Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01061/17.9BALSB
Data do Acordão:11/08/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DECISÃO IMPLÍCITA
PENA DISCIPLINAR
ILICITUDE
CULPA
Sumário:I – Se o despacho saneador relegou para final o conhecimento da excepção da ilegitimidade passiva do Estado por considerar que este só seria parte legítima no caso de se verificar a ilicitude de um despacho do Secretário de Estado da Segurança Social, a sentença, ao concluir por essa ilicitude, decidiu implicitamente a questão da legitimidade desse réu, não enfermando, por isso, da nulidade de omissão de pronúncia.
II – Dado o princípio da aquisição processual, são atendíveis pelo juiz todos os factos relevantes e todo o material probatório acolhido no processo, mesmo quando, trazido por uma das partes, sejam favoráveis à parte contrária.
III – O Secretário de Estado da Segurança Social, quando revoga o seu despacho que mantivera a pena aplicada à A. e ordena o arquivamento do procedimento disciplinar com o fundamento que não fora praticada qualquer infracção disciplinar, reconhece a ilegalidade de que padecia o acto que aplicou a pena que veio a ser mantido na sequência de recurso administrativo para ele interposto.
IV – Atento a essa ilegalidade, mostram-se preenchidos, quer o conceito de ilicitude constante do art.º 6.º, do DL n.º 48051, quer o de culpa por à violação de normas legais ou regulamentares ser inerente um juízo de censura, pelo que provada aquela também se deve considerar provada esta, salvo se o lesante alegar e provar factos que a descaracterizem.
Nº Convencional:JSTA000P23814
Nº do Documento:SA12018110801061/17
Data de Entrada:10/02/2017
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

RELATÓRIO

A……….., residente na Rua …………, em Oeiras, intentou, no TAC de Lisboa, contra o Estado Português e a Comissão Instaladora do Centro Regional de Segurança Social, acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe a indemnização de Esc. 17.097.800$00 (dezassete milhões noventa e sete mil e oitocentos escudos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de, quando era directora do Instituto …………….., lhe ter sido instaurado um procedimento disciplinar na sequência do qual lhe foi aplicada a pena de multa no montante de Esc. 80.000$00.

Após a realização de audiência de julgamento, foi, em 17 de Outubro de 2006, proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo e o Estado Português a, solidariamente, pagarem à A. as seguintes quantias:
“a) Por danos patrimoniais, a quantia de € 1.263,02, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;
b) Por danos morais, € 10.000,00, acrescida de juros contados desde a data desta sentença até integral e efectivo pagamento”.

Em 10/11/2006, o Ministério Público, em representação do Estado Português, interpôs recurso para este STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:

“I - Na sua contestação o Réu Estado Português alegou, sob os artigos 1º a 6º, pelos fundamentos da facto e de direito deles constantes, a excepção da sua ilegitimidade passiva, pedindo, consequentemente, a sua absolvição da instância.
II - Não tendo sido, essa excepção, expressamente conhecida nos autos, quer no saneador, quer na sentença, foi violado o disposto no artigo 660º, nº 1, sendo a sentença nula, nos termos do disposto no artigo 668º, nº 1, al. d), também do C.P.C.
III - Da alínea G) da especificação consta
“Por despacho do Secretário de Estado da Segurança Social de 23 de Outubro de 1989, foi determinado o arquivamento dos autos de processo disciplinar e revogado o anterior despacho da mesma entidade de 16 de Agosto de 1989 - (Fontes: - art. 8º da P.I. e doc. 6 - fls 34)”
IV - Já da sentença, do ponto 6 dos factos provados, consta: “Por despacho do Secretário de Estado da Segurança Social de 23 de Outubro de 989, foi determinado o arquivamento dos autos de processo disciplinar e revogado o anterior despacho da mesma entidade de 16 de Agosto de 1989, conforme documento de fls 108 a 113 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Alínea G da especificação.
V - O documento n.º 6 (referido na alínea g) da especificação) e o documento de fls 108 a 113 (referido na sentença, no ponto 6 dos factos provados) são documentos totalmente diferentes, de conteúdo diverso, verificando-se, por conseguinte, uma clara divergência de conteúdo entre a alínea G) da especificação e a matéria de facto inserta na sentença, sob o nº 6 dos factos provados.
VI - Na sentença, como dela claramente resulta, foi tomado em consideração, precisamente, de forma decisiva, o documento de fls. 108 a 113 e respectivo conteúdo, designadamente, na parte em que nela se concluiu que a actuação da Administração foi ilícita e culposa, com a consequente responsabilização dos Réus.
VII - Nos termos do artigo 659º, n.º 3, do C. P. C., o juiz, na fundamentação da sentença, apenas pode tomar em consideração factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados”, ou seja, em sede de sentença o Juiz não pode ir buscar novos factos, não pode atender a outros factos, para além dos que da especificação e dos que resultem do julgamento da matéria de facto controvertida, nos termos do artigo 653º do C.P.C.
VIII - Ao atender ao documento de fls. 108 a 113 com as consequências referidas, foi, pois, violado o disposto no artigo 659º, nºs 2 e 3 do C.P.C, sendo a sentença nula, nos termos do disposto no nº 1, al d), também do CPC
IX - Os factos provados os quais se poderia e deveria ter legitimamente atendido na prolação a são apenas os especificados no despacho saneador (nos seus preciso e os fixados nos termos do artigo 653º do C.P.C em resposta aos quesitos oportunamente formulados
X - Constituindo o exercício do poder disciplinar um direito indeclinável da administração e, portanto, uma actividade lícita por natureza, apenas geradora de responsabilidade civil por facto ilícito quando, no seu exercício, a administração tenha agido com culpa em prejuízo dos administrados (cfr. Marcelo Caetano, in “Manual de Direito Administrativo”, 9ª. Ed., tomo II pág. 1201-1202), ficou por demonstrar que ao instaurar o processo disciplinar a administração tenha agido de forma ilícita e com culpa em prejuízo da autora, bem como qualquer ilegalidade ou censura na sua descrita e provada actuação.
