebração do contrato antes de decorrido um prazo de 10 dias contados da notificação do ato de adjudicação.
O n.º 2 do artigo 103.º-A permite, no entanto, que a entidade demandada ou os contrainteressados requeiram ao tribunal o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público, ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionais para outros interesses envolvidos, nomeadamente os interesses defendidos na ação por aqueles contrainteressados.
No regime estabelecido pelo citado Decreto-Lei n.º 214-G/2015, remetia-se o critério de decisão judicial dos pedidos de levantamento do efeito suspensivo para o n.º 2 do artigo 120.º, o que implicava realizar uma ponderação relativa entre os interesses das partes, em tudo idêntica à realizada no âmbito das providências cautelares de suspensão da eficácia.
O regime foi, entretanto, alterado pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, que atualmente exige apenas que, «ponderados todos os interesses suscetíveis de serem lesados, o diferimento da execução do ato seja gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos» - cfr. artigo 103.º-A, n.º 4.
Ou seja, a inversão do efeito suspensivo envolve também a inversão do ónus da prova de que a imediata execução do ato de adjudicação, e do respetivo contrato, acarreta prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para os interesses defendidos pelo autor na ação.
Daí que o critério de decisão do levantamento do efeito suspensivo seja um critério exigente, dado que são os interessados na imediata execução do ato – entidade demandada ou contrainteressados – que têm de fazer prova de que os seus interesses são prejudicados de forma grave ou desproporcionada, consoante os casos.
No que aos interesses públicos se refere, é necessário, portanto, que a entidade demandada demonstre a gravidade do prejuízo que o diferimento da execução do ato é suscetível de causar àqueles interesses.

13. Regressando aos autos, resta avaliar se o acórdão recorrido julgou bem ao considerar que a entidade demanda, ora Recorrida, logrou demonstrar «que o diferimento da execução do contrato se afigura gravemente prejudicial para o interesse público», requisito que, como vimos, é bastante para o levantamento do efeito suspensivo do ato de adjudicação sub-judice.
A especificidade da situação em apreço está no facto de não estar em causa apenas o interesse público diretamente prosseguido pela entidade demandada, nomeadamente o interesse público na segurança rodoviária inerente ao objeto do contrato de concessão de que a mesma é titular, mas também interesses públicos gerais, de defesa da floresta contra incêndios, que a mesma foi incumbida de prosseguir pela alínea a) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 4 de abril, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 1472019, de 21 de janeiro – regime que, entretanto, foi revogado por substituição pelo Decreto-Lei n.º 82/2021, de 13 de outubro, que embora não se aplicando ao caso concreto em apreço, também não altera substancialmente a responsabilidade da Infraestruturas de Portugal, SA, nos termos da alínea a) do n.º 4 do seu artigo 49.º.
A entidade demandada, ora Recorrida, tem assegurado os trabalhos de conservação e manutenção da rede rodoviária através de contratos de conservação corrente (CCC), mas como decorre da fundamentação da decisão de contratar, «após os acontecimentos do Verão de 2017, tornou-se mais abrangente e com critérios mais exigentes, a execução dos trabalhos necessários para dar cumprimento à legislação» do Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SDFCI).
Essa maior exigência, imposta, desde logo, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 161/2017, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 210, de 31 de outubro de 2017, que veio determinar o reforço da atuação no âmbito da Limpeza das Bermas e Faixas de Gestão de Combustível (FGC) da Rodovia e da Ferrovia, traduz-se, concretamente, no facto de aquela entidade ter agora «a obrigação de entrar em domínio privado, sempre que necessário para cumprir a gestão de combustível numa faixa de 10m», o que «extravasa o definido para os CCC, que apenas abrangem os trabalhos dentro do domínio rodoviário».
Em face dos documentos que o integram, não existem quaisquer dúvidas de que o objeto do presente concurso é mais abrangente do que o objeto dos CCC, não apenas quantitativa, mas também qualitativamente, e que a suspensão do respetivo ato de adjudicação prejudica os objetivos de política de defesa da floresta contra incêndios que presidiram ao seu lançamento.
Resta, então, saber se esse prejuízo se pode qualificar como um prejuízo grave, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA, dado que à luz daquela disposição legal não é qualquer lesão do interesse público que justifica o levantamento efeito suspensivo automático previsto no n.º 1.

