Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0931/11
Data do Acordão:02/08/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:IVA
PRAZO DE CADUCIDADE
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I - As regras de validade geral sobre os conflitos de leis no tempo, constantes dos artigos 12º, 13º e 297º do Ccv, não resolvem directamente o problema da aplicação da lei nova que, sem alterar o prazo de caducidade, altera o momento inicial da sua contagem, retardando ou antecipando, relativamente ao da lei antiga, o momento a partir do qual esse prazo começa a correr.
II - A lei que retarda o momento inicial da caducidade deve ser tratada como uma lei que alonga o respectivo prazo, pelo que, com base na analogia com a solução contida no nº 2 do artigo 297º do Código Civil, o dito prazo se deverá contar do ponto de partida estabelecido na nova lei.
III - Assim sendo, a nova redacção dada ao nº 4 do artigo 45º da LGT pela Lei nº 32-B/2002 de 30/12 é de aplicação imediata aos prazos em curso, porque, ao alterar o momento inicial da contagem do prazo, deve ser tratada como uma lei que alonga o prazo de caducidade.
IV - A liquidação adicional do IVA, com base na aplicação errada do pro rata provisório, que não regularizado na declaração de Dezembro pelo sujeito passivo, pode ser anualizada, abrangendo todas as rectificações efectuadas às declarações periódicas do respectivo ano.
V - O artigo 88º-A (actual art. 95º do CIVA, deve ser interpretado como contendo implicitamente uma autorização para agregar numa única liquidação o imposto devido nos 12 meses ou nos quatros trimestres do respectivo ano, pois, ao reportar a agregação às liquidações de anos civis, pressupõe na anualização da liquidação do IVA.
Nº Convencional:JSTA00067399
Nº do Documento:SA2201202080931
Data de Entrada:10/20/2011
Recorrente:APICCAPS-ASSOC PORTUGUESA DOS INDUSTRIAIS DE CALÇADO, COMPONENTES E ARTIGOS DE PELE E SEUS SUCEDÂNEOS
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
DIR PROC FISC GRAC - LIQUIDAÇÃO
Legislação Nacional:LGT98 ART35 ART45 N4 NA REDACÇÃO DA L 32-B/2002 DE 2002/12/30
CCIV66 ART12 N2 ART297 N2
CIVA88 ART7 ART8 ART22 ART23 N1 B N4 N6 ART26 N1 ART40 ART71 N6 ART82 ART83 ART88-A ART89
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC1076/09 DE 2011/03/17; AC STAPLENO PROC026806B DE 2003/05/07; AC STA PROC1973/02 DE 2003/03/26; AC STA PROC21/11 DE 2011/05/04
Referência a Doutrina:BAPTISTA MACHADO - SOBRE A APLICAÇÃO NO TEMPO DO NOVO CODIGO CIVIL PAG165
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1.1. APICCAPS - Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes e Artigos de Pele e seus Sucedâneos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 16 de Maio de 2011, que julgou improcedente a impugnação judicial do acto de liquidação do IVA e juros compensatórios dos anos 2000, 2001 e 2002, no valor total de €1.063.716,30.
Nas alegações, conclui o seguinte:
1. A nova redacção do n.º 4 do artigo 45° da LGT, introduzida pelo artigo 43° da Lei n.º 32-B/2002 não veio ampliar, nem sequer alterar, o prazo de caducidade do direito a liquidar os tributos por parte da administração fiscal;
2. O facto que determina o início da contagem de um prazo é um evento instantâneo, com efeitos jurídicos imediatos, que se traduzem precisamente no início da contagem do prazo;
3. Quando entrou em vigor a nova redacção do n.º 4 do artigo 45° da LGT, já o prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA de 2000 se encontrava em curso;
4. A lei nova só poderá ser aplicável aos prazos cujo facto jurídico que determina o início da sua contagem ainda não ocorreu;
5. Quando foi emitida a liquidação de IVA do ano 2000, em 14.09.2004, o direito à liquidação do IVA referente aos períodos de Janeiro a Agosto de 2000 já tinha caducado;
6. A sentença recorrida violou, a este propósito, o disposto no n.º 4 do artigo 45.° da LGT e o n.º 2 do artigo 12° do Código Civil;
7. As liquidações de IVA devem ser efectuadas mensalmente, ou trimestralmente, dependendo do regime de enquadramento do contribuinte. As liquidações de IVA da recorrente devem resultar de apuramento mensal;
8. As liquidações de IVA impugnadas não se referem a acertos anuais de cálculos de pro rata;
9. As liquidações impugnadas referem-se a liquidações mensais de IVA erradas por virtude de errada aplicação de critérios de pro rata;
10. As liquidações adicionais de IVA por parte da administração fiscal, no caso concreto, deveriam ser liquidações mensais;
11. A emissão de liquidações anuais viola as regras de apuramento mensal do IVA impostas pelos artigos 7°, 8°, 22° e 40° do Código do IVA;
