Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01159/05
Data do Acordão:05/21/2008
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:POLÍBIO HENRIQUES
Descritores:PLANO DE ORDENAMENTO DO PARQUE NATURAL DA ARRÁBIDA
DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE DE NORMAS
PARTICIPAÇÃO PROCEDIMENTAL
AUDIÊNCIA DO INTERESSADO
DISCUSSÃO PÚBLICA
Sumário:I - Salvo standards urbanísticos previstos em instrumento normativo hierarquicamente superior, que obrigatoriamente deva conter, o conteúdo do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida, decorre de alargada discricionariedade da entidade planificadora na escolha das soluções de uso, ocupação e transformação do solo mais adequadas a salvaguardar “os recursos e valores naturais” e a assegurar “a permanência dos sistemas indispensáveis à utilização sustentável do território” (arts. 42º/2 e 44º do DL nº 380/99, de 22 de Setembro).
II - Nos termos previstos no art. 65º da Constituição da Republica Portuguesa “é garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território”.
III - E, de acordo com o regime legal do direito ordinário, concretizador da garantia de participação procedimental (arts. 6º, 7º e 48º do DL nº 380/99 de 22 de Setembro e 4º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto), o momento privilegiado para assegurar a participação consciente, informada e eficaz dos interessados é a fase de discussão pública, período durante o qual podem formular reclamações, observações, sugestões e pedidos de esclarecimento.
IV - Para assegurar a eficácia da participação procedimental, a proposta de plano submetida a discussão pública deve estar aberta a modificações, maxime às que resultem dos contributos dos interessados.
V - Sob pena de a fase de audição se tornar impraticável e interminável, nem toda a alteração da proposta determina a reabertura da discussão pública.
VI - Esta, só se torna imperativa, à luz da garantia de participação procedimental, se a modificação introduzida consubstanciar uma inovação normativa essencial que represente a negação dos pontos nucleares que formaram a substância do texto legal participado, com consagração de soluções fundamentalmente diferentes.
Nº Convencional:JSTA00065056
Nº do Documento:SA12008052101159
Data de Entrada:11/21/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:CM
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:ACÇÃO ADM ESPECIAL.
Objecto:RCM 141 DE 2005/06/23 IN DR 161 ISB 2005/08/23.
Decisão:IMPROCEDENTE.
Área Temática 1:DIR URB - ÁREAS PROTEGIDAS.
Legislação Nacional:DL 380/99 DE 1999/09/22 ART42 N2 ART44 ART48 ART6 ART7.
DL 85/2005 DE 2005/04/28.
CONST ART65 N5.
L 48/98 DE 1998/08/11 ART5.
L 83/95 DE 1995/08/31 ART4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1167/05 DE 2007/10/11.; AC STA PROC44087 DE 1999/02/23.
Referência a Doutrina:ALVES CORREIA MANUAL DE DIREITO DO URBANISMO PAG402 PAG424-426.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO
1.1. A… , casado, engenheiro, residente na Rua … , Setúbal, intenta contra o Conselho de Ministros do Governo de Portugal a presente acção administrativa especial de impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão, pedindo a revogação parcial do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 141 de 23 de Junho de 2005, publicada no Diário da República nº 161, I Série B, de 23 de Agosto de 2005.
Argumenta, em síntese que:
(i) o A. e seus familiares têm uma propriedade situada numa área de protecção complementar do Tipo II referenciada nessas normas do Regulamento do POPNA colocado à discussão pública, sendo que,
(ii) nessa propriedade têm edificações antigas cuja construção era viabilizada pelas normas do Regulamento do POPNA colocado à discussão pública em 2003 e é inviabilizada pela versão definitiva aprovada pela Resolução impugnada;
(iii) a Resolução alterou a previsão dos artigos 19º e 20º da proposta que foi apresentada à discussão pública, impedindo o A. e seus irmãos de procederem à divisão da propriedade para edificação, sendo manifestamente lesiva do interesse do Autor;
(iv) o Regulamento em causa viola o princípio constitucional da salvaguarda da participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas, manifestação do princípio da transparência do procedimento por desrespeitar a versão inicial colocada à discussão pública. Elimina pura e simplesmente a caracterização das áreas de protecção do Tipo III (artigo 21º do Projecto), lesando o A., uma vez que também por essa via a sua propriedade seria edificável por se situar parcialmente em espaço de transição ou para-urbano. Relativamente às actividades interditas (artigo 8º do Regulamento aprovado) a entidade Ré fez desaparecer a actividade de co-incineração de resíduos industriais perigosos que antes constava do artigo 8º do Projecto colocado a discussão pública, o que é lesivo para todos e sobretudo para o ambiente, entendido este no conceito lato de qualidade de vida, afectando, portanto, também a propriedade do A.;
(v) por via disso, está ferido de vício equivalente a falta de prévia fundamentação, por preterição da formalidade essencial da audiência prévia dos interessados e é nulo por violar o conteúdo essencial de um direito fundamental.
