Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01058/11
Data do Acordão:04/26/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
FALSIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO
NULIDADE DE CITAÇÃO
PRAZO DISCIPLINAR
Sumário:I – O eventual incumprimento do prazo constante do nº 1 do art. 188º do CPPT não inquina de nulidade o acto de citação e também não constitui fundamento de oposição à execução fiscal.
II – A falsidade do título executivo a que se refere a al. c) do nº 1 do art. 204º do CPPT, enquanto fundamento válido de oposição à execução fiscal, é tão só a falsidade material do próprio título, a sua eventual desconformidade com o original, e não a eventual falsidade intelectual ou ideológica porventura traduzida na atestada desconformidade entre a realidade e o teor do título executivo.
Não cabe em tal fundamento de oposição a invocação da falsidade do título executivo por alegada não verificação dos pressupostos fácticos considerados pela entidade exequente na liquidação da taxa exequenda, de cuja falta de pagamento voluntário resultou a emissão do título executivo.
Nº Convencional:JSTA00067554
Nº do Documento:SA22012042601058
Data de Entrada:11/24/2011
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:INSTITUTO DA VINHA E DO VINHO, IP
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO
Legislação Nacional:CPC96 ART198 N1 N2 ART493 N2 ART668
CCIV66 ART371 N1 ART372 N1 N2
CPPTRIB99 ART14 ART121 N1 ART124 N2 B ART125 N1 ART188 N1 ART204 N1 ART276 ART99
LGT98 ART49 N1
CPTRIB91 ART34 N3
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1145/11 DE 2012/03/28; AC STA PROC662/11 DE 2011/11/16; AC STAPLENO PROC803/04 DE 2007/02/28; AC STAPLENO PROC430/08 DE 2008/11/19; AC STA PROC825/05 DE 2006/11/22; AC STA PROC1119/11 DE 2012/03/21
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A……, Lda., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, julgou totalmente improcedente a oposição à execução fiscal contra si instaurada, por dívidas ao Instituto da Vinha e do Vinho, respeitantes a taxas de promoção e juros de mora, no montante de € 74.668,75.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a oposição à execução, por erro na forma de processo e fundamento manifestamente improcedente, não tendo sido, alegadamente, invocado nenhum dos fundamentos elencados no nº. 1 do artigo 204.º do CPPT.
B. A pretensão de oposição à execução da A…… respeita o elenco taxativo do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, bem como a pretensão por si deduzida tem viabilidade e concludência, razão pela qual não é manifesta a sua improcedência.
C. Os vícios de ilegalidade da dívida exequenda que fundamentam a apresentação de oposição à execução aparecem exemplificados nas diferentes alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, sendo certo que, por forma a não violar o princípio constitucional de acesso ao Direito e aos tribunais, o legislador consagrou, na última dessas alíneas, um fundamento de carácter residual em que serão enquadráveis todas as situações que, não correspondendo a nenhum dos fundamentos elencados nas alíneas que o antecedem, não envolva a apreciação da legalidade da dívida exequenda, sendo provados apenas por documento.
D. Na petição de oposição à execução foram invocados, em suma e entre outros, os seguintes vícios: (i) a citação da executada fora do prazo estipulado no n.º 1 do artigo 188.º do CPPT; (ii) a falsidade do título executivo que subjaz aos presentes autos de execução.
E. O primeiro dos vícios apontados pela A…… na sua petição de oposição é enquadrável, precisamente, na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
F. O desrespeito do prazo previsto no n.º 1 do artigo 188.º do CPPT, consubstancia um fundamento que não envolve a apreciação da legalidade da liquidação da quantia exequenda, nem representa interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que emitiu o título, sendo provado, simplesmente, a partir de documento, sendo certo que afecta a eficácia do acto de citação e consequente exigibilidade da dívida exequenda.
G. A falsidade do título executivo é expressamente enquadrável numa das alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, em concreto, na respectiva alínea c).
H. Nos presentes autos ocorre uma desconformidade entre o título executivo e a base fáctico-documental que este exprime, que pode influir nos termos da execução.
I. Ao julgar que, in casu, se verifica fundamento manifestamente improcedente e erro na forma de processo, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 204.º, n.º 1, alíneas c) e i) do CPPT.
Termos em que deverá o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida.