XI- Ao julgar verificados tais pressupostos - cuja alegação e prova competia à Autora (cfr. artigos 483º, n.º 2 e 487º, n.º 1, do C. Civil) - violou, pois, a sentença, o disposto nos artigos 2º, n.º 1, 4º e 6º do Decreto n.º 8 051, de 21.11.67, 483º e 487º do Cód Civil, impondo-se, antes, em face da matéria de facto provada (a constante da especificação, e a posteriormente fixada, nos termos do artigo 653º do C.P.C) a improcedência da acção e a absolvição do Réu Estado do pedido.
XII - Ainda que, no caso, o recurso ao documento de fls 108 a 113 fosse legalmente permitido, ainda assim, se imporia a absolvição do Réu Estado Português do pedido.
XIII - Por um lado, porque não tendo sido, sequer, alegados pela Autora quaisquer factos que, a provarem-se, permitissem concluir pela ocorrência de conduta ilícita e culposa da administração (designadamente, factos relativos aos fundamentos da instauração do procedimento disciplinar, da sua suspensão preventiva, da aplicação da pena de multa e da posterior manutenção dessa pena) aquele documento de fls 108 a 113, não poderia, em qualquer caso suprir tais deficiência alegatórias tornando-se, antes, ocorrendo essa omissão como no caso ocorre em absoluto, inteiramente irrelevante (neste, sentido, Acórdão do STA de 29-09-2005, recurso n º 0625/05)
XIV- Por outro lado, porque se verifica, no caso, erro na valoração e interpretação do conteúdo desse documento.
XV- Ao contrário do valor e relevo que lhe é atribuído na sentença, esse documento apenas era susceptível de provar o que dele consta, isto é, que a Sr.ª Adjunta do Secretário de Estado subscreveu informação com aquele conteúdo e que o Sr. Secretário de Estado lavrou o despacho que igualmente consta desse documento e não já que o que nessa informação se afirma relativamente ao processo disciplinar, à respectiva nota de culpa, ao conteúdo do relatório final do Senhor Instrutor e ao parecer da auditoria jurídica do Ministério do Emprego e da Segurança Social corresponde efectivamente à sua realidade, transmitindo uma visão e completa e fidedigna dos mesmos.
XVI - Mesmo, não se pondo em causa que o que consta do documento em análise relativamente ao processo disciplinar e ao parecer da auditoria seja fidedigno, tais elementos (em particular no que concerne ao processo disciplinar) não poderiam permitir ao tribunal apreender e pronunciar- se, de forma segura, sobre o cabal conteúdo do processo disciplinar e do aludido parecer, pois que, como claramente se extrai desse documento, (cfr pontos 3 e 4) nele não se pretende sequer reflectir uma análise global e pormenorizada dos mesmos, sendo que, quer o relatório final do Sr. Instrutor, quer o parecer da Auditoria, ali relevados, apenas se encontram, nele, parcialmente transcritos.
XVII - Na fundamentação da sentença e, em particular, na parte em que se conclui pela verificação dos requisitos da ilicitude e da culpa, a Mma Juiz, porém, baseou-se no documento de fls 108 a 113 como se ele transmitisse uma visão completa do processo disciplinar, extraindo “factos” e formulando conclusões que, para além de não poderem traduzir (e não traduzirem, de facto) o real conteúdo desse processo, não traduzem, mesmo, o que relativamente a ele, consta desse documento.
XVIII – Ao contrário do que resulta da sentença enquanto fundamentos para a conclusão de que, no caso, a conduta da Administração foi ilícita e culposa, nem consta dos factos provados nem pode extrair-se do documento de fls 108 113, numa correcta interpretação do seu conteúdo que:
- a instauração do procedimento disciplinar contra a Autora encontrou fundamento apenas no facto de, detendo poder disciplinar sobre funcionária subalterna que havia praticado factos violadores dos seus deveres funcionais, não ter procedido disciplinarmente contra ela;
- que o Sr. Instrutor do processo disciplinar tinha conhecimento, no momento em que elaborou o relatório final e propôs a pena, de que “não só que a Autora terá «admoestado» a funcionária subalterna e resolvido capazmente e por esta forma a situação, como do facto de esta ter dado conhecimento da situação à sua própria superior hierárquica- Delegada do Centro Regional da Segurança Social de Cascais - e de esta não ter também ordenado que fosse instaurado qualquer procedimento”.
- que o despacho do Sr Secretário de Estado da Segurança Social de 23/10/89, traduziu uma clara adesão pela hipótese de arquivamento dás autos disciplinares “por total ausência de fundamento para a sua instauração”;
XIX - O que resulta do documento é que o procedimento disciplinar foi instaurado por diversas acusações, que o Sr Instrutor tinha conhecimento do facto consignado no relatório final, no seu ponto 4.2 e que, no seu despacho de 23.10.98, o Sr Secretário de Estado da Segurança Social determinou o arquivamento do processo disciplinar, com base em novos elementos, por considerar não ter sido praticada infracção, porém, por referência à única infracção que subsistiu após a instrução desse processo, pela qual a Autora foi condenada, e não por referencia ao momento da instauração do procedimento e às diversas acusações que o fundamentaram.
XX - Ao considerar verificados os pressupostos da ilicitude e da culpa nos termos expostos, com base no documento de fls. 108 a 113, a sentença violou, também, pelos indicados motivos, o disposto nos artigos 2º, nº 1, 4º e 6º do Decreto nº 8 051, de 21.11.67, 483.º e 487º do Código Civil, impondo-se, antes, ainda que considerado esse documento a improcedência da acção e a absolvição do Réu Estado do pedido.
XXI - Os danos em cujo pagamento à Autora os Réus foram, solidariamente, condenados, são, todos eles, resultantes de actos exclusivamente praticado pelo Co-Réu CRSS de Lisboa, designadamente, da instauração do procedimento disciplinar, da suspensão preventiva da Autora e da aplicação da pena de multa pela Comissão Instaladora, inexistindo, pois, qualquer nexo de causalidade (adequada) entre esses danos e actos do Réu Estado.
XXII - Como o Estado Português oportunamente alegou, o CRSS de Lisboa tratava-se de um instituto público dotado de personalidade jurídica e capacidade judiciária, dispondo de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, suporte de direitos e obrigações, com interesses próprios, distintos dos de qualquer outra pessoa e que, como tal, podiam ser defendidos em juízo (cfr. artigo 2º, n.º 1, do Decreto-lei 163/83, de 21 de Março e artigo 5º, n.º 2, do C.P.C.), o que não foi posto em causa na sentença.
XXIII- Sendo certo que nem na petição inicial nem na sentença foi invocada qualquer fonte de solidariedade entre os Réus, o Estado Português apenas poderia ser responsabilizado por actos próprios e pelos danos deles resultantes.
XXIV - Ao condenar o Estado Português, solidariamente, pelos referidos danos, exclusivamente resultantes de actos alheios, violou a sentença o disposto nos artigos 2º, nº 1, do Decreto nº 48 051, de 21.11.67, 483º, 563º, 497º, nº 1 e 513º, do Cód Civil.
XXV - Face à inexistência de qualquer fonte de solidariedade entre os Réus, ainda que se viesse a considerar que qualquer dos danos apurados era resultante, também, parcialmente, de acto do Estado, sempre na decisão se imporia a condenação individual de cada um dos Réus, na medida da sua quota de responsabilidade e não a sua condenação solidária.
XXVI - A ansiedade nervosa, a descompensação psicológica e a ação pública sofridas pela Autora resultantes da comunicação, pela mesma, aos colaboradores do Instituto que dirigia, da sua suspensão preventiva; do conhecimento por algumas pessoas, nomeadamente os utentes da escola e pessoas ligadas à instituição, da instauração do procedimento disciplinar e a suspensão preventiva; e da divulgação desta e da aplicação da pena pelos Serviços do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa não justificam, seguramente, uma indemnização de € 10.000,00, tendo sido violado o disposto nos artigos 496º, nºs 1 e 3, 494º e 566º do Cód. Civil”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A A. também interpôs recurso da sentença, o qual, por extemporaneidade, não veio a ser admitido.

Após se ter procedido à reforma dos autos, foi, por despacho de 25/9/2017, determinada a sua subida a este STA.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento

FUNDAMENTAÇÃO

I. MATÉRIA DE FACTO
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
“1 - Por despacho de 20 de Janeiro de 1977, de Sua Ex.ª o Secretário de Estado da Segurança Social (D.R., II Série, n.º 27, de 2-2), foi a Autora nomeada Directora do Instituto ………….., ………. (Alínea A da Especificação).
2 - Esta situação manteve-se até 2 de Maio de 1989, data em que lhe foi comunicada a instauração de um procedimento disciplinar e a sua suspensão preventiva (Alínea B da Especificação).
3 - No seguimento do procedimento disciplinar referido em 2., foi- lhe aplicada a pena de multa de 80.000$00 (Alínea C da Especificação).
4 - A Autora interpôs recurso hierárquico para o Secretário de Estado da Segurança Social, o qual, por despacho de 16 de Agosto de 1989, manteve a pena aplicada pela Comissão Instaladora do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa (Alínea D da Especificação).
5 - A Autora dirigiu uma exposição ao Secretário de Estado da Segurança Social e interpôs recurso contencioso de anulação no Supremo Tribunal Administrativo (Alínea E e F da Especificação).
6 - Por despacho do Secretário de Estado da Segurança Social de 23 de Outubro de 1989, foi determinado o arquivamento dos autos de processo disciplinar e revogado o anterior despacho da mesma entidade de 16 de Agosto de 1989, conforme documento de fls. 108 a 113 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Alínea G da Especificação).
7 - Tal arquivamento veio a determinar a extinção do recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, por inutilidade superveniente da lide (Alínea H da Especificação).
8 - Em 1 de Junho de 1989, ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 58/85, de 8 de Agosto, foi nomeada nova directora para o Instituto …………… (Alínea I da Especificação).
9 - A Autora fez várias diligências no sentido de ser reposta a sua situação profissional, tendo sido elaborado Parecer pela Divisão de Assuntos Jurídicos do Centro Regional da Segurança Social de Lisboa, que foi comunicado à Autora em 24 de Setembro de 1992 e fundamentou o despacho da Comissão Instaladora de 7 de Outubro de 1992 (Alínea J da Especificação).
10 - Durante o primeiro trimestre de 1989 foi feita uma inspecção ao Instituto dirigido pela ora Autora (Resposta ao quesito 1º do questionário).
11 - A Autora sofreu humilhação pública quando comunicou, aos colaboradores do instituto que dirigia, a sua própria suspensão preventiva (Resposta ao quesito 2º do questionário).
12 - O Instituto da …………….., que a Autora dirigia há cerca de 12 anos, encontrava-se integrado na comunidade onde se inseria (Resposta ao quesito 3º do questionário).
13 - A suspensão preventiva e a instauração do procedimento disciplinar foram conhecida por várias pessoas, nomeadamente os utentes da escola e as pessoas ligadas à actividade da instituição (Resposta ao quesito 4º do questionário).
14 - A suspensão e posterior aplicação da pena foram divulgadas pelos Serviços do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa (Resposta ao quesito 5º do questionário).
15 - Na sequência dos factos descritos em 11, 13 e 14, a Autora sofreu ansiedade nervosa e descompensação psicológica (Resposta ao quesito 7º do questionário).
16 - A Autora contratou uma pessoa para a auxiliar nas tarefas domésticas, durante cerca de 10 meses, com a qual despendeu a quantia de Esc. 350.000$00 (Resposta ao quesito 10º do questionário).
