Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01525/15
Data do Acordão:01/07/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:VENDA
EXECUÇÃO FISCAL
DEPÓSITO DO PREÇO
Sumário:O pedido formulado pelo adquirente de um imóvel em venda ocorrida na execução fiscal, para depósito do preço nos termos do disposto no artigo 256º, n.º 1, al. f) do CPPT, não dá origem a um procedimento tributário, antes se configurando como um incidente do próprio processo de execução fiscal em que o órgão de execução actua despido da sua veste de credor, sem funções tributárias, antes desenvolvendo a actividade própria de órgão auxiliar e colaborador operacional do Juiz.
Nº Convencional:JSTA00069497
Nº do Documento:SA22016010701525
Data de Entrada:11/23/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPC13 ART5 N3 ART3 N3 ART590 N4 N5.
CPPTRIB99 ART125 N1 ART121 N2 ART124 N2 B ART256 N1 F ART276.
LGT98 ART60 ART3 N2 ART103 ART54 N1 H.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC059/12 DE 2012/02/23.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
A Fazenda Pública, inconformada, recorre da sentença proferida pelo TAF de Lisboa, datada de 16/07/2015, que julgou procedente a presente reclamação de decisão do órgão de execução fiscal que A………….., havia intentado contra o acto proferido pelo Chefe do serviço de Finanças de Loures 3, datado de 03/03/2015, que indeferiu o seu requerimento do pagamento de preço do imóvel adquirido em venda executiva nos termos do disposto no artigo 256º, al. f) do CPPT.

Concluiu nos seguintes termos:
I- Da leitura da sentença recorrida constata-se que a mesma padece de vício de excesso de pronúncia, que causa a nulidade da sentença (artigo 125.°, n.º 1, do CPPT) e na justa medida que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido.
II- Vem a reclamante apresentar nos termos do artigo 276.° do CPPT, reclamação judicial do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Loures 3, alegando como fundamentos que foi atribuído em leilão eletrónico o direito de adjudicação do prédio urbano (melhor identificado nos autos) tendo sido notificada em 29/12/2014.
III- Manifestando o seu interesse por carta registada em 13/01/2015 (conforme Doc. 2), requerendo o pagamento de 1/3 juntamente com as guias do IMT e o IS e conforme resulta da alínea f) do n.º 1 do artigo 256.° CPPT, o restante preço do imóvel 2/3 ficaria para à posteriori, cujo prazo que a lei concede é de 8 meses.
IV- Requerimento que foi alvo de indeferimento por parte do Chefe do Serviço de Finanças de Loures 3, por não conter qualquer fundamento que justificasse a dilação do pagamento, como está claramente expresso na referida alínea, visto ser uma exceção à regra geral do n.º 1 do art. 256.° do CPPT, alínea e).
V- Sobre esta temática vem a reclamante apresentar uma reclamação do acto do órgão de execução fiscal, referindo que a decisão da Administração Fiscal é inválida por se basear na falta de esclarecimento e que carece de contraditório, pelo que termina solicitando a revogação do despacho e emissão de um despacho de aperfeiçoamento para que possa corrigir a falta.
VI- Em nenhum momento foi citado o artigo 60.° da Lei Geral Tributária (LGT) fazendo apenas uma mera alusão ao princípio de participação dos sujeitos passivos, mas contudo não perdendo o objecto da emanação de um despacho de aperfeiçoamento.
VII- Sobre este mote, há que fazer o seguinte itinerário, estamos no âmbito processual da execução fiscal que reveste natureza judicial (art.103.º da LGT) e o factor tempo apresenta-se como elemento determinante, sendo este o entendimento unanime, as normas processuais aplicáveis ao processo de execução não contemplam a necessidade de obter a colaboração do interessado na formação da decisão e que se compreende na medida em que as características deste processo, em face do fim que prossegue, que se relacionam com a arrecadação coerciva das dívidas ao Estado donde emerge a inerente celeridade.
VIII- Como já referido em sede de contestação estando a demanda delimitada pelo pedido e pela causa de pedir e não constando no petitório qualquer imputação de vícios concretos ao despacho proferido, deve o mesmo ser mantido.