1.3. O Recorrido, Instituto da Vinha e do Vinho, IP, apresentou contra-alegações, formulando as conclusões seguintes:
A) A ora Recorrente requereu ao Tribunal que declarasse extinto o processo de execução fiscal n.º 2704 2009 01009974, instaurado no serviço de finanças de Viseu para cobrança coerciva de € 73.734,46 devidos ao IVV alegando, entre outros vícios, a falsidade do título executivo.
B) A sentença recorrida indeferiu acertadamente aquela pretensão, considerando que «a petição inicial de oposição à execução fiscal deveria ter sido alvo de rejeição liminar por ‘não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º, e, ou, de ser ‘manifesta a improcedência’ – nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do citado artigo 209.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário» – cfr. sentença recorrida (cit.).
C) O alegado atraso na instauração da execução em desrespeito pelo artigo 188.º, n.º 1 do CPPT tem natureza meramente disciplinar, pelo que não é susceptível de inquinar a respectiva citação de nulidade.
D) A nulidade da citação implica, nos termos do disposto no artigo 198.º, n.º 1 do CPC, que não tenham sido observadas as formalidades previstas na lei.
E) Das formalidades exigidas para a citação, minuciosamente discriminadas nos artigos 190.º e 163.º do CPPT, não consta o respeito pelo referido prazo de 24 horas, de carácter meramente ordenador para os serviços competentes, indicado no artigo 188.º do CPPT, pelo que a alegação da ora Recorrente não tem qualquer apoio na letra da Lei Fiscal.
F) De acordo com a legislação aplicável, a taxa de promoção deve ser paga até ao último dia do mês seguinte àquele em que a taxa se torna exigível, mediante o preenchimento e entrega mensal no IVV do impresso de autoliquidação, aprovado pelo próprio IVV, o impresso Modelo 98 (cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 119/97, de 15 de Maio).
G) É a Recorrente – e não o IVV, ora Recorrido – quem autoliquida e procede ao pagamento das taxas de promoção devidas ao IVV nos termos legais, declarando, no impresso Modelo 98, qual a natureza a natureza dos produtos vínicos que produz/comercializa para efeitos da determinação da taxa aplicável.
H) Sendo a declaração, liquidação e pagamento dos tributos em apreço da inteira responsabilidade da ora Recorrente, se as afirmações constantes do título executivo são falsas (designadamente quanto à categoria dos produtos sujeitos ou isentos da taxa de promoção), deve-o a ora Recorrente às suas próprias declarações, já que o IVV se limitou a constatar os valores em dívida por esta inscritos nos impressos de autoliquidação que entregou.
I) Como tem entendido a jurisprudência dos Tribunais superiores «a falsidade do título executivo, fundamento de oposição à execução fiscal vertido na alínea c) do n.º 1 do artigo 204º do CPPT, é a que decorre da discrepância entre o título executivo e os conhecimentos ou outros instrumentos de cobrança que nele se diz estarem-lhe subjacentes» (Acórdão do STA de 13 de Janeiro de 2010, proferido no recurso nº 0667/09).
J) In casu, os valores em dívida foram apurados relativamente aos impressos modelo 98 emitidos pela Recorrente, nos meses de Dezembro de 2008 a Fevereiro de 2009 (cfr. doc. n.º 2 junto à contestação), pelo que inexiste qualquer desconformidade entre o teor do título executivo e a base fáctico-documental cuja atestação nele se exprime, pelo que se tem por respeitado o disposto no artigo 372.º, n.º 2 do CC.
K) Ainda que assim não se entendesse, nos termos do artigo 204.º, n.º 1, alínea c) do CPPT, só é fundamento de oposição à execução a falsidade do título executivo «quando possa influir nos termos da execução» a qual deverá ser aferida «em função da actuação da entidade que dirige o processo de execução fiscal deve desenvolver (como, por exemplo, o montante dos bens a penhorar)» devendo ainda ser apreciada «na perspectiva do executado e as possibilidades que a lei lhe confere, de forma a entender-se que tal influência ocorre sempre que possam ser afectados os seus direitos de defesa (por exemplo, a indicação errada da proveniência da dívida, que pode afectar a possibilidade de serem invocados fundamentos de oposição à execução, como estar paga a obrigação tributária, estar prescrita ou haver duplicação de colecta», o que não sucede in casu - cfr. Jorge Lopes de Sousa, (Lisboa, 2007), Código de Procedimento e de Processo Tributário, II Volume, p. 358, (cit.).
