Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:077/12
Data do Acordão:11/13/2013
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
ACÓRDÃO RECORRIDO
SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
ACÓRDÃO FUNDAMENTO
TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO
DECISÃO
RELATOR
Sumário:I - No recurso por oposição de acórdãos, previsto no art. 284º do CPPT, apenas podem relevar decisões que tenham a qualificação de «acórdãos», isto é, decisões colegiais na definição dada pelo art. 156º, nº 3 do CPC, não sendo, por isso, possível invocar como fundamento do recurso um despacho do relator, mesmo que se trate de uma decisão sumária proferida nos termos do art. 705º do CPC.

II - E em face das disposições combinadas dos arts. 284º do CPPT e 152º do CPTA, quando o acórdão recorrido foi proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, não é possível invocar como acórdão fundamento um aresto do Tribunal Central Administrativo.

Nº Convencional:JSTA000P16589
Nº do Documento:SAP20131113077
Data de Entrada:05/29/2013
Recorrente:A...........
Recorrido 1:FAZENDA PUBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1.A………., S.A., recorre para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido por esta Secção em 12 de Abril de 2012, no processo n.º 77/12, a fls. 326 e segs., invocando oposição entre ele e, por um lado, a decisão do Juiz Conselheiro Relator proferida em 27/06/2011, no processo nº 448/11 desta Secção, no que toca à questão da competência em razão da hierarquia do STA para o conhecimento do recurso, e, por outro lado, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23/11/2011, no processo nº 229/09, no que toca à questão da tributação autónoma de despesas confidenciais das entidades concessionárias sujeitas a imposto especial de jogo.

1.1. Por despacho do Exmº Juiz Conselheiro Relator foi julgado que se verificava a invocada oposição de julgados e determinada a notificação das partes para apresentarem alegações sucessivas, em conformidade com o disposto no nº 3 do art.º 282º, aplicável por força do nº 5 do art.º 284º, ambos do CPPT.