IX- Na verdade a reclamação nada diz, nem tão pouco alega factos concretos que logrem demonstrar do direito que pretende arrogar.
X- Isto é, o ónus da prova de tudo quanto a reclamante alega, a esta cabe apontar de acordo com o vertido no artigo 342.° do CC.
XI- Sendo esta a matéria dos presentes autos, desconhece-se o motivo pelo qual a sentença proferida se prendeu com a apreciação do direito de audição e sobre o princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões, quando, na realidade, a reclamante é terceira no processo e pretende corrigir desta forma regras que se encontram bem explicitas na Lei, que se impõe a ambas as partes.
XII- Não existindo, ao contrário do que visa transpor a sentença proferida, qualquer discricionariedade na actividade do Serviço de Finanças e no despacho proferido pelo Chefe.
XIII- Além do mais acresce o facto de que caso a reclamante pretendesse que o Tribunal se substituísse na decisão do Chefe do Serviço de Finanças, no mínimo justificava o motivo da dilação do pagamento por 8 meses conforme prescreve a Lei.
XIV- Nada dizendo, sobre o que pretende expor no referido despacho de aperfeiçoamento que quer ver imposto ao órgão de execução fiscal.
XV- Elucida a douta sentença que a questão de Direito a dirimir na presente acção, prende-se com a legalidade do despacho de indeferimento do pedido de pagamento/depósito do valor da aquisição do imóvel vendido na execução de forma diferida.
XVI - Deste modo, carece de total fundamento, quer o requerimento intentado, quer a presente reclamação do 276.° do CPPT.
XVII- Compete ao órgão de execução fiscal, findo o leilão, proceder à aceitação da proposta de maior valor e determinar o pagamento por parte do proponente, de acordo com as regras que se lhe impõe, não existindo nesta prática de actos qualquer lugar ao despacho de aperfeiçoamento, que a ora reclamante vem requerer ao Tribunal, sem contudo, e como já referido em sede de contestação, não suscitar ao órgão de execução fiscal, aparecendo aqui ex novo.
XVIII- Defendemos que perante a natureza do processo de execução fiscal não ser de cariz administrativo, porque nos termos do artigo 103.º da LGT ser lhe conferida uma natureza judicial, não existindo a aplicabilidade pretendida pela reclamante, devendo nestes termos ser considerado para além do excesso de pronuncia, erro de julgamento.
XIX- Na justa medida que não foi notificada à Fazenda Pública qualquer parecer do Ministério Publico para nos pronunciarmos sobre o direito de audição do artigo 60.º da LGT, consubstanciando uma preterição ao princípio do contraditório inquinando a douta sentença proferida pelo tribunal "a quo" de nulidade insanável.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por Acórdão que declare a Reclamação improcedente.

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
…Além do mais a recorrente assaca à sentença recorrida o vício formal de excesso de pronúncia.
Vejamos.
Existe excesso de pronúncia quando o Tribunal emite pronúncia sobre questões sobre as quais não se pode pronunciar.
Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou de direito sobre que existem divergências, formuladas com base em alegadas razões de facto e de direito (acórdão do STA, de 29 de Abril de 2008, recurso n.º 18150, AP-DR, de 2001.11.30, página 1311).
Nos termos do disposto no artigo 608.º/1 do NCPC a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, sendo certo que nos termos do número 2 o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excepto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
O Tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o conhecimento oficioso de outras (artigo 608.º/2 do CPC), sob pena de nulidade por excesso de pronúncia.
Nos termos do estatuído no artigo 615.º/1/ d) do CPC a sentença é nula quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Ora, a recorrida nos artigos 11.° e 12.° da sua petição e 4.° das conclusões da reclamação do acto da autoridade tributária, expressamente, assaca ao acto sindicado o vício de forma, por omissão de audição prévia, nos termos do artigo 60.° da LGT.
É certo que a recorrida, na conclusão 4.ª da sua petição de reclamação, sustenta quer a AT deveria ter proferido um despacho de aperfeiçoamento do requerimento, como resulta do princípio da participação dos sujeitos passivos e demais interessados para com a Administração fiscal, mas tal, a nosso ver, não contende com o facto de ter sido, expressamente, suscitada a questão da omissão do exercício do direito de audição prévia, no qual a recorrida poderia fundamentar a sua pretensão de depósito de parte do preço, obrigando-se à entrega da parte restante no prazo legal.
