Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01310/12
Data do Acordão:04/17/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:GASÓLEO
FRANQUIA POR PERDAS
ARMAZENAGEM DE MERCADORIA
Sumário:I – O CIEC, aprovado pelo DL nº 599/99, de 22 de dezembro, não previa franquias por perdas de produtos energéticos e petrolíferos na armazenagem e já introduzidos no consumo, mas apenas em suspensão de imposto.
II – Se o varejo foi efetuado com varas de sonda da própria impugnante e que esta usava na sua atividade comercial, não pode a decisão recorrida concluir e decidir que as mesmas não propiciavam uma medição rigorosa por não estarem devidamente aferidas ou calibradas, tanto mais que este facto não consta do probatório.
Nº Convencional:JSTA000P15585
Nº do Documento:SA22013041701310
Data de Entrada:11/27/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – O representante da Fazenda Publica, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela A……………., Lda. melhor identificada nos autos, contra a liquidação oficiosa de imposto sobre os produtos petrolíferos nº 2009/9006073 de 22 de dezembro de 2009 e respetivos juros no montante total de 2,277,54, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

a) A douta Sentença sustenta a procedência da impugnação considerando ter ocorrido perdas do gasóleo existente nos depósitos decorrente da volatilidade inerente ao produto, de não se ter apurado a que temperatura se encontrava o gasóleo e ainda no facto das varas de sonda utilizadas na medição aquando da realização do Varejo terem reduzidas ou nula fiabilidade.

b) Com o devido respeito pela opinião em contrário, defende-se que tal fundamentação deve ser recusada, pois a Sentença consagra um entendimento que viola o Direito.

c) Na empresa A……………. Lda foi realizado um Varejo onde se apurou que, entre 01/01/2007 e 06/08/2009, a empresa em causa vendeu 5.401,91 litros de gasóleo colorido e marcado, sem efetuar o correspondente registo informático no POS respetivo, o que originou que originou uma dívida de € 1.571,89, após retificação.

d) A equipa de fiscalização elaborou um Relatório que teve por base a análise da atividade da empresa no que diz respeito ao produto gasóleo colorido e marcado e que assentou sempre no mesmo critério: os elementos recolhidos junto da entidade fiscalizada e a informação fornecida pela Direção-Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (DGADR).

e) O produto em causa - gasóleo colorido e marcado - no momento da fiscalização já estava introduzido no consumo, logo ao considerar que ocorreram perdas por força da volatilidade violou a douta sentença a Lei, pois o CIEC não contém norma alguma que refira perdas de mercadorias fora do regime previsto nos artigos 37 a 40, inexistindo qualquer suporte legal para aceitar as diferenças verificadas mas já ocorridas após a introdução no consumo

f) Resulta do Varejo que, no posto da Zona Industrial se verificou uma sequência de meses onde não existe volatilidade ou qualquer outra razão para ocorrer diferenças entre os valores contabilizados como venda e o registado nos point of sale (POS), tendo em junho de 2007 surgido uma situação irregular, ou seja, vendas não registadas no POS; ao invés, no posto da B…………… já se verificam diferenças em todos os meses, constatando-se que por vezes há registos no terminal POS de quantidades inferiores às vendidas, outras vezes registos de quantidades superiores às vendidas.

g) Os resultados apurados na ação de fiscalização, quer no posto da Zona Industrial quer do posto da B………….., tem origem exclusivamente na conduta irregular da ora recorrida, que se traduz em vendas não registadas no POS, contrariando o previsto na Lei.

h) O artº. 74º, n.º 5° do CIEC impõe que o gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido por titulares do cartão micro-circuito instituído para efeitos de controle da sua afetação ao destino legal, tendo a Portaria 234/97 de 4 de abril e a Portaria 361-A/2008, de 12 de maio, consagrado um sistema de controle que assenta nos terminais point of sale (POS), sendo pois o registo no POS a única forma determinada pela lei para controlar o destino do gasóleo.