17 – A instauração do procedimento disciplinar motivou desde logo um aumento de despesas, nomeadamente com a sua defesa, em que já despendeu, até à data da propositura da presente acção, a quantia de 247.800$00 (Resposta ao quesito 13º do questionário).
8 – A pedido da Autora foi publicado na «INFORPESSOAL» do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, n.º 39, de 2-3-1992, que a pena que havia sido aplicada à Autora fora revogada por despacho de 23-10-1989, do Secretário de Estado da Segurança Social (Resposta ao quesito 15º do questionário).
19 - Nos últimos 12 anos, a Autora desempenhou funções de coordenação e chefia de serviços, com isenção de horário (Resposta ao quesito 16º do questionário).
20 - O Instituto da ………….., era considerada uma instituição modelo para estágios, visitas de estudo e para visitas de dirigentes de outros serviços nacionais e internacionais (Resposta ao quesito 17º do questionário).
21 - Ao fim de 12 anos na sua direcção, o nome da Autora era associado ao Instituto da …………….. (Resposta ao quesito 18º do questionário).
22 - A Autora, nos anos de 1988 a 1989 teve a classificação de «BOM» e nos anos de 1982 a 1987 e 1990 a 1999 teve a classificação de «MUITO BOM» (Resposta ao quesito 20º do questionário).
23 - Finda a suspensão, a Autora foi mandada apresentar «por conveniência de serviço» na Direcção de Serviços de Equipamentos Sociais em 23-6-de 1989 (Resposta ao quesito 22º do questionário).
24 - A colocação da Autora em Lisboa motivou a sua deslocação diária, de e para o local de trabalho, da habitação que adquirira na zona onde tivera o seu local de trabalho durante 12 anos, que passou de 20 minutos para algumas horas (Resposta ao quesito 26º do questionário).
25 - Esta nova situação provocou também um acréscimo de despesa com a alimentação, uma vez que anteriormente tomava as suas refeições em casa (Resposta ao quesito 28º do questionário).
26 - A Autora apenas foi colocada de passagem na Direcção de Serviços e Equipamento Social por um curto período de tempo, até que lhe fosse definida a sua nova situação profissional (Resposta ao quesito 29º do questionário).
27 - A Autora esteve colocada nos anos de 1989 a Novembro de 1992, na Divisão de Acção Social, com funções de apoio técnico a indivíduos e famílias alojados no estabelecimento «Estalagem……….», onde estavam colocados candidatos a asilo e refugiados políticos e tendo sido colocada, a partir de 2-11-92, na Associação Internacional de Serviço Social (Resposta ao quesito 30º do questionário).".

II. O DIREITO.

Nas conclusões I a VIII da alegação, o recorrente imputa à sentença as nulidades previstas na alínea d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC [actual alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º], por não ter conhecido da sua ilegitimidade, excepção cuja apreciação fora, no despacho saneador, relegada para esse momento e em virtude de, no ponto 6 do probatório, ter dado por provado o conteúdo do documento de fls. 108 a 113 dos autos que não constava da especificação nem resultava do julgamento da matéria de facto controvertida.
Mas não tem razão.
Efectivamente, quanto à consideração na sentença como facto provado de matéria que não constava da especificação nem fora objecto do julgamento de facto, não configura qualquer nulidade, pois, além de não estar incluída em nenhuma das alíneas do n.º 1 do art.º 668.º do CPC que, taxativamente, prevêem as várias situações em que elas se verificam, resulta do art.º 659.º, n.º 3, do mesmo diploma, então em vigor, que o juiz pode, na sentença, considerar provados factos que não foram objecto de especificação nem do julgamento de facto, desde que tenham sido admitidos por acordo, confessados por escrito ou provados por documentos.
No que concerne ao não conhecimento da excepção da ilegitimidade passiva arguida pelo Estado, importa notar que no despacho saneador, após se referir que as partes eram legítimas, escreveu-se: “A invocada ilegitimidade do Estado, pela alegada falta de ilicitude do Secretário de Estado na prolação do despacho que manteve a pena aplicada pelo CRSS de Lisboa não é cognoscível neste momento”.
Embora não o mencione expressamente, esse despacho relegou para final o conhecimento da aludida excepção, por considerar que estava dependente da decisão de mérito, ou seja, da questão de saber se era ilícito o despacho, de 16/8/89, do Secretário de Estado da Segurança Social, que, na sequência de recurso administrativo interposto pela A., manteve a pena de multa que lhe havia sido aplicada. Assim, de acordo com este entendimento, o Estado só teria legitimidade passiva para a acção no caso de se vir a concluir pela ilicitude do aludido despacho.
A sentença, embora não tenha decidido expressamente a excepção em causa, considerou ilegal e ilícito o mencionado despacho e condenou o Estado a pagar uma indemnização à A.
Por isso, perante os termos em que a questão fora posta e formulada no despacho saneador – que a legitimidade do Estado dependia da ilicitude do referido despacho do Secretário de Estado da Segurança Social –, a sentença, ao concluir por essa ilicitude, decidiu implicitamente que o Estado era parte legítima.
Assim, porque a referida decisão expressa continha implícita a solução da questão da legitimidade que não foi expressamente assumida, deve entender-se que não se verifica a alegada omissão indevida de julgamento.
Improcedem, pois, as aludidas conclusões da alegação do recorrente.
Quanto ao mérito do recurso, o recorrente contesta que se possam considerar demonstrados os pressupostos da ilicitude e da culpa, ainda que fosse legalmente permitido atender ao teor do documento de fls. 108 a 113 dos autos, quer porque a A. não alegou quaisquer factos que permitissem concluir pela sua verificação, não podendo essa deficiência alegatória ser suprida por aquele documento junto pelo R. com a sua contestação, quer porque existiu erro na valoração e interpretação do seu conteúdo por não resultar dele que o despacho de 23/10/98 tenha determinado o arquivamento do processo disciplinar “por total ausência de fundamentação para a sua instrução”. Alegou ainda que os danos verificados resultaram de actos praticados apenas pelo Centro Regional de Segurança Social, que é um instituto público dotado de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira, que, no caso, não existia qualquer fonte de solidariedade e que, de qualquer modo, sempre se mostrava exagerada a indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais.
