Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0568/12
Data do Acordão:10/24/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:CADUCIDADE DE GARANTIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
ACTO DECLARATIVO
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - Nos termos do artigo 183º-A do CPPT, a demora na resolução da reclamação por mais de um ano tem por consequência jurídica a não exigibilidade da prestação de garantia idónea para obtenção do efeito suspensivo da reclamação e da consequente suspensão da execução.
II - Se a caducidade opera no termo de um ano após a interposição da reclamação graciosa, a verificação dessa situação jurídica apenas ocorre quando o executado a requerer ao órgão com competência para decidir a reclamação.
III - O acto de verificação da caducidade é um acto de conteúdo declarativo, que assenta no reconhecimento de que o requerente já é titular de uma situação jurídica que se constituiu em momento anterior.
IV - Por isso, não é de aceitar a posição, segundo a qual não se pode declarar caduca uma garantia que deixou de ser válida antes de se ter requerido o reconhecimento da sua caducidade.
Nº Convencional:JSTA00067876
Nº do Documento:SA2201210240568
Data de Entrada:05/22/2012
Recorrente:MFIN
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART183-A.
L 15/2001 DE 2001/06/05.
L 30-B/2002 DE 2002/12/15.
Referência a Doutrina:RUI DUARTE MORAIS A EXECUÇÃO FISCAL PAG89.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.1 A Direcção Geral dos Impostos interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que julgou procedente a acção administrativa especial que A……, SA, identificada nos autos, moveu contra o despacho do Director de Finanças Adjunto de Lisboa, de 12/6/2006, que indeferiu o pedido de reconhecimento da caducidade da garantia bancária que prestou para suspensão da execução fiscal instaurado para cobrança coerciva do IRC do exercício de 1999.

Nas alegações, conclui o seguinte:

1. Em 30-3-2004, a contribuinte apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação adicional de IRC de 1999.

2. Em 1-10-2004, apresentou garantia bancária válida até 1-4-2005.

3. Em 1-4-2005, a garantia deixou de ser válida, tornando-se nula e de nenhum efeito.

4. Nessa situação, contrariamente à tese defendida na douta sentença recorrida, não era possível à Administração declarar, nos termos do artigo 183°-A do CPPT, a caducidade da garantia, porquanto, então, a mesma já estava extinta, já não existia.

5. Por assim não entender, a douta sentença recorrida padece de erro na apreciação da matéria de direito, sendo ilegal por desconforme com o citado preceito e, em consequência, não merece ser confirmada.

1.2. Não houve contra-alegações.

1.3. O Ministério Público não emitiu parecer

2. A sentença deu como provados os seguintes factos:
A) A A. foi objecto de uma acção de fiscalização ao exercício de 1999, a qual deu origem a uma liquidação adicional de IRC (cfr. fls. 12 e ss. do PA).

B) Para cobrança da dívida tributária decorrente do não pagamento da liquidação adicional, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3492-2004/01024256, que tramita no Serviço de Finanças de Loures 4 (cfr. fls. 5 do PA).

C) Em 30/03/2004, a A. apresentou uma reclamação graciosa no Serviço de Finanças de Loures 4, a qual até à data da entrada do processo no tribunal, ainda não tinha sido objecto de qualquer decisão (cfr. fls. 5 do PA).
D) Em 1/10/2004, a A. prestou garantia bancária no valor de €979.347,26 no âmbito do processo de execução fiscal referido em B) (cfr. fls. 5 do PA).

E) Em 19/07/2005, a A. apresentou um requerimento dirigido ao Director de Finanças, no qual conclui « (...) 3. Ora, nos termos do n.º 1 do art. 183- A do CPPT, a garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa, caduca se a reclamação não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição. Pelo que nos termos do n.º 4 daquele artigo, se requer a V. Exa declare caduca aquela garantia.» (cfr. fls. 1 do PA apenso)».

F) Por ofício de 29/09/2005, da Direcção de Finanças de Lisboa, a A. foi notificada do deferimento do seu requerimento (cfr. fls. 8 do PA apenso).