14. O ora Recorrente, apoiando-se no entendimento que havia sido inicialmente adotado pelo TAF de Mirandela, e que também foi acolhido em decisões proferidas em outros processos judiciais relativos a lotes distintos do mesmo concurso, defende que a entidade demandada não fica totalmente impedida de prosseguir os interesses públicos de defesa da floresta contra incêndios pressupostos na abertura do presente concurso, na medida em que os CCC se mantém em vigor e asseguram um mínimo de conservação das bermas e faixas de gestão de combustível.
Nessa perspetiva, o contrato de gestão da vegetação objeto do concurso público em apreço seria meramente complementar dos referidos CCC, pelo que não se pode qualificar o prejuízo causado pelo diferimento da sua execução como um prejuízo grave.
Mas esta argumentação não é convincente.
Se os CCC fossem suficientes para assegurar a defesa dos interesses públicos de defesa da floresta contra incêndios, nos termos requeridos pelas novas exigências legais, impostas na sequência dos trágicos acontecimentos de 2017, o presente concurso não teria sido aberto.
A gravidade do prejuízo causado àqueles interesses pela suspensão do ato impugnado não se pode, por isso, medir quantitativamente, pelo número de metros da FGC que deixam de ser objeto de conservação, porque tratando-se de uma medida de prevenção antecipada de riscos, a lesividade do seu efeito suspensivo mede-se pelo aumento daquele risco.
Ora, é manifesto que o aumento daquele risco não é meramente proporcional à diminuição da área conservada, na medida em que os CCC, estando circunscritos ao domínio público rodoviário, estão vocacionados para assegurar a segurança da exploração rodoviária, mas não a defesa da floresta contra incêndios. O aumento do risco é, pois, exponencial, dado que é para além dos limites do domínio público rodoviário que a propagação dos incêndios é maior.
Foi precisamente por essa razão que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 161/2017 impôs à Infraestruturas de Portugal, SA., com carácter de urgência, a obrigação de assegurar a gestão da vegetação para além dos limites do domínio público rodoviário, até ao limite de 10 metros da faixa de rodagem, concretizando assim as propostas apresentadas pelos peritos que constituíram a Comissão Técnica Independente de análise aos incêndios de Pedrógão Grande que, no seu relatório, destacaram «a necessidade de aumentar a proporção de intervenções de gestão de combustíveis de forma estratégica, a implementar nos locais que mais facilmente se apresentam como oportunidades de combate e recorrendo ao dimensionamento e às técnicas mais adaptadas a cada situação».

15. A defesa da floresta contra incêndios não é um interesse público qualquer, pois além da sua importância económica e social, e do seu inestimável valor ambiental, as medidas adotadas no âmbito daquela política pública visam assegurar a segurança e a proteção de pessoas e bens. Daí que não se possa esperar que os incêndios ocorram – e eles ocorrem todos os anos - para determinar se os prejuízos por eles causados são ou não reparáveis.
A precaução inerente à prevenção antecipada de riscos de incêndios florestais constitui, deste modo, uma justificação bastante para que o efeito suspensivo do ato de adjudicação impugnado na presente ação seja levantado, o que, aliás, era ainda mais evidente à data em que o acórdão recorrido foi proferido, à entrada do verão, e do período mais crítico para a ocorrência daqueles incêndios.

16. Assim, e em conclusão, conclui-se que o acórdão recorrido não incorreu em erro de julgamento ao considerar que o diferimento da execução do ato de adjudicação impugnado na presente ação é suscetível de causar um grave prejuízo aos interesses nela defendidos pela entidade demandada, ora Recorrida, levantando, em consequência, o efeito suspensivo determinado ope legis pelo n.º 1 do artigo 103.º-A do CPTA.




IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido.

Custas do processo pela Recorrente. Notifique-se


Lisboa, 4 de novembro de 2021. - Cláudio Ramos Monteiro (relator) - José Francisco Fonseca da Paz - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva.