Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0195/18.7BEPNF
Data do Acordão:02/01/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:MEMBRO
ÓRGÃO
ESTATUTO
PENSÃO DE VELHICE
PRAZO DE GARANTIA
DESCONTO
SEGURANÇA SOCIAL
CASO JULGADO PENAL
PRESUNÇÃO
REGISTO
REMUNERAÇÃO
DIREITO À SEGURANÇA SOCIAL
Sumário:I - Dando-se como provado o erro no enquadramento da situação laboral por parte da entidade empregadora, por, ao contrário do que a mesma declarara perante a Segurança Social, a Recorrente não integrar a qualidade de membro de órgão estatutário (MOE), nunca tendo exercido as funções de gerente, não deixou de se provar a sua qualidade de trabalhadora por conta de outrem e de terem sido realizados os respetivos descontos para a Segurança Social.
II - O ato declarativo da nulidade do enquadramento da Autora no regime dos membros de órgãos estatutários, não afeta o enquadramento no regime dos trabalhadores por conta de outrem, facto este que foi demonstrado judicialmente e que o acórdão recorrido olvidou.
III - A nulidade do enquadramento da Autora no regime dos membros de órgãos estatutários não tem a aptidão para eliminar a carreira contributiva da Autora, quanto aos respetivos descontos para a Segurança Social que hajam sido efetuados ou para tornar inexistentes tais descontos.
IV - Tanto mais que a Entidade Recorrida não devolveu ou restituiu quaisquer descontos que foram efetuados pela entidade empregadora ou pela Autora.
V - Não pode é a Segurança Social anular a situação de enquadramento da Autora como membro de órgão estatutário, manter na sua esfera jurídica os respetivos descontos realizados e não reconhecer a sua situação como trabalhadora por conta de outrem, como se encontra provado em sede judicial.
VI - À decisão judicial, transitada em julgado, que verse sobre a relação material controvertida, é atribuída força obrigatória dentro e fora do processo, nos limites subjetivos e objetivos fixados nos artigos 580.º e 581.º do CPC e nos precisos termos em que julga, como preceituado nos artigos 619.º, n.º 1 e 621.º do mesmo Código, com o que se forma o caso julgado material.
VII - O n.º 1, do artigo 624.º, do CPC, estabelece que a decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova do contrário.
VIII - A presunção prevista no disposto no artigo 624.º do CPC pressupõe a prova em processo-crime de que os factos não foram praticados, não se verificando no caso em que o tribunal haja absolvido o arguido por falta de prova ou com base no princípio in dúbio pro reo.
IX- A factualidade provada no âmbito do processo penal em que a Autora, ora Recorrida, foi absolvida, não é apta a constituir uma certeza absoluta e irrefutável no âmbito da presente instância administrativa, mas não deixa de constituir uma presunção em relação aos factos que aí hajam sido julgados, que a Entidade Recorrida não ilidiu.
X - Não sendo o direito à segurança social um direito uno, nem homogéneo, antes abrangendo no seu seio diversos direitos e faculdades, contempla a refração constante do disposto no n.º 4, do artigo 63.º da Constituição, referente à consideração do tempo total de serviço prestado pelo trabalhador.
XI - Constitui o direito à pensão um direito social que obriga o Estado e as instituições de segurança social a assegurar o seu respetivo acesso, no seu papel de garante de um sistema nacional de proteção social, designadamente, na fase de aposentação ou reforma, considerando “todo o tempo de trabalho (…) independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”, como estabelecido no n.º 4, do artigo 63.º da Constituição.
XII - A admitir-se a atuação da Entidade Recorrida, a norma constitucional ficaria esvaziada no seu sentido e o direito à contagem de todo o tempo de serviço seria afetado no seu núcleo essencial, o que está vedado pelo n.º 3, do artigo 18.º da Lei fundamental, pois eliminando uma parte do tempo de trabalho prestado pela Recorrente, já não seria todo o tempo de trabalho a contribuir para efeito do direito à pensão, mas apenas uma parte dele.
Nº Convencional:JSTA000P31864
Nº do Documento:SA1202402010195/18
Recorrente:AA
Recorrido 1:INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Espécie: Recurso de revista de acórdão do TCA

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. AA, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), que concedeu provimento ao recurso interposto pela Entidade Demandada, INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP (ISS, IP) – Centro Nacional de Pensões e revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Penafiel, julgando improcedente a ação em que aquela peticionara a declaração de nulidade do ato administrativo que lhe recusou a atribuição de pensão de velhice e o reconhecimento do direito da Autora à pensão por velhice, com a contabilização e reconhecimento como válidos de todos os períodos da respetiva carreira contributiva.

2. O TAF de Penafiel, por sentença de 30/06/2019, julgou a ação procedente e condenou a Entidade Demandada a considerar, no período de remunerações da Autora, os anos que haviam sido desconsiderados no ato impugnado que recusou a atribuição de pensão de velhice, com fundamento no não preenchimento do prazo de garantia de 15 anos de descontos para o ISS, IP.

3. Inconformado com esta sentença, o ISS, IP, interpôs recurso jurisdicional para o TCAN, o qual, por acórdão datado de 25/03/2022, concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e julgou a ação improcedente.

4. A Autora, ora Recorrente, inconformada com o julgamento do TCAN, interpôs o presente recurso de revista para este STA, formulando, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões:
A. O presente Recurso de Revista tem por base o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 10 de março de 2022, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo Instituto da Segurança Social, I. P. – Centro Nacional de Pensões, revogando, por consequência, a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
B. Quanto à admissibilidade de Recurso de Revista, violando a decisão recorrida o disposto no artigo 624.º, do Código de Processo Civil, bem como os princípios segurança jurídica e da confiança, bem como o direito à pensão e o instituo do caso julgado, os requisitos de admissão do presente recurso encontram-se preenchidos, nos termos do artigo 150.º, do CPTA.
C. A questão aqui em causa - dilucidar se a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” poderá ignorar a circunstância de ter sido judicialmente reconhecida a função da recorrente de trabalhadora por conta de outrem (exclusivamente, nunca tendo exercício funções de gerência), mediante a prolação de sentença penal absolutória transitada em julgado – apresenta inegável relevância social, com capacidade de repercussão em situações idênticas, que apraz uma melhor aplicação do Direito, intensificada pelo facto de o Aresto de que se recorre contrariar errónea e ostensivamente uma sentença penal absolutória, para além da contradição entre a primeira e segunda Instâncias administrativas.
D. A sentença proferida em sede de 1.ª instância decidira pela procedência do pedido de impugnação do ato administrativo deduzido pela Recorrente, dando cabal cumprimento, outrossim, ao vertido em sentença penal absolutória, proferida em 2013.
E. Nessa sentença penal, a ora Recorrente foi absolvida do crime de burla tributária, uma vez que se deu como provado que a mesma, perante a sociedade, sempre foi trabalhadora, exercendo funções de empregada de limpeza.
F. O Tribunal da Maia ancorou essa convicção cm base na prova produzida em audiência de julgamento: ou seja, foi convicção do tribunal que a Recorrente nunca exercera funções de gerência.
G. Considerando tal sentença penal, o TAF de Penafiel decidira pela procedência do pedido da Autora, considerando todo o período de tempo para efeitos de remunerações ilegíveis para acesso à pensão de reforma.
H. Sucede que, por força do recurso deduzido pela Segurança Social, o TCA Norte entendeu que a pretensão material da Autora nunca iria produzir efeitos, uma vez que o período enquadrado em trabalho por conta de outrem – 97 a 98 – nunca seria suficiente para completar os 15 anos mínimos para aceder à reforma, dando provimento ao recurso.
I. Verifica-se, deste modo, que o Tribunal a quo levou em consideração que, nos restantes períodos trabalhados, a Autora exercera funções enquanto membro de órgão estatutário.
J. Indicando que, para todos os efeitos, a Recorrente apenas detém um ano de exercício de funções enquanto trabalhadora por conta de outrem, não sendo suficiente para atingir os 15 anos mínimos para acesso à reforma.
K. Ora, tal entendimento é completamente oposto ao que foi dado por provado em sede de sentença penal, e posteriormente tomado em consideração pela 1.ª instância.
L. O Aresto de que ora se recorre ignora ostensivamente o conteúdo da sentença penal absolutória, negando a eficácia extra processual inerente à sentença penal absolutória, conforme é previsto no artigo 624.º, do Código de Processo Civil.
M. De facto, a sentença penal absolutória transitada em julgado constitui presunção legal da inexistência dos factos, sendo certo que delineia e estabiliza no ordenamento jurídicos os factos dados como provados e não provados.
N. Para assentar no contrário do que aí se expendeu, sempre se teria de fazer prova de tal.
O. Porém, in casu, nem as alegações de Recurso da Recorrida suscitam qualquer questão bastante para refutar a presunção, nem o enquadramento da Recorrente enquanto membro de órgão estatutário corresponde à realidade factual.
P. Aliás, à presente data, à Autora, no seu extrato de remunerações, é-lhe reconhecida pela própria Recorrida 17 anos de remunerações, sendo elegível para aceder à reforma.
Q. Ademais, nunca é colocado em causa ter ou não período suficiente de acesso à reforma pela própria recorrida, no seu recurso.
R. A decisão do Tribunal Central colide, assim, com o teor de uma sentença penal absolutória, negando o seu valor e eficácia extra processual que a carateriza, à luz do disposto no artigo 624.º, do Código de Processo Civil.
S. É que, para se considerar algum período exercido enquanto MOE, por parte da Recorrida, sempre disso se teria de produzir prova, uma vez que a sentença penal absolutória atribuiu presunção ilidível sobre os factos aí ínsitos.
T. ademais, a realidade fática reconhecida pela própria recorrida concede, na presente data, à Autora, a possibilidade de aceder à reforma, atento ser-lhe reconhecidos 17 anos de salários.
U. O Acórdão proferido colide com os princípios da confiança e da segurança jurídica, impondo uma decisão errónea, tanto ao nível do Direito – pela violação de lei substantiva e processual – como ao nível fático.
V. Decidindo de forma oposta à decisão da 1.ª Instância, o Acórdão recorrido errou, pois, violando o disposto nos artigos 623.º e 624.º, do Código de Processo Civil, bem como desrespeitou o/os valores da certeza e segurança jurídica, próprios do instituto do caso julgado, o princípio da proteção da confiança e das legítimas expectativas, bem como os direitos fundamentais de acesso à pensão e de segurança económica das pessoas idosas (artigos 63.º e 72.º, CRP).
W. Devem assim os Exmos. Colendos Conselheiros revogar o acórdão recorrido confirmando a sentença proferida em 1.º instância.”.

Pede que seja admitida a revista e, consequentemente, concedido provimento ao recurso e revogado o acórdão recorrido.

5. O Recorrido, ISS, IP não apresentou contra-alegações.

6. O recurso de revista interposto pela Autora/Recorrente foi admitido por Acórdão proferido pela Secção de Contencioso Administrativo deste STA, em formação de apreciação preliminar, de 30/06/2022, do qual consta: “Ora, como se vê as instâncias decidiram de forma oposta, a questão da aplicação do regime previsto no DL n.º 187/2007, de 10/5 quanto a saber se a Recorrente perfaz o prazo de garantia, de acordo com o disposto nos arts. 10°, n° 1 e 19° daquele diploma. Tal discrepância resulta de a 1.a instância ter entendido que ao prazo de 13 anos que a Recorrente perfaz, lhe devem ser contados os anos de 1998 a 2001, sendo que estes anos foram desconsiderados pelo acórdão recorrido. Ora, tal desconsideração que tem subjacente a existência de um processo crime (no qual a Recorrente foi absolvida) tem relevância jurídica, não sendo a questão isenta de dúvidas, como logo se vê da discordância das instâncias quanto à solução do caso.”.

7. O Ministério Público junto deste STA, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, defendendo que “(…) todo o tempo de trabalho prestado pela A. à entidade empregadora deve, salvo melhor opinião, ser considerado para efeitos de integração do prazo de garantia previsto no art.º 19º do DL n.º 187/2007, de 10/5, tendo a A. já completado à data do acto impugnado o prazo legal de 15 anos necessário ao reconhecimento do seu direito à pensão de velhice. Assim, o douto acórdão recorrido, ao não reconhecer à A. o prazo de garantia para atribuição da pensão de velhice, incorreu em erro sobre os pressupostos de facto por não ter tomado em consideração presunção não ilidida, nos termos do art.º 624º nº 1 do CPC, consubstanciada no facto provado em processo penal de a A. sempre ter trabalhado para a entidade empregadora como trabalhadora por conta de outrém.”.
8. O processo vai, com os vistos dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

9. Constitui objeto do presente recurso de revista aferir se o acórdão do TCAN, ao conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e julgar a ação improcedente, incorreu em erro de julgamento de direito ao julgar que os descontos para a Segurança Social efetuados pela Autora perfazem apenas um prazo de 13 anos e não alcançam o prazo de garantia de 15 anos, exigível nos termos do artigo 19.º do D.L. n.º 187/2007, de 10/05, já que não foi contabilizado o tempo em que a Autora efetuou descontos como membro de órgão estatutário (MOE) da entidade empregadora, considerando que foi declarado nulo este enquadramento, invocando a violação dos artigos 623.º e 624.º do CPC, 350.º do CC e 63.º e 72.º da Constituição.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO
10. O TCAN deu como provados os seguintes factos, por reporte à sentença proferida em 1.ª instância:

«1) Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca da Maia, 1º Juízo de Competência Especializada Criminal processo comum no âmbito do qual o Ministério Público acusou a autora da prática de factos suscetíveis de integrarem a comissão de um crime de burla tributária;


Doc. 6 junto com a p.i.

2) Por ofício de 12.11.2009, notificado à autora por carta registada com a/r, assinado a 12.11.2009, a entidade demandada notificou a autora do seguinte:

Doc. 5 junto com a p.i.

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3) A autora foi absolvida no processo referido em 1), resultando da matéria de facto da sentença o seguinte:


Doc. 6 junto com a p.i.

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4) E na respetiva motivação de direito consta, entre o mais o seguinte:


Doc. 6 junto com a p.i.

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5) A autora requereu, no decorrer do ano de 2013, junto da ré que lhe fosse concedida a pensão por velhice;


Doc. 1 junto com a p.i.

6) O requerimento foi indeferido, fundamentando-se que a autora só contava cm o período de 13 anos civis, sendo que não reunia os 15 anos necessários legalmente para aposentação de velhice nos termos do artigo 19.º do DL 187/2007, de 10 de maio;

Doc. 1 junto com a p.i.

7) No extrato anual de remunerações da autora, emitido a 07.04.2015, não consta quaisquer descontos referentes aos anos de 1998, 1999, 2000 e 2001;

Doc. 2 junto com a p.i.

8) A autora apresentou reclamação a 10.04.2015, juntando os recibos de vencimento mensal dos anos de 1998, 1999, 2000 e 2001;

Doc. 3 junto com a p.i.

9) Por ofício de 23.04.2015 a entidade demandada notificou a autora que a 15.11.2009 tinha sido notificada da nulidade do enquadramento na entidade empregadora empreiteiro BB, de que resultou a anulação das correspondentes remunerações.

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Aproveitando o desfile do elenco factual, consigna-se o teor do acto identificado pela autora como acto impugnado na presente acção:

Resposta a Reclamação Exmo(a) Senhor(a)

AA

Origem: Livro de Reclamações R.CALÇADA ... ...


... ...

Serviço Local de Atendimento de ...

Instalado na Loja do Cidadão de ...

Folha n.º 6 do Livro de Reclamações n.º 10

Data:

03-10-2017


Data: 2017/10/19

Assunto: Reclamação

Caro/a senhor/a,

Recebemos a sua reclamação de 2017/10/03 sobre Enquadramento, que mereceu a nossa melhor atenção.

Lamentamos o facto de estar descontente com o nosso Serviço e em aditamento ao nosso último ofício n.º ...84 de 2017/10/18 entendemos transcrever, para total esclarecimento, a informação dada por parte da Unidade de Identificação, Qualificação e Contribuições:

“(SIC)… informa-se que foi já dada resposta a reclamações idênticas, onde se informou da consolidação da decisão de nulidade dos atos administrativos de enquadramento no Regime dos Membros dos Órgãos Estatutários e no Regime Geral dos Trabalhadores por Conta de Outrem, decisão essa que teve por base o despacho de arquivamento proferido no âmbito do Processo de Inquérito ..., no qual foi provado a inexistência da gerência de facto por parte da beneficiária em causa na EE NISS ...84 A... LD bem como o exercício de qualquer atividade da beneficiária em tal Sociedade.

Note-se que em tal Processo, a própria Beneficiária declarou expressamente que nunca exerceu a gerência de facto da Entidade nem nunca trabalhou em tal empresa.

Assim sendo, reitera-se a informação de que foi declarada a nulidade dos atos administrativos de enquadramento da beneficiária em apreço quer no Regime dos Órgãos Estatutários quer no Regime Geral dos Trabalhadores por Conta de Outrem, tendo tais declarações de nulidade sido regularmente notificadas e encontrando-se consolidadas na ordem jurídica.

Mais se salienta que face a tais notificações, inexistiu qualquer tipo de reação por parte quer da Entidade Empregadora quer da ora reclamante, designadamente resposta em sede de audiência dos interessados ou reclamação administrativa, facto este que se considera para todos os efeitos como relevante.

Por fim, sempre se acrescenta que os factos constantes da Sentença proferida no âmbito do Processo n.º 1019/09.1TAMAI, e aduzida pela beneficiária na reclamação em causa, aparentemente indica uma contradição expressa com as declarações prestadas pela beneficiária no âmbito do supra citado processo de inquérito, sendo que sempre se considerará que a comprovação da existência da relação jurídica laboral terá que ser determinada em sede própria, pois, na verdade, as respetivas decisões administrativas de nulidade dos atos administrativos de enquadramento encontram-se por demais consolidadas na ordem jurídica com todos os efeitos jurídicos daí derivantes”.

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AT-09-V01-2015»