Vejamos.
A sentença recorrida, após considerar que a conduta ilícita que a A. imputava aos RR., consistira na instauração e instrução de um processo disciplinar – resultante de não ter procedido disciplinarmente contra uma funcionária sua subalterna que tinha praticado factos violadores dos respectivos deveres funcionais – que viera a determinar, numa 1.ª fase, a sua suspensão preventiva e, a final, a aplicação de uma pena de multa, mantida após recurso hierárquico, mas que, mais tarde, fora revogada e levara ao arquivamento daquele processo, referiu:
“(…).
Por último, mesmo que a ilicitude da conduta da Administração não resultasse do modo como instaurou e instruiu o procedimento disciplinar, sempre resultaria evidenciada da aplicação da pena e da sua posterior manutenção.
Na verdade, e agora não podemos deixar de o dizer, claramente e ao contrário do que vem afirmado pelo Estado nas suas alegações …, na base do despacho revogatório e da consequente ordem de arquivamento por parte do Sr. Secretário de Estado, não esteve a consideração de uma qualquer infracção de ordem formal, efectivamente também salientada, mas uma clara adesão pela hipótese de arquivamento dos autos disciplinares por total ausência de fundamento para a sua instauração.
Tal resulta com evidência do despacho proferido a 23/10/89, pelo Sr. Secretário de Estado através do qual o mesmo declarou que «(…) revogo o meu despacho de 89.08.16, determinando o arquivamento dos autos».
Tal despacho foi exarado sobre a informação a que se refere o ponto 6 dos factos assentes de que consta:
«3. Do relatório final do Sr. Instrutor (fls. 92 e 93) consta que:
4.1. A recorrente não usou como devia, da sua competência para desencadear procedimento disciplinar contra a 1.ª oficial Srª. D. ………., por infracções por ela cometidas, no dia 29 de Novembro de 1988 e seguintes passíveis de sanção disciplinar.
4.2. As infracções praticadas foram objecto de participação em 12 de Dezembro de 1988, para a Delegada de Cascais quanto a nós desnecessária, pois a arguida detinha poderes para proceder disciplinarmente.
Foi em consequência entendido que tais factos e comportamentos integram o disposto no art.º 11, nº 1 alínea c) ajustando-se ao art.º 24.º n.º 1 alínea e) com a circunstância agravante especial prevista no art.º 31.º n.º 1 alínea b) conjugados com o n.º alínea a) do art.º 12.º e efeitos correspondentes previstos nos nºs. 1, 2 e 3 do art.º 13.º, todos do DL n.º 24/84, de 16/1. Concluindo-se nos termos do art.º 30.º, pela aplicação da pena prevista no art.º 23.º, caracterizado pelo n.º 2 do art.º 12.º, depois de considerada a circunstância especial prevista na alínea a) do art.º 29.º.
4. O processo em apreço já havia sido apreciado em sede de recurso pela Auditoria Jurídica do Ministério que para além de anotar que o processo padece de vício de forma e, por isso deve ser revogado, por não terem sido minimamente enunciados e justificados quer no Relatório final quer no despacho que sobre ele foi exarado, os deveres concretos que a arguida terá violado nem as normas do Estatuto Disciplinar que os prevêem e definem (fls 4), a fls. 2 do seu Parecer diz textualmente:
“Das imputações feitas à arguida, apenas uma se deu por provada, qual seja a de aquela não ter usado, como devia, da sua competência para desencadear procedimento disciplinar contra uma funcionária sobre a qual impendiam acusações consubstanciadoras de infracção disciplinar, das quais fora feita oportuna participação”.
Anota também, o facto de a recorrente ter controvertido o dever que sobre si impendia de agir disciplinarmente, uma vez que, em seu entender caberia sempre ao responsável de certo serviço ou organização avaliar da oportunidade, adequação e justiça do recurso ao exercício do poder disciplinar face a certa situação concreta a qual, sem recurso ao processo disciplinar foi normalizada.
Refere, ainda a subscritora do Parecer da Auditoria Jurídica o facto de a Nota de Culpa conter diversas acusações dirigidas à arguida e, apesar de, no final da instrução do processo apenas uma delas subsistir, verifica-se que o quadro legal punitivo é o mesmo naquela Nota de Culpa e na conclusão e proposta feitas pelo Instrutor. Opina, pois, que, se em abstracto a pena aplicável devia ser a de multa, a valoração e ponderação das demais circunstâncias relevantes para o efeito, imporiam a respectiva redução.
Ainda de acordo com o Parecer da Auditoria Jurídica é digno de algum relevo acolher, em certa medida a alegação da recorrente de que o exercício da competência disciplinar não constitui rigidamente um dever que impende sobre a hierarquia. Constituindo um poder/dever, a competência disciplinar não terá que ser forçosamente o meio de reparar erros ou reconduzir situações anómalas ao estado de normalidade aconselhável.
Acrescenta, também ainda que, no caso vertente não é posta em crise a afirmação feita pela recorrente de que, sem necessidade de recurso ao procedimento disciplinar, obteve a normalização da situação.
Concluiu a final a Auditoria Jurídica que:
a) O recurso merecia provimento devendo em conformidade ser revogado o acto recorrido, pois,
b) Tal acto perfilhando e colhendo a sua fundamentação no processo e essencialmente no Relatório, conclusões e proposta do Instrutor não está suficientemente fundamentado de direito por lhe faltar a individualização dos deveres infringidos pela arguida.
c) O vício de forma existente permite que em sede de recurso contencioso a pena seja anulada, se não for revogado o acto impugnado.
d) Por outro lado, da matéria provada e do seu rigoroso enquadramento e qualificação parece adequada ao comportamento da arguida uma pena de menor gravidade, atenuada pelas circunstâncias abonatórias de que beneficia.