1.2. Na contestação, a fls. 212-220, o Conselho de Ministros pugnou, primeiro, pela absolvição da instância, por o Supremo Tribunal Administrativo, sem violar o nº 1 do art. 3º do CPTA, não ter os poderes necessários para corresponder ao pedido formulado pelo Autor e, segundo, pela improcedência da acção, dada a legalidade do Regulamento.
1.3. A convite do relator o Autor, a fls. 237, circunscreveu o pedido, na parte impugnatória, à declaração de ilegalidade com efeitos apenas para o caso concreto.
1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público pronunciou-se pela improcedência da acção (fls. 145-148)
1.4. Foi lavrado despacho saneador e as partes notificadas para alegações (fls. 240).
1.5. O Autor apresentou alegações com as seguintes conclusões:
A) Na versão do Regulamento do POPNA colocada a discussão pública, o A. com a sua mãe e irmão podiam dividir a sua propriedade comum e em cada parcela promover a construção de uma habitação (v. artigos 19º e 20º do Projecto colocado a discussão pública);
B) Por outro lado, de acordo com o mesmo projecto, o A. e seus familiares também podiam reconstruir edificações antigas da sua propriedade (v. artigos 8º a 20º do Projecto);
C) Também o Projecto previa a interdição da co-incineração de resíduos perigosos na área do Parque Natural da Arrábida;
D) No âmbito da discussão pública daquele projecto não houve qualquer intervenção que se pronunciasse contra o conteúdo daquelas normas;
E) No entanto, a versão final do Regulamento do POPNA consagra normas exactamente contrárias às do projecto nas citadas matérias;
F) Não foi promovida nova discussão pública que permitisse aos destinatários da nova versão, pronunciar-se sobre normas perante cujo conteúdo lesivo não haviam sido confrontados;
G) Por isso, o normativo aprovado pelo R. viola a formalidade essencial de audiência prévia dos interessados na medida em que emite normas cujo conteúdo não coincide nem era previsível no conjunto de normas apresentadas previamente à discussão pública;
H) Ora, a preterição dessa formalidade essencial inquina o Regulamento do POPNA de vício conducente à declaração de nulidade em virtude coincidir com violação de direito fundamental ou equiparado;
I) De qualquer forma, está sempre tal Regulamento viciado de falta de fundamentação exactamente pelas mesmas razões.
Assim, deve a entidade R. ser condenada a revogar a Resolução nº 141, de 23 de Junho de 2005, publicada no DR nº 161, Série B de 23 de Agosto de 2005 ou, pelo menos, a substituí-la por outra que consagre a interdição da co-incineração de resíduos industriais na área abrangida pelo Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida, que consagre o direito de edificabilidade em áreas de protecção complementar Tipo II desde que tais áreas possuam 2,5 hectares, que consagre o direito de reconstrução de edifícios existentes nos termos que constavam da Proposta e que consagre a regulamentação das áreas de protecção complementar do Tipo III, porque a propriedade do A. se insere em área de transição ao confinar com aglomerado urbano existente.”
1.6. O Conselho de Ministros contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
I A autora solicita a revogação de partes do regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida e a condenação da entidade demandada a substituir algumas disposições de acordo com o sentido que propõe.
II. O Supremo Tribunal Administrativo não possui, sem violar o n° 1 do artigo 3° do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, os poderes necessários para corresponder ao pedido formulado pela autora já que a acção administrativa especial de declaração da ilegalidade de normas administrativas não pode determinar a condenação na revogação e substituição das ditas normas.
III .Deste modo, deve a entidade demandada ser absolvida da instância, sem que se proceda à apreciação do mérito da acção.
IV A eliminação das áreas de protecção complementar de Tipo III teve como fundamento a uniformização das regras aplicáveis às áreas de protecção complementar do Tipo II e do Tipo III, não se justificando a abertura de qualquer período adicional de discussão pública, já que essa solução resultou precisamente da ponderação dos resultados desse trâmite procedimental.