DE DIREITO

Erro de julgamento de direito quanto à interpretação e aplicação do artigo 19.º do D.L. n.º 187/2007, de 10/05, quanto à contabilização do tempo em que a Autora efetuou descontos como membro de órgão estatutário (MOE) da entidade empregadora, em violação dos artigos 623.º e 624.º do CPC, 350.º do CC e 63.º e 72.º da Constituição
11. O presente recurso vem interposto do acórdão do TCAN, que revogou a sentença proferida em 1.ª instância, julgando improcedente a ação, negando o direto à atribuição da pensão de velhice à Autora, por entender que não reúne o prazo legal de garantia de 15 anos de descontos, uma vez que no período entre 1998 e 2001 apenas apresenta um ano de descontos na qualidade de trabalhadora por conta de outrem, por, no restante período, ser indicada como membro de órgão estatutário (MOE) e ter sido declarada a nulidade desse enquadramento como membro de órgão estatutário.
12. Segundo a Recorrente está em causa apreciar se o TCA Norte pode ignorar o facto de ter sido judicialmente reconhecida, no âmbito da sentença penal absolutória transitada em julgado, a qualidade da Recorrente ter sido trabalhadora por conta de outrem, ou seja, se pode ultrapassar os efeitos do caso julgado penal e se pode contrariar a realidade material vertida no registo de remunerações fixado na Segurança Social, que reconhece 17 anos de remunerações à Recorrente, dirigindo o erro de julgamento contra acórdão recorrido, por violação de lei substantiva, dos artigos 623.º e 624.º do CPC, 350.º do CC e 63.º e 72.º da Constituição.
13. Considera a Recorrente que, em face da sentença penal que a absolveu da prática do crime de burla tributária, por nunca ter exercido funções de gerência e se ter provado que sempre foi trabalhadora por conta de outrem, exercendo funções de empregada de limpeza, não pode tal decisão transitada em julgado ser contrariada por outra, por ser posto em causa o caso julgado, a segurança jurídica e a confiança que dele decorre.
14. A Entidade Recorrida nada disse no âmbito do presente recurso de revista, por não ter contra-alegado, tendo o Ministério Público tomado posição pela sua procedência, por entender assistir razão à Recorrente.
15. A questão material controvertida exige que se considere a matéria de facto provada pelas instâncias, pois será com base nela que se aplicarão os normativos de direito.
16. O acórdão recorrido não alterou a matéria de facto julgada provada pela 1.ª instância, pelo que, a divergência entre as instâncias não reside no julgamento da matéria de facto, mas na respetiva solução de direito a dar ao caso, referente à legalidade do ato administrativo que recusou a atribuição da pensão de velhice à Autora e à pretensão de condenação da Entidade Demandada a atribuir a pensão por velhice por reconhecimento e contabilização de todos os períodos contributivos de carreira, onde constam os respetivos descontos.
17. Compulsada a matéria de facto provada, extrai-se que a, ora Recorrente, foi absolvida da prática do crime de burla tributária, no processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca da Maia, aí se tendo provado que a sociedade “A..., Lda.” inscreveu a ora Recorrente como membro de órgão estatutário, apresentando remunerações nessa qualidade e liquidou o montante das contribuições mensais devidas à Segurança Social no final de cada mês, mas não tendo a Recorrente, nesse período ou qualquer outro, exercido qualquer função como gerente daquela sociedade, antes tendo trabalhado, nesse período, como empregada de limpeza para a referida sociedade.
18. Resultou provado nesse processo que foram efetuados descontos para a Segurança Social em nome da ora Recorrente, estando aí inscrita e que trabalhou para a referida sociedade, ou seja, como decidido, que a Recorrente tem “carreira contributiva, trabalho efetivo e inscrição”.
19. Mais resulta provado nos autos que a Autora, ora Recorrente, requereu em 2013, junto da Entidade Recorrida, que lhe fosse concedida a pensão por velhice, tendo a sua pretensão sido indeferida com o fundamento de apenas contar com o período de 13 anos civis, não reunindo os 15 anos necessários para a aposentação por velhice, nos termos do artigo 19.º do D.L. n.º 187/2007, de 10/05.
20. No extrato anual de remunerações da Autora, emitido em 2015, não consta quaisquer descontos referentes aos anos de 1998 a 2001, o que determinou a apresentação de uma reclamação apresentada em 10/04/2015, em que a ora Recorrente juntou os recibos de vencimento dos anos de 1998 a 2001, comprovando a situação de trabalho e os respetivos descontos.
21. Não obstante, a Entidade Recorrida notificou a Recorrente de que, em consequência da nulidade do enquadramento da entidade empregadora, resultou a anulação das correspondentes remunerações.
22. Em face da factualidade descrita, apurada nos autos e em relação à qual não existe discordância entre as instâncias, é possível apurar o erro de julgamento de direito em que incorreu o acórdão recorrido.
23. Dando-se como provado o erro no enquadramento da situação laboral por parte da entidade empregadora, por, ao contrário do que a mesma declarara perante a Segurança Social, a ora Recorrente não integrar a qualidade de membro de órgão estatutário, nunca tendo exercido as funções de gerente, não deixou de se provar a qualidade de trabalhadora por conta de outrem da Autora, ora Recorrente e de terem sido realizados os respetivos descontos para a Segurança Social.
24. O ato declarativo da nulidade do enquadramento da Autora no regime dos membros de órgãos estatutários, não afeta o enquadramento da Autora no regime dos trabalhadores por conta de outrem, facto este que foi demonstrado judicialmente e que o acórdão recorrido olvidou.
