Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0460/09
Data do Acordão:07/08/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:NOTIFICAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO
NOTIFICACÃO POR CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - A presunção de notificação prevista nos n.ºs 5 e 6 do artigo 39.º do CPPT funciona em duas situações, a saber:
-recusa do destinatário a receber a notificação;
-não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal.
II - Essa presunção não funciona no caso das cartas terem sido devolvidas pelos CTT à Administração Tributária sem a assinatura dos correspondentes avisos de recepção, nada se adiantando a respeito de não terem sido reclamados ou levantados, o mesmo sucedendo quanto ao conhecimento que o destinatário possa ter tido da existência das cartas nos serviços dos CTT a fim de serem levantados.
Nº Convencional:JSTA00065890
Nº do Documento:SA2200907080460
Data de Entrada:04/27/2009
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART39 N5 N6 ART204.
CPTRIB91 ART33.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1031/03 DE 2008/05/21.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED PAG357.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1- A Ex.ma Magistrada do Ministério Público, vem recorrer da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a oposição à execução fiscal instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 1 com vista à cobrança coerciva de dívida de IVA e respectivos juros compensatórios, no valor total de € 8.586,54, referente ao ano de 1998, formulando as seguintes conclusões:
1- Foi violado o art° 39° n° 5 do CPPT.
2- A presunção que a norma supra estabelece ocorre quando o destinatário se tiver recusado a receber a notificação, ou não tiver levantado a carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal.
3- Do que decorre, a necessidade de deixar ao contribuinte aviso, comunicação para ir levantar a carta aos serviços postais.
4- Sem essa comunicação, por o contribuinte não saber que uma carta poderia ser levantada em determinado prazo, não ocorre a presunção.
5- (...) «de acordo com o probatório apenas se encontra assente que as cartas foram devolvidas pelos CTT à Administração Tributária “sem a assinatura dos correspondentes avisos de recepção”, nada mais se adiantando a respeito de não terem sido reclamados ou levantados, o que sempre pressuporia que no domicilio da ora recorrente tivessem sido deixados avisos a informar que as cartas podiam ser levantadas, o que não consta do probatório.
Neste contexto, a mera constatação de que os avisos de recepção foram devolvidos sem assinatura do destinatário nada nos elucida a respeito do conhecimento que o mesmo possa ter tido da existência das cartas nos serviços dos CTT a fim de serem levantados.
Como assim, não se demonstrando que tenha sido deixado aviso no domicilio da recorrente de que as cartas contendo as notificações das liquidações podiam ser levantadas, a presunção de notificação estabelecida no n.º 5 do artigo 39º do CPPT não funciona e daí que se tenha de concluir que as liquidações em causa nestes autos não foram notificadas (...)», acórdão citado, cujo segmento se transcreve como conclusão, por a situação factual ser sobreponível à dos autos.
2- Os recorridos Fazenda Pública e “A..., Lda” não contra-alegaram.
3- O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer uma vez que o Ministério Publico é o recorrente
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4- A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
A) O Serviço de Finanças de Lisboa 1 instaurou contra a ora oponente o processo de execução fiscal n° 3069200301004328, para cobrança coerciva de dívida relativa às liquidações adicionais de IVA n° 2257116, no montante de € 6.912,11, e de juros compensatórios n° 2257115, no montante de € 1.674,43, referentes ao ano de 1998, perfazendo o montante de € 8.586,54, com origem nas certidões de dívida n° 2003/14115 e 2003/14116, emitidas em 20-1-2003 (cfr. autuação, certidões de dívida e prints extraídos do SEF, a fls. 11 a 13 e 15 a 19 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas);
B) A oponente foi citada da instauração do processo de execução fiscal identificado em A) em 20-11-2003 (cfr. certidão de citação, a fls. 14v dos autos, que se dá por integralmente reproduzida);
C) A liquidação adicional de IVA n° 2257116, em cobrança coerciva no processo de execução fiscal identificado em A), foi remetida à oponente, através de registo postal com aviso de recepção de 17-9-2002, expedido para a morada da sede da oponente, tendo o expediente sido devolvido ao remetente, sem que aquele aviso se mostre assinado (cfr. docs. a fls. e 54 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos);
D) Em 4-10-2002, foi enviado novo expediente à oponente contendo a mencionada liquidação adicional de IVA, através de registo postal com aviso de recepção remetido para a morada da sede da oponente, tendo também este expediente sido devolvido ao remetente, sem que aquele aviso se mostre assinado, e tendo o carteiro responsável pelo giro 030 feito constar no sobrescrito que a entrega não foi possível em 7-10-2002, porquanto o destinatário “mudou-se” (cfr. docs. a fls. 55 a 56 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos);
E) A liquidação de juros compensatórios de IVA n° 2257115, em cobrança coerciva no processo de execução fiscal identificado em A), foi remetida à oponente, através de registo postal com aviso de recepção de 17-9-2002, expedido para a morada da sede da impugnante, tendo o expediente sido devolvido ao remetente, sem que aquele aviso se mostre assinado (cfr. docs. a fls. 57 e 58 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos);
F) Em 4-10-2002, foi enviado novo expediente à oponente contendo a mencionada liquidação de juros compensatórios de IVA, através de registo postal com aviso de recepção remetido para a morada da sede da oponente, tendo o expediente sido devolvido ao remetente, sem que aquele aviso se mostre assinado, e tendo o carteiro responsável pelo giro 030 feito constar no sobrescrito que a entrega não foi possível em 7-10-2002, porquanto o destinatário “mudou-se” (cfr. docs. a fls. 59 e 60 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos);
G) O expediente postal referido nas alíneas C) a F) que antecedem foi enviado para a morada da sede da oponente, sita na Rua ..., 1900 Lisboa (cfr. docs. e print extraído da base de dados DGCI/Visão do Contribuinte, a fls. 53 a 61 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos).