L) É notória a inexistência de fundamento para a dedução da presente oposição, pelo que a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser mantida.
Termos em que a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser mantida no que respeita ao indeferimento da pretensão da Recorrente em ver extinto o processo de execução fiscal em que é executada, com as demais consequências legais.

1.4. O MP emite Parecer nos seguintes termos:
«FUNDAMENTAÇÃO
1. A alegada nulidade da citação (no caso concreto por inobservância do prazo legal para proferimento de despacho de instauração da execução no título executivo - art. 188º nº 1 CPPT) não constitui fundamento de oposição à execução; deve ser arguida no prazo da oposição perante o órgão da execução fiscal, sendo eventual decisão desfavorável susceptível de reclamação para o tribunal tributário (art. 198º nºs. 1 /2 CPC, art. 276º CPPT/acórdãos STA Pleno SCT 28.02.2007 processo nº 803/04; 19.11.2008 processo nº 430/08; 17.12.2008 processo nº 364/08, 6.05.2009 processo nº 632/08; 24.02.2010 processo nº 923/08/Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 5ª edição 2007 Volume II p. 270).
Sem embargo, o prazo inobservado é meramente ordenador ou disciplinar, não inquinando de nulidade o acto de citação.
2. A falsidade do título executivo relevante como fundamento de oposição é a que resulta da desconformidade entre o teor do título e a base fáctico-documental cuja atestação nele se exprime, as divergências entre o teor do título executivo e os conhecimentos ou outros instrumentos de cobrança que nele se referem lhe estarem subjacentes, por serem esses os factos em relação aos quais ele tem força probatória plena, por poderem ser apercebidos pela entidade emissora (arts. 371º, nº 1, e 372º, nºs 1 e 2, Código Civil).
Estará, assim, fora do conceito de falsidade a eventual divergência entre o teor do título e os factos que não são objecto da percepção da entidade emitente (cf. Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 5ª edição 2007 Volume II p. 357)
No caso concreto a recorrente, sob invocação da falsidade do título executivo, discorda da verificação dos pressupostos fácticos considerados pelo Instituto da Vinha e do Vinho na liquidação da taxa de promoção, de cuja falta de pagamento voluntário resultou a emissão do título executivo.
Esta discordância interessa à discussão da legalidade do acto tributário, cujo meio processual adequado é a impugnação judicial, a deduzir na sequência da notificação da recorrente para o citado pagamento voluntário (cf. petição arts. 23º e sgs. certidão fls. 31/32; art. 99º CPPT)
3. Rigorosamente, a invocação de causas de pedir consistentes em factos que não se subsumem a fundamentos legais de oposição à execução tem como consequência jurídica a absolvição da Fazenda Pública da instância (como se declara no segmento final do discurso jurídico, em contradição como a declaração de improcedência constante do dispositivo da sentença) e não a improcedência da oposição, a qual supõe o conhecimento do mérito da causa (art. 493º nº 2 CPC/art. 2º al. e) CPPT).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão declaratório da absolvição da Fazenda Publica da instância.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2.1. A sentença não especifica autonomamente matéria de facto.
Todavia, tal especificação também não se mostra necessária, face aos termos da decisão e aos respectivos fundamentos (não ter sido alegado nenhum dos fundamentos de oposição admitidos na lei – no art. 204º do CPPT – pois que relativamente aos alegados fundamentos consubstanciados na nulidade da citação, na nulidade do título, na nulidade do acto executivo e na falta de requisitos essenciais do título ocorre erro na forma do processo e quanto ao fundamento alegadamente consubstanciado na falsidade do título, o mesmo não se reconduz à falsidade prevista na al c) do nº 1 do art. 204º do CPPT).