i) O sistema POS identifica automaticamente o número do cartão microcircuito, bem como o seu titular, data e quantidade do abastecimento, pelo que só na posse dessa informação, se poderá concluir que não houve desvio do fim e que o gasóleo colorido e marcado foi vendido a pessoas que cumpriam todos os requisitos para o adquirir.

j) A douta sentença ao decidir como decidiu, consagrando perdas quando tal foi pensado em exclusivo para mercadorias em regime de suspensão (ou seja, sem o imposto pago), incorreu em violação de Lei na medida em que aplicou inadequadamente o CIEC, já que o que se verifica é o incumprimento da obrigação legal de registar as vendas no POS.

k) As diferenças apuradas nos postos de combustível da empresa A…………. Ldª não resultam da temperatura ou volatilidade do combustível, ou ainda da falta ou inexistência de controle metrológico quanto às varas de sonda.
1) A empresa A……………. Ldª utilizava as varas de sonda antes do Varejo e vai persistir na sua utilização depois da fiscalização, pois em momento algum foi indicado que as varas foram substituídas ou sujeitas a aferição.

m) A utilização das varas de sonda é parte fundamental da atividade da empresa A……………. Ldª, nomeadamente em termos de controlo das quantidades de combustível adquirido.

n) No entanto, a referida empresa nega à Administração Tributária a possibilidade de utilizar as referidas varas, retirando-lhe a respetiva credibilidade nos resultados.

o) A linha argumentativa da empresa A…………… Lda traduz-se em “abuso de direito”, na modalidade de “venire contra factum proprium”, todavia foi acolhida totalmente na Sentença.

p) O art.°59° da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe no n.º 1 que “Os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco”, indicando o n.º 2 da mesma norma que “Presume-se a boa-fé da atuação dos contribuintes e da administração”.

q) Estando a empresa a operar no mercado de combustíveis devia saber com rigor científico, qual a diferença proveniente da leitura das suas varas de sonda, todavia nada se sabe, pois nenhum valor é inscrito na contabilidade e/ou no respetivo inventário.

r) Ao invés do que resulta da Sentença, que muito se respeita, não é a falta ou inexistência de controle metrológico relativamente às varas de sonda que importa chamar à colação, mas sim salientar o desrespeito pelo mecanismo de controle das quantidades efetivamente vendidas, já que as mesmas não eram registadas no sistema POS.

s) As varas são utilizadas sistematicamente para aquisição e controle da mercadoria objeto do negócio da empresa A…………… Lda, pois não pode ser olvidado que esta visa a comercialização de combustível.
t) Ao rejeitar os dados obtidos pela vara de sonda no momento da realização do varejo, a Decisão em causa recusou aplicar o Principio da Colaboração, plasmado no art. 59 da Lei Geral Tributária.

u) A mera alegação de que as varas de sonda não estão calibradas nem aferidas, não poderá prevalecer, pois são aquelas que a recorrida A………… Lda utiliza na sua atividade comercial e que facultou à fiscalização, logo deve suportar as consequências de tal facto, aplicando-se aqui a expressão latina: “ubi commoda, ibi incommoda”.

v) É de rejeitar também o expresso na parte final da Douta Sentença, ao invocar o artº 74º da LGT, pois a Administração Tributária provou, cabalmente em nosso entendimento, os factos constitutivos da divida, ao determinar as quantidades através do Varejo e depois ao efetuar o controle das quantidades vendidas de gasóleo colorido e marcado através dos dados do terminal POS, concluindo, nos termos do n.º 5 do artº 74 do CIEC, que ocorreram vendas não registadas no referido sistema POS.

w) Para determinar as quantidades existentes nos depósitos foi realizado o Varejo, sendo utilizadas varas de sonda, um meio idóneo e capaz, fornecido e sempre utilizado pela empresa A……………. Lda na sua atividade comercial de venda de combustível.