Portanto, a decisão recorrida conheceu de questão, expressamente, suscitada pela recorrida pelo que, a nosso ver, não ocorre a arguida nulidade por excesso de pronúncia.
Como resulta do probatório, a recorrida requereu o depósito parcial de parte do preço devido pela adjudicação de bem, não inferior a um terço, obrigando-se à entrega do restante no prazo máximo de oito meses, ao abrigo do disposto no artigo 256.º/1/f) do CPPT, pretensão indeferida por falta de fundamento legal.
A questão controvertida consiste, pois, em saber se a Administração Fiscal, antes de indeferir a pretensão da recorrida, deveria ter dado ao recorrido a possibilidade de exercer o direito de audição prévia, nos termos do estatuído no artigo 60º/1/b) da LGT.
Nos termos do estatuído no artigo 103º/1 da LGT, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da Administração Tributária participar nos actos que não tenham natureza jurisdicional.
Nos termos do número 2 do citado normativo os interessados podem reclamar para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da Administração Tributária.
Portanto, a Administração Tributária no âmbito do processo de execução fiscal pratica actos materialmente administrativos.
Enquanto processo com natureza judicial, todos os actos praticados na execução fiscal pelos sujeitos processuais estão submetidos às regras processuais que regulam o processo tributário e, subsidiariamente às normas do CPC, ex vi do artigo 2º/e) do CPPT.
Só não será assim, embora não seja pacífico, quando no processo é enxertado um procedimento administrativo (como, v. g. o da dispensa de prestação de garantia e o pagamento em prestações da obrigação exequenda) em que a Administração Tributária actua no exercício da sua função tributária, praticando actos materialmente administrativos em matéria tributária (Acórdãos do STA de 2012.05.09-P. 0708/12, de 2012.05.23-P. 0288/13 e do PLENO da SCT, de 2014.01.22-P.0441/13 disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt).
No sentido de que o pedido de pagamento em, prestações gera um verdadeiro procedimento administrativo, aplicando-se as regras próprias de tal procedimento, sem prejuízo da aplicação da sua especificidade que é a impugnação contenciosa se fazer através da reclamação prevista no artigo 276.º do CPPT, também, Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, III volume, página 409.
Só a estes procedimentos haverá que aplicar os princípios gerais regulamentadores da actividade administrativa e as normas da LGT aplicáveis ao procedimento tributário, designadamente as normas constantes do artigo 60.º da LGT.
A nosso ver e ressalvado melhor juízo, o pedido de depósito de apenas parte do preço da venda, nos termos do disposto no artigo 256.º/1/f) do CPPT não gera um verdadeiro procedimento administrativo/tributário enxertado no processo de execução fiscal, nomeadamente enquadrável no artigo 54.º/1/ h) da LGT, como sustenta a sentença recorrida, uma vez que a obrigação de pagamento do preço não é uma obrigação tributária mas sim uma obrigação civil, actuando a AT enquanto entidade competente para cobrar coercivamente as dívidas em processo de execução fiscal, com respeito pelos respectivos normativos processuais, praticando actos, predominantemente, processuais ou de trâmite que não tenham natureza jurisdicional.
Na verdade, o artigo 54.º/1/h) da LGT reporta-se ao procedimento de cobrança voluntária dos impostos, regulado nos respectivos códigos, sendo que o de cobrança dos impostos sobre o rendimento está pormenorizadamente regulado no DL 492/88, de 30 de Dezembro (Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 2015, Almedina, José Maria Fernandes Pires [Coordenador], Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Meneses, página 566).
O pedido de pagamento de apenas parte do preço do bem adjudicado, com protelamento de pagamento até 8 meses da parte restante, consubstancia antes um incidente inominado do processo de execução fiscal, sendo certo que o despacho sindicado da autoridade tributária que indefere tal incidente consubstancia um acto predominantemente processual ou de trâmite praticado no processo judicial de execução fiscal.