12. Ao julgar válidas tais liquidações, a sentença recorrida violou os artigos 7.°, 8.°, 22.º e 40.º do Código do IVA.
13. A existência de liquidações de juros compensatórios referentes a períodos mensais de liquidação de imposto, sem que existam liquidações de IVA referentes a esses mesmos períodos, torna tais liquidações nulas por falta de fundamentação;
14. As liquidações de juros compensatórios referentes aos períodos de IVA dos meses de 2001 são nulas, por não corresponderem a montantes de IVA liquidados relativamente a esses mesmos períodos;
15. A sentença recorrida deveria ter declarado nula por falta de fundamentação, a liquidação de juros compensatórios de 2001, não o fazendo, violou o n.º 9 do artigo 35° da LGT;
16. Sendo nulas as liquidações de IVA referentes a 2000 e a 2001, são também nulas as liquidações de juros compensatórios, atendendo à acessoriedade destes em relação às liquidações adicionais de imposto;
17. A anulação de liquidações de imposto já pago pelo contribuinte determina o pagamento a este de juros indemnizatórios.
1.2. Não houve contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso por (i) o nº 4 do art. 45º da LGT, na redacção dada pela Lei nº 32-B/02 de 30/12, assumir a forma de “interpretação autêntica” do art. 88º do CIVA e por isso, o prazo de caducidade dever contar-se a partir da exigibilidade do imposto e não da data em que ocorreu o facto tributário; (ii) que o apuramento definitivo do IVA através do método “pro rata” é anual, nos termos do art. 23º do CIVA; (iii) e que a decisão do cálculo dos juros compensatórios está bem fundamentada.
2. A sentença deu como provados os seguintes factos:
1. A ora impugnante foi objecto de uma acção inspectiva relativamente aos exercícios de 2000, 2001 e 2002 e que deu lugar às liquidações adicionais do IVA e juros compensatórios, ora em discussão.
2. Os fundamentos para as ditas correcções encontram-se exarados no relatório da inspecção de fls. 40 a 57 do PA e que aqui dão por reproduzidas, mas cujos extractos a seguir se transcrevem: “(...) Atendendo a que a associação realiza conjuntamente com operações que não conferem direito à dedução outras operações que conferem esse direito, fica obrigada à disciplina do artigo 23° do CIVA; (...) IVA deduzido indevidamente (...) Regularizações anuais por cálculo do pro rata definitivo (...) Face ao exposto (...), designadamente enquadramento do sujeito passivo em IVA, concluímos que tem vindo a ser indevidamente deduzido o IVA suportado na aquisição de bens e serviços pelas razões que passamos a enumerar: Erro no cálculo da percentagem de dedução do IVA - pro rata; Utilização do método de afectação real nas operações directamente ligadas à realização das feiras nacionais e internacionais, bem como na aquisição dos bens de imobilizado. (...) O sujeito passivo utilizou a percentagem de dedução - pro rata - de 77% no ano de 2000, 30% no ano de 2001 apenas para as despesas comuns a toda a actividade e afectação real - 100% nas operações directamente ligadas à realização das feiras nacionais e internacionais e aquisições de imobilizado. (...) Contudo, a regra a aplicar deveria ser a constante do n° 1 do art° 23° do CIVA, ou seja, a percentagem de dedução - pro rata - para toda a actividade, uma vez que perante os factos acima exposto a afectação real não lhe é permitida. (...) de referir que no ano de 2002 o sujeito passivo já efectua as deduções de acordo com esta regra, utilizando uma percentagem de dedução global de 30% (pro rata), a mesma utilizada em 2001 para as despesas comuns. (...) Como se pode verificar pelos factos acima apontados o sujeito passivo tem utilizado no decurso dos anos analisados, diversas versões de cálculo da percentagem de dedução, porém no ano de 2002 vem ao encontro do enquadramento da actividade para efeitos de IVA por nós efectuado (…).