5. Sua Excelência o Secretário de Estado entendeu, porém que as razões aduzidas em recurso não contrariam as conclusões do Sr. Instrutor, pelo que manteve o despacho recorrido.
Com todo o respeito – que muito é – por este entendimento, a minha opinião vai no sentido daquela que é perfilhada pela Auditoria Jurídica.
Aliás falta de fundamentação ocorre também a meu ver na invocação da circunstância agravante especial prevista no art.º 31.º, n.º 1 al. b) do Estatuto Disciplinar já que não se referem quais os factos que produziram os resultados prejudiciais ao serviço público.
A Auditoria jurídica pondera no seu Parecer ser de acolher, “em certa medida a alegação da recorrente de que o exercício da competência disciplinar não constitui rigidamente um dever que impende sobre a hierarquia, porquanto lhe cabe avaliar da adequação, oportunidade e de instauração, ou não, de procedimento disciplinar”.
Tanto mais que “não consta que seja falsa a afirmação feita pela recorrente de que no caso vertente ter obtido a normalização da situação sem necessidade de recurso ao procedimento disciplinar”.
Ora, esta ponderação levaria a concluir que não teria havido qualquer infracção disciplinar.
Quer dizer embora no corpo do Parecer a questão fosse equacionada, e a nosso ver bem, parece ter sido esquecida na conclusão final. A não ser que fosse considerada como circunstância abonatória.
O cerne da questão centra-se a nosso ver precisamente na averiguação deste ponto:
Ou existe violação de lei e, por isso, se justifica a aplicação da pena embora atenuada fundamentalmente na norma violada, ou se conclui que tratando-se de um poder/dever não impendeu no caso concreto sobre a recorrente o dever de desencadear o procedimento disciplinar não tendo ocorrido, portanto qualquer infracção.
6. O documento agora apresentado faz prova de que a requerente ao tomar conhecimento dos factos praticados pela 1.ª Oficial ………… os comunicou à Delegação de Cascais do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa tendo a Senhora Delegada despachado no sentido seguinte:
“Tomei conhecimento considerando graves e tecnicamente incorrectas as atitudes aqui relatadas e não avisar as razões da sua ausência, não ter passado o seu trabalho e o livro de cheques para dar andamento ao que tinha em mãos ter intervindo em situação técnica em que nunca deveria ter interferido (problema com a ama) informo esta funcionária que a repetir-se alguma destas atitudes se procederá disciplinarmente”.
Este despacho foi, nos termos enunciados pela recorrente transmitido à funcionária em causa.
O Sr. Instrutor considerou o facto de no seu Relatório ter referido a este respeito ser desnecessária tal comunicação dado o poder disciplinar de que goza a arguida.
Evidentemente que assim é. Só que o assunto se vai reconduzir em última análise à questão já atrás referida de saber se o exercício da competência disciplinar constitui um dever que rigidamente deva impender sobre a hierarquia não devendo esta também avaliar da adequação oportunidade e justeza da instauração ou não de procedimento disciplinar.
A este propósito não deve deixar de sublinhar-se que, a Srª. Delegada do Centro Regional de Segurança Social de Cascais apesar de ter considerado graves as atitudes da funcionária …………. também ela entendeu dever apenas informar-se a funcionária (eu ia a dizer admoestar) de que a repetir-se alguma destas atitudes se procedera disciplinarmente. Quer dizer, também a Senhora Delegada entendeu que no caso concreto não era necessário o procedimento disciplinar, bastando a simples admoestação.
Aliás tanto quanto refere a arguida em resposta aos nºs. 7 e 8 da Nota de Culpa, também ela além de transmitir superiormente o que se estava a passar, chamou a atenção da funcionária para a necessidade de eliminar os erros cometidos.
7. Para além do que já atrás ficou aduzido penso que tem de levar-se também em consideração que, de certa forma a arguida agiu no cumprimento de um dever, ao transmitir a referida informação.
Posto isto e em conclusão:
1.O despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Segurança Social de 16/8/89 pode ser revogado e substituído por outro que acolhendo os fundamentos e as conclusões do Parecer n.º 176/79, de 25 de Junho último da Auditoria Jurídica, proceda à revogação do acto punitivo por outro, já liberto do vício de forma de que aquele enferma e que tome igualmente em consideração a conclusão contida na alínea d) do referido Parecer.
Isto a não ser que Sua Excelência o Secretário de Estado entenda face à ponderação dos factos agora aduzidos que não foi praticada qualquer infracção disciplinar, caso em deve ser determinado o arquivamento dos autos.
Lisboa 89.10.20».
Nesta informação, que constitui a fundamentação do despacho revogatório, após a referida análise, foram equacionadas duas hipóteses em termos de decisão:
a)«1. O despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Segurança Social de 16/8/89 pode ser revogado e substituído por outro que acolhendo os fundamentos e as conclusões do Parecer n.º 176/79, de 25 de Junho último da Auditoria Jurídica, proceda à revogação do acto punitivo para ser substituído por outro, já liberto do vício de forma de que aquele enferma e que tome igualmente em consideração a conclusão contida na alínea d) do referido Parecer. (…)» e
b) «Isto a não ser que Sua Excelência o Secretário de Estado entenda face à ponderação dos factos agora aduzidos que não foi praticada qualquer infracção disciplinar, caso em que deve ser determinado o arquivamento dos autos.».
Ou seja, tal como constava já do Parecer n.º 176/79, de 25 de Junho, também nesta informação (que o acolheu), para além de se salientarem claramente os vícios de forma decorrentes do procedimento, e se afirmar que a sua eliminação ainda seria possível pela Administração, se refere que pode ser entendido não ter sequer existido infracção alguma ou, o mesmo é dizer, não existir fundamento para a aplicação de pena disciplinar, propondo-se que os autos fossem simplesmente arquivados.