Com efeito a oposição veio a ser julgada improcedente com a fundamentação que, em síntese, é a seguinte:
1) Ocorre erro na forma de processo quanto aos invocados fundamentos relativos:
a) à nulidade da citação por não ter sido cumprido o disposto no art. 188º CPPT;
b) à nulidade do título executivo por dever ter sido aplicado o disposto no DL nº 99/97 de 26/4, do qual se retira a exclusão da competência do Presidente do IVV para cobrar taxas;
c) à nulidade do acto executivo, por não se encontrarem preenchidos os requisitos previstos no art. 148º, nº 2, al. a) do CPPT, nomeadamente a existência de acto administrativo válido e eficaz, até porque o acto contido na notificação aludida no titulo executivo é invalido e foi já objecto de impugnação judicial, a correr termos no TAF de Viseu;
d) à falta de requisitos essenciais do título executivo, concretamente os requisitos de exigibilidade, certeza, exequibilidade e liquidez, porquanto não foi indicada até quando foram calculados os juros vencidos, nem indica qualquer data para o cálculo dos juros vincendos.
2) Quanto ao fundamento atinente à alegada falsidade do título executivo, nos termos do disposto no nº 2 do art. 372º do CC, não é o mesmo subsumível ao fundamento de oposição previsto na al. c) do nº 1 do art. 204º do CPPT, ou seja, não se reconduz ao “tipo de falsidade” que a lei prevê como fundamento de oposição à execução fiscal.

2.2. Do assim decidido discorda a recorrente delimitando, porém, o recurso, como resulta das respectivas Conclusões (cfr. nomeadamente a Conclusão D) à invocação de erro de julgamento, por parte da sentença, no que respeita às questões relativas:
- à nulidade da citação da executada em desrespeito do prazo estipulado no nº 1 do art. 188º do CPPT;
- à falsidade do título executivo que subjaz aos presentes autos de execução.
E estas são, portanto, as questões a decidir no presente recurso.

3. Previamente, importa, contudo, referir desde já que embora no douto Parecer do MP se conclua que o recurso não merece provimento, mas, apesar disso, a sentença deve ser revogada e substituída por acórdão declaratório da absolvição da Fazenda Publica da instância, dado que a invocação de causas de pedir consistentes em factos que não se subsumem a fundamentos legais de oposição à execução tem como consequência jurídica a absolvição da Fazenda Pública da instância (como se declara no segmento final do discurso jurídico, em contradição como a declaração de improcedência constante do dispositivo da sentença) e não a improcedência da oposição, a qual supõe o conhecimento do mérito da causa (art. 493º nº 2 do CPC, subsidiariamente aplicável), não se vê que tal questão deva ser apreciada.
Com efeito, embora à luz do disposto no art. 14º do CPPT a intervenção do MP, em defesa da legalidade, possa abranger a pronúncia sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo (art. 121°, n° 1, do CPPT), arguir novos vícios do acto impugnado [al. b) do n° 2 do art. 124° do CPPT], bem como a possibilidade de suscitar a regularização da petição, excepções, arguir nulidades, suscitar questões que obstem ao conhecimento do pedido e requerer a realização de diligências, não se nos afigura que a referida pronúncia constante do nº 3 do dito Parecer se possa reconduzir à alegação de nulidade da sentença, nomeadamente por contradição entre os fundamentos e a decisão (nº 1 do art. 125º do CPPT e al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC).
É certo, por outro lado, que o erro na forma de processo (cfr. art. 199º do CPC), consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão e que a ocorrência, ou não, do mesmo deve aferir-se face ao pedido (pretensão) formulado na acção. Ou seja, a correcção ou incorrecção do meio processual utilizado pelo autor «afere-se pela pretensão de tutela jurisdicional que o mesmo pretende atingir; e a chamada inadequação ou inidoneidade do meio processual utilizado consiste, precisamente, na discrepância ou desarmonia entre a espécie processual de que se lançou mão e o propósito que, com ela, processualmente se visava atingir» (ac. do STA, de 28/3/12, rec. nº 01145/11).
E visando a oposição à execução fiscal, em regra, a extinção (total ou parcial) dessa mesma execução fiscal (em regra, uma vez que a oposição pode também ter por finalidade a suspensão da execução – nos casos em que a exigibilidade da dívida está temporariamente suspensa), no caso, atentando na petição inicial da oposição e no pedido nela formulado a final, constata-se que a oponente pede que «sejam julgadas procedentes as nulidades suscitadas e/ou (caso assim não se entenda), declarar que o presente título executivo enferma de falsidade, com influência nos termos da execução, tudo nos termos e para os efeitos dispostos no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as demais consequências legais, designadamente a extinção da execução».