Vamos determinar, para os anos de 2000, 2001 e 2002, a referida percentagem de dedução - pro rata - de forma a apurarmos o IVA dedutível em cada período de imposto. (...) Da análise dos balancetes dos anos em causa (2000, 2001 e 2002), extraímos os proveitos que se encontram resumidos nos seguintes quadros de acordo com o respectivo enquadramento em IVA (...) Cumprindo o estipulado no art. 23° do CIVA, procedemos ao cálculo da percentagem de dedução (pro rata). De referir que não vão ser tidos em consideração os proveitos financeiros face ao seu carácter acessório em relação à actividade exercida. Os mesmos são decorrentes de depósitos a prazo e algumas aplicações financeiras. (...) Ano de 2002 (...) Neste ano, como já foi referenciado no ponto anterior, o sujeito passivo já efectua as deduções de acordo com a regra geral do art. 23° do CIVA, utilizando uma percentagem de dedução global de 30% (pro rata), a mesma de 2001. No entanto após os nossos cálculos apuramos uma percentagem de dedução definitiva (pro rata) de 33%, devendo ter sido utilizada como provisória a definitiva de 2001, que como já foi referido nos pontos anteriores é de 27%, originado assim um apuramento de imposto IVA para efeitos de juros de Janeiro a Novembro, cfr. mapa (...) Assim e no seguimento do efectuado para os anos anteriores, procedemos à correcção dos valores deduzidos pelo sujeito passivo e constantes da contabilidade. No entanto e porque o valor do pro rata definitivo (33%) é maior que o provisório (27%) e maior que a percentagem inicialmente deduzida (30%), as correcções a efectuar nos períodos de Janeiro a Novembro apenas vão ser tidos em consideração para efeitos de juros. (...)”.
3. As liquidações em causa foram emitidas em 14.09.2004 nos termos constantes de fls. 14 a 35 do PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
4. O termo do prazo para pagamento voluntário do imposto e juros ocorreu em 30.11.2004.
5. A petição inicial foi apresentada em 09.02.2005.
3. A recorrente interpõe recurso para que se proceda ao reexame das três questões que, no seu entender, determinam a invalidade das liquidações impugnadas, mas que a sentença recorrida não lhes deu procedência: (i) caducidade da liquidação do IVA quanto aos períodos de Janeiro a Agosto de 2000; (ii) nulidade das liquidações de IVA dos anos de 2000 e 2001 por se tratarem de liquidações anuais e não de liquidações mensais; (iii) nulidade das liquidações de juros compensatórios, por falta de fundamentação.
Assim delimitado o recurso, vejamos se são aceitáveis os argumentos invocados pela recorrente.
3.1. A liquidação do IVA do ano de 2000 foi notificada à recorrente em 14/9/2004. Como o prazo de caducidade previsto no nº 1 do artigo 45º da LGT é de quatro anos, a recorrente considera que a liquidação desse imposto já havia caducado, uma vez que tal prazo deve contar-se a partir da data da ocorrência do facto tributário e não a partir do inicio do ano civil seguinte àquele em que se verifica a exigibilidade do imposto.
Na sua opinião, a nova redacção dada ao nº 4 do artigo 45º da LGT pelo artigo 43º do Lei nº 32-B/2002 de 30/12 não se aplica ao caso concreto porque, quando entrou em vigor, já tinha ocorrido o início da contagem do prazo de caducidade, que é um «evento instantâneo», com efeitos imediatos.