Ora, foi precisamente este último, o entendimento acolhido pelo Secretário de Estado da Segurança Social.
Mas nesta última hipótese, será que tal reconhecimento pelo superior hierárquico da inexistência de fundamento, ou seja, de infracção disciplinar e consequente arquivamento dos autos, é bastante para que se possa e deva considerar que existe um facto ilícito, isto é, para que se possa concluir ter a administração actuado ilicitamente quando instaurou, suspendeu, condenou e manteve a pena disciplinar aplicada à funcionária ora autora?
Perante questão jurídica idêntica (embora, a propósito de situação de facto distinta – a de apurar se a revogação de uma pena disciplinar com base na consideração de novos elementos de prova produzidos no âmbito de um recurso de revisão, só por si era suficiente para conferir à decisão punitiva revogada o estigma da ilicitude, pressuposto da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, respondeu o Supremo Tribunal Administrativo [no Ac. de 6/11/97, Rec. n.º 38477] claramente que não.
E, a fundamentação da sua posição é também elucidativa: é que para afirmação da existência de ilicitude, é necessário que estejam provados factos ou circunstâncias que traduzam uma efectiva violação, por parte dos agentes do Estado, de normas legais e regulamentares ou de princípios jurídicos aplicáveis, ou de regras de ordem técnica e de prudência comum que devessem ter sido tidas em consideração, em conformidade com o disposto no art.º 6.º do DL n.º 48051 (prova essa que, no recurso em cujo âmbito foi proferido o acórdão em referência, não existia).
Ora, sendo assim, e salvo o devido respeito por quem defenda posição distinta, parece-nos evidente que, no caso concreto, os factos demonstram à saciedade, a ilicitude da conduta da administração nas suas vestes disciplinares, a qual resulta, não só da instauração e instrução do procedimento disciplinar, mas também da punição aplicada pelo instrutor do processo e mantida pelo Secretário de Estado da Segurança Social em sede de recurso hierárquico, em clara desconformidade com a própria noção de poder disciplinar, das condições do seu exercício, dos comandos legais de natureza processual e substantiva a que tal procedimento deveria ter obedecido, quer nos termos supra expostos quer nos termos inclusive já evidenciados no Parecer Jurídico e na informação sobre a qual foi exarado o despacho revogatório e ordenado o arquivamento dos autos: falta de fundamentação resultante da não individualização mínima dos deveres infringidos pela arguida; falta de fundamentação da aplicação da circunstância agravante especial, errado entendimento quanto à definição de poder disciplinar e obrigações daqueles que o detêm; desconsideração da comunicação feita pela arguida ao superior hierárquico das infracções praticadas pela funcionária subalterna e da comunicação a esta última da decisão daquela primeira e que, todas, conduziram à aplicação e posterior manutenção de uma pena disciplinar sem que, a final, houvesse, como se conclui pelo despacho revogatório, ter havido infracção alguma.
Isto é, da factualidade apurada resulta com clareza a ilicitude da conduta da administração ao ter instaurado, instruído e condenado um seu agente sem este ter violado qualquer um dos deveres enunciados no art.º 3.º do DL n.º 24/84, de 16 de Janeiro, ou de quaisquer outros interesses que lhe subjazem.
E tal conduta ilícita é também ela culposa?
A este propósito diga-se que, não obstante a ilicitude e a culpa sejam realidades distintas, quer a doutrina, quer a jurisprudência, há muito vem insistindo em que, «quando é violado o dever de boa administração pela prática de um acto ilegal, o elemento culpa dilui-se na ilicitude, assumindo a culpa o aspecto subjectivo da ilicitude» [cf. Ac. do STA de 1/6/99 – Rec. n.º 43.505].
Isto é, a jurisprudência do nosso Tribunal Superior, em numerosos acórdãos, vem defendendo que, «no âmbito da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, a ilicitude do facto já envolve a violação das regras de prudência, formalizadas ou não em leis ou regulamentos, o que leva a ter de dar-se, também, como provada a culpa se provada a ilicitude» e que «quando o dano procede de uma decisão, as noções de culpa e de ilegalidade estão ligadas e a sua ligação assume um duplo sentido:
Por um lado, se a decisão é ilegal, é culposa. A prática de uma ilegalidade é sempre censurável.
Por outro lado, e em sentido inverso, a ausência de ilegalidade determina a ausência de culpa» [cf. Ac. do STA de 26/11/98 – Rec. n.º 42545].
A culpa, no caso concreto é evidenciada pelo apuramento realizado de que os Réus podiam e deviam ter agido de outro modo.
Numa primeira fase, temos a actuação culposa da Comissão Instaladora e do instrutor do processo disciplinar que, para além da prática de um acto eivado de vício de natureza formal (no parecer e informação jurídicas fala-se mesmo na inexistência de um mínimo de enunciação ou justificação dos deveres alegadamente violados), conclui por uma punição da arguida sem que haja qualquer infracção, o que é tanto mais grave, quanto é certo que bastaria o instrutor disciplinar cuidar de saber o que é o poder disciplinar e as condições do seu exercício para ter evitado a errada condenação da Autora.
Numa segunda fase, a conduta culposa do Secretário de Estado que manteve o despacho graciosamente impugnado mesmo perante o teor do parecer da Auditoria Jurídica a que fizemos referência, no qual vinham logo salientadas as várias ilegalidades e deficientes interpretações efectuadas em sede do procedimento disciplinar.
De salientar que, não obstante o despacho revogatório expressamente referir, ab initio, que o mesmo era proferido tendo em consideração «os elementos agora apresentados pela recorrente e o teor da informação ora prestada», resulta claramente dessa informação que não acrescentou nada ao parecer jurídico, que não foram os elementos trazidos pela Autora que determinaram a revogação e consequente arquivamento dos autos.