25. Além de que a nulidade do enquadramento da Autora no regime dos membros de órgãos estatutários não tem a aptidão para eliminar a carreira contributiva da Autora, quanto aos respetivos descontos para a Segurança Social que hajam sido efetuados, ou seja, para tornar inexistentes tais descontos.
26. Tanto mais que a Entidade Recorrida não devolveu ou restituiu quaisquer descontos que foram efetuados pela entidade empregadora ou pela Autora.
27. Ao contrário do que decorre do acórdão recorrido, a declaração de nulidade do enquadramento da Autora no regime dos membros de órgãos estatutários não acarreta a inexistência dos descontos efetuados ao abrigo desse enquadramento, por se comprovar o enquadramento da sua situação como trabalhadora por conta de outrem.
28. Não pode é a Segurança Social anular a situação de enquadramento da Autora como membro de órgão estatutário, manter na sua esfera jurídica os respetivos descontos realizados e não reconhecer a sua situação como trabalhadora por conta de outrem, como se encontra provado em sede judicial.
29. Em nenhuma circunstância logrou a Entidade Recorrida demonstrar que anulou a carreira contributiva da Autora no que respeita ao respetivo enquadramento como trabalhadora por conta de outrem e que tenha procedido à respetiva devolução dos descontos efetuados.
30. A Entidade Recorrida apenas afastou o enquadramento da situação da Autora como membro de órgão estatutário, nunca tendo chegado a pronunciar-se sobre a situação da Autora como trabalhadora por conta de outrem.
31. Mas resulta provada, no período em causa, a qualidade e o reconhecimento da Autora como trabalhadora por conta de outrem, no âmbito do processo-crime.
32. Proclama o disposto no n.º 2, do artigo 205.º da Constituição, a obrigatoriedade das decisões dos tribunais, postulando que lhes seja conferida eficácia de caso julgado, o que constitui fator de segurança e certeza jurídica na resolução judicial dos litígios.
33. À decisão judicial, transitada em julgado, que verse sobre a relação material controvertida, é atribuída força obrigatória dentro e fora do processo, nos limites subjetivos e objetivos fixados nos artigos 580.º e 581.º do CPC e nos precisos termos em que julga, como preceituado nos artigos 619.º, n.º 1 e 621.º do mesmo Código, com o que se forma o caso julgado material.
34. O caso julgado material “Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.”, Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1976, pág. 304.
35. Segundo o mesmo autor, o instituto do caso julgado assenta em dois fundamentos: (i) o prestígio dos tribunais, que ficaria altamente comprometido “se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente” e (ii) uma razão de certeza ou segurança jurídica, já que sem a força do caso julgado se cairia “numa situação de instabilidade jurídica (…) fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas”, op. cit., págs. 305-306.
36. Acolhendo os ensinamentos doutrinários do mesmo autor, “O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade (…), por força da qual (…) a sentença (…) transforme o falso em verdadeiro. Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculativa infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronuntiatio judicis torna-se incontestável. Vê-se, portanto que a finalidade do processo não é apenas a justiça – a realização do direito objectivo ou a actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes. É também a segurança – a paz social (Schönke)”, op. cit., págs. 305-306.
37. Como se decidiu no Acórdão do STJ, de 30/03/2017, Processo n.º 1357/06, quanto à eficácia do caso julgado material, há que distinguir uma função negativa, reconduzida à exceção do caso julgado, que requer a verificação da tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC, que consiste no impedimento que as questões por ele abrangidas se possam voltar a suscitar entre as mesmas partes em ações futuras, e uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, que não requer aquela tríplice identidade e através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou noutros tribunais.
38. É este efeito positivo que está em causa nos presentes autos, decorrente da factualidade julgada provada noutro processo, que não foi ilidida na presente instância pela Entidade Recorrida.
39. Como invocado pela Recorrente, o disposto no n.º 1, do artigo 624.º, do CPC, estabelece que a decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova do contrário.
40. A presunção prevista no disposto no artigo 624.º do CPC pressupõe a prova em processo-crime de que os factos não foram praticados, não se verificando no caso em que o tribunal haja absolvido o arguido por falta de prova ou com base no princípio in dúbio pro reo – neste sentido, Luís Filipe Pires de Sousa, “Prova por presunção no direito civil”, 2017, 3.ª ed., Almedina, pág. 199.
41. No presente caso, atentos os factos julgados provados, opera a previsão da norma do artigo 624.º do CPC, que integra a absolvição da Autora, pela prova positiva de factos que, na ação civil, incumbiria ao arguido provar
42. No entanto, na presente ação não logrou a Entidade Recorrida ilidir essa presunção, por nenhuns factos ter provado que afastem o enquadramento da Autora na situação e no regime legal de trabalhadora por conta de outrem.
43. Com efeito, a Entidade Demandada, ora Recorrida, não fez a prova do contrário do facto provado no processo penal, de que a Autora trabalhou como empregada de limpeza na entidade empregadora, cujo ónus a si incumbia e que não pode extrair-se do ato administrativo que declarou a nulidade do enquadramento da Autora como membro de órgão estatutário.