V. As diferenças de regime, como aconteceu com o aumento da área mínima de terreno para efeitos de edificabilidade, resultaram da própria discussão pública, não justificando a sua repetição.
VI. O regime jurídico da incineração e da co-incineração de resíduos perigosos e não perigosos foi harmonizado, nas ordens jurídicas dos Estados que integram a União Europeia, através da Directiva n° 2000/76/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Dezembro de 2000.
VII.Os requisitos de admissibilidade das operações de co-incineração de resíduos em unidades industriais já em laboração constam do Decreto-Lei n° 85/2005, de 28 de Abril - acto legislativo que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n° 2000/76/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Dezembro de 2000.
VIII. Não é o regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida que deve estabelecer as condições em que se podem ou não realizar operações de co-incineração de resíduos na área territorial abrangida; o Decreto-Lei n° 85/2005, de 28 de Abril, é que determina qual a relevância dos planos territoriais para efeitos de licenciamento de operações de co-incineração de resíduos.
IX. Não poderia nunca resultar do regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida uma regulação derrogatória do sistema normativo que enforma o Decreto-Lei n° 85/2005, de 28 de Abril, já que tal conclusão sempre contenderia com o princípio da hierarquia dos actos normativos, plasmado no artigo 112° da Constituição.
X. A realização de operações co-incineração de resíduos perigosos ou não perigosos, em qualquer parcela do território nacional, incluindo o Parque Natural da Arrábida, é ou não possível nos termos estabelecidos no Decreto-Lei n° 85/2005, de 28 de Abril, visto se tratar matéria reservada para a função legislativa por força do seu tratamento por acto legislativo.
XI.A eliminação da proibição da co-incineração de resíduos perigosos do regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida constitui um resultado da discussão pública, enquanto produto da ponderação de observações formuladas não só pelos particulares mas também pelos próprios serviços administrativos.
XII A eliminação da proibição da co-incineração de resíduos perigosos na área do Parque Natural da Arrábida não introduziu no regulamento do plano qualquer alteração substancial susceptível de determinar a abertura de novo período de discussão pública, já que, em qualquer caso, a co-incineração de resíduos sempre seria ou não admitida nos termos da lei.
XIII. Por tal razão, nunca seria necessário abrir um período de discussão pública suplementar.
XIV. O Conselho de Ministros quando procede à aprovação de um Plano Especial de Ordenamento do Território exerce uma competência dispositiva devendo proceder a uma apreciação perfunctória da conformidade do plano face às vinculações legais e podendo introduzir as alterações que se afigurem adequadas conquanto não altere o sistema de planeamento que foi objecto de discussão pública.
Termos em que deve ser negado provimento à presente acção, mantendo-se na ordem jurídica as disposições normativas impugnadas dado tratar-se de um preceito válido.
Cumpre decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. OS FACTOS
Com interesse para a decisão consideram-se assentes os seguintes factos
1 - O A. é comproprietário do prédio rústico sito em … , freguesia da Nossa Senhora da Anunciada, concelho de Setúbal a que correspondem os artigos 15, 1632 e 1703 da respectiva matriz e está descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº … (fls. 17-18).
2 - Entre os dias 3 de Fevereiro e 23 de Junho de 2003, foi colocado em discussão pública o projecto de Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (fls. 19 - 72).
3 - No artigo 21º do projecto constava a definição do âmbito e regime das “áreas de protecção complementar tipo III”
4 - No artigo 20, n.º3, do projecto constava como área mínima da parcela edificável 2,5 hectares.
5 - No artigo 7, al. c) desse mesmo projecto, entre as “interdições” previstas, estava a actividade de «co-incineração de resíduos industriais perigosos».
6 - O Conselho de Ministros, em 23 de Junho de 2005, pela Resolução n° 141/2005, deliberou aprovar a versão definitiva do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida, que viria a ser publicado no D.R., 1 série - B, de 23/08/2005 (fls. 74 e segs.).
7 - Nesse Plano deixou de estar previsto o regime das “áreas de protecção complementar tipo III”, bem como a área mínima da parcela edificável passou para 5 hectares (artigos 20º e 21º, n.º3, al. a), fls. 81).
8 - Igualmente a co-incineração de resíduos industriais perigosos deixou de estar prevista no elenco das “actividades interditas” (artigo 8º, fls. 78).
