Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0484/10
Data do Acordão:01/26/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
RECLAMAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
LITISPENDÊNCIA
CASO JULGADO
EXECUÇÃO COMUM
Sumário:I - O disposto no n.º 3 do artigo 218.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, nos termos do “podem ser penhorados pelo órgão da execução fiscal os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada”, afasta a aplicabilidade às execuções fiscais do disposto no artigo 871.º do Código de Processo Civil;
II - Havendo identidade de credores reclamantes em dois processos diferentes (um deles comum, o outro fiscal), mas coexistindo os créditos reclamados, no processo fiscal, com os créditos exequendos, não ocorre litispendência, pois que tal excepção pressupõe, além do mais, a “identidade dos sujeitos”, “sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” (cfr. os números 1 e 2 do artigo 498.º do CPC), que se não verifica, pois que na execução fiscal, a par dos reclamantes, o órgão da execução pretende também que os créditos exequendos sejam graduados.
III - Tal não obsta, contudo, a que a decisão tomada no processo comum quanto à existência ou não de privilégios creditórios dos créditos reclamados e à graduação dos créditos que dele foram objecto não se deva impor, porque anterior, no processo fiscal, se neste dela for dado conhecimento, pois que a tal obriga o caso julgado material formado em relação aos créditos que apreciou e às pessoas que abrangeu, na medida em que tem força obrigatória dentro do processo e fora dele (cfr. o Acórdão deste Tribunal de 11 de Dezembro de 2007, rec. n.º 466/07).
Nº Convencional:JSTA00066780
Nº do Documento:SA2201101260484
Data de Entrada:06/07/2010
Recorrente:A... E B...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA E OUTRAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PROC812/08 DE 2009/11/30 PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPC96 ART660 N2 ART668 N1 ART871 ART497 ART691.
CPPTRIB99 ART125 N1 ART2 E ART218 N3.
CPTRIB91 ART300 N2.
CPCI63 ART193 PARÚNICO.
L 17/86 DE 1986/06/12 ART12.
L 96/2001 DE 2001/08/20 ART4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC466/07 DE 2007/12/11.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5 ED VI PAG447 PAG912.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A… e B…, ambas com os sinais dos autos, recorrem para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 30 de Novembro de 2009, proferida no processo de reclamação de créditos n.º 812/08, apresentando para tal as seguintes conclusões:
1ª. Ocorre litispendência entre esta execução fiscal e a execução para pagamento de quantia certa nº 3321/07.8TTLSB agora distribuído à 2.ª Secção do 1º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, (anteriormente nº 254/98, da 3ª Secção do 1º Juízo);
2ª. A decisão impugnada viola caso julgado formado naquele dito processo do Tribunal de Trabalho com a prolação do acórdão do TRL de 9/1/2008, transitado em julgado e onde se decidiu beneficiarem os créditos das Recorrentes de privilégio mobiliário geral e imobiliário geral e se graduarem tais créditos em 1º lugar;
3ª A sentença é nula por omissão de conhecimento e de decisão sobre questão que deveria conhecer (artigo 668 nº1 alínea d) do CPC pois:
a) não conheceu nem decidiu da alegação das Recorrentes de que os seus créditos beneficiavam de privilégios creditórios mobiliário e imobiliário geral;
b) que era dever da Srª Juíza recorrida (oficiosamente e sem necessidade de tal questão ser suscitada por ninguém) sindicar e decidir se, por força da inovação introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 96/2001, de 20/08, os créditos reclamados também gozam de privilégio mobiliário e imobiliário geral.
4ª Mas se se dever entender que há, na sentença, pronúncia ou decisão “implícita” de inexistência dos ditos privilégios creditórios quanto aos créditos das ora Recorrentes, então sempre se teria de considerar nula a sentença, por falta de fundamento da decisão nessa parte (artigo 668º nº1 alínea c).
5ª. Os créditos em causa estavam abrangidos pelos ditos privilégios pois a intenção do Legislador só pode ter sido a de conferir, pela Lei 96/01, protecção aos outros créditos laborais de trabalhadores que já beneficiavam da protecção dada pela Lei 17/86 mas também de dar maior protecção aos créditos dos trabalhadores que, por alguma circunstância – por exemplo por não ter sido suscitada ou requerida a verificação pelo IDICT da situação de salários em atraso – não tivessem os seus créditos abrangidos por aquele primeiro diploma.