44. Da sentença proferida no âmbito do processo penal, extrai-se, efetivamente, a prova produzida de que a ora Autora trabalhava como empregada de limpeza na referida sociedade, facto que não pode ser olvidado pela Entidade Recorrida, nem desconsiderado em juízo, porquanto, muito embora não integre o alcance ou autoridade de caso julgado, nos termos previstos no artigo 621.º do CPC, não deixam de constituir, como antes referido, uma presunção – ilidível –, nos termos do disposto no artigo 624.º do mesmo Código.
45. Não sendo a factualidade provada no âmbito do processo penal em que a Autora, ora Recorrida, foi absolvida, apta a constituir uma certeza absoluta e irrefutável no âmbito da presente instância administrativa, não deixa de constituir uma presunção em relação aos factos que aí hajam sido julgados, que a Entidade Recorrida não ilidiu.
46. Relevantemente, não está em causa uma situação em que os factos não se tenham provado no processo-crime, mas, sim, que resultaram provados em função da prova que aí foi produzida.
47. Neste sentido, cfr. Acórdão do Pleno do STA, de 19/01/2023, Processo n.º 0551/09.1BALSB e Acórdãos do STJ, de 08/11/2018, Processo n.º 478/08.4TBASL.E1.S1.
48. Assim, em face da factualidade provada no âmbito do processo crime, que não foi ilidida na presente ação administrativa pela Entidade Recorrida, forçoso se tem de dar como provado que a Autora, enquanto trabalhadora por conta de outrem, realizou trabalho para a entidade empregadora e foram efetuados os respetivos descontos para a Segurança Social, tendo esse tempo de trabalho de ser contabilizado, para todos os legais efeitos, designadamente, como tempo atendível para o reconhecimento das prestações legais da Segurança Social, quer para efeito da concessão do subsídio por doença, como se colocou no âmbito do processo crime, quer para efeito do direito à pensão por velhice, sendo todo o tempo em que trabalhou e efetuou os respetivos descontos, relevante para a integração do prazo de garantia, previsto no artigo 19.º do D.L. n.º 187/2007, de 10/05, de que resulta que, à data do ato impugnado, a Autora tinha completado o prazo legal de 15 anos, necessário ao reconhecimento do seu direito à pensão de velhice.
49. O que implica, o erro de julgamento de direito em que incorreu o acórdão recorrido ao não reconhecer esse período contributivo da Autora, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 624.º do CPC, no período de garantia para a atribuição da pensão de velhice, por se ter provado no processo-crime que a Autora, ora Recorrente, trabalhou para a entidade empregadora como trabalhadora por conta de outrem, como empregada de limpeza, efetuando descontos para a Segurança Social.
50. Como decidido em 1.ª instância, a Autora, ora Recorrente, tem registadas remunerações nos anos de 1998 a 2001 e embora esses registos tenham sido anulados pela Entidade Recorrida, na sequência do inquérito n.º ..., não pode deixar de reconhecer esse tempo de serviço, tanto mais, em face dos factos que resultaram provados no âmbito do processo crime.
51. Não estavam verificados os pressupostos, nem de facto, nem de direito, para que a Entidade Recorrida tenha desconsiderado tal período de remunerações da Autora e os seus respetivos descontos, para efeitos de beneficiar do consequente direito à segurança social.
52. Por isso, reagiu a Autora peticionando a impugnação do ato que denegou o direito à pensão de velhice e pedindo que a mesma lhe seja atribuída, o que se insere no âmbito do sistema de segurança social, na sua dimensão prestacional positiva.
53. Está em causa a tutela do direito à segurança social da Autora, que, sendo trabalhadora por conta de outrem e tendo sido realizados os respetivos descontos para a Segurança Social, vê reunidos os requisitos para que lhe seja reconhecido o direito à pensão de velhice.
54. Segundo o n.º 1, do artigo 63.º da Constituição, configura-se o direito à segurança social como um direito fundamental universal de natureza social, nos termos do qual, todos têm direito a ele.
55. E não sendo o direito à segurança social um direito uno, nem homogéneo, antes abrangendo no seu seio diversos direitos e faculdades, contempla a refração constante do disposto no n.º 4, do artigo 63.º da Constituição, referente à consideração do tempo total de serviço prestado pelo trabalhador, o qual se configura como direito suficientemente densificado e com uma estrutura análoga à dos direitos, liberdades e garantias – Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2010, pág. 1288.
56. O que implica o direito a ver suprida, entre outras, a situação de velhice, além de todas as referentes à falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho, por consagração do princípio da proteção integral do sistema de segurança social, segundo o disposto no n.º 4, do artigo 63.º da lei fundamental.
57. Assim, entre as prestações cuja atribuição o Estado, através das instituições que asseguram o sistema de segurança social, deve assegurar em satisfação de tal direito, contam-se, face ao disposto no citado n.º 4, do artigo 63.º, as pensões de velhice e de invalidez, em cujo tipo se inclui a pensão de velhice em causa nos autos.
58. Constitui o direito à pensão um direito social que obriga o Estado e as instituições de segurança social a assegurar o seu respetivo acesso, no seu papel de garante de um sistema nacional de proteção social, designadamente, na fase de aposentação ou reforma, considerando “todo o tempo de trabalho (…) independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”, como estabelecido no n.º 4, do artigo 63.º da Constituição.