É à recorrida, que pretende depositar, apenas, parte do preço da venda do bem, que incumbe o ónus da prova dos pressupostos de que depende tal possibilidade, e uma vez que a regra é o depósito da totalidade do preço (artigo 256.°/1/e) do CPPT), deveria aquela apresentar requerimento fundamentado, nos termos da alínea f) do mencionado artigo.
Sendo o processo de execução fiscal de natureza judicial, as regras aplicáveis em matéria de ónus da prova são as previstas no CC, designadamente, as que constam dos seus arts. 342.° e 344.°.
As regras básicas em matéria de ónus da prova, que constam do art. 342.° do CC são as de que «aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (n.º 1), que «a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita» (n.º 2) e que «em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito» (n.º 3).
No art. 344.° do CC estabelecem-se as situações em que, excepcionalmente, se afastam aquelas regras do art. 342.° que são «quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine» e «quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado».
Ora, a recorrida não alegou qualquer facto que pudesse fundamentar o depósito de, apenas, parte do preço por via da adjudicação do bem nem indicou qualquer meio de prova que pudesse sustentar tal direito.
Assim sendo, salvo melhor juízo, parece-nos que a AT não tinha o dever legal de proferir despacho de aperfeiçoamento do requerimento da recorrida.
Na verdade, a recorrida não alegou qualquer facto que pudesse fundamentar o depósito de, apenas, parte do preço da adjudicação, pelo que, em nosso entendimento, não poderia a AT, no processo judicial de execução fiscal, no exercício do princípio do inquisitório estatuído nos artigos 13.° do CPPT, 99.° da LGT e 411.° do CPC, ordenar a notificação da interessada para juntar elementos de prova que reputasse com interesse para a decisão da questão.
Realce-se, mais uma vez, que a recorrida não indicou qualquer facto susceptível de fundamentar a possibilidade de depositar, apenas, parte do preço com protelamento do pagamento da parte restante no prazo máximo de 8 meses.
A sentença recorrida, a nosso ver, merece censura.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso e revogar-se a sentença recorrida, mantendo-se na ordem jurídica a decisão da autoridade tributária.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A. A Oponente, A……………, tomou conhecimento por carta registada com aviso de receção que foi assinado em 30/12/2014, de que foi aceite a sua proposta de compra do prédio urbano correspondente ao artigo 2892 da freguesia e concelho de Loures, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º 2595, levada a efeito no âmbito dos processos executivos n.º 3158201101087118 e 3158201101092120;
B. Da carta a que supra nos referimos consta a seguinte informação: "(…)
Na venda n.º 3158.2013.84 por leilão electrónico o proponente da proposta de maior valor não efectuou o depósito do preço não cumprindo o estipulado nas alíneas e) e f) do art. 256.º do CPPT.
Nos termos do art.825° CPC, foi proferido despacho a determinar que se procedesse à adjudicação do bem ao proponente que apresentou a proposta de valor imediatamente inferior.
Desse modo, foi aceite a vossa proposta no valor de € 128.888,88 (cento e vinte e oito mil, oitocentos e oitenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos). Assim, fica notificada para, no prazo de 15 dias, informar este Serviço de Finanças de Loures 3 do interesse e solicitar a guia para depósito daquele valor, bem como guia para pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e Imposto de Selo (IS).
(...)