Verifica-se, pois, que no decurso do prazo de caducidade surgiu um nova lei que alterou o termo inicial do prazo de quatro anos, o qual deixou de ser a data da ocorrência do facto tributário para passar a ser o início do ano civil àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
A sentença, seguindo a jurisprudência mais recente do STA, aplicou a nova lei, com o argumento de que «o facto extintivo do direito à liquidação é duradouro (o decurso do prazo) e não instantâneo», pelo que, de acordo com o nº 2 do artigo 12º do Código Civil, a nova lei é de aplicação imediata.
O acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal de 17/3/2011 (rec. nº 01076/09), julgando uma oposição de julgados, com um outro acórdão do Pleno da mesma Secção (rec nº 026806B, de 7/5/2003), decidiu, tal como resulta do respectivo sumário, que «na redacção do n.º 4 do artigo 45.º da LGT dada pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30-12, o prazo, de 4 anos, em relação ao IVA, conta-se, não a partir da data em que o facto tributário ocorreu, mas a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto»; e que «tendo em conta que o efeito extintivo do direito à liquidação do IVA é o decurso do "inteiro" prazo de caducidade e não a ocorrência do seu "dies a quo", a nova redacção do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária é aplicável ao prazo em curso, atento ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil».
O acórdão fundamenta-se no seguinte:
Entendemos pois que à determinação do termo inicial de contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação de IVA relativo a Fevereiro e Junho de 2002 se aplica o disposto no n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, não se consubstanciando tal aplicação numa aplicação retroactiva daquela disposição legal, pois que o facto extintivo do direito a liquidar não é instantâneo, ao contrário do alegado (cfr. conclusão 2.ª das alegações de recurso), uma vez que o efeito extintivo do direito de liquidar apenas opera no termo do prazo e este estava ainda em curso à data da entrada em vigor da lei nova.
Ora, na lição de BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpress., Coimbra, Almedina, 2002, p. 235), «(…) nada impede que a lei nova se aplique a factos passados que ela assume como pressupostos impeditivos ou desimpeditivos (isto é, como pressupostos negativos ou positivos) relativamente à questão da validade ou admissibilidade da situação jurídica, questão essa que é da sua exclusiva competência”».
E continua o insigne Mestre, a páginas 242/243, «tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou situação jurídica, se tal prazo ainda se encontrava em curso no momento do início de vigência da lei nova, é porque tal situação jurídica ainda não se encontrava constituída (ou extinta) neste momento. Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova».
Assim, aceite o pressuposto de que não é o início do prazo de caducidade, mas o seu integral decurso, o facto extintivo do direito à liquidação do tributo por parte da administração fiscal, pressuposto que nos parece inquestionável, impõe-se a conclusão, por aplicação da regra contida na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil e no artigo 12.º n.º 1 da Lei Geral Tributária, de que a nova redacção do preceito é aplicável aos caso dos autos (prazos de caducidade do IVA relativo a Fevereiro e Junho de 2002)”.
Em nossa opinião, as regras de validade geral sobre os conflitos de leis no tempo, constantes dos artigos 12º, 13º e 297º do Ccv, não resolvem directamente o problema da aplicação da lei nova que, sem alterar o prazo de caducidade, altera o momento inicial da sua contagem, retardando ou antecipando, relativamente ao da lei antiga, o momento a partir do qual esse prazo começa a correr.
A jurisprudência referida e a recorrente partem da mesma regra do nº 2 do artigo 12º do CCV, chegando, porém, a posições diferentes: aquela, fundamentando-se em que «o facto extintivo do direito a liquidar não é instantâneo», aplica a nova lei; este, considerando que «o facto que determina o início da contagem de um prazo é um evento instantâneo», aplica a lei antiga, uma vez que na data da nova lei já se tinha verificado.
É verdade que no momento em que entrou em vigor a nova lei já tinha ocorrido o «termo inicial» do prazo de caducidade, sendo certo que a nova lei não alterou o prazo, mas apenas o momento inicial a partir do qual ele começa a correr. Ora, se esse momento já ocorreu, poderia defender-se que a lei nova não atinge factos passados e por conseguinte deveria aplicar-se a lei antiga, à luz do que se dispõe no artigo 12º.