1.2. A Recorrente apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

A. A A……….interpôs recurso do Acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário desse ilustre Supremo Tribunal Administrativo (STA), em 12 de Abril de 2012, no âmbito do processo nº 77/12-30 (www.dgsi.pt), por oposição de tal aresto com a decisão proferida pela mesma Secção do STA, em 27 de Junho de 2011, no processo 448/11 (cuja cópia se juntou como doc. nº 5), no que concerne à questão prévia da incompetência em razão da hierarquia; e,
B. Com o aresto da Secção de Contencioso Tributário do Venerando Tribunal Central Administrativo (TCA) Norte, de 23 de Novembro de 2011, proferido no âmbito do processo 229/09 (cuja cópia se juntou como doc. nº 8), no que respeita à questão material, designadamente, à tributação autónoma das despesas confidenciais das entidades concessionárias sujeitas a imposto especial do jogo.
C. Confrontados os Acórdãos — nos quais se tratam, aliás, quadros factuais muito similares —, resulta evidente que, conforme acaba por ser reconhecido, quanto aos pressupostos decisórios comuns, os tribunais superiores proferem decisões jurídicas díspares e antagónicas.
D. Com efeito, no que diz respeito à questão prévia, em ambas as decisões em confronto — ora no Acórdão recorrido, ora na decisão fundamento — é suscitada uma questão prévia sobre a competência em razão da hierarquia do STA para apreciar o recurso interposto de uma decisão de primeira instância, cabendo decidir se o recurso respeita, ou não, exclusivamente a matéria de direito e se, por consequência, cabe na competência daquele STA ou do TCA.
E. Nas duas situações o recurso é interposto para o STA, alegando-se que estaria em causa matéria exclusiva de direito; contudo, nas suas alegações, a Recorrente invoca matéria de facto que contraria a factualidade estabelecida no probatório da decisão de primeira instância recorrida – sendo que, a matéria de facto alegada serve de pressuposto às consequentes alegações de direito.
F. Enquanto na decisão fundamento (P. 448/11) o Tribunal conclui que o recurso não tem por fundamento exclusivo matéria de direito, concluindo pela procedência da invocada excepção de incompetência em razão da hierarquia daquele Tribunal, o Acórdão aqui recorrido, confrontado com a mesma situação, com os mesmos pressupostos, decide em sentido diverso, concluindo que a alegação de matéria de facto pela Recorrente não releva para a decisão da causa, e que, por conseguinte, estando em causa a apreciação exclusiva de matéria de direito no recurso, não procede a excepção invocada de incompetência em razão da hierarquia do STA.
G.Por outro lado, quanto à questão material, a solução jurídica do douto Acórdão recorrido — proposta em revogação de decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro no sentido da pretensão da ora Recorrente — assenta, antes de mais, na premissa de que, as despesas confidenciais “ainda que contabilizadas no exercício exclusivo da actividade de jogo” estão sujeitas a tributação autónoma.
H. Conforme devidamente reconhecido por este Tribunal, o douto aresto recorrido encontra-se em oposição com um outro anterior, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, transitado em julgado, o qual, no mesmo quadro legislativo, aplicou a uma situação fáctica substancialmente idêntica uma solução jurídica expressa de sentido oposto (referimo-nos, em concreto, ao Acórdão de 23/11/2011, proferido no âmbito do processo nº 229/09), nomeadamente por, conforme melhor veremos, ter considerado que, “pelo exercício da actividade de jogo ou de quaisquer outras que estejam obrigadas nos termos dos contratos de concessão, as entidades concessionárias ficam obrigadas ao pagamento de um imposto especial, não sendo exigível qualquer outra tributação, nomeadamente em sede de IRC - artigo 7º do C.I.R.C. e 84º, nº 2, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro”.
I. Neste Acórdão, o TCAN levou em consideração o “regime fiscal de excepção” a que se encontram sujeitas as entidades concessionárias de zonas de jogos, por força dos artigos 84º a 94º do Decreto-Lei nº 422/89, o qual, no seu entender, “é mais vasto do que o [âmbito] daquele artigo 7º [do Código do IRC], constituindo uma norma de exclusão imposta por lei especial”. Continua o citado aresto: “a razão aparente para tamanho regime de excepção poderá ter sido o facto de a tributação do jogo ser já de si uma tributação agravada (tributando capitais de giro, lucros e receitas brutas com taxas elevadas, que poderiam compensar a quebra de receita noutras actividades) e/ou a necessidade de promover a dinamização turística das regiões onde estão instalados os casinos”. Tendo por base esta fundamentação, concluiu o Tribunal que a liquidação de IRC - tributação autónoma - de que a impugnante havia sido alvo se encontrava ferida de ilegalidade.
J. Em todo o caso, independentemente do teor do Acórdão que fundamentou o presente recurso por oposição de julgados, a questão controversa essencial não deixa de ser, neste momento, a que desde sempre separou as posições da Autoridade Tributária e da Recorrente - isto é, a de saber se as despesas confidenciais (ou não documentadas) das entidades concessionárias da indústria do jogo estão ou não sujeitas a tributação autónoma -, tendo em conta que a posição escolhida não poderá, de modo algum, desrespeitar o enquadramento constitucional em que se sustenta o Direito Português.
K. A primeira questão sub judice - e em que é manifesta a oposição entre as decisões recorrida e fundamento, conforme reconhece o Tribunal recorrido - prende-se com a aferição da competência em razão da hierarquia do STA para apreciar um recurso de uma decisão de primeira instância, em que a questão de fundo é a tributação autónoma das despesas confidenciais incorridas por uma entidade sujeita a imposto especial do jogo.