Na verdade, na base de tal despacho estiveram elementos já evidenciados no processo instrutor conforme resulta claramente das transcrições que do mesmo são feitas pela subscritora da informação referida e que há muito mereciam ter sido valorados nos termos do despacho revogatório.
Por último, não podemos deixar de afirmar claramente que, distintamente do que parece depreender-se das doutas alegações do R. Estado, é, em nosso entender, irrelevante, no caso, que não tenha sido o tribunal a anular o acto e tenha havido tão só uma revogação do mesmo pelo superior hierárquico porque, tal como seria evidenciado por uma sentença de anulação ou declaração de nulidade, também aqui houve expressamente o reconhecimento da ilegalidade da instauração e instrução do procedimento, bem como da condenação e manutenção da pena disciplinar.
(…)”.
Deve referir-se, em primeiro lugar, que a circunstância de a sentença recorrida se ter servido da informação aludida no ponto 6 do probatório para qualificar como ilícita a conduta dos RR. não consubstancia qualquer ilegalidade, dado que, de acordo com o princípio da aquisição processual, consagrado no art.º 515.º, do CPC de 1961, ficam “adquiridos para o processo” todos os factos relevantes e todo o material probatório nele acolhido, sendo, por isso, atendíveis pelo juiz mesmo quando, trazidos por uma das partes, sejam favoráveis à parte contrária, motivo por que podem ser tomados em consideração na sentença factos exarados em documentos independentemente de qual foi a parte que o juntou ao processo (cf. Ac. do STJ de 2/12/2004 – Proc. n.º 3822/04).
E não merece qualquer censura o entendimento dessa sentença quando considera que o despacho do Secretário de Estado da Segurança Social de 23/10/89, ao revogar o seu anterior despacho de 16/8/89 – que mantivera, após recurso hierárquico, a pena disciplinar aplicada à A. – e ao determinar o arquivamento dos autos se fundou na ilegalidade deste acto resultante de não ter sido praticada qualquer infracção disciplinar.
Efectivamente, resulta claramente da mencionada informação, em que se fundamentou o despacho revogatório, que, a entender-se que o acto punitivo padecia apenas de vício de forma – por falta de fundamentação resultante da não enunciação dos deveres infringidos pela arguida – dever-se-ia revogá-lo, substituindo-o por outro que não incorresse nesse vício, mas, a considerar-se que nem sequer havia sido praticada qualquer infracção disciplinar, dever-se-ia determinar, desde logo – como se determinou – o arquivamento do procedimento disciplinar.
Assim, o Secretário de Estado da Segurança Social, com as aludidas revogação e ordem de arquivamento, reconheceu expressamente que o seu despacho de 16/8/89 fora ilegal em virtude de a A. não ter praticado qualquer infracção disciplinar, tendo, por isso, infringido o disposto no art.º 3.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL n.º 24/84, de 16/1.
Nestes termos, ao contrário do alegado pelo recorrente, é manifesto que o fundamento da revogação foi afirmado pelo Secretário de Estado da Segurança Social quando proferiu o despacho revogatório, não tendo sido apenas a subscritora da informação em que ele se baseou a perfilhar tal posição.
Atento à referida ilegalidade de que padecia o acto que aplicou à A. a pena disciplinar e que, na sequência do recurso hierárquico veio a ser mantido, mostra-se preenchido o conceito de ilicitude constante do art.º 6.º, do DL n.º 48051, bem como em face do entendimento jurisprudencial do STA de que a sentença dá nota (cf., além dos acórdãos nela citados, por exemplo, os de 21/3/96 – Proc. n.º 39020, de 3/12/96 – Proc. n.º 35909 e de 12/5/98 – Proc. n.º 39614), o de culpa, por à violação das normas legais ou regulamentares ser inerente um juízo de reprovabilidade e de censura, pelo que, provada aquela, também se deve considerar provada esta, salvo se o lesante tivesse alegado e provado factos que a descaracterizavam, o que, no caso, não sucedeu.
Porém, já assiste razão ao recorrente quando alega não estar demonstrada a ilegalidade e, consequentemente, a ilicitude da instauração do procedimento disciplinar e da aplicação, durante a sua pendência, da medida cautelar da suspensão preventiva. Com efeito, a matéria fáctica provada não permite extrair essa conclusão, sendo certo também que ela não se pode inferir da circunstância de ser ilegal a pena aplicada, dado que não é por, no final desse procedimento, estar demonstrado que não foi praticada qualquer infracção disciplinar que resulta necessariamente a falta de fundamento para a sua instauração ou para a aplicação da referida medida cautelar. Daí não decorre, contudo, a procedência do presente recurso, por, como vimos, a aplicação e manutenção da pena, ser ilícita, culposa e geradora de danos que têm de ser ressarcidos.
E uma vez que os danos que a A. imputa à aplicação da pena disciplinar (sem distinguir entre a sua aplicação inicial e a sua confirmação na sequência do recurso hierárquico) foram causados pelo Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo e pelo Estado, ambos participantes na sua produção, é solidária a sua responsabilidade (cf. art.º 497.º, n.º 1, do Código Civil).
Assim, ao contrário do alegado pelo recorrente, a sua condenação não se fundou na prática de actos alheios.
Finalmente, no que concerne à determinação equitativa do “quantum” dos danos não patrimoniais, ao abrigo do art.º 496.º, nºs. 1 e 3, do C. Civil, consideramos justo e adequado o valor que, a esse título, foi atribuído pela sentença, atento à ansiedade nervosa e descompensação psicológica que a A. sofreu devido à aplicação da pena disciplinar que, sendo objecto de divulgação, é sempre causa de alguma vergonha, tanto mais quanto, como era o caso, ela já exercia há 12 anos o cargo de Directora do Instituto em causa que era considerado uma instituição modelo a que o seu nome estava associado.
Improcede, pois, o presente recurso jurisdicional.


DECISÃO
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Sem custas.

Lisboa, 8 de Novembro de 2018. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – António Bento São Pedro.