Mas o problema é resolvido por Baptista Machado através da aplicação analógica da regra contida no nº 2 do artigo 297º do Ccv e não através da aplicação da parte final do nº 2 do artigo 12º.
Na obra “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, Baptista Machado resolve esta questão nos seguintes termos: «quanto a este problema defende Roubier que a lei que retarda o momento inicial da prescrição deve ser tratada como uma lei que alonga o respectivo prazo – pelo que o dito prazo se deverá contar do ponto de partida estabelecido na nova lei; e que a lei que antecipa o momento inicial da prescrição deve ser tratada como uma lei que abrevia o respectivo prazo – pelo que o prazo em questão deverá ser contado a partir da entrada em vigor da LN se, por este modo, ele vier a sofrer um encurtamento, e de acordo com a LA, a partir do momento inicial fixado por esta lei, na hipótese contrária. Cremos serem perfeitamente defensáveis, com base na analogia, estas soluções. E não valerá alegar-se, contra a solução dada à primeira hipótese, que se faz aplicação da LN a um facto passado ao retardar-se, de acordo com ela, o momento inicial da prescrição; pois que também da solução contida no nº 2 do art. 297º se poderia dizer, como vimos, que ela representa uma aplicação da LN a factos passados» (cfr. ob cit. pág. 165).
Vista à luz desta doutrina, também aplicável aos prazos de caducidade, a nova redacção dada ao nº 4 do artigo 45º da LGT pela Lei nº 32-B/2002 é de aplicação imediata aos prazos em curso, porque, ao alterar o momento inicial da contagem do prazo, deve ser tratada como uma lei que alonga o prazo de caducidade. Assim sendo, não é necessário sequer determinar se a nova lei é ou não interpretativa, como defendo o Ministério Público, pois sempre seria de aplicação imediata ao prazo em curso.
3.2 Quanto à questão da «anualização» das liquidações de IVA dos anos de 2000 e 2001, a recorrente considera que, não se referindo tais liquidações a acertos anuais de pro rata, mas sim a correcções às liquidações mensais de IVA, por errada aplicação do método pro rata, deveriam tais liquidações serem mensais e não anualizadas. Como as liquidações impugnadas são anuais, houve violação das regras de apuramento mensal do IVA impostas pelos artigos 7º, 8º, 22º, e 40º do CIVA.
Não há dúvida que, pelas disposições indicadas, o IVA é um imposto liquidado e pago num determinado período que, conforme o volume de negócios, tanto pode ser mensal como trimestral. Como decorre dos artigos 19º e ss. do CIVA, na redacção vigente à data da prática dos actos impugnados, a dívida de imposto é dada pela diferença entre o montante que resulta da aplicação da taxa ao valor das vendas ou serviços prestados, durante determinado período, e o montante de imposto suportado nas aquisições efectuadas no mesmo período.
Feitas as deduções e apurado o imposto, o sujeito passivo entrega o respectivo montante, simultaneamente, com a declaração periódica. Nos termos dos artigos 26º nº 1 e 40º do CIVA, o “período de declaração” e o correspondente “prazo de pagamento”, variam consoante a dimensão da empresa: a declaração e o respectivo pagamento devem ser enviados aos serviços centrais da DGCI até ao dia 10 do segundo mês seguinte àquele a que respeitem as operações, se o volume de negócios for igual ou superior a € 498,797,89 (actualmente é de €650,000); se inferior a esse valor, o envio da declaração e do respectivo pagamento deverá efectuar-se até ao dia 15 do segundo mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitem as operações.
Em princípio, a autoliquidação do IVA tem carácter definitivo, e por conseguinte, o regime de periodicidade mensal ou trimestral deve ser respeitado. Mas em determinadas situações, as deduções efectuadas pelo sujeito passivo podem ser alteradas, como acontece nos casos previstos nos artigos 23º e 71º do CIVA (actual art. 78º).
Havendo erros materiais ou de cálculo, quer no registo de operações, quer nas declarações periódicas, a correcção dos mesmos será obrigatória se resultar imposto a favor do Estado e facultativa se resultar imposto a favor do sujeito passivo, podendo ser efectuada no prazo de 2 anos, que no caso do exercício do direito à dedução será contado a partir do nascimento do respectivo direito (cfr. nº 6 do art. 71º).