C. Em 14/01/2015 a reclamante dirigiu-se ao Serviço de Finanças de Loures 3, dando conta da manutenção do seu interesse na aquisição do bem licitado e pede a emissão das guias para pagamento/deposito de 1/3 do valor da aquisição, ficando o restante pagamento para à posteriori dentro do prazo que a lei concede, que é de até 8 meses, tempo este para a libertação da restante quantia a pagar 2/3 (dois terços). Pede ainda as guias para pagamento do IMT e IS;
D. Em 03/03/2015 foi proferido pelo Chefe do serviço de Finanças de Loures 3, o despacho que a seguir parcialmente se transcreve:
“Vem o proponente- A…………., NIF ……….. com um incidente processual solicitar a aplicação da alínea f) do artigo 256.º do CPPT em relação à venda 3158-2013-84 ocorrida no Processo de Execução Fiscal n.º 315820110108711.8 e Aps.; Cumpre apreciar e decidir se, efectivamente as questões levantadas pelo requerente são motivo ou não para que tal pedido mereça deferimento;
1. A referida alínea do artigo 256.º do CPPT, tem a seguinte redacção:
Nas aquisições de valor superior a 500 vezes a unidade de conta, mediante requerimento fundamentado do adquirente, entregue no prazo máximo de cinco dias a contar da decisão de adjudicação, pode ser autorizado o depósito, no prazo referido na alínea anterior, de apenas parte do preço, não inferior a um terço, obrigando-se à entrega da parte restante no prazo máximo de oito meses;
2. Sendo bem patente que o previsto nesta alínea é a excepção ao regime regra previsto na alínea c) do mesmo artigo, i.e., por norma o adquirente deve proceder ao depósito da TOTALIDADE do preço;
3. Sendo um regime de excepção à regra tudo deve ser feito para que se cumpram todos os formalismos legais;
4. Porque a Lei assim o não determina a autorização solicitada não é de carácter automático devendo ser concedida pela análise da argumentação e respectivos meios probatórios que a proponente deveria ter feito juntada de modo a habilitar o signatário da bondade da concessão dessa autorização;
5. ASSIM NÃO AUTORIZO O DEPÓSITO DE 1/3 DO VALOR DA VENDA E O PAGAMENTO DOS RESTANTES 2/3 NO PRAZO MÁXIMO DE 8 MESES;
6. Nos mesmos termos e aplicando o regime regra de depósito do valor do preço (128.888.00 €) deve no prazo de 5 dias contados a partir da data de notificação proceder a esse mesmo depósito;”;
E. A aqui Reclamante tomou conhecimento do teor desta decisão por carta registada com aviso de receção que foi assinado em 15/04/2015 - cfr. fls. 191/192 do PEF nº 3158201101087118 aqui em anexo;
F. A presente Reclamação foi apresentada em 22/04/2015.
Factos não provados:
Dos autos não resulta provado que à Reclamante tenha sido dada a oportunidade de se pronunciar sobre o sentido da decisão em conflito, ou que lhe tenham sido solicitadas quaisquer elementos de prova da situação de exceção a que se refere o despacho de indeferimento do pedido aqui em conflito.
Nada mais se levou ao probatório.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.

Quanto às nulidades da sentença recorrida decorrentes do excesso de pronúncia -conclusão I- artigo 125º, n.º 1, “in fine” do CPPT e da omissão de notificação do parecer do Ministério Público -conclusão XIX-, artigo 3º, n.º 3 do NCPC, violação do princípio do contraditório.

Como bem refere o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos, a sentença recorrida ao conhecer da questão da falta de audição prévia não extravasou do âmbito das questões de que lhe competia conhecer uma vez que tal questão vem expressamente suscitada no artigo 11º da petição inicial destes autos.
Aí se refere de forma expressa e cristalina que “O bom serviço e bom senso que se impunha era o de o Exmo. Senhor Chefe de Finanças dar à Reclamante o exercício do direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições.”.
A qualificação jurídica dada pela Reclamante a tal “omissão” é irrelevante para efeitos de julgamento da causa uma vez que incumbe ao juiz dizer o direito nos termos do disposto no artigo 5º, n.º 3 do NCPC.
Ou seja, vindo alegada a ilegalidade formal decorrente do direito de omissão do direito de audição prévia, não poderia o juiz deixar de se pronunciar quanto à mesma pelo facto de ter sido invocada norma que não se lhe refere directamente, pelo que, não ocorre a nulidade da sentença que vinha invocada e, em consequência, também não ocorre a violação do princípio do contraditório, decorrente da não notificação do parecer do Ministério Público, uma vez que este se pronunciou sobre uma questão que já havia sido arguida pela Reclamante na petição inicial e sobre a qual a Fazenda Pública teve oportunidade de exercer o contraditório em momento oportuno (o parecer do Ministério Público, cfr. artigo 14º, n.º 2, do CPPT, deve ser notificado às partes quando seja suscitada questão nova, de mérito, cfr. artigo 124º, n.º 2, al. b) do CPPT, ou questão nova que obste ao conhecimento do pedido, cfr. artigo 121º, n.º 2 do CPPT e artigo 3º, n.º 3 do NCPC).