9 - No Relatório de Ponderação da Discussão Pública, inserto no volume 5 do P.A. apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, o seguinte:
“5.2. ANÁLISE TEMÁTICA
5.2.1 URBANISMO E EDIFICABILIDADE
Relativamente às questões relacionadas com as limitações à construção, a maioria das participações foi no sentido de reduzir o nível das restrições impostas pelo POPNA. As questões urbanísticas e de edificabilidade, resultantes da Discussão Pública, referem-se resumidamente a perdas de eventuais direitos dos proprietários resultantes das condicionantes à construção em prédios rústicos; aos parâmetros urbanísticos definidos para áreas de Protecção Complementar III; a pequenos acertos nas delimitações dos perímetros urbanos; ao direito à construção em propriedade privada.
Algumas participações contestam as limitações impostas pelo plano para a edificabilidade em pequenas parcelas de terreno com o fundamento de que existem algumas áreas em que a dimensão média da propriedade não atinge a dimensão mínima exigida. Esta limitação tem por objectivo a manutenção das características paisagísticas nas áreas rurais do Parque, contrariando-se assim a tendência actual, para a transformação de áreas rurais em áreas com características para-urbanas ou urbanas. A área mínima do prédio com eventual capacidade de construção foi corrigida para 5 ha, antendo-se os parâmetros actualmente em vigor que permitem a construção de 40 m2 por hectare, condicionando a área máxima de construção a 200m2, o que vai ao encontro de algumas das participações recebidas
2.2. O DIREITO
2.2.1. Na presente acção o autor insurge-se contra o conteúdo normativo do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 141 de 23 de Junho de 2005, publicada no Diário da República nº 161, I Série B, de 23 de Agosto de 2005.
Percorrida a petição, percebe-se que o autor pretende o seguinte:
(i) a desaplicação da norma do art. 21º, nº 3, al. a), i) do Regulamento que fixa em 5 ha a área mínima da parcela edificável;
(ii) que o Regulamento consagre o direito de reconstrução de edifícios existentes, nas áreas de protecção complementar Tipo II, nos termos que constavam da Proposta submetida à discussão pública, isto é, desde que a parcela edificável tenha a área mínima de 2,5 ha;
(iii) que se introduza no Regulamento a previsão relativa às áreas de protecção complementar Tipo III, constante da Proposta e que não passou para a versão final aprovada em Conselho de Ministros;
(iv) que se recupere a interdição da co-incineração de resíduos industriais perigosos, que constava no art. 7º, al. c) da Proposta e que foi suprimida do elenco das actividades interditas previsto no art. 8º do Regulamento.
A acção não pode proceder quanto às três últimas pretensões que acabámos de enumerar.
Nesta parte, nos termos alegados pelo autor, só é pensável a ilegalidade do Regulamento em razão da falta de um suposto conteúdo normativo positivo que o mesmo devia consagrar e não foi aprovado.
Ora, quanto ao conteúdo material dos planos especiais de ordenamento do território, a lei confere à entidade planificadora uma alargada discricionariedade na escolha das soluções de ocupação, uso e transformação do solo mais adequadas a salvaguardar “recursos e valores naturais” e a assegurar “a permanência dos sistemas indispensáveis à utilização sustentável do território” (art. 42º/2 e 44º do DL nº 380/99 de 22 de Setembro). Cfr. Alves Correia, in “Manual de Direito do Urbanismo”, pp 402 e segs.
Na acção, as ditas pretensões vêm arrimadas, apenas, na circunstância de as medidas em causa, que davam satisfação aos seus interesses, terem sido previstas na Proposta submetida à discussão pública e, depois, suprimidas do texto aprovado pelo Conselho de Ministros, com alegada violação do direito de audiência prévia dos interessados.
Sendo exacto o facto, o mesmo não implica a procedência do pedido.
Vejamos.
A proposta inicial da Administração não é imodificável. Por um lado, de acordo com o previsto no art. 48º do DL nº 380/99, de 22/9, tem que ficar aberta às “reclamações, observações ou sugestões” dos particulares, cuja ponderação deve ter em conta na versão final para aprovação. Por outro lado, não pode ver-se na proposta inicial a auto-vinculação do exercício do poder discricionário, com preclusão da possibilidade de a Administração mudar de ideias e adoptar, a final, outras soluções que entenda serem as mais adequadas à protecção dos interesses relevantes.