L. O Acórdão recorrido incide sobre uma decisão de primeira instância, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Aveiro, nos termos da qual se conclui pela anulação das liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios endereçadas à A………. - aqui Recorrente -, por referência aos exercícios de 2001, 2002 e 2003.
M.As liquidações resultam da tributação autónoma das despesas confidenciais contabilizadas pela ora Recorrente naqueles exercícios, com base no entendimento de que aquelas despesas estariam sujeitas à dita tributação apesar do facto de os rendimentos da A………. não estarem sujeitos a IRC, nos termos do artigo 7º do Código do IRC.
N. Por ser relevante para a boa decisão da causa, o TAF deu por assente «... que a impugnante inscreveu na sua contabilidade, nos exercícios de 2001, 2002 e 2003, despesas confidenciais (...) relacionadas com a angariação de clientes de jogo».
O.Contudo, nas suas alegações, a Fazenda Pública, Recorrente no recurso da decisão do TAF, invocou expressamente que «Nada se sabendo quanto à natureza, origem e finalidade de tais despesas, as mesmas deverão ser tributadas autonomamente, por força do artigo 4º, nº 1, do Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de Junho, e do artigo 31º da Lei nº 87-B, de 31 de Dezembro, uma vez que a Impugnante não logrou provar que os encargos concretamente decorrentes destas despesas confidenciais estão relacionados com a exploração do jogo».
P. Ora, este pressuposto de facto que conduz a Fazenda Pública a concluir pela tributação autónoma das despesas confidenciais nos termos alegados é, justamente, o cerne da divergência entre a sua tese e a da decisão ali recorrida.
Q.A ênfase dada pela Fazenda Pública a esse pressuposto não pode ter outra leitura que não seja a da impugnação do facto dado como provado na sentença recorrida, de que a as despesas confidenciais foram efectuadas pela A………. no exercício da actividade concessionada de exploração de jogos de fortuna ou azar.
R. Tanto assim é que a Fazenda Pública invoca no seu raciocínio argumentativo aquele facto em sentido oposto ao que é dado como provado na sentença, impugnando-o.
S. Estando o mesmo em divergência com a matéria dada por assente na sentença, há um claro desfasamento na apreciação da matéria de facto, que vem alegado e que cabe ao Tribunal de recurso apreciar — resta saber, aqui chegados, se caberia na competência do STA apreciar o objecto deste recurso.
T. Com efeito, não pode o julgador desconsiderar a seguinte conclusão formulada pela Fazenda Pública: «Nada se sabendo quanto à natureza, origem e finalidade de tais despesas, as mesmas deverão ser tributadas autonomamente, por força do artigo 4º, nº 1, do Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de Junho, e do artigo 31º da Lei nº 87-B, de 31 de Dezembro, uma vez que a Impugnante não logrou provar que os encargos concretamente decorrentes destas despesas confidenciais estão relacionados com a exploração do jogo» - é manifesta a evidência de um raciocínio lógico-subsuntivo.
U. Deliberadamente, a Fazenda Pública, revelia dos factos assentes na sentença, constrói o seu próprio raciocínio jurídico, partindo dos factos ou incertezas que apresenta.
V. Há uma premissa e uma conclusão, bem evidentes, no raciocínio ínsito na conclusão da então Recorrente: é pelo facto de não haver certeza sobre a natureza, origem e finalidade das despesas — e de alegadamente a impugnante não ter feito prova de que as mesmas estariam relacionados com a actividade de exploração do jogo — que a Fazenda Pública conclui pela legalidade da sua tributação autónoma.
W.É justamente essa precedência que leva a concluir que o tribunal ad quem não podia deixar de apreciar a matéria de prova para analisar convenientemente o recurso interposto pela Fazenda Pública porque, para esta, os factos são a premissa.
X. Se o Tribunal a quo diz claramente que não — tanto que, considerou esse facto como provado —, e a Fazenda Pública invoca nas suas alegações não haver certeza sobre esse facto, de onde retira a sua conclusão jurídica, impugnando-o, cabe certamente ao Tribunal ad quem reapreciar a prova e dirimir essa dúvida.
Y. Por conseguinte, o Tribunal de recurso só poderá ser aquele cuja competência permita a apreciação da matéria de prova (o TCA) e não aqueloutro que está impedido de o fazer por natureza das suas competências (como é o caso do STA).
Z. Assim, nos termos conjugados do nº 1 do artigo 280º do CPPT, da al. b) do nº 1 do artigo 26º e da al. b) do artigo 38º do ETAF, não estando em causa a apreciação exclusiva de matéria de direito, a apreciação do recurso cabe ao TCA Norte.
AA. primeira questão sub judice — e em que é manifesta a oposição entre as decisões recorrida e fundamento, conforme reconhece o Tribunal recorrido — prende-se com o tema da sujeição a tributação autónoma das despesas confidenciais relevadas contabilisticamente pelas entidades sujeitas a imposto especial de jogo.
BB. Sobre este tema encontramos na jurisprudência portuguesa duas linhas completamente distintas.
CC. A primeira, que recusa a possibilidade de se tributarem as despesas não documentadas das entidades concessionárias da indústria do jogo, foi sustentada originariamente pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1998 (processo nº 017440) e desde então seguida por diversos Acórdãos dos Tribunais Centrais Administrativos nacionais (designadamente, o Acórdão fundamento e, bem assim, os Acórdãos proferidos nos processos 735/09.2BEVIS, 229.09.6BEVIS e 00921/04 — Viseu, do Tribunal Central Administrativo Norte, e no processo nº 3713/10 do Tribunal Central Administrativo Sul).