Ora pedindo-se, embora em termos consequenciais, também a extinção da execução e sendo, em abstracto, a falsidade do título, uma causa de pedir que pode constituir fundamento válido de oposição, à luz do disposto na al. c) do nº 1 do art. 204º do CPPT, a não verificação dos factos integradores dessa causa de pedir sempre haveria de levar à improcedência da oposição, como, aliás, consta do dispositivo da sentença.

4. Vejamos, portanto, as questões suscitadas pela recorrente.
4.1. Quanto à questão da nulidade da citação da executada em desrespeito do prazo estipulado no nº 1 do art. 188º do CPPT.
A sentença entendeu que o prazo de 24 horas, previsto no n° 1 do art. 188° do CPPT, para ordenar a citação do executado, assume natureza meramente disciplinar, pelo que não pode a oponente dele lançar mão para obter a nulidade da citação.
Diferentemente, no entender da recorrente tal nulidade consubstancia um vício enquadrável na al. i) do nº 1 do art. 204º do CPPT, por se reconduzir a um fundamento que não envolve a apreciação da legalidade da liquidação da quantia exequenda, nem representa interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que emitiu o título, sendo provado, simplesmente, a partir de documento, e sendo certo que afecta a eficácia do acto de citação e consequente exigibilidade da dívida exequenda), pelo que, assim sendo, a sentença enferma nesta parte de erro de julgamento ao considerar que a oponente não podia dele lançar mão de tal dispositivo legal para obter a nulidade da citação.
Não se sufraga, porém, este entendimento.
O invocado nº 1 do art. 188º do CPPT dispõe o seguinte:
«1. Instaurada a execução, mediante despacho a lavrar no ou nos respectivos títulos executivos ou em relação destes, no prazo de vinte e quatro horas após o recebimento e efectuado o competente registo, o órgão da execução fiscal ordenará a citação do executado».
Ora, da leitura da norma ressalta claramente que o que não se fixa aqui qualquer prazo para a realização da citação. O que aí se prevê é um prazo para instaurar a execução e ordenar a citação.
Daí que, ao invés do entendimento sustentado pela recorrente, o eventual desrespeito do prazo previsto neste normativo, não consubstancia fundamento de oposição à execução fiscal, não afectando a eficácia do acto de citação e, consequente, a exigibilidade da dívida exequenda.
Tal como diz a sentença, aquele prazo (24 horas) tem natureza ordenadora e disciplinar, sendo que, como salienta o Cons. Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, anotação 4 ao art. 188º, pp. 359/360) o «não cumprimento deste prazo, se feito deliberadamente com o intuito de atrasar o processo de execução fiscal, poderá fazer incorrer os responsáveis pelo mesmo em responsabilidade subsidiária, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 161º do CPPT. No entanto, este despacho, que constitui o momento da instauração da execução, não tem actualmente o relevo que tinha no domínio de vigência do CPT, pois o momento da instauração da execução não é, à face da LGT, um facto interruptivo da prescrição da obrigação tributária, como acontecia naquele Código (arts. 49°, nº 1, da LGT e 34°, nº 3, do CPT).»
Assim, como se escreve no ac. deste STA, de 16/11/2011, rec. nº 0662/11, a ultrapassagem de tal prazo, por si só, «não tem qualquer efeito sobre a dívida, não implicando, nomeadamente, a sua extinção. A fixação daquele prazo tem exclusivamente a ver com a celeridade que se pretende para a execução fiscal (Celeridade que decorre da natureza das dívidas em cobrança na execução fiscal, …onde avulta a finalidade de arrecadação dos dinheiros públicos provenientes do sistema fiscal, destinados à satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e à repartição justa dos rendimentos e da riqueza (artigo 103º, nº 1, da Constituição) e não assume relevância nem como causa de extinção, nem sequer de suspensão, da execução fiscal. O que significa que nunca o desrespeito por esse prazo poderia erigir-se em fundamento de oposição à execução fiscal.
A Oponente sustenta tese contrária, de que a violação desse prazo constitui fundamento de oposição à execução fiscal subsumível à alínea i) do nº 1 do art. 204º do CPPT. Manifestamente, não é assim. Pese embora o carácter residual desta alínea, à sombra da mesma só podem acolher-se situações que de algum modo se repercutam sobre a obrigação exequenda, extinguindo-a ou modificando-a o afectando a sua exigibilidade, o que, como vimos, não é o caso.