5- A sentença sob recurso, tendo concluído que a ora recorrida “A..., Lda” fora validamente notificada das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios do ano de 1998, julgou improcedente a oposição deduzida à execução fiscal instaurada com vista à cobrança coerciva das correspondentes dívidas fiscais.
Para tanto, no essencial, ponderou-se que a notificação em causa se presumia concretizada nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 5 e 6 do artigo 39.º do CPPT, posto que as liquidações efectuadas - de imposto e juros compensatórios - tinham sido enviadas para a morada da sede da oponente através de duas cartas registadas com aviso de recepção, tendo sido devolvidas aos serviços remetentes, sem que aqueles avisos se mostrassem assinados e apenas com a menção por parte do carteiro responsável pelo giro de que o destinatário “mudou-se”.
A Ex.ma Magistrada do Ministério Público recorrente vem, em resumo, defender que a presunção de notificação prevista no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT pressupõe a necessidade de se deixar ao contribuinte aviso, comunicação para ir levantar a carta aos serviços postais, o que não se encontra assente no probatório.
Vejamos.
A questão que vem importa apreciar já foi enfrentada e decidida numa situação em tudo idêntica no acórdão de 21-05-08, no processo n.º 1031/07, acontecendo, inclusive, que o relator é o mesmo do presente recurso.
Daí que seguiremos de perto o que aí foi dito.
A respeito da presunção da notificação estabelecem os n.ºs 5 e 6 do artigo 39.º do CPPT o seguinte:
n.º 5-“ Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.”
n.º 6-“No caso de recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia útil posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.”
Ora, em face destes dispositivos legais, a presunção funciona em duas situações, a saber:
- recusa do destinatário a receber a notificação;
- não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou alteração do seu domicilio fiscal.
Em anotação ao citado artigo 39.º escreve Jorge Lopes de Sousa no seu CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, a fls 357, versando os requisitos da presunção de notificação: “Na segunda situação, pressupõe-se que foi feita qualquer comunicação ao destinatário para levantar a carta registada, pois só fornecendo-lhe a possibilidade de ter conhecimento de que ela se encontrava depositada nos serviços postais, pode exigir-se que ele a vá levantar. Nesta perspectiva, o funcionamento da presunção referida dependerá, cumulativamente, de
-ter sido deixado um aviso na residência do destinatário conhecida da administração tributária de que a carta podia ser levantada;
-não se comprovar que, entretanto, o contribuinte comunicara à administração tributária a alteração da sua residência.
Assim, conjugando estas situações com as formas de ilidir a presunção constata-se que a presunção deixa de valer quando se demonstrar
-que não foi deixado aviso para levantamento da carta;
-que, tendo sido deixado tal aviso, houve qualquer facto que obstou a que o destinatário fosse levantar a carta (justo impedimento);
-que o destinatário tenha mudado de residência e tinha já feito a comunicação da alteração à administração tributária;
-que o destinatário tinha mudado de residência há menos de 20 dias (prazo que lhe é concedido para comunicar a alteração do domicilio, no n.º 1 do art. 43.º);
-que o destinatário tinha mudado de residência e provar que não pôde fazer tal comunicação no referido prazo.
Correlativamente, presunção só valerá nos seguintes casos:
- quando tiver sido deixado aviso e não houver justo impedimento ao levantamento da carta;
-quando o destinatário tiver mudado de domicilio há mais de 20 dias e não tiver feito comunicação da alteração à administração tributária nem tenha estado impossibilitado de o fazer.”
Subscreve-se por inteiro estas doutas considerações e revertendo à situação em apreço no presente recurso, importa realçar que de acordo com o probatório apenas se encontra assente que as cartas foram devolvidas pelos CTT à Administração Tributária sem a assinatura dos correspondentes avisos de recepção, nada mais se adiantando a respeito de não terem sido reclamados ou levantados, o que sempre pressuporia que no domicilio da ora recorrente tivessem sido deixados avisos a informar que as cartas podiam ser levantadas, o que não consta do probatório.
Neste contexto, a mera constatação de que os avisos de recepção foram devolvidos sem assinatura do destinatário nada nos elucida a respeito do conhecimento que o mesmo possa ter tido da existência das cartas nos serviços dos CTT a fim de serem levantados.
Como assim, não se demonstrando que tenha sido deixado aviso no domicilio da recorrente de que as cartas contendo as notificações das liquidações podiam ser levantadas, a presunção de notificação estabelecida no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT não funciona e daí que se tenha de concluir que as liquidações em causa nestes autos não foram notificadas à recorrente dentro do respectivo prazo de caducidade (artigo 33.º do CPT), o que consubstancia o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea e) do artigo 204.º do CPPT- falta de notificação da liquidação do tributo dentro do prazo de caducidade.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e julga-se procedente a oposição deduzida e extinta a execução instaurada com vista à cobrança coerciva do IVA de 1998 e respectivos juros compensatórios em causa nestes autos.
Sem custas neste STA e em instância.
Lisboa, 8 de Julho de 2009. – Miranda de Pacheco (relator) – Brandão de Pinho – Jorge Lino.