DD. A segunda linha jurisprudencial, actualmente representada por um único Acórdão, o Acórdão recorrido, entende, pelo contrário, que as referidas despesas não documentadas devem ser objecto de tributação autónoma, não obstante a natureza ou a actividade da entidade que as suporta.
EE. Os arestos que se inserem no primeiro grupo acima descrito nem sempre utilizam uma motivação jurídica integralmente coincidente. Se alguns recorrem exclusivamente à norma de exclusão tributária constante do artigo 7º do Código do IRC, a cujo âmbito de aplicação submetem a tributação autónoma (v.g., Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1998), já outros — por todos, merece particular relevo o Acórdão fundamento — fazem apelo ao regime fiscal da actividade de exploração do jogo tal como ele resulta do Decreto-Lei nº 422/89, servindo-se em particular do seu artigo 84º, interpretado como sendo de aplicação “mais vasta do que o [âmbito] daquele artigo 7º [do Código do IRC], constituindo uma norma de exclusão imposta por lei especial”. Em algumas ocasiões, as decisões detêm-se na ratio subjacente ao imposto especial sobre o jogo - concluindo pela dificuldade de articulá-lo com o regime da tributação autónoma; noutras, dão especial relevo aos termos dos contratos de concessão (e ao facto de, em regra, repetirem o teor do artigo 84º do Decreto-Lei nº 422/89, que sujeita os rendimentos provenientes da exploração do jogo a imposto especial sobre o jogo e afasta a demais tributação).
FF. Já o Acórdão do STA, aqui recorrido, assume uma clara divergência face aos arestos anteriores (designada e concretamente, face ao Acórdão fundamento), admitindo a tributação autónoma das despesas não documentadas, ainda que estas se relacionem exclusivamente com o exercício da actividade do jogo.
GG. Os fundamentos para esta mudança de posição são de variada ordem: por um lado, a não sujeição estabelecida no artigo 7º do Código do IRC abrangeria apenas rendimentos, e não despesas; em segundo lugar, o artigo 84º do Decreto-Lei nº 422/89 não constituiria uma norma de exclusão geral, antes se dirigindo particularmente à isenção de sisa, de contribuição autárquica e de taxas e licenças municipais; em terceiro lugar, a tributação autónoma das despesas não documentadas possuiria uma teleologia própria - evitar práticas de evasão fiscal na esfera dos respectivos beneficiários - cuja afirmação se justificaria mesmo no caso das concessionárias do jogo; por fim, o Acórdão em análise invoca ainda o paralelismo composto pelo facto de também as entidades isentas de IRC estarem sujeitas a tributação autónoma.
HH. Ao longo do processo foi já dada devida conta de toda a legislação existente ao tempo dos factos relevantes, e estamos também cientes dos principais argumentos que sustentam a tese de que as despesas não documentadas (confidenciais, na terminologia pretérita) realizadas pelas entidades concessionárias do jogo estão sujeitas à tributação autónoma correspondente.
II. Esses argumentos são essencialmente dois, como se mostrou, quer a partir da posição assumida pela Administração fiscal e Representação Pública, quer ainda segundo o Acórdão do STA de 12 de Abril de 2012 (melhor será, aliás, centrarmo-nos no segundo, já que a respectiva fundamentação consome, com vantagem, tudo quanto é alegado no primeiro).
JJ. Desde logo, de acordo com esta corrente, haveria uma razão de natureza teleológica: a ratio específica correspondente à tributação das despesas confidenciais ou não documentadas não estaria recoberta pelo imposto especial sobre o jogo.
KK. Depois, teria que ser considerada a textualidade das normas disponíveis sobre este tema: ainda segundo a mesma linha, nem o artigo 7º do Código do IRC, nem o artigo 84º do Decreto-Lei nº 422/89 excluem expressamente a aplicação às concessionárias do jogo de um imposto sobre certos tipos de despesas.
LL. Pela nossa parte, no entanto, a aplicação deste imposto às concessionárias do jogo dificilmente poderá ser sustentada por argumentos relacionados com a teleologia que lhe corresponde, se houver de concluir-se - igualmente através de interpretação teleológica, bem entendido - que existe uma norma que exclui toda a tributação, além do imposto especial sobre o jogo, independentemente dos objectivos de política legislativa que lhe possam estar associados.
MM.O artigo 7º do Código do IRC não é seguramente essa norma - nessa medida, não nos distanciamos do Acórdão recorrido. Este preceito estabelece, de facto, uma verdadeira delimitação negativa da incidência real ou objectiva do IRC, mas não contém uma regra de não sujeição ou sequer de isenção relativa a outros impostos, ainda que conexos com a tributação do rendimento das pessoas colectivas (designadamente por via de uma identidade de sujeitos passivos). Na verdade, com aquele conteúdo ele nem sequer exclui da incidência do IRC os rendimentos das concessionárias do jogo que não resultem das actividades específicas da concessão, como se sabe.
NN.Este último facto documenta também, por isso, a relação que, quanto a nós, existe entre este artigo 7º do Código do IRC e o artigo 84º do citado Decreto-Lei nº 422/89: o primeiro constitui a concretização do segundo para o domínio da tributação das pessoas colectivas - razão por que menciona a não sujeição de rendimentos - e remete para os conceitos e definições que lhe são próprios.
OO. Por outro lado, qualquer que seja a densidade da ligação entre a tributação autónoma das despesas confidenciais ou não documentadas e o IRC, a verdade é que aquela tem por facto gerador de imposto os actos de realização de despesas que não são “especificadas ou identificadas, quanto à sua natureza, origem e finalidade”, e não o lucro apurado de acordo com as regras do último.