59. Ao prescrever deste modo, o legislador constitucional pretendeu consagrar o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e de invalidez, dentro da duração exigida na lei para o acesso e o cômputo da respetiva pensão, somando-se os tempos de trabalho e respetivos descontos prestados em diversas atividades, Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2010, pág. 1294.
60. Neste sentido, se inscreve o sistema de pensões e de prestações do sistema de segurança social, sob a lógica de aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e de invalidez, acumulando-se os tempos de trabalho prestados em várias atividades e respetivos descontos para os diversos organismos da segurança social, mediante a contagem, em rigor, não de tempos de trabalho, mas de tempos de serviço juridicamente relevantes para o acesso à segurança social – neste sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, Coimbra Editora, 4.ª ed. revista, 2007, pág. 819 e Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 411/99, Processo n.º 1089/98, de 29/06/99; 72/2002, Processo n.º 769/99, de 20/02/2002 e 554/03, Processo n.º 96/01, de 12/11/2003.
61. Como decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 411/99, Processo n.º 1089/98, de 29/06/99, o direito à contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e aplica-se-lhe o regime destes, constante do artigo 18.º da Constituição, por força da extensão operada pelo artigo 17.º da Constituição.
62. A admitir-se a atuação da Entidade Recorrida, a norma constitucional ficaria esvaziada no seu sentido e o direito à contagem de todo o tempo de serviço seria afetado no seu núcleo essencial, o que está vedado pelo n.º 3, do artigo 18.º da Lei fundamental, pois eliminando uma parte do tempo de trabalho prestado pela Recorrente, já não seria todo o tempo de trabalho a contribuir para efeito do direito à pensão, mas apenas uma parte dele.
63. Tal solução implicaria desrespeitar a Constituição e a lei.
64. Além de que, também como se extrai no citado aresto do Tribunal Constitucional n.º 411/99, tratando-se de um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, ainda que a norma constitucional necessite, para a sua atuação prática, de uma mediação legislativa, sempre a Administração está diretamente vinculada a retirar do texto constitucional a maior utilidade, à luz do disposto no n.º 1, do artigo 18º da Constituição.
65. Assim, embora a Constituição seja omissa sobre o sistema de pensões e prestações do sistema de segurança social, desde a alteração constitucional de 1989, pela Lei Constitucional n.º 1/89, não deixa de consagrar o citado princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e de invalidez.
66. O sistema de pensões constitui uma manifestação do direito à segurança social reconhecido a todos no artigo 63.º da Constituição, radicado no princípio da dignidade da pessoa humana, ínsito nos artigos 1.º e 2.º da mesma Constituição, que este direito à segurança social visa assegurar, designadamente, àqueles que terminaram a sua vida laboral ativa, uma existência humanamente condigna – vide Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 509/02, Processo n.º 768/02, de 19/12/2002 e 289/05, Processo n.º 80/2004, de 01/06/2005.
67. A afirmação de uma dimensão positiva de um direito ao mínimo de existência condigna, em paralelo com a sua dimensão negativa, parece ter sido igualmente acolhida no Acórdão n.º 349/91 e retomada no Acórdão n.º 318/99 – , tendo-se aí salientado que “o artigo 63º da Constituição reconhece a todos os cidadãos um direito à segurança social, determinando o nº 4 do mesmo preceito que «o sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho». Este preceito constitucional poderá, desde logo, ser interpretado como garantindo a todo o cidadão a percepção de uma prestação proveniente do sistema de segurança social que lhe possibilite uma subsistência condigna em todas as situações de doença, velhice ou outras semelhantes. Mas ainda que não possa ver-se garantido no artigo 63º da Lei Fundamental um direito a um mínimo de sobrevivência, é seguro que este direito há-de extrair-se do princípio da dignidade da pessoa humana condensado no artigo 1º da Constituição» (cf. Acórdão n.º 232/91)”, Acórdão do TC n.º 509/02, Processo n.º 768/02, de 19/12/2002.
68. O que legitima o enquadramento da atuação da Entidade Recorrida, materializada na prática do ato impugnado, que indeferiu o pedido de atribuição da pensão de velhice da Autora, fundado na alegada insuficiência do período mínimo de garantia de 15 anos de descontos para a Segurança Social, por efeito de desconsideração do tempo de trabalho e dos respetivos descontos realizados, no período entre 1998 a 2001, no disposto na al. d), do n.º 2, do artigo 163.º do CPA, cominado com a nulidade os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.

69. No que traduz a razão que assiste à Recorrente quanto aos fundamentos invocados, devendo ser concedido o provimento ao presente recurso e, em consequência, ser concedida a pensão de velhice requerida pela Autora, por reunir o tempo de descontos necessário.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, de harmonia com os poderes conferidos pelo disposto no artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso interposto pela Autora, ora Recorrente e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, mantendo a sentença proferida em 1.ª instância, com a presente fundamentação.

Sem custas neste Supremo, por a Entidade Recorrida não ter apresentado contra-alegações.

Lisboa, 1 de fevereiro de 2024. – Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho (relatora) – José Augusto Araújo Veloso - Cláudio Ramos Monteiro.