G) Em 6/04/2006, a A. foi notificada por ofício da Direcção de Finanças de Lisboa, que a decisão proferida em G) foi revogada por despacho de 31/03/2006, (cfr. fls. 16 do PA apenso), o qual se fundamentava no seguinte: (...) 12. Deste modo, atendendo à data de apresentação da reclamação Graciosa: 30/03/2004 e ao disposto no art. 183°-A do CPPT, temos que a garantia deixou de ser válida no dia seguinte ao decurso do tempo que permitiria requerer a sua caducidade: um ano sem que a Reclamação Graciosa estivesse decidida.

Uma vez que uma garantia que deixou de ser válida (01/04/2005) antes de ser susceptível de verificar a sua caducidade (20/07/2005), não poderá vir a caducar nos termos do art. 183°-A do CPPT. Deste modo, o Despacho de 26/09/2005 que confirmou o deferimento tácito do requerimento em causa, consubstancia na ordem jurídica fiscal um acto inválido e, como tal revogável nos termos do art. 141° do CPA. (…)

H) A P1 deu entrada no Tribunal a 4/07/2006 (cfr. fls. 2 dos autos).

3. A questão de direito que suscitou a apelação da recorrente consiste em saber se a Administração Tributária deve ou não reconhecer o pedido de caducidade de uma garantia bancária que foi efectuado após o decurso de um ano sobre a interposição de reclamação graciosa, sem que esta tenha sido decidida.
A situação de facto em que se coloca essa questão resume-se no seguinte: (i) em 30/3/2004, a recorrida reclamou graciosamente da liquidação do IRC; (ii) em 1/10/2004, apresentou garantia bancária para suspender execução fiscal instaurada para cobrança da quantia liquidada; (iii) em 19/7/2005, solicitou a declaração de caducidade da garantia com fundamento no decurso do prazo de um ano, sem que a reclamação tivesse sido decidida (iv) a recorrente indeferiu esse pedido por entender que, “uma vez que uma garantia que deixou de ser válida (01/04/2005) antes de ser susceptível de verificar a sua caducidade (20/07/2005), não poderá vir a caducar nos termos do art. 183°-A do CPPT”.

A sentença recorrida não atendeu a este argumento, julgando que “o facto da AT verificar a caducidade da garantia em data posterior à produção dos efeitos previstos no art. 183º-A em nada impede que esses efeitos se produzam e que a AT os declare produzidos. E tal declaração de caducidade não é inócua de sentido. Com efeito, a questão de saber se a caducidade nos termos do artº 183º-A operou ou não, tem relevância jurídica, considerando que tal caducidade mantém o efeito suspensivo da execução fiscal até ao encerramento do litígio”.

E, na verdade, nenhum reparo nos merece tal argumentação.

Tendo em conta os termos em que a lei prescreve o regime de caducidade da garantia em caso de reclamação graciosa, não se deve confundir o momento em que a caducidade se produz com o momento em que se declara que ela ocorreu.

Na redacção dada pela Lei nº 30-B/2002, a vigente à data da prestação da garantia, o artigo 183º-A estabelecia o seguinte: «A garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição caduca se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição ou se na impugnação judicial ou na oposição não tiver sido proferida decisão em 1ª instância no prazo de três anos a contar da data da sua apresentação».

Esta norma manda contar o prazo de um ano a partir da data da «interposição» da reclamação e não a partir da data da prestação da garantia. Significa isto que não é a garantia que deve estar prestada e mantida pelo prazo de um ano, mas a reclamação que deve ser decidida nesse prazo. A demora na resolução da reclamação por mais de um ano tem por consequência jurídica a não exigibilidade da prestação de garantia idónea para obtenção do efeito suspensivo da reclamação e da consequente suspensão da execução. Portanto, o momento a partir do qual deixa de ser exigível a prestação ou a manutenção da garantia, como forma de suspensão da execução fiscal, é o decurso de um ano sem que a reclamação graciosa tenha sido resolvida.
O que bem se compreende tendo em conta a razão de ser desta caducidade.