No caso dos sujeitos passivos mistos, isto é, aqueles que realizam operações tributáveis e operações isentas, em que se gera um direito à dedução parcial, dispõe o artigo 23º do CIVA que a determinação do imposto dedutível pode ser efectuada de duas formas ou métodos: o método da percentagem de dedução ou da dedução pro rata, nos termos do qual o imposto suportado nas aquisições confere o direito à dedução proporcional ao valor anual das operações tributáveis e isentas com direito a dedução relativamente ao volume de negócios total; e o método da afectação real, que consiste na separação contabilística das aquisições de bens afectos ao sector dedutível das afectas ao sector isento, deduzindo apenas o imposto suportado pelas primeiras.
Nestas situações, as deduções efectuadas pelos sujeitos passivos no período correspondente são calculadas “provisoriamente” com base no montante das operações realizadas no ano anterior ou em critérios objectivos inicialmente utilizados para a aplicação do método de afectação real (nº 6 do art. 23º do CIVA). Como as deduções efectuadas em cada período baseiam-se no “pro rata provisório”, que é o pro rata definitivo do ano anterior, as deduções são necessariamente provisórias e por isso devem ser regularizadas quando for apurada a nova percentagem de dedução definitiva.
A sentença recorrida considerou que, uma vez que a recorrente se encontrava sujeita à disciplina do artigo 23º do CIVA (aplicação do método pro rata na dedução do IVA), deveria ter efectuado o cálculo do pro rata definitivo nas autoliquidações de IVA de Dezembro de 2000 e de Dezembro de 2001. Como não procedeu a essa regularização, as liquidações impugnadas anualizadas, reportadas a Dezembro de cada ano, não violam as regras do apuramento do imposto.
A recorrente diz que existe tal violação, porque as liquidações impugnadas não se referem a acertos de pro rata (de provisório para definitivo) indevidamente efectuados, mas a cálculos de pro rata (mesmo provisórios) indevidamente não efectuados no período mensal de imposto que corresponde aos factos tributários em causa e por isso mesmo a correcção das liquidações deveria ser efectuada mês a mês e não anualmente.
Como se verifica no “Relatório da Inspecção Tributária”, as liquidações impugnadas assentam em regularizações anuais por cálculo do pro rata definitivo dos anos 2000, 2001 e 2002. Na fiscalização efectuada à recorrente, a administração tributária constatou inexactidões na aplicação dos critérios do artigo 23º do CIVA, designadamente o seguinte: «o sujeito passivo utilizou a percentagem de dedução – pro rata – de 77% no ano de 2000, 30% no ano de 2001 apenas para as despesas comuns a toda a actividade e afectação real – 100% - nas operações directamente ligadas à realização das feiras nacionais e internacionais e aquisições imobiliárias. Contudo, a regra a aplicar deveria ser a constante do nº 1 do artigo 23º do CIVA, ou seja, a percentagem de dedução pro rata – para toda a actividade, uma vez que perante os factos acima expostos a afectação real não lhe é permitida».
Perante tal erro, os serviços de inspecção determinaram, para os referidos anos, a percentagem de dedução – pro rata definitivo – de forma a apurar o IVA dedutível em cada período de imposto, e em função dessa percentagem, que foi de 31% para o ano 2000, 27% para o ano 2001 e 33% para o ano de 2002, procederam às correcções meramente aritméticas aos valores deduzidos pela recorrente nas declarações periódicas, imputando a diferença à declaração de Dezembro de cada ano.
Ora, como o valor de referência para a correcção aritmética a fazer em cada declaração mensal de IVA foi o pro rata definitivo, que é determinado pelo «montante anual» das operações que dêem lugar a dedução (cf. al. b) do nº 1 e nº 4 do art. 23º do CIVA), a liquidação adicional impugnada teria que ser anualizada e não mensualizada, como pretende a recorrente. É que as autoliquidações mensais ou trimestrais de IVA são efectuadas com base no pro rata provisório, que é calculado com base no montante das operações realizadas no ano anterior, quando é certo que as correcções efectuadas assentaram nas operações dedutíveis do próprio ano em que ocorrem os factos tributários. Neste caso, quer as correcções sejam efectuadas pelo sujeito passivo quer pela administração tributária, pelo nº 6 do art. 23º do CIVA, elas são sempre imputadas à declaração do último período do ano a que respeitam. Desta norma resulta pois que as deduções efectuadas com base no pro rata definitivo devem ser regularizadas anualmente.