x) São válidos os resultados do Varejo realizado à empresa A…………. Lda, onde se apurou que entre 01/01/2007 e 06/08/2009, a empresa em causa vendeu 5.401,91 litros de gasóleo colorido e marcado, sem efetuar o correspondente registo informático no POS respetivo, tendo em a Administração Tributária em conformidade com a lei, desencadeado o Processo de Cobrança à Posteriori.

y) Em conformidade com os factos apurados importava liquidar o imposto devido, o ISP, determinando-se o valor de € 1.571,89.

z) Pelo exposto, sempre com o devido respeito, somos de entendimento que a Douta Sentença violou os artigos 37 a 40 bem como o artigo 74º, n.º 5, todos do CIEC e ainda o artigo 59º da LGT.
Nestes termos, e nos demais de direito e com o douto suprimento de V. Exas, requer-se a revogação da sentença “a quo” e a sua substituição por outra que mantenha a liquidação do imposto pelo qual é responsável a impugnante.

III. O MP emitiu parecer de fls. 177, no qual defende que o recurso não tem por exclusivo fundamento em matéria de direito, sendo este Tribunal incompetente em razão da hierarquia, para o seu conhecimento é competente o TCA, de harmonia com o disposto nos artigos 26º al. b) e 38º al. a) do ETAF e 280º do CPPT.

IV. Em cumprimento do despacho do Relator a fls.178, foram às partes notificadas do teor do parecer do MP, mas apenas veio a recorrente pronunciar-se no sentido de que, sendo declarado incompetente o STA em razão da hierarquia requer a remessa dos autos para o TCA Norte.

V. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

VI. Com interesse para a decisão, foram dados como provados no acórdão recorrido os seguintes factos:

a) A impugnante, que se dedica à atividade de comércio por grosso de produtos petrolíferos, explora um posto de abastecimento de combustíveis sito na zona industrial de Montalegre (doravante designado por “posto da zona industrial”), e, à consignação, um posto de abastecimento no centro da mesma localidade, cujo detentor do produto é a empresa B………………, S.A. (doravante designado por “posto da B………..”);

b) Em 2009, foi promovida uma ação inspetiva pelos serviços da Alfândega de Braga que incidiu sobre a atividade da impugnante, no período decorrido entre 1 de janeiro de 2006 e 6 de agosto de 2009, com vista a controlar a regularidade das transações de gasóleo colorido e marcado e dos registos efetuados nos postos de abastecimento explorados pela inspecionada, finda a qual a Administração Tributária concluiu o seguinte:
«(…)

















c) Em 22 de dezembro de 2009, a administração tributária procedeu à liquidação oficiosa de ISP, no montante de € 2.243,77, correspondente à diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado, relativamente às quantidades de gasóleo marcado e colorido que considerou como vendidas e não documentadas no movimento contabilístico dos postos de abastecimento explorados pela impugnante, acrescido de juros no valor de € 31,97 [cf. fls. 20 do processo administrativo];

d) Em 7 de maio de 2010, a impugnante apresentou na Alfândega de Braga reclamação graciosa contra a liquidação do imposto referida na alínea antecedente, que veio a ser indeferida por despacho do diretor da Alfândega de Braga datado de 19 de julho de 2010 [cf. fls. 48 e seguintes do processo administrativo];

e) Em 13 de setembro de 2010, a administração tributária corrigiu a liquidação efetuada para o valor de € 1.571,89, tendo excluído os valores referentes ao ano de 2006, com fundamento na seguinte informação:
« (…)




f) Os serviços de inspeção, para verificação das quantidades de gasóleo colorido e marcado armazenado nos reservatórios dos postos de abastecimento à data da inspeção, procedem a realização dos varejos com recurso a instrumentos de medição (varas de sonda) pertencentes à impugnante.

VII. Antes de mais, cumpre apreciar a suscitada questão da incompetência deste STA, em razão da hierarquia, para conhecimento do recurso.

Refere o Ex.mo Magistrado do MºPº que a recorrente vem invocar na conclusão da alínea e) que o gasóleo estava introduzido no consumo sem que isso resulte do probatório, pelo que não estaremos apenas sobre matéria exclusivamente de direito.