6ª. Aplicam-se ao caso das Recorrentes os privilégios previstos nas normas da Lei 17/86 já que por sentença de 23 de Junho de 2000, no processo nº 3321/07.8TTLSB agora distribuído à 2ª Secção do 1º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, (anteriormente nº 254/98, da 3ª Secção do 1º Juízo, por via da redistribuição resultante da extinção das 3ªs secções) e transitada em julgado, a aqui Executada foi condenada a pagar às ora Recorrentes, créditos laborais provenientes de salários em dívida respeitantes ao período anterior ao despedimento e a período subsequente, a consequente indemnização por cessação do contrato, reparação por danos não patrimoniais e juros de mora;
7ª A decisão, nesta execução fiscal, de graduar em 1º lugar os créditos dos trabalhadores C… e D…, em 2º lugar os créditos derivados de IMI, em 3º os créditos da empresa E…, SA, em 4º os créditos das aqui recorrentes A… e B… e em 5º os créditos de IVA e coimas e juros de mora é, salvo o devido respeito, errónea e deve ser corrigida;
É que
8ª Sejam ou não os créditos das ora Recorrentes abrangidos directamente pelas normas e privilégios da Lei 17/86, a verdade é que os créditos das recorrentes dispõem de um privilégio imobiliário geral que determinava e impunha a sua graduação em 1º lugar e em paridade com os créditos dos ditos C… e D… por força da entrada em vigor da Lei 96/01, que, no seu artigo 4.º, veio conferir tal privilégio aos créditos laborais constituídos anteriormente e não abrangidos directamente pela Lei 17/86 de 14.07, e ainda não graduados, como era o caso dos créditos das aqui recorrentes.
9ª. A esse tempo – 20/9/01 – já fora prolatada e tansitara em julgado a sentença de condenação da aqui Executada que reconheceu às Recorrentes o direito a haver, daquela, os salários em dívida, a indemnização por cessação do contrato de trabalho, uma reparação por danos morais e juros de mora.
10ª.E tal privilégio creditório imobiliário geral fora conferido, pela mencionada Lei 99/01, retroactivamente (abrangendo indiscutivelmente os créditos das aqui Recorrentes, pois estes ao tempo já existiam e estavam judicialmente declarados mas não tinham sido objecto de sentença de graduação);
11ª. O privilégio imobiliário geral confere às Recorrentes o direito de serem pagas e os seus créditos graduados em primeiro lugar, em paridade com os reclamantes C… e D…, independentemente da data do registo da penhora que requereram.
12.ª Assim, é manifesto que os créditos das aqui Recorrentes tinham de ser graduados – contra o que se diz na sentença – e por igual modo ao que foi decidido quanto aos créditos dos reclamantes C… e D… antes do crédito de IMI e do crédito da reclamante E… e em primeiro lugar.
13ª. As Recorrentes tinham salários em atraso, encontravam-se abrangidas pelo normativo excepcional criado pela Lei 17/86 de 14.06. E não se despediram por salários em atraso porque foi a própria entidade patronal que o fez;
14ª. Entender-se que o preceituado na LSA conjugado com o artigo 4º da Lei 99/01 se não aplica ao caso dos autos, é fazer uma leitura errónea e inconstitucional dessas leis, já por se dar tratamento desigual a situações iguais, já por não respeitar os princípios, sempre vinculativos e presentes nas leis laborais: o princípio do “favor laboratoris” e o princípio da “igualdade de tratamento”, este com assento na Constituição – artigos 13º e 59º.
15ª. A decisão impugnada, além de nula pelas razões expostas, viola o caso julgado e aplica ou interpreta erroneamente e com violação da Constituição, a Lei 17/86 de 14.04 (LSA) e o artigo 4º da Lei 99/01, de 20/08, pelo que,
Deve a sentença ser anulada ou revogada e, em qualquer caso, substituída por outra decisão que, reconhecendo que os créditos das Recorrentes beneficiam dos privilégios mobiliários e imobiliários gerais, os gradue em 1º lugar em paridade com os demais créditos laborais, com o que se fará JUSTIÇA!
