Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0214/05.7BELRS
Data do Acordão:01/19/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, ela não ter vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P30472
Nº do Documento:SA1202301190214/05
Data de Entrada:01/10/2023
Recorrente:MUNICÍPIO DE TORRES VEDRAS
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O MUNICÍPIO DE TORRES VEDRAS - demandado, juntamente com a contra-interessada C..., LDA., e os actuais proprietários de sete fracções prediais autónomas, nesta acção administrativa «especial», intentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - de 08.09.2022 - que, conhecendo de apelações independentes interpostas por ele e pela sociedade contra-interessada, e de «apelação subordinada» interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, decidiu negar provimento a todas e manter integralmente o decidido na sentença recorrida - do TAC de Lisboa, datada de 26.11.2020.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Em acção administrativa «especial» intentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO - ao abrigo do disposto nos artigos 9º e 55º nº1 alínea b) do CPTA, «em defesa da legalidade, do urbanismo e do ordenamento do território» -, o tribunal de 1ª instância - TAC de Lisboa - decidiu «declarar a nulidade» de um conjunto de actos administrativos referentes ao empreendimento urbanístico levado a cabo em ..., freguesia ..., do concelho de Torres Vedras - foram declarados nulos os seguintes actos: a) Deliberação da Câmara Municipal de Torres Vedras, de 22.10.1999, que aprovou o projecto de arquitectura de condomínio habitacional requerido pela sociedade contra-interessada; b) Despacho de 16.11.2001, de deferimento da licença de construção; c) Despacho de 28.12.2001, do Presidente da Câmara de Torres Vedras, que ordenou a emissão do alvará de licença de construção nº...1; d) Despacho de 23.09.2003, que aprovou o projecto de alterações; e) Despacho de 12.11.2003, que emitiu o novo alvará de construção com o nº...3; f) Despacho de 10.02.2004, do Presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras, que emitiu a licença de utilização para os 14 fogos, identificados pelas «letras ... a ... e eventual despacho que tenha sido proferido, entretanto, para emissão de licença de utilização para os fogos restantes -, e julgar improcedente o pedido de «declaração de nulidade» dos actos de constituição da propriedade horizontal e dos negócios jurídicos de compra/venda celebrados relativamente às fracções autónomas.

O tribunal de 2ª instância - TCAS - negou provimento a duas apelações independentes - interpostas pelo MUNICÍPIO DE TORRES VEDRAS e pela contra-interessada C...., LDA. - e à apelação subordinada - interposta pelo autor MINISTÉRIO PÚBLICO -, confirmando assim o decidido na sentença aí recorrida.

A questão nuclear apreciada pelo tribunal de apelação relativamente às duas apelações independentes foi a de saber se à situação urbanística controvertida serão aplicáveis os parâmetros urbanísticos definidos no nº2, do artigo 8º, do RPDM de Torres Vedras, ou as condições específicas de edificação para aglomerados urbanos e espaços urbanos de nível rural estatuídas no artigo 16º do mesmo RPDM. E manteve o que a tal respeito fora decidido na sentença aí recorrida, isto é, que o controvertido conjunto edificativo não podia ter sido dispensado do cumprimento das condições específicas de edificação para aglomerados urbanos e espaços urbanos de nível rural previstas no artigo 16º do referido RPDM.

Em sede de conhecimento da apelação subordinada, o TCAS, também no seguimento da sentença do TAC, entendeu que «os actos de constituição de propriedade horizontal não podem considerar-se actos consequentes no sentido de a respectiva validade estar incindivelmente ligada ao acto de licenciamento declarado nulo» o que decorrerá, além do mais, do objectivo visado pelo estatuído no artigo 134º, nº3, do anterior CPA -actual artigo 162º, nº3, do CPA.

Agora é apenas o MUNICÍPIO DE TORRES VEDRAS que não se conforma com o «acórdão do TCAS», e dele pede revista, apontando-lhe «erro de julgamento de direito». Alega que nele se faz uma errada interpretação do sentido que deve ser dado aos artigos 8º e 16º do RPDM de Torres Vedras na versão em vigor à data dos actos impugnados nos autos - constante em anexo à RCM nº159/95, in DR, 1 Série-B, de 30.12.1995 - e ao artigo 52º, nº1 alínea b), do DL nº445/91, de 20.11. Defende que aquele artigo 16º apenas era aplicável a novas «urbanizações», entendidas como novo «loteamento», e que o caso dos autos não poderá ser configurado como operação de loteamento. Acrescenta que o acórdão recorrido não efectuou, ainda, uma «correcta aplicação do artigo 134º, nº3, do CPA» - actual artigo 162º, nº3, do CPA -, pois deveria ter concretizado «em que medida seria aplicável a atribuição de efeitos jurídicos às situações de facto decorrentes dos actos declarados nulos». E pede que o tribunal de revista o faça.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, como vem sublinhando esta «Formação», a admissão da revista fundada na clara necessidade de uma melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente, ou, até, de forma contraditória, a exigir a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como essencial para dissipar as dúvidas sobre o quadro legal que regula essa concreta situação, emergindo, destarte, a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo. E que a relevância jurídica fundamental se verifica quando se esteja - designadamente - perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a respectiva solução envolve a aplicação conjugada de diversos regimes jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha já suscitado dúvidas sérias na jurisprudência ou na doutrina. Por seu lado, a relevância social fundamental aponta para questão que apresente contornos indiciadores de que a respectiva solução pode corresponder a paradigma de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias revestidas de particular repercussão na comunidade.

Feita essa apreciação preliminar e sumária, tal como nos compete, ressalta desde logo a «unanimidade» na decisão proferida pelas instâncias relativamente à declaração de nulidade dos supra identificados actos administrativos. E, em boa verdade, as razões jurídicas avançadas para o efeito assentam numa interpretação e aplicação das normas legais convocadas - pontificando os «artigos 8º e 16º do RPDM de Torres Vedras» - à situação factual provada que não impõem uma ostensiva censura. De facto, o discurso despendido no acórdão recorrido - no seguimento da «sentença de 1ª instância» - mostra-se lógico, aceitável, e conducente a um resultado jurídico razoável. E assim, não obstante a discordância do município recorrente, certo é que a revista não deverá ser admitida em nome da «clara necessidade» de obter «uma melhor aplicação do direito».

Note-se, agora quanto à censura dirigida nas alegações de revista à aplicação do artigo 134º, nº3, do CPA, que, por um lado, o acórdão recorrido não aplicou tal artigo, contra o que parece supor o recorrente, antes o invocou para recusar a natureza dos actos de constituição da propriedade horizontal e dos negócios jurídicos de compra e venda das fracções autónomas como actos consequentes dos declarados nulos, e, por outro lado, que esta questão foi tratada, no acórdão recorrido, no âmbito do recurso subordinado intentado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e não no âmbito da apelação do ora recorrente.

E das alegações deste, em sede de revista, não decorre a formulação de questão ou de questões de particular relevância jurídica ou social mas antes a pretensão de abrir uma «terceira instância», não permitida por lei. E tão pouco o teor deste «caso», atentas as suas particularidades factuais e jurídicas, legitima a «conclusão» de que uma eventual admissão da revista teria relevantes efeitos paradigmáticos.

Por isso, entendemos não se verificar qualquer um dos «pressupostos» justificativos da admissão da revista, pelo que, não será este caso susceptível de quebrar a «regra da excepcionalidade» da admissão do respectivo recurso.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2023. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.