Quanto ao mérito da causa.
Tal como bem identifica o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos, a questão controvertida consiste em saber se a Administração Fiscal antes de indeferir a pretensão da recorrida -do pagamento do preço da venda em execução fiscal nos termos do disposto no artigo 256º, n.º 1, alínea f) do CPPT-, deveria ter dado à recorrida a possibilidade de exercer o direito de audição prévia, nos termos do estatuído no artigo 60º, n.º1, al. b) da LGT, bem como se deveria ter convidado a requerente a proceder ao aperfeiçoamento do requerimento apresentado.

Dispõe aquele artigo 256º, n.º 1, al. f) do CPPT que, nas aquisições de valor superior a 500 vezes a unidade de conta, mediante requerimento fundamentado do adquirente, entregue no prazo máximo de cinco dias a contar da decisão de adjudicação, pode ser autorizado o depósito, no prazo referido na alínea anterior, de apenas parte do preço, não inferior a um terço, obrigando-se à entrega da parte restante no prazo máximo de oito meses.
Na sentença recorrida concluiu-se que se impunha dar lugar à audição prévia uma vez que o acto era enquadrável no disposto no artigo 54º, n.º 1, al. h) da LGT (O procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente, a cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial).
Também é certo que se concluiu na sentença recorrida que “A questão de saber se os atos praticados no âmbito do processo de execução configuram ou não atos administrativos tem sido muito discutida nos nossos tribunais com a jurisprudência a tender pela negativa atento o cariz judicial do processo de execução fiscal e pela possibilidade de supervisão conferida ao Tribunal Tributário no artigo 276.º do CPPT.
Ora o ato em conflito não pode ser considerado como ato administrativo atento que não foi praticado ao abrigo de normas de direito público.
Na verdade estamos perante um ato de compra e venda regulado pelo direito privado, sendo que está em causa o modo de depósito do preço.
Mas também é verdade que o ato foi praticado pelo órgão de execução fiscal, no âmbito das suas funções publicas com o fim de produzir efeitos numa situação individual e concreta, mas sempre com o objectivo de proceder à cobrança da divida.”.

Dispõe o artigo 103º, n.º 1 da LGT que, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional.
Não há dúvida que o pagamento do preço da compra efectuada no âmbito da execução fiscal não tem natureza de obrigação tributária, cfr. artigo 3º, n.º 2 da LGT, não se trata, portanto, de uma dívida tributária, nem o seu não pagamento dá origem a uma dívida tributária, tal como definida pelos princípios e regras de direito tributário.
Equivalendo o depósito do preço da compra, a que alude o artigo 256º, n.º 1, als. e) e f), do CPPT, ao efectivo pagamento do preço, trata-se claramente de um acto que incumbe ao comprador no âmbito de um processo judicial e em decorrência de actos praticados dentro desse mesmo processo judicial pela entidade com competência para o efeito.
Ou seja, é ao órgão de execução fiscal que incumbe anunciar a venda, realizar e presidir às formalidades da mesma e emitir os documentos necessários a que a mesma se complete. A sua intervenção nunca se reconduz a uma actuação enquanto órgão ou entidade no desempenho de funções administrativas e tributárias [o órgão da Execução que instaura, conduz e tramita a execução fiscal constitui um sujeito processual que age como interlocutor no diálogo processual, “substituindo” o juiz e praticando nele todos os actos que, não contendendo com qualquer composição de interesses, sejam legalmente necessários para a obtenção do fim a que o processo se destina. E a competência que detém o processo não brota, em princípio, da função tributária exercida pela Administração Fiscal nem emana de um poder de autotutela executiva da Administração, resultando, antes, de uma competência que a lei lhe confere para intervir no processo judicial como órgão auxiliar ou colaborador operacional do Juiz. Razão por que, todos os actos inscritos no procedimento processual pelos sujeitos processuais (partes, mandatários, órgão da execução, funcionários, juiz) estão submetidos a estritas regras processuais, que encontram previsão nas normas que regulam o processo tributário e, subsidiariamente, nas normas inscritas no CPC por força do disposto no artigo 2°, alínea e), do CPPT, cfr. acórdão deste STA, datado de 23/02/2012, proc. n.º 059/12].