E, a haver violação das regras a que deve obedecer a audiência pública, o vício formal, em si mesmo, limitar-se-á a projectar eventuais efeitos invalidantes sobre as soluções efectivamente consagradas. Não opera a repristinação do regime apresentado na proposta inicial.
Quanto à substância, o autor não invoca qualquer norma ou princípio geral de direito material que, enquanto limite do poder discricionário, imponha à Administração o dever de consagrar a área mínima edificável de 5 ha, de prever uma específica área de protecção complementar de Tipo III e / ou de interditar a co-incineração. Não alega a previsão, em instrumento normativo hierarquicamente superior de standards urbanísticos Cf. Alves Correia, ob. cit., pp. 424-426 e, como exemplo de standard vinculativo, o disposto no art. 78º/2 da Lei nº 30/2004, de 21 de Julho (Lei de Bases do Desporto);
- veja-se, quanto à co-incineração e à inexistência de standard a impor a proibição no Parque Natural da Arrábida, o regime do DL nº 85/2005, de 28 de Abril que obriguem a entidade planificadora a introduzir no Regulamento as medidas por ele preconizadas.
Neste quadro, não se descortina a violação de qualquer vinculação legal, nem exercício vicioso do poder discricionário, propriamente dito, determinante da ilegalidade do conteúdo do Regulamento do Plano de Ordenamento da Arrábida, por falta de previsão normativa, nos termos pretendidos pelo autor.
2.2.2. Apreciemos, por fim, a invocada ilegalidade da norma do art. 21º, nº 3, al. a) i) do Regulamento que fixa em 5ha a área mínima da parcela edificável.
Neste ponto, uma vez que o autor não alega qualquer vício substantivo, importa, tão –só, indagar se, na circunstância, foi ou não desrespeitado o seu direito de participação procedimental sucessiva, na fase de discussão pública.
Diz o art. 65º/5 da Constituição da República Portuguesa que “é garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território”.
E, como concretizações da garantia constitucional podemos ver:
- Lei nº 48/98, de 11 de Agosto que estabelece as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo
(…)
Artigo 5º
Princípios gerais
A política de ordenamento do território e de urbanismo obedece aos princípios gerais de:
(…)
f) Participação, reforçando a consciência cívica dos cidadãos através do acesso à informação e à intervenção nos procedimentos de elaboração, execução, avaliação e revisão dos instrumentos de gestão territorial
(…)
- DL nº 380/99, de 22 de Setembro, que desenvolve as bases da política de ordenamento do território e do urbanismo
(…)
Artigo 6º
Direito de participação
1 - Todos os cidadãos bem como as associações representativas dos interesses económicos, sociais, cul­turais e ambientais têm o direito de participar na ela­boração, alteração, revisão, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial.
2 - O direito de participação referido no número anterior compreende a possibilidade de formulação de sugestões e pedidos de esclarecimento ao longo dos pro­cedimentos de elaboração, alteração, revisão, execução e avaliação, bem como a intervenção na fase de discussão pública que precede obrigatoriamente a aprovação.
3 - As entidades públicas responsáveis pela elabo­ração, alteração, revisão, execução e avaliação dos ins­trumentos de gestão territorial divulgam, designada­mente através da comunicação social:
a) A decisão de desencadear o processo de ela­boração, alteração ou revisão, identificando os objectivos a prosseguir;
b) A conclusão da fase de elaboração, alteração ou revisão, bem como o teor dos elementos a submeter a discussão pública;
c) A abertura e a duração da fase de discussão pública;
d) As conclusões da discussão pública;
e) Os mecanismos de execução utilizados no âmbito dos instrumentos de gestão territorial;
f) O início e as conclusões dos procedimentos de avaliação.
4 - As entidades referidas no número anterior estão sujeitas ao dever de ponderação das propostas apre­sentadas, bem como de resposta fundamentada aos pedi­dos de esclarecimento formulados.
Artigo 7°
Garantias dos particulares
1 - No âmbito dos instrumentos de gestão territorial são reconhecidas aos interessados as garantias gerais dos administrados previstas no Código do Procedimento Administrativo e no regime de participação procedimental, nomeadamente:
a) O direito de acção popular;
b) O direito de apresentação de queixa ao Pro­vedor de Justiça;
c) O direito de apresentação de queixa ao Minis­tério Público.
2 - No âmbito dos planos municipais de ordena­mento do território e dos planos especiais de ordena­mento do território é ainda reconhecido aos particulares o direito de promover a sua impugnação directa.