PP.Por isso mesmo, não hesitamos em concluir que o artigo 7º do Código do IRC, tal como se encontra consagrado, não é seguramente apto a excluir a tributação autónoma das despesas não documentadas realizadas pelas entidades concessionárias da actividade de exploração de jogos de fortuna e azar.
QQ.O mesmo não diremos, porém, do artigo 84º do Decreto-Lei nº 422/89, ponto essencial na contradição assinalada entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento. Com efeito, olhando para a sua letra, é difícil evitar a convicção de que o legislador quis pura e simplesmente excluir os sujeitos passivos do imposto especial de jogo de quaisquer outros tributos, quanto às actividades próprias da concessão e durante o tempo por que esta vigorar.
RR.De resto, mostrámos ao longo dos articulados dos presentes autos - em linha, de resto, com o defendido pelo Acórdão fundamento - que teria sido difícil encontrar uma formulação mais vasta do que aquela que figura no Decreto-Lei nº 422/89, a qual abrange tributos locais e estaduais.
SS.Já sabemos que esta não é a interpretação do Acórdão recorrido. Segundo este, o artigo 84º do Decreto-Lei nº 422/84 limita-se a “isentar as empresas concessionárias da tributação relativa a impostos municipais” e, mesmo para esta finalidade específica, não se teria bastado com aquela norma, antes sentindo a necessidade de recorrer à previsão expressa da referida isenção em dois preceitos autónomos e suplementares (cfr. artigos 92º e 93º do mesmo diploma legal).
TT.Salvo o devido respeito, esta posição não só é errada como, em face da fria textualidade da lei, representa um grau de contorcionismo interpretativo que raras vezes se encontra.
UU.De acordo com formulação do artigo 84º em referência, “não será exigível qualquer outra tributação, geral ou local, relativa ao exercício da actividade referida no número anterior [actividade do jogo] ou de quaisquer outras a que as empresas concessionárias estejam obrigadas nos termos dos contratos de concessão e pelo período em que estes se mantenham em vigor”. O que está em causa, na verdade, é saber o que significa escrever que, com respeito à sua actividade, as entidades concessionárias não estarão sujeitas a “qualquer outra tributação, geral ou local”. Por mais que nos esforcemos, não conseguimos ver como pode sustentar-se que esta fórmula abrange apenas impostos locais, de tão clara se antolha a intenção do legislador em ser muito mais abrangente, ou mesmo exaustivo.
VV.Na verdade, não nos impressiona nada o facto de o legislador se referir expressamente a impostos locais, como a sisa (actual IMI) e a contribuição autárquica, nos artigos subsequentes 92º e 93º do mesmo Decreto-lei nº 422/89. Estes últimos preceitos, conforme já atrás se disse, destinam-se justamente a limitar ou a contextualizar a exclusão geral contida no 84º, criando alguns requisitos adicionais para a sua aplicação plena. Por isso, quanto à definição dos tipos abrangidos, eles não inovam em matéria de exclusão tributária; limitam-se antes a regulamentar a regra geral que o mesmo artigo 84º contém.
WW.A teleologia subjacente à tributação autónoma das despesas confidenciais ou não documentadas - evitar práticas de evasão fiscal na esfera dos respectivos beneficiários - tem o mesmo relevo da que corresponde a outros impostos, como o imposto do selo, o imposto municipal sobre imóveis ou qualquer outro: pouco ou nenhum relevo, já que no artigo 84º do Decreto-Lei nº 422/89 não se encontra apoio para uma restrição ao âmbito da exclusão tributária que ali se estabelece, em nome de certas finalidades de determinados tributos. As figuras tributárias abrangidas por esta exclusão são todas, independentemente de qual seja a sua justificação no plano da política fiscal.
XX.Aqueles propósitos que subjazem à tributação autónoma das despesas confidenciais são provavelmente do mesmo tipo dos que foram tidos em conta para fixar a intensidade da tributação especial do jogo. Com efeito, os riscos da fraude e evasão fiscal - normalmente associados quer ao jogo quer à realização de despesas confidenciais - estão naturalmente por detrás da expressividade da carga fiscal que o imposto especial sobre o jogo implica. Nesse plano, dir-se-ia até que este último imposto consome as preocupações tipicamente subjacentes à tributação autónoma das despesas confidenciais.
YY.A mera realização de despesas, qualquer que seja a sua natureza, não constitui em si mesmo uma actividade, para os efeitos do artigo 84º do Decreto-Lei nº 422/89, nem sequer dela constitui um mero indício.
ZZ.A alteração do nº 2 do artigo 88º do Código do IRC, introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2012 — por efeito da qual passaram a estar expressamente sujeitas a tributação autónoma das despesas não documentadas também as concessionárias do jogo —, veio reforçar a posição supra manifestada: ela traduz, a nosso ver, o reconhecimento legislativo de que, até então, a tributação autónoma das despesas não documentadas não abrangia as entidades concessionárias do jogo.
AAA.Termos em que, a solução do Acórdão recorrido enferma de erro sobre os pressupostos de direito: ou porque levam a cabo uma interpretação contrária à lei, designadamente, às normas dos artigos 7º do Código do IRC e 84º do Decreto-Lei nº 422/89; ou porque, levam a cabo uma interpretação contrária à Constituição, em violação, designadamente, dos princípios constitucionais da legalidade fiscal, da segurança jurídica, da igualdade fiscal e da proibição do confisco.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a revogação do Acórdão recorrido e todas as demais consequências legais.