Porém, desde já diremos, e sem necessidade de grandes considerações, que a introdução no consumo resulta de todo o probatório, já que estamos perante vendas efetuadas em postos de abastecimento ao público, em sítio algum dos autos se referindo que estamos perante entrepostos fiscais.

Assim, sendo, e porque o que está efetivamente em causa nos autos é a venda de gasóleo ao público e já introduzido no consumo, improcede a questão prévia suscitada pelo MºPº.

VIII. Relativamente ao recurso, toda a matéria das conclusões se resume às duas questões conhecidas na decisão recorrida, e que são as seguintes:

a) Saber se, efetivamente, se poderiam justificar as faltas com base na volatilidade do produto;

b) Saber se é relevante a medição ter sido efetuada com os instrumentos de medição pertencentes à recorrente.

Comecemos pela 1ª questão.

VIII.1. A decisão recorrida justificou o entendimento por si seguido da volatilidade do produtos nos seguintes termos:

Como é consabido, o gasóleo é um produto extremamente volátil e sujeito a perdas durante a produção, armazenagem e circulação.
Por isso mesmo, decidiu o legislador fazer beneficiar de franquia de imposto essas mesmas perdas, quando ocorridas em regime de suspensão. A letra da lei não se estende, é certo, aos sujeitos abrangidos pelo artigo 70.°, nº 5, do Código, nem tão pouco vem alegado que tais perdas constem identificadas nos registos contabilísticos da impugnante.
Ainda assim, não pode deixar de se ter como relevante que o diferencial apurado entre o saldo contabilístico da impugnante e as existências armazenadas à data da inspeção corresponde, que a administração tributária concluiu terem sido vendidas - simplesmente porque não se refletiam nas existências físicas armazenadas que resultaram da medição por ela feita aquando da inspeção - corresponde, por confronto com a totalidade do produto referente a todo um período que abarca cerca de dois anos e meio, apenas a 0,29% no posto da zona industrial, e a 0,16%, no posto da B…………..

Foi também em razão desta volatilidade reconhecida ao gasóleo que o legislador determinou, no artigo 72.° do Código, uma unidade tributável regra de 1000 litros convertidos para a temperatura de referência de 15% C para efeitos de quantificar a matéria coletável e assim, a base de cálculo do imposto devido, neste caso reportado às quantidades do produto tributável.

E mais adiante:
Ora, no caso dos autos, desconhece-se a que temperatura se encontrava o gasóleo quando foi objeto de medição pela administração tributária; e nenhuma referência é feita no relatório final de inspeção a qualquer procedimento de conversão dos volumes apurados às temperaturas observadas no momento da medição. O que obsta, desde logo, a que os resultados apurados possam servir como parâmetro de controlo, ou termo de comparação.

Ora, era à administração tributária que, pretendendo fazer valer a sua pretensão creditícia, ao abrigo do nº 5 do artigo 70º do CIEC, cabia demonstrar a violação dos pressupostos da redução da taxa, e nessa medida, que a impugnante vendeu, efetivamente, as quantidades de gasóleo em causa, sem as registar devidamente no sistema informático subjacente aos cartões com microcircuito atribuídos (artigo 74º da lei Geral Tributária).
No caso dos autos, não o logrou fazer.

VIII.2. A recorrente, por sua vez, contesta este entendimento invocando o seguinte:

O produto em causa no momento da fiscalização já estava introduzido no consumo, não contendo o CIEC norma alguma que refira perdas de mercadorias fora do regime previsto nos artigos 37º a 40º, inexistindo qualquer suporte legal para aceitar as diferenças verificadas mas já ocorridas após a introdução no consumo

No posto da Zona Industrial verificou-se numa sequência de meses onde não existe volatilidade ou qualquer outra razão para ocorrer diferenças entre os valores contabilizados como venda e o registado nos point of sale (POS), tendo em junho de 2007 surgido uma situação irregular, ou seja, vendas não registadas no POS; ao invés, no posto da B……….. já se verificam diferenças em todos os meses, constatando-se que por vezes há registos no terminal POS de quantidades inferiores às vendidas, outras vezes registos de quantidades superiores às vendidas.