Seja como for, não se encontra no CIVA qualquer obstáculo à liquidação anual do imposto ou de juros compensatórios por iniciativa da administração tributária decorrente da regularização das deduções indevidamente realizadas. As regras de apuramento mensal ou trimestral do IVA, referidas pela recorrente, ou seja, os artigos 7º, 8º, 22º, e 40º do CIVA, impõem obrigações tributárias ao sujeito passivo, mas não impedem a liquidação adicional anual com base em inexactidões ou omissões praticadas em várias declarações periódicas do mesmo ano.
Neste caso, o valor anual da liquidação adicional representa apenas a soma das diferenças decorrentes da rectificação das declarações periódicas desse ano. A liquidação adicional não revoga as autoliquidações mensais, que mantêm todos os efeitos, mas apenas «adiciona-lhe» o excedente ou a diferença que não foi previamente objecto de declaração. É evidente que não lhe adiciona o valor anual, mas apenas a parte que nesse valor corresponde à rectificação efectuada na declaração periódica. Mas, sendo o acto tributário divisível, “tanto por natureza como na própria expressão legal” (cfr. acs. do STA de 26/3/2003, rec. nº 01973/02 e de 4/5/2011, rec. nº 021/11), a liquidação adicional anual pode ser dividida em tantas quantas as rectificações mensais efectuadas. Apesar de formalmente unitária, a liquidação adicional anual contém assim tantos actos tributários quantas as correcções efectuadas às declarações periódicas.
O CIVA, em concretização do princípio da praticabilidade, aponta no sentido da «anualização da liquidação», quando prescreve no artigo 88º- A (actual art. 95º) que as «liquidações referidas nos artigos 82º e 83º (actuais arts. 87º e 88º) podem ser agregadas por anos civis num único documento de cobrança». Com esta norma, o legislador pretende que a liquidação adicional ou oficiosa do IVA não se circunscreva ao período em causa, podendo abranger “anos civis” num único documento de cobrança. Ou seja, o imposto em falta de um, dois, ou mais anos de exercício pode ser incluído num só documento de cobrança. Ora, esta norma deve ser interpretada como contendo implicitamente uma autorização para agregar numa única liquidação o imposto devido nos 12 meses ou nos quatros trimestres do respectivo ano, pois, ao reportar a agregação às liquidações de anos civis, pressupõe na anualização da liquidação do IVA.
Como se vê dos Mapas I e II anexos ao relatório da inspecção tributária, foram feitas correcções relativamente a cada um dos meses dos anos de 2000 e 2001, imputando-se a soma das diferenças mensais ao mês de Dezembro, de que resultou uma liquidação adicional anual. Pelo que acabou de se referir, não há impedimento legal ao apuramento do imposto em dívida através dessa forma.
3.3. Por fim, a recorrente não se conforma com a sentença recorrida na parte que não reconheceu existir a ilegalidade imputada às liquidações de juros compensatórios, continuando a defender que há falta de fundamentação por (i) não divisar o “percurso cognitivo ou aritmético” que conduziu ao seu cálculo, uma vez que, enquanto a liquidação do IVA do ano de 2001 é anual, a liquidação dos juros são mensais e (ii) porque nenhum “juízo de culpabilidade” da recorrente é aduzido no relatório de inspecção.
A sentença conheceu apenas deste último fundamento, mas em nenhum deles a recorrente tem razão.