Tal como vem legalmente desenhada a possibilidade de o comprador requerer a dilação do depósito do preço, ou seja, do pagamento do preço do imóvel por si adquirido, cfr. artigo 256º, n.º 1, al. f) do CPPT, não há dúvida que se trata de um incidente do próprio processo judicial de execução fiscal, não se trata de um procedimento administrativo no qual tenham que intervir as entidades administrativas e fiscais. O órgão de execução não actua no âmbito deste incidente no exercício da sua função tributária, agindo sobre uma relação jurídica tributária, limita-se a actuar no âmbito da tramitação própria da venda em execução fiscal, no que toca ao efectivo recebimento do preço.
Além disso, neste preceito legal não se prevê que o requerimento formulado pelo interessado dê origem a um procedimento administrativo/tributário, trata-se, tal como nos restantes processos judiciais, de um pedido formulado ao órgão de execução que o decidirá em face dos fundamentos de facto invocados e das normas legais que o regulam.
Sendo mesmo um incidente de tramitação célere que deve ser decidido no prazo de depósito do preço a que alude a alínea e) do mesmo preceito legal.
E, assim sendo, não faz qualquer sentido que se imponha ao órgão de execução fiscal que previamente à sua decisão cumpra uma regra própria do procedimento tributário, cfr. artigo 60º da LGT, a sua actuação está apenas sujeita às regras previstas no CPPT e no CPC, não se prevendo aí que se ouça os interessados em momento prévio à prolação da decisão (apenas há lugar ao cumprimento do princípio do contraditório, cfr. artigo 3º, n.º 3 do CPC, que não se confunde com o direito de audição prévia).

Igualmente não incumbia ao órgão de execução fiscal convidar a requerente a aperfeiçoar o seu requerimento.
Na verdade, dispondo o artigo 256º, n.º 1, al. f) do CPPT que, nas aquisições de valor superior a 500 vezes a unidade de conta, mediante requerimento fundamentado do adquirente, entregue no prazo máximo de cinco dias a contar da decisão de adjudicação, pode ser autorizado o depósito, no prazo referido na alínea anterior, de apenas parte do preço, não inferior a um terço, obrigando-se à entrega da parte restante no prazo máximo de oito meses e não tendo o requerente apresentado qualquer fundamento ou razão para que lhe fosse concedida tal faculdade, não teria o órgão de execução fiscal que formular qualquer convite ao aperfeiçoamento.
Atenta a regra geral sobre o ónus da prova constante do art. 342º do CCivil, é sobre o requerente que impende o ónus de provar os pressupostos de que depende a dilação do pagamento do preço, o que se verifica, e verificou, é que o recorrente não só não apresentou ou sugeriu qualquer meio de prova em ordem a demonstrar a factualidade concreta da qual se pudesse concluir pela justeza da sua pretensão, como nem sequer alegou qualquer factualidade concreta que a justificasse.
Por outro lado, apesar do indeferimento por parte do órgão de execução fiscal, o recorrente continuou a não alegar quaisquer factos ou a juntar nesta reclamação qualquer elemento probatório relativamente à sua situação concreta.
Efectivamente, um eventual convite ao aperfeiçoamento implicaria que o requerimento no tocante à sua fundamentação contivesse insuficiências ou imprecisões, de modo a que pudesse ser completado ou corrigido, cfr. “analogicamente” o artigo 590º, n.ºs. 4 e 5 do CPC, o que não é o caso.
O requerimento apresentado pela recorrida não contém a alegação da factualidade mínima (de qualquer factualidade) para que se possa considerar o mesmo carecido de completude ou correcção, a omissão total dos fundamentos do pedido apenas pode determinar o indeferimento do requerimento e não a sua correcção.
Podemos, assim, concluir pelo provimento do recurso e pela improcedência da reclamação.

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
-conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida;
-julgar improcedente a reclamação apresentada pela recorrida.
Sem custas neste Supremo tribunal e na instância pela reclamante.
D.n.
Lisboa, 7 de Janeiro de 2016. – Aragão Seia (relator) – Casimiro GonçalvesFrancisco Rothes.