Artigo 48º
Participação
1 - Ao longo da elaboração dos planos especiais de ordenamento do território, a entidade pública respon­sável deve facultar aos interessados todos os elementos relevantes para que estes possam conhecer o estádio dos trabalhos e a evolução da tramitação procedimental, bem como formular sugestões à entidade pública res­ponsável e à comissão mista de coordenação.
2 - A entidade pública responsável publicitará, atra­vés da divulgação de avisos, a resolução do Conselho de Ministros que determina a elaboração do plano por forma a permitir, durante o prazo estabelecido na mesma, o qual não deve ser inferior a 15 dias, a for­mulação de sugestões, bem como a apresentação de informações sobre quaisquer questões que possam ser consideradas no âmbito do respectivo procedimento de elaboração.
3 - Concluído o período de acompanhamento e, quando for o caso, decorrido o período de concertação, a entidade pública responsável procede à abertura de um período de discussão pública, através de aviso a publicar no Diário da República e a divulgar através da comunicação social, dos quais consta a indicação do período de discussão, das eventuais sessões públicas a que haja lugar, dos locais onde se encontra disponível a proposta, acompanhada do parecer da comissão mista de coordenação e dos demais pareceres eventualmente emitidos, bem como da forma como os interessados podem apresentar as suas reclamações, observações ou sugestões.
4 - O período de discussão pública deve ser anun­ciado com a antecedência mínima de 8 dias e não pode ser inferior a 30 dias.
5 - A entidade pública responsável ponderará as reclamações, observações, sugestões e pedidos de escla­recimento apresentados pelos particulares, ficando obri­gada a resposta fundamentada perante aqueles que invo­quem, designadamente:
a) A desconformidade com outros instrumentos de gestão territorial eficazes;
b) A incompatibilidade com planos, programas e projectos que devessem ser ponderados em fase de elaboração;
c) A desconformidade com disposições legais e regulamentares aplicáveis;
d) A eventual lesão de direitos subjectivos.
6 - A resposta referida no número anterior será comunicada por escrito aos interessados, sem prejuízo do disposto no artigo 10º, nº 4, da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto.
7 - Sempre que necessário ou conveniente, a enti­dade pública responsável promoverá o esclarecimento directo dos interessados.
8 - Findo o período de discussão pública, a entidade pública responsável divulga e pondera os respectivos resultados e elabora a versão final da proposta para aprovação.
- Lei nº 83/95, de 31 de Agosto – Direito de participação procedimental e de acção popular:
CAPÍTULO II
Direito de participação popular
Artigo 4º
Dever de prévia audiência na preparação de planos ou na localização e realização de obras e investimentos públicos.
1 - A adopção de planos de desenvolvimento das actividades da Administração Pública, de planos de ur­banismo, de planos directores e de ordenamento do ter­ritório e a decisão sobre a localização e a realização de obras públicas ou de outros investimentos públicos com impacte relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e da vida em geral das popula­ções ou agregados populacionais de certa área do ter­ritório nacional devem ser precedidos, na fase de ins­trução dos respectivos procedimentos, da audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos in­teresses que possam vir a ser afectados por aqueles pla­nos ou decisões.
(…)
Este quadro normativo dá nota de que a lei visa garantir aos particulares interessados um direito de participação consciente, informada e eficaz, cujo momento privilegiado é a fase de discussão pública, período durante o qual podem formular reclamações, observações, sugestões e pedidos de esclarecimento.
Em contraposição à ampla discricionariedade da actividade de planificação, a lei vincula a Administração a divulgar e ponderar os resultados da discussão pública e até, nos casos descritos no nº 5 do art. 48º do DL 380/99, de entre os quais se conta “a eventual lesão de direitos subjectivos”, a dar resposta fundamentada aos cidadãos participantes. Temos, assim, que, de acordo com o respectivo regime legal, o procedimento administrativo de planificação é um espaço no qual se quer uma participação dos interessados que acrescente informação e contribua para a racionalização da actividade da Administração e para protecção dos administrados, antes da versão final, tudo ao serviço da solução justa.