As liquidações dos juros compensatórios nºs 04299618 a 04299628, de 14/9/2004, relativas ao ano de 2001, incidem sobre o montante de imposto em dívida em cada um dos meses desse ano e que consta do Mapa II anexo ao relatório. Apesar da liquidação adicional incidir sobre a soma das diferenças a favor do Estado detectadas em cada um dos meses desse ano, um contribuinte “normal ou razoável” não tem qualquer dificuldade em ajuizar a razão de ser do cálculo de tais juros. As liquidações expõem com suficiente clareza as normas e os motivos pelas quais são devidos os juros e o respectivo montante. Em cada uma das liquidações diz-se o seguinte: «juros compensatórios liquidados nos termos dos artigos 89º do Código do IVA e 35º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo», mencionando-se de seguida o imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juros, a taxa aplicável e o valor dos juros em dívida. Por conseguinte, na sua dimensão formal, tais liquidações contêm os elementos informativos capazes e suficientes para dar a conhecer o “iter cognoscitivo e valorativo” que esteve na base da decisão tomada pela administração fiscal.
Também não padece de qualquer censura o juízo que se faz na sentença sobre a imputabilidade dos juros à recorrente. Com efeito, como consta do relatório de inspecção, nos anos de 2000, 2001 e 2003 a recorrente calculou erradamente a percentagem de dedução mensal do IVA, erro só a ela imputado e que teve efeitos prejudiciais na esfera patrimonial do Estado, na medida em que permitiu deduzir mensalmente quantias superiores às legalmente devidas.
Da conjugação dos artigos 35º da LGT e do artigo 89º do CIVA (actual 96º) resulta que são pressupostos da liquidação de juros compensatórios: (i) a existência de um atraso na efectivação da liquidação; (ii) e a imputabilidade desse atraso à actuação do contribuinte.
A jurisprudência inclina-se maioritariamente para atribuir um carácter puramente civil à responsabilidade por juros compensatórios, o que pressupõe (i) a verificação de um nexo de causalidade adequada entre o retardamento da liquidação e a actuação do contribuinte; (ii) a formulação de um juízo de censura, a titulo de dolo ou de negligência, à sua actuação, consistindo a culpa na omissão reprovável de um dever de diligência que se afere em abstracto, segundo o critério do bom pai de família.
Ora, no caso concreto, o atraso na liquidação mensal do IVA resultou da aplicação defeituosa das regras do artigo 23º do CIVA que a recorrente fez nos anos de 2000, 2001 e 2002, errando no cálculo do pro rata e na utilização do método de afectação real. A recorrente admite tal erro, mas não fornece qualquer explicação para o mesmo, nem estando sequer demonstrado que o atraso se deveu a qualquer divergência com a administração tributária na interpretação e aplicação das normas daquele artigo. Não há assim qualquer elemento que possa desculpabilizar o erro e excluir o juízo de censurabilidade no seu cometimento. Ainda que se tivesse perante uma situação de desconhecimento ou imperfeito conhecimento da realidade ou da lei, do sujeito passivo de IVA espera-se sempre que actue com conhecimento das regras fiscais que lhe são aplicadas. E se tal não aconteceu, é porque há omissão da diligência exigível na preparação dos serviços da recorrente para autoliquidarem devidamente o imposto ou, em caso de dúvida, pedirem informações à administração fiscal sobre o método correcto de apurar o imposto. O que não poderia fazer era deduzir mensalmente o imposto em quantia superior à devida, aguardando que algum dia a inspecção tributária detectasse o erro.
Conclui-se, pois, que não existe fundamento para afastar a imputabilidade do retardamento da liquidação à recorrente, pelo que devem ser considerados como verificados os pressupostos de aplicação de juros compensatórios consagrados no artigo 35º da LGT.
4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 08 de Fevereiro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Casimiro Gonçalves (voto a decisão com a declaração anexa) – Ascensão Lopes.

Declaração: No que respeita à questão da aplicação imediata do nº4 do artº 45º da LGT (na redacção introduzida pelo artº 43º da Lei nº32-B/2002, de 30/02) afigura-se-me que tal aplicação imediata resulta, desde logo, do disposto no artº 12º da LGT e no nº2 do artº12 do C. Civil, de acordo com a fundamentação constante do ac. do STA, de 07.09.2011, rec. nº 461/11 (entre muitos outros).
Joaquim Casimiro Gonçalves.