1.3. A Fazenda Pública, ora Recorrida, não apresentou contra-alegações.

1.4. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que, apesar de se verificar a oposição de julgados, o certo é que, no que toca à primeira questão - da competência hierárquica do STA para o conhecimento do recurso - «quer parecer não ser de acolher o entendimento decorrente da dita decisão [do relator] indicada em fundamento da 1ª questão», pois, «tratando-se, num caso e outro, de “despesas confidenciais ou não documentadas” pela sua natureza resulta não ser possível apurar a que digam as mesmas respeito, pelo que é de reconhecer não haver outros factos a apurar», e, no que toca à segunda questão - da tributação autónoma de despesas confidenciais das entidades concessionárias sujeitas a imposto especial de jogo – devia ser mantido o decidido no acórdão recorrido, por se nele se ter acolhido a melhor interpretação dos diplomas e preceitos legais em equação.

1.5. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência do Pleno da Secção.

2. O presente recurso tem por base a oposição do acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em 12/04/2012, no processo n.º 77/12 (acórdão recorrido) com, por um lado, a decisão do Juiz Conselheiro Relator proferida em 27/06/2011, no processo nº 448/11 desta Secção, no que toca à questão da competência em razão da hierarquia do STA para o conhecimento desse recurso jurisdicional, e, por outro lado, com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23/11/2011, no processo nº 229/09, no que toca à questão da tributação autónoma de despesas confidenciais das entidades concessionárias sujeitas a imposto especial de jogo.