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Ministério Público não emitiu parecer sobre o mérito do recurso (fls. 511 e 512 verso dos autos).
- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
Importa verificar, em primeiro lugar - pois que se trata de questão que logicamente precede o conhecimento do mérito da decisão e que a proceder obsta ao conhecimento das demais questões suscitadas (artigo 660.º do Código de Processo Civil) - se a sentença recorrida padece de alegada nulidade por omissão de pronúncia e/ou por falta de fundamentação da decisão que os recorrentes lhe imputam (cfr. as conclusões 3.ª e 4.ª das alegações de recurso).
Improcedendo a alegação de nulidade, haverá que apreciar do mérito do recurso, decidindo da correcção do julgado quanto à não verificação excepção de litispendência e bem assim da invocada excepção de caso julgado (cfr. conclusões 1.ª e 2.ª das alegações dos recorrentes), bem como da correcção da graduação dos créditos dos recorrentes.
5 – Na sentença objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos (que numerámos para mais fácil identificação):
1. Nos presentes autos de reclamação de créditos que correm por apenso à execução fiscal instaurada contra F…, Lda, com o n.º 3328200601015206 e apensos, que correm termos no Serviço de Finanças de Lisboa - 9, para cobrança de dívida resultante de IVA, Coimas e IMI relativos aos anos de 2005 e 2006, vieram:
- B… e A…, melhor identificadas nos autos, reclamar os seus créditos emergentes de contrato individual de trabalho, com origem no não pagamento pontual da retribuição devida por despedimento sem justa causa;
- C… e D…, melhor identificada nos autos, reclamar os seus créditos emergentes de contrato individual de trabalho, com origem no não pagamento pontual da retribuição devida por despedimento sem justa causa;
- E…, SA, melhor identificada nos autos reclamar o seu crédito de € 7 212,82, acrescido de juros vencidos e vincendos, provenientes de incumprimento de obrigação pecuniária.
2. Nos autos de execução supra indicados, em 3/8/2007, foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente à loja com arrecadação na cave do prédio urbano sito na Calçada …, Lisboa, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Penha de França sob o artigo nº 1585 e descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob nº 748 – cf. fls. 28 do PEF.
3. A referida penhora foi registada em 11/9/2007 – cf. fls. 28.
4. Sobre a referida fracção a referida fracção penhorada mostram-se efectuados os seguintes registos:
- Em 28/1/1999 foi registado arresto convertido em penhora em 4/11/2002 a favor de C… e D… – cf. fls. 19 e 20 do PEF e fls. 344 dos autos;
- Em 22/10/2001 foi registada penhora efectuada em 3/4/2001 a favor de E…, SA – cf. fls. 20 e 21 do PEF e fls. 344 dos autos;
- Em 26/10/2001 foi registada penhora efectuada em 19/2/2001, a favor de B… e A… – cf. fls. 28 do PEF e fls. 344 dos autos;
5. Os créditos reclamados não foram impugnados.
6 – Apreciando.
6.1 Das alegadas nulidades da sentença recorrida por omissão de pronúncia e falta de fundamentação
Alegam os recorrentes que a sentença é nula por omissão de conhecimento e de decisão sobre questão que deveria conhecer (artigo 668 nº1 alínea d) do CPC pois que não conheceu nem decidiu da alegação das Recorrentes de que os seus créditos beneficiavam de privilégios creditórios mobiliário e imobiliário geral e era dever da Srª Juíza recorrida (oficiosamente e sem necessidade de tal questão ser suscitada por ninguém) sindicar e decidir se, por força da inovação introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 96/2001, de 20/08, os créditos reclamados também gozam de privilégio mobiliário e imobiliário geral. Alegam ainda que se se dever entender que há, na sentença, pronúncia ou decisão “implícita” de inexistência dos ditos privilégios creditórios quanto aos créditos das ora Recorrentes, então sempre se teria de considerar nula a sentença, por falta de fundamento da decisão nessa parte (artigo 668º nº1 alínea c).
A Meritíssima Juíza “a quo”, a fls. 502 dos autos, sustentou a inexistência de nulidade da sentença recorrida.