Assim, porque nunca a oposição à execução fiscal poderia proceder tal fundamento na violação do prazo fixado no art. 188º, nº 1, do CPPT, o referido fundamento improcede» (no mesmo sentido, cfr., ainda, o ac. de 21/3/2012, rec. nº 01119/11, em que estava em causa situação em tudo idêntica à dos presentes autos, e cuja fundamentação, estamos a seguir de perto).
Ao contrário, portanto, do alegado pela recorrente, a arguida nulidade da citação (no caso concreto por inobservância do prazo legal para proferimento de despacho de instauração da execução no título executivo - art. 188º nº 1 CPPT) não consubstancia fundamento de oposição à execução fiscal, não afectando a eficácia do acto de citação e consequente exigibilidade da dívida exequenda, sendo que, ainda que de nulidade se pudesse tratar, sempre teria que ser invocada, no prazo da oposição, perante o órgão da execução fiscal, sendo eventual decisão desfavorável susceptível de reclamação para o tribunal tributário (cfr. os nºs. 1 e 2 do art. 198º do CPC e o art. 276º do CPPT, bem como os arestos referenciados pelo MP, todos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA: acs. de 28/2/2007, rec. nº 803/04; de 19/11/2008, rec. nº 430/08; de 17/12/2008, rec. nº 364/08; de 6/5/2009, rec. nº 632/2008 e de 24/2/2010, rec. nº 923/08).
E, assim, não podendo tal alegação constituir fundamento de oposição (pois que o objecto desta é, essencialmente, a extinção da execução, e a nulidade da citação não conduz a essa extinção), não pode o recurso proceder nesta parte.

4.2. Quanto à questão da falsidade do título executivo
4.2.1. A este respeito, a sentença considera que este fundamento atinente à alegada falsidade do título executivo, nos termos do disposto no nº 2 do art. 372º do CC, é manifestamente improcedente, por a falsidade alegada pela oponente não se subsumir ao fundamento de oposição previsto na al. c) do nº 1 do art. 204º do CPPT, ou seja, não ser o “tipo de falsidade” que a lei prevê como fundamento de oposição à execução fiscal.
Isto porque a falsidade aqui apontada é a material e ocorre quando o documento apresentado (o título executivo) revelar uma alteração em sua materialidade, discordante do original. E se é esta a única falsidade relevante como fundamento da oposição, está afastada a falsidade ideológica ou intelectual, porque é vedado, neste meio processual, pôr em causa se a dívida exequenda foi ou não legalmente liquidada, sendo ponto assente que na oposição não pode deduzir-se verdade dos factos nem conteúdo das declarações. Sabendo que título executivo é igual à certidão, o desconcerto entre este e o original certificado, aponta para a falsidade.
Mas no caso sub judicio não se alega sequer que a certidão de dívida, a titular execução fiscal em causa, sofra de alguma discordância entre os seus termos e o teor do acto administrativo subjacente. Na verdade, a oponente, não alega qualquer viciação material ou ideológica do título, por modo a torná-lo desconforme com a substância do acto administrativo que esse título se destina a documentar para efeitos de execução fiscal. E de todo o modo, não é este “tipo de falsidade” que a lei prevê como fundamento de oposição à execução fiscal.
Por seu lado, a recorrente alega que, como invocou na PI da oposição, o título executivo emanado do IVV atesta como tendo sido objecto da sua percepção factos que na realidade não o foram, que de parte alguma do processo administrativo é lícito retirar a conclusão constante do título executivo segundo a qual o vinho em causa foi movimentado sem ter sido paga a taxa de promoção devida ao IVV e que não há no processo administrativo qualquer evidência de que o vinho em causa tenha sido comercializado com destino a consumo, o que origina, ao menos, a dúvida fundada sobre se não se trata, conforme a oponente afirma, de vinho expedido para o mercado único como matéria prima.
Vejamos.

4.2.2. A al. c) do nº 1 do art. 204º do CPPT dispõe, efectivamente, que constitui fundamento de oposição à execução fiscal a falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução.