Os resultados apurados na ação de fiscalização, quer no posto da Zona Industrial quer do posto da B………….., tem origem exclusivamente na conduta irregular da ora recorrida, que se traduz em vendas não registadas no POS, contrariando o previsto na Lei.

O artº. 74º, n.º 5° do CIEC impõe que o gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido por titulares do cartão micro-circuito instituído para efeitos de controle da sua afetação ao destino legal, tendo a Portaria 234/97 de 4 de abril e a Portaria 361-A/2008, de 12 de maio, consagrado um sistema de controle que assenta nos terminais point of sale (POS), sendo pois o registo no POS a única forma determinada pela lei para controlar o destino do gasóleo.

O sistema POS identifica automaticamente o número do cartão microcircuito, bem como o seu titular, data e quantidade do abastecimento, pelo que só na posse dessa informação, se poderá concluir que não houve desvio do fim e que o gasóleo colorido e marcado foi vendido a pessoas que cumpriam todos os requisitos para o adquirir.

As diferenças apuradas nos postos de combustível da empresa A……………… Ldª não resultam da temperatura ou volatilidade do combustível, antes de vendas não registadas no POS.

VIII.3. Estando em causa imposto relativo aos anos de 2007 a 2009 (agosto) é aplicável o CIEC aprovado pelo DL nº 566/99, de 22 de dezembro.

Relativamente a franquias por perdas, estabelecia o artº 37º, nº 1 que beneficiavam de franquia de imposto as perdas ocorridas em regime de suspensão, durante a produção, a armazenagem e circulação, bem como por caso fortuito ou de força maior.

Quer isto então dizer que em qualquer destes estádios, ocorridas perdas até ao montante legalmente estabelecido, sobre o valor dessas perdas não incidia imposto.
Relativamente às perdas que ultrapassassem as franquias concedidas ficavam as mesmas sujeitas a imposto, de acordo com o nº 2 do artº 37º.

Este regime de franquias consta hoje dos artsº 47º a 52º do CIEC, aprovado pelo DL nº 73/2010, de 21 de junho, que consagra também perdas na armazenagem e na circulação de produtos em regime de suspensão de imposto.

Pelo que ficou dito, desde já se verifica que a tese da decisão recorrida não tem apoio legal ao pretender alargar o regime de suspensão de imposto em matéria de franquias por perdas aos produtos introduzidos no consumo.

Na verdade, como bem refere a recorrente, para além dos casos referidos nos artºs 37º a 40º acima citados, o Código não prevê qualquer outro benefício por perdas de produto (salvo, acrescentamos nós, perdas por caso fortuito ou de força maior – artº 41º).

Mas, com o devido respeito, também os factos dados como provados não conduziriam à tese da decisão recorrida, já que, como também refere a recorrente, não se compreende por que motivo existiu volatilidade em determinados períodos e não noutros.

Assim, se examinarmos quadro constante do artº 22º das alegações (fls. 18 do Relatório da Fiscalização) verificamos, por exemplo, que em 2007 só no mês de junho ocorre diferença entre a quantidade adquirida e o registo no POS). Já nos anos seguintes e, nomeadamente, em 2008, em doze meses, apenas em 4 ocorreram diferenças. Por outro lado, se examinarmos o quadro constante do artº 29º das alegações (v. fls. 20 do Relatório da Fiscalização), constatamos a existência de registos no terminal POS de quantidades inferiores à vendidas e registos de quantidades superiores às vendidas.
Temos então que a volatilidade não pode servir de justificação para as diferenças apuradas, já que não está prevista na lei, nem da matéria provada resulta qualquer facto que possa justificar a volatilidade (e grau) em certos meses e não noutros.