Vejamos.
Dispõe a parte final do n.º 1 do art. 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) - que mais não reproduz, omitindo as alíneas, que o n.º 1 do art. 668.º do Código de Processo Civil (CPC) -, que constitui causa de nulidade da sentença “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar (…)”, considerando-se como tais, por aplicação supletiva do n.º 2 do art. 660.º do CPC (ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, que não contém norma sobre a matéria), “todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Não obstante, “o conhecimento de todas as questões não significa que o tribunal tenha de conhecer de todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes” (JORGE LOPES DE SOUSA – Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 5.ª ed., Volume I, Lisboa, Áreas Editora, 2006, p. 912 e jurisprudência aí citada), como é jurisprudência pacífica deste Tribunal.
No caso dos autos, a sentença recorrida verificou e graduou os créditos reclamados pelos ora recorrentes, como lhe era pedido, embora desconsiderando a existência de privilégios creditórios imobiliário e mobiliário gerais de que alegadamente gozariam à luz do artigo 12.º da Lei n.º 17/86 de 12 de Junho (e sem considerar ex oficio a aplicabilidade ao caso do disposto no artigo 4.º da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto).
Assim, o tribunal “a quo” não deixou de se pronunciar sobre a questão que lhe era colocada, pois que emitiu pronúncia sobre a graduação dos créditos reclamados, embora sem considerar expressamente o argumento da existência de privilégios creditórios, ou, noutra perspectiva, considerando implicitamente não beneficiarem os créditos reclamados dos privilégios previstos na Lei n.º 17/86 e não apurando ex oficio se estariam abrangidos pelo artigo 4.º da Lei n.º 96/2001, de 20/08 (preceito que os recorrentes não invocaram em seu benefício na reclamação de créditos, apenas o tendo feito no presente recurso).
Assim, não se verifica a alegada nulidade por omissão de pronúncia, pois que o tribunal recorrido emitiu pronúncia sobre a questão que lhe era colocada, reconhecendo e graduando os créditos reclamados.
O argumento não apreciado – o de que os créditos reclamados beneficiariam de privilégio imobiliário geral – pode justificar o reconhecimento do demérito da decisão, impondo a sua revogação. Mas não a ferem de nulidade, nem por omissão de pronúncia, nem por falta de fundamentação (ex vi da alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC), pois que a decisão tomada na sentença recorrida de graduar os créditos dos ora recorrentes em quarto lugar se mostra justificada na sentença recorrida pela circunstância de (apenas) lhes ter sido reconhecido que “goza(m) da garantia conferida pela penhora registada em 26/10/2001” (cfr. sentença recorrida a fls. 375 dos autos).
Improcedem, deste modo, as alegadas nulidades.
6.2 Da inexistência de litispendência e do relevo do caso julgado entretanto formado quanto à existência de privilégio creditório imobiliário geral dos créditos reclamados
Alegam também os recorrentes (cfr. conclusões 1.ª e 2.ª das suas alegações de recuso) que ocorre litispendência entre esta execução fiscal e a execução para pagamento de quantia certa nº 3321/07.8TTLSB agora distribuído à 2.ª Secção do 1º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, (anteriormente nº 254/98, da 3ª Secção do 1º Juízo) e que a decisão impugnada viola caso julgado formado naquele dito processo do Tribunal de Trabalho com a prolação do acórdão do TRL de 9/1/2008, transitado em julgado e onde se decidiu beneficiarem os créditos das Recorrentes de privilégio mobiliário geral e imobiliário geral e se graduarem tais créditos em 1º lugar.
A sentença recorrida apenas sobre a questão da alegada excepção de litispendência tomou posição, pois que a excepção de caso julgado apenas vem invocada no presente recurso, e sobre ela pronunciou-se nos seguintes termos:
«As Reclamantes B… e A… suscitaram a questão prévia da litispendência, invocando que se encontra pendente acção de execução de sentença do Tribunal de Trabalho, que corre termos com o nº 380-C/1998, cujo incidente de verificação e graduação de créditos se encontra pendente no Tribunal da Relação de Lisboa, por ter sido interposto recurso pelas Reclamantes.