Apesar de o Exmº Juiz Conselheiro Relator do acórdão recorrido ter proferido despacho em que reconhece a alegada oposição de acórdãos, importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que aqui nos dispensamos de enumerar por tão exaustiva, essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar, em conformidade com o disposto no artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.

Está em causa um recurso por oposição de acórdãos interposto em processo de impugnação judicial instaurado em 26/06/2006, ao qual é, assim, aplicável o ETAF de 2002 (Cfr., sobre o tema, o acórdão do Pleno desta Secção, de 26/09/2007, no recurso n.º 0452/07.), pelo que o seu conhecimento, tendo em conta o regime previsto no art. 27.º, n.º 1, alínea b), do ETAF, art. 152.º, n.º 1, alínea a), do CPTA e art. 284.º do CPPT, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais:

- que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito; que não ocorra o caso de o acórdão recorrido estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

Ora, desde logo, o que ressalta à evidência é que se trata de um recurso por oposição de acórdãos, pelo que, como muito bem frisa JORGE LOPES DE SOUSA, no “Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado”, 6ª Ed., IV vol., pág. 460, apenas podem relevar para efeitos de recurso por oposição de acórdãos decisões que tenham a qualificação de «acórdãos», isto é, decisões colegiais na definição dada pelo art. 156º, nº 3 do Código de Processo Civil. «Por isso, não é possível interpor recurso interpor recurso de um despacho do relator com fundamento em oposição entre ele e um acórdão, nem é possível invocar como fundamento de recurso de um acórdão a oposição entre ele e um despacho do relator naqueles tribunais, mesmo que se trate de uma decisão sumária, proferida nos termos do art. 705º do CPC.» - obra citada, pág. 461.

No mesmo sentido se pronunciou já o Pleno desta Secção, no acórdão proferido em 26/01/2005, no processo nº 0360/04, onde se deixou esclarecido o seguinte: «É óbvio que a decisão sumária (a proferir pelo relator), nos termos do art. 705º do CPC não é um acórdão.
O acórdão é uma decisão colegial.
O que não acontece com a decisão do relator.
O art. 705º do CPC (sob a epígrafe “decisão liminar do objecto do recurso”) é um preceito inovador, que encontra no relatório do DL n. 329-A/95, a seguinte justificação: “No que se reporta ao julgamento do recurso, amplia-se muito significativamente o elenco das competências atribuídas ao relator, permitindo-lhe inclusivamente julgar, singular e liminarmente, o objecto do recurso, nos casos de manifesta improcedência ou de o mesmo versar sobre questões simples e já repetidamente apreciadas na jurisprudência. Pretende-se, com tal faculdade, dispensar a intervenção – na prática, em muitos casos, puramente formal – da conferência na resolução de questões que podem perfeitamente ser decididas singularmente pelo relator, ficando os direitos das partes acauteladas pela possibilidade de reclamarem para a conferência da decisão proferida pelo relator do processo”.
Estamos assim perante uma hipótese legal, de competência do relator, a par de outras competências, elencadas mais detalhadamente no art. 700º do CPC.
Ou seja: estamos perante decisões do relator e não da conferência.
Ora, a oposição é entre acórdãos e não entre um acórdão e uma decisão do relator, mesmo que tenha como escopo o objecto do recurso.
E não vale dizer, como o faz o recorrente, que a decisão sumária tem “o valor de acórdão”.
Tanto que da decisão cabe reclamação para a conferência, que proferirá então acórdão.
E o caso julgado, que a decisão sumária faça, tem a mesma força que o acórdão ou que a sentença de 1ª instância que transite em julgado.
O que está aqui em causa é a força do caso julgado e não a natureza da decisão.
Dito de outro modo: a decisão sumária não tem o valor de acórdão. Tem, isso sim, se não impugnada, o valor e a força do caso julgado.
Por outro lado, não se pode dizer, como o faz a recorrente, que não pode ser prejudicada por ter sido um juiz singular a decidir.
Não.
O que está em causa no recurso por oposição de acórdãos é uma antinomia entre acórdãos e não uma antinomia entre um acórdão e uma decisão de um juiz singular.
E este entendimento encontra-se hoje reforçado com a publicação do CPPT – vide art. 284º.
Versa este artigo o recurso por oposição de acórdãos. Não se prevê no respectivo texto legal o despacho sumário, sendo que, à data da publicação do CPPT, já estava em vigor o citado art. 705º do CPC, sendo crível que um legislador avisado não deixaria de se reportar à decisão sumária do relator (se transitada) como fundamento desse recurso por oposição de acórdãos.
Concluímos assim que o recurso não deveria ter sido admitido, por não ser possível um recurso por oposição de acórdãos entre um acórdão e uma decisão sumária do relator, transitada em julgado, sem intervenção da conferência.».