Porém, esta falsidade consiste, na desconformidade do conteúdo do título face à realidade certificada, não sendo falso o título que reflecte correctamente o suporte de onde foi extraído, ainda que o conteúdo desse suporte seja, porventura, inverídico. Ou seja, a falsidade do título executivo a que se refere o citado normativo legal, enquanto fundamento válido de oposição à execução fiscal, é tão só a falsidade material do próprio título, a sua eventual desconformidade com o original, e não a eventual falsidade intelectual ou ideológica porventura traduzida na atestada desconformidade entre a realidade e o teor do título executivo.
Este fundamento de oposição não deve, portanto, confundir-se com a inveracidade dos pressupostos de facto da liquidação.
«A falsidade do título executivo, que se refere nesta alínea c) como fundamento de oposição à execução, é, segundo o entendimento que vem sendo feito pela jurisprudência do STA, apenas a que resulta da desconformidade entre o título executivo e os conhecimentos ou outros instrumentos de cobrança que nele se referem lhe estarem subjacentes, por serem esses os factos em relação aos quais ele tem força probatória plena, por poderem ser apercebidos pela entidade emissora (arts. 371º, nº 1, e 372º, nºs. 1 e 2, do Código Civil).
Estará, assim, fora do conceito de falsidade a eventual divergência entre o teor do título e factos que não são objecto da percepção da entidade emitente.
A divergência entre o conteúdo do título e os referidos instrumentos que são a sua base fáctica, para além dos casos em que a entidade emitente não relata fielmente os factos de que se apercebe, poderá resultar também da falta de genuinidade do título (falsidade material), designadamente por o título não ter sido emitido por quem nele é indicado como emitente, ou por ter ocorrido alteração do conteúdo de um título originariamente genuíno, por aditamento, supressão ou substituição do seu teor levada a cabo por quem não é o seu emitente (Jorge Sousa, in CPPT anotado, Vol. II, págs. 357 e 358).
Neste sentido, podem ver-se, entre outros, os acórdãos desta Secção do STA de 15/1/03, in rec. nº 1.696/02; de 4/6/03, in rec. nº 596/03 e de 22/11/06, in rec. nº 825/05).» (acs. deste STA, de 16/11/2011, rec. nº 0662/11 e de 21/3/2012, rec. nº 01119/11, supra mencionados).
Ora, no caso dos autos, o que a recorrente vem dizer é que não existe dívida porque não existe prova de que o vinho tenha sido comercializado com destino ao consumo.
Matéria e factualidade que, todavia, têm a ver com a inexistência de facto tributário, ou seja, com ilegalidade que, a verificar-se, deve ser invocada em sede de impugnação judicial. Isto é, como bem salienta o MP, a recorrente, sob invocação da falsidade do título executivo, articula factos que consubstanciam apenas discordância na verificação dos pressupostos fácticos considerados pelo IVV na liquidação da taxa de promoção, de cuja falta de pagamento voluntário resultou a emissão do título em execução. Só que, esta discordância interessa à discussão da legalidade do acto tributário, cujo meio processual adequado é a impugnação judicial, a deduzir na sequência da notificação da recorrente para o citado pagamento voluntário (cfr. os arts. 23º e ss. da PI, a certidão de fls. 31/32 e o art. 99º do CPPT).
Ora, apesar de a al. h) do nº 1 do invocado art. 204º do CPPT possibilitar que a legalidade em concreto da liquidação se aprecie também em sede de oposição, tal possibilidade está limitada aos casos em que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, o que não é, manifestamente, o caso dos autos.
Mas, no caso, dado que não estamos perante nenhuma situação subsumível àqueles requisitos, está afastada a possibilidade de se considerar demonstrada, nos termos em que a recorrente a objectiva e representa, a falsidade do título executivo.
Neste contexto, e porque a apreciação da divergência invocada tem a ver com a legalidade da liquidação da dívida exequenda, só podendo ser apreciada em oposição à execução fiscal no âmbito de aplicação das als. a) e g) do nº 1 do art. 204º do CPPT, nas situações em tal discussão é possível e não na referida al. c), bem andou a sentença recorrida ao concluir nesse sentido.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida, embora com a presente e em parte diferente fundamentação.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 26 de Abril de 2012. – Casimiro Gonçalves (relator) – Ascensão Lopes – Dulce Neto.