IX. Vejamos agora a 2ª questão.

No entender da decisão recorrida, não pode aceitar-se como rigorosa e exata a medição resultante dos varejos efetuados pela administração, quando é certo que os mesmos foram feitos com os instrumentos (varas de sonda) pertencentes à impugnante, que a mesma afirma não estarem calibradas nem aferidas. E, não estando garantido o controlo metrológico dos mesmos, não se pode ter por exata, na ausência de quaisquer outros elementos corroborantes trazidos pela administração, a medição por ela feita.
É patente, pois, a insuficiência e a falibilidade de premissas em que assentaram as conclusões da administração, que serviram de pressupostos ao ato impugnado.

A recorrente, por sua vez, contesta também este entendimento nos seguintes termos:

As varas são utilizadas sistematicamente para aquisição e controle da mercadoria objeto do negócio da empresa A…………… Ldª, pois não pode ser olvidado que esta visa a comercialização de combustível.

A linha argumentativa da empresa A…………… Lda traduz-se em “abuso de direito”, na modalidade de “venire contra factum proprium”.

Estando a empresa a operar no mercado de combustíveis devia saber com rigor científico, qual a diferença proveniente da leitura das suas varas de sonda, todavia nada se sabe, pois nenhum valor é inscrito na contabilidade e/ou no respetivo inventário.

O que está em causa nos autos é o desrespeito pelo mecanismo de controle das quantidades efetivamente vendidas, já que as mesmas não eram registadas no sistema POS.

A mera alegação de que as varas de sonda não estão calibradas nem aferidas, não poderá prevalecer, pois são aquelas que a recorrida A……………… Lda utiliza na sua atividade comercial e que facultou à fiscalização, logo deve suportar as consequências de tal facto, aplicando-se aqui a expressão latina: “ubi commoda, ibi incommoda”.

A Administração Tributária provou, os factos constitutivos da dívida, ao determinar as quantidades através do Varejo e depois ao efetuar o controle das quantidades vendidas de gasóleo colorido e marcado através dos dados do terminal POS, concluindo, nos termos do n.º 5 do artº 74 do CIEC, que ocorreram vendas não registadas no referido sistema POS.

Para determinar as quantidades existentes nos depósitos foi realizado o Varejo, sendo utilizadas varas de sonda, um meio idóneo e capaz, fornecido e sempre utilizado pela empresa A……………. Lda na sua atividade comercial de venda de combustível.

Vejamos então se a argumentação da sentença procede.

Da alínea f) do probatório supra resulta apenas que “Os serviços de inspeção, para verificação das quantidades de gasóleo colorido e marcado armazenado nos reservatórios dos postos de abastecimento à data da inspeção, procederam a realização dos varejos com recurso a instrumentos de medição (varas de sonda) pertencentes à impugnante”.

Portanto, desconhece-se onde se baseou a sentença para concluir que as varas de sonda não estavam “calibradas nem aferidas”, pois que nada resulta do probatório nesse sentido.

De todo o modo, como bem refere a recorrente, este argumento é até contra a posição da impugnante, pois não só demonstraria comportamento ilegal por falta de cumprimento das normas legais sobre a matéria, como pior poderia ter sido para ela se a medição tivesse sido efetuada com varas calibradas e aferidas. Então sim, parece que poderia existir alguma dúvida, mas a mesma era-lhe imputável por não cumprir as regras em matéria de calibragem e aferimento das sondas.

No caso concreto, como as medições foram efetuadas com os mesmos instrumentos habitualmente usados pela impugnante não pode agora vir afirmar-se que a medição não é exata.

De todo o modo, a questão é irrelevante já que não está provado que as varas não estivessem calibradas ou aferidas e muito menos que, em consequência disso, a medição não tivesse sido exata.

Pelo que ficou dito, procedem todas as conclusões das alegações e, em consequência, o recurso.

X. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida julgando-se improcedente a impugnação e mantendo-se a liquidação impugnada.

Custas pela impugnante apenas em 1ª instância.

Lisboa, 17 de abril de 2013. – Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Pedro Delgado.