É esta doutrina que, uma vez mais, se sufraga no Pleno da Secção deste Tribunal.

Pelo que, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, se conclui, no que toca à primeira questão, que não ocorre um dos requisitos específicos para o prosseguimento deste recurso - a oposição de acórdãos.

E o mesmo acontece quanto à segunda questão, embora por razões algo diferentes.

É que o acórdão fundamento foi proferido pelo Tribunal Central Administrativo, e em face das disposições combinadas dos artigos 284º do CPPT e 152º do CPTA, impõe-se concluir que, tendo acórdão recorrido sido proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, não é possível invocar como acórdão fundamento um aresto proferido pelo Tribunal Central Administrativo.

Como muito bem se deixou esclarecido no acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário em 6/05/2009, no processo nº 01009/08, «Aos recursos por oposição de acórdãos (mormente quanto aos seus requisitos ou pressupostos e competência) aplicar-se-ão, em primeira linha, as normas do artigo 284º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, relacionadas com as dos artigos 22º e 30º do ETAF de 1984, para os processos iniciados antes de 1-1-2004; e conjugadas com as do art. 27º, nº 1, alínea b), do ETAF de 2002, em consonância com o nº 1 do art. 152º do CPTA, para os processos iniciados a partir de 1-1-2004 – cf. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, II vol., em anotação ao artigo 248º.

Segundo o regime estabelecido no n.º 1 do artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), só releva a contradição entre acórdão do Tribunal Central Administrativo e acórdão anteriormente proferido pelo mesmo Tribunal ou pelo Supremo Tribunal Administrativo [alínea a)]; e entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo [alínea b)].
Assim, não é relevante a oposição ou contradição de acórdão do Supremo Tribunal Administrativo com acórdão do Tribunal Central Administrativo.
(…)
Na verdade, a circunstância de ser juridicamente insignificante, para efeitos de recurso por oposição de acórdãos, a oposição ou contradição de acórdão do Supremo Tribunal Administrativo com acórdão do Tribunal Central Administrativo, não ofende, senão antes que respeita, o ditame constitucional de que «todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei». É que a alegada «posição de desigualdade de tratamento» seguramente que não decorre da lei que não admite o recurso em tal circunstância. A posição dita «de desigualdade de tratamento» poderá resultar é da diversidade de meios ou caminhos processuais livremente escolhidos em diferentes casos. Pelo que, assim sendo, não se vislumbra também «violação ao direito e tutela jurisdicional efectiva, previsto e tutelado no art. 20.º e 268.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa» da norma do n.º 1 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com o sentido com que aqui foi aplicada, de admissão de recurso por oposição de acórdãos apenas em casos de contradição/oposição de acórdão do Tribunal Central Administrativo com acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.
Os presentes autos de reclamação de actos do órgão da execução fiscal deram entrada no Tribunal recorrido no dia 6-1-2006.
Como assim, para efeitos de admissão de recurso por oposição de acórdãos, não é relevante a contradição ou oposição de acórdão do Supremo Tribunal Administrativo com acórdão fundamento do Tribunal Central Administrativo – nos termos das disposições combinadas dos artigos 284º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.».

É esse o entendimento jurisprudencial que aqui se acolhe e sufraga, por com ele se conformar inteiramente o Pleno da Secção deste Supremo Tribunal.

Razão por que o recurso deve findar, em conformidade com o disposto no nº 5 do artigo 284º do CPPT.

3. Face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar findo o recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 13 de Novembro de 2013. – Dulce Manuel da Conceição Neto (relatora) – João António Valente Torrão – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes – Pedro Manuel Dias Delgado.