E não há dúvida que, de acordo com o modelo gizado, na fase da discussão pública, o ponto axial da participação é a proposta apresentada a escrutínio dos interessados. Porém, ainda de acordo com o modelo legal, para assegurar a eficácia da participação, essa primeira versão do plano não pode ser inalterável e está, necessariamente, aberta à introdução de modificações. A garantia de participação procedimental não confere aos interessados, é certo, o direito de ver acolhidas pela Administração as suas sugestões, observações ou reclamações. Mas, se investe a entidade planificadora no dever de as examinar e ponderar (art. 48º/8 do DL 380/99) é forçoso considerar que as mesmas podem vir a contribuir para introdução de alterações a consagrar na versão final da proposta para aprovação.
Dito isto, somos chegados ao ponto crucial do dissídio na presente acção, que é o de saber se, no caso em apreço, tendo em conta a alteração introduzida na proposta inicial quanto à área mínima da parcela edificável, foi, ou não, desrespeitada a garantia do autor à participação procedimental.
Segundo ele a garantia foi ofendida e deveria ter sido promovida nova discussão pública que permitisse aos destinatários da nova versão pronunciar-se sobre a norma com cujo conteúdo lesivo não haviam sido confrontados.
Vejamos.
Como atrás referimos, para dar eficácia à participação procedimental, a proposta inicial tem de estar aberta à introdução de alterações. Mas, se entendermos que a garantia exige, para toda e qualquer modificação, a reedição da discussão pública, podemos entrar num processo de audição impraticável e sem fim. Cada modificação determinaria a reabertura da discussão, a ponderação desta originaria nova alteração que, por sua vez, implicaria nova discussão e assim sucessivamente.
A nosso ver só não se cumpre a lei, frustrando-se a garantia de participação procedimental se, porventura, for aberta a discussão sobre um determinado projecto e, a final, vier a ser aprovado um outro que numa “inovação normativa essencial que represente a negação dos pontos nucleares que formaram a substância da disciplina do texto legal participado” Citação do acórdão STA de 2007.10.11- recº nº 1167/05 consagre soluções fundamentalmente diferentes, Cf, acórdão STA de 1999.02.23 – recº nº 44 087 com as quais os interessados não podiam razoavelmente contar e que, por via disso, devam ser dadas como subtraídas à discussão pública.
Ora, no caso em apreço, não ocorreu tal mudança fundamental.
Comparando os dois normativos constatamos que as grandes opções quanto à ocupação, uso e transformação do solo, contidas na proposta publicitada, foram mantidas na versão final aprovada.
Nesta foi suprimida a área de protecção complementar de tipo III, mas o objectivo de manter a caracterização do espaço abrangido como predominantemente rural, funcionando como tampão à expansão urbana, passou a estar assegurado, em aglutinação, pelo regime de protecção complementar de tipo II.
Também houve mudança quanto à área mínima da parcela edificável. Porém, nesta matéria, manteve-se o que era primordial, isto é um regime de restrição à edificação, tendo em vista a manutenção das actividades tradicionais, nomeadamente de natureza agrícola, pastoril e florestal e o fomento de acções de valorização ambiental e desenvolvimento local, designadamente pelas actividades de turismo de natureza, recreativas e desportivas. E sobre tudo isto, o autor teve possibilidade de se pronunciar durante o período de discussão pública, emitindo opinião, contra ou a favor, sugerindo a manutenção ou reclamando a alteração da proposta, acerca da consagração de áreas de protecção, suas delimitações e respectivas disciplinas restritivas, inclusive sobre a área mínima da parcela edificável.
Neste quadro, entendemos que foi assegurada a garantia de participação procedimental do autor e que a correcção da área mínima do prédio com eventual capacidade de construção, que era de 2,5 ha no projecto inicial e passou a ser de 5 ha na versão final aprovada e que, conforme resulta do probatório (ponto 9.), foi motivada pela ponderação das participações na discussão pública e considerada pela Administração como a mais adequada ao objectivo de preservar “ as características paisagísticas nas áreas rurais do Parque, contrariando a tendência actual para a transformação de áreas rurais em áreas com características para-urbanas ou urbanas”, não consubstanciou uma mudança de opção de plano fundamentalmente diferente que impusesse a renovação da audição pública.
Em suma: o Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida não sofre das ilegalidades que lhe vêm assacadas.
3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a acção.
Custas pelo autor, que se fixam em 8 unidades de conta (artigos 34º, nº 1 CPTA e 73º-D, nº 3 do C. C. Judiciais).
Lisboa, 21 de Maio de 2008. – António Políbio Ferreira Henriques (relator) – Rosendo Dias José – Jorge Manuel Lopes de Sousa.