O fim visado pelo legislador ao introduzir no CPPT ao artigo 183º-A, através da Lei nº 15/2001, de 5/6 foi o de impor à administração tributária (e na redacção inicial, também aos tribunais) a resolução célere das impugnações dos impostos, como meio de desonerar os contribuintes com os encargos excessivos que poderiam ter com a prestação da garantia “ad eternum”. Como refere Rui Duarte Morais, o artigo 183º -A do CPTT «procura estabelecer um equilíbrio entre a necessidade de condicionar a suspensão da execução à prestação de garantia e o direito dos contribuintes à justiça, o qual inclui o direito a verem o seu caso apreciado e decidido por um Tribunal num prazo razoável. Veio pôr fim a uma situação de todos conhecida na prática: a de o contribuinte ter que prestar caução ou equivalente para obstar à penhora dos seus bens e ficar obrigado a mantê-la anos e anos (por vezes mais de uma dezena de anos) enquanto o processo segue, “pachorrentamente”, o seu curso em Tribunal» (cfr. A execução Fiscal, pág. 89).

Se a caducidade opera no termo de um ano após a interposição da reclamação graciosa, a verificação dessa situação jurídica apenas ocorre quando o executado a requerer ao órgão com competência para decidir a reclamação. O nº 4 do artigo 183º-A, na redacção então vigente, preceituava que «a verificação da caducidade cabe ao tribunal tributário de 1ª instância onde estiver pendente a impugnação, recurso ou oposição, ou, nas situações de reclamação graciosa, ao órgão com competência para decidir a reclamação, devendo a decisão ser proferida no prazo de 30 dias após requerimento do interessado».

Acontece que o acto de verificação da caducidade é um acto de conteúdo declarativo, que assenta no reconhecimento de que o requerente já é titular de uma situação jurídica que se constituiu em momento anterior. O alcance declarativo resulta do nº 1 do artigo 183º-A, que define a circunstância em que ocorre a caducidade. Trata-se apenas de reconhecer a existência de uma situação objectiva que resulta ope legis, automaticamente, ou seja, da verificação de que a reclamação graciosa não foi decidida, por motivo não imputável ao executado, no prazo de um ano a contar da data da sua interposição.

O direito à caducidade da garantia constituiu-se automaticamente por determinação legal, pelo que à pronúncia mediante a qual a administração tributária cumpra, nos termos do artigo 183º-A, reconhecê-lo, apenas se deve imputar um alcance simplesmente declarativo. É que, o momento determinante da fatiispecie prevista naquela norma não é o da emissão do acto de verificação da caducidade, mas o do preenchimento dos elementos constitutivos da situação jurídica à qual esse acto se reporta.

Por conseguinte, não é de aceitar a posição da recorrente, segundo a qual não se pode declarar caduca uma garantia que deixou de ser válida. Não se pode afirmar que a caducidade é um efeito inovatório que apenas é introduzido pelo próprio acto da Administração, quando a sua emissão surge no exercício de poder de verificação vinculada. Como a caducidade da garantia é um efeito que resulta directamente da lei, o acto da Administração apenas desempenha a função de dar atendibilidade a uma situação já constituída. Se tem essa função, não se vê qual seja o obstáculo em se declarar, por referência a um momento passado, que a caducidade ocorreu, tornando certa e incontestável para todos os efeitos, essa situação.

Não sendo exigível a manutenção da garantia após o decurso de um ano sem que a reclamação tenha sido decidida, é irrelevante que a validade da garantia tenha cessado no mesmo momento em que se deve considerar que caducou. Nem o executado deixou de ter encargos com a garantia pelo facto da sua validade ter cessado no mesmo dia em que, por força da lei, ela deixou de ser exigível, nem a execução fiscal deixa de continuar suspensa pela perda da sua validade. Bem pelo contrário, para que a execução continue suspensa sem garantia idónea é necessário um acto que declare a situação de caducidade.

4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 24 de Outubro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.