Embora à primeira vista possa parecer que existe litispendência, não se encontram reunidos os pressupostos para tal.
A litispendência pressupõe a repetição de duas causas antes de haver decisão transitada em julgado (cf. artigo 497.º, nº 1 do CPC).
Ora, estão em causa execuções diferentes, (num caso executa-se decisão proferida pelo Tribunal de Trabalho, enquanto noutro está em causa uma execução fiscal por dívidas de impostos).
Embora o título executivo que as Reclamantes invocam seja o mesmo, e quanto à verificação do crédito reclamado pudesse considerar-se haver litispendência (produzindo efeitos, se transitada em julgado a decisão sujeita a recurso, caso em que estaríamos perante uma situação de caso julgado), o facto é que quanto à graduação, estando em concurso com outros credores, a decisão quanto à sua graduação não permite concluir que estejamos perante uma repetição da causa. Já que o concurso com outros credores determina ordem de graduação autónoma.
Assim sendo, improcede a questão prévia suscitada» (fim de citação).
Vejamos pois.
Como é sabido, tem sido entendido pela jurisdição tributária que o disposto no artigo 871.º do Código de Processo Civil não se aplica às execuções fiscais, pois que o disposto no n.º 3 do artigo 218.º do CPPT determina expressamente que “podem ser penhorados pelo órgão da execução fiscal os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada”.
Trata-se de opção legislativa vinda do passado (artigo 193.º parágrafo único do CPCI; artigo 300.º n.º 2 do CPT), justificada por razões de “interesse público” (assim, JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 444, nota 7 in fine ao art. 219.º do CPPT), mas que na prática pode levar a situações como a dos autos, a saber, a de haver identidade de credores reclamantes em dois processos diferentes (um deles comum, o outro fiscal), coexistindo os créditos reclamados, no processo fiscal, com os créditos exequendos, que, em abstracto, podem vir a prevalecer sobre a graduação que aqueles recebam na execução comum.
A excepção de litispendência não constitui obstáculo a que tal possa suceder, pois que pressupõe a “identidade dos sujeitos”, “sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” (cfr. os números 1 e 2 do artigo 498.º do CPC), que se não verifica no caso dos autos pois que na execução fiscal, a par dos reclamantes (comuns aos dois processos), o órgão da execução pretende também que os créditos exequendos sejam graduados.
Tal não obsta, contudo, a que a decisão tomada no processo comum quanto à existência ou não de privilégios creditórios dos créditos reclamados e à graduação dos créditos que dele foram objecto não se deva impor, porque anterior, no processo fiscal, se neste dela for dado conhecimento, pois que a tal obriga o caso julgado material formado em relação aos créditos que apreciou e às pessoas que abrangeu, na medida em que tem força obrigatória dentro do processo e fora dele nos termos fixados no n.º 1 do artigo 671.º do CPC (neste sentido, embora perante duas execuções fiscais, cfr. o Acórdão deste Tribunal de 11 de Dezembro de 2007 – rec. n.º 466/07).
Há, pois, que refazer a graduação de créditos constante da sentença recorrida em conformidade com o decidido no Acórdão que primeiro transitou em julgado (o Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Janeiro de 2008 (a fls. 463 a 477 dos autos), acatando-o nos limites do decidido quanto aos créditos reclamados, em especial no que respeita ao reconhecimento aos créditos reclamados pelos recorrentes de privilégio imobiliário geral ex vi do disposto no artigo 4.º da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto (cfr. Acórdão citado, a fls. 475 a 477 dos autos), graduando-o em primeiro lugar, a par dos créditos laborais dos reclamantes C…e D…, mantendo-a no demais.
Pelo exposto, tem de concluir-se que o recurso merece provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida no segmento impugnado, que no demais se mantém, e, em consequência, graduar os créditos reclamados pelos recorrentes em primeiro lugar, a par dos créditos dos reclamantes D…e C… já assim graduados, mantendo-se graduados em 2.º lugar os créditos exequendos relativos a IMI, em 3.º lugar os créditos reclamados por E…, SA e em último (agora 4.º lugar e não 5.º), a par entre si os créditos exequendos relativos a IVA e coimas e juros de mora.
Sem custas.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Brandão de Pinho - António Calhau.