Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0392/16
Data do Acordão:09/15/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
CONDENAÇÃO PENAL
REABILITAÇÃO
Sumário:O requisito contido na al. d), do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, relativo à aquisição da nacionalidade, por naturalização, deve ser conjugado com o instituto da reabilitação legal ou de direito.
Nº Convencional:JSTA000P20905
Nº do Documento:SA1201609150392
Data de Entrada:05/06/2016
Recorrente:CONSERVATÓRIA DOS REGISTOS CENTRAIS
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A Conservatória dos Registos Centrais, inconformada com a decisão proferida, em 2ª instância, em 12 de Novembro de 2015, no TCAS que concedendo provimento ao recurso interposto pelo recorrente/autor da acção, A…………, revogou a decisão de 1ª instância e condenou a recorrente a deferir a pretensão de concessão de nacionalidade portuguesa, por naturalização, formulado pelo ora recorrido, interpôs o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo.

Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

«I. Tendo A………… sido punido, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual a cinco anos, não reúne o requisito objectivamente exigido no art.º 6º n.º 1, alínea d) da LN para a naturalização como português, estando a actividade da Administração vinculada à observância dos pressupostos legais exigidos;

II. O douto Acórdão recorrido fez uma errada interpretação do citado art.º 6º n.º 1, alínea d) da LN, uma vez que o facto de a pena em que o requerente foi condenado não constar já do respectivo certificado de registo criminal, passado o prazo fixado na alínea a) do nº 1 do art.º 15º da Lei nº 15/98, de 18 de Agosto, não implica que deixe de dever ser tida em consideração em sede de aquisição da nacionalidade por naturalização, onde o Ministro da Justiça (e quem por sua delegação ou subdelegação actue), exerce um poder que, in casu, é claramente vinculado;

Por outro lado,

III. Não podem constituir formalidades inúteis e sem objecto, para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, as consultas oficiosas a entidades policiais (PJ e SEF) e à DGAJ – com acesso à transcrição da totalidade do registo criminal – impostas por lei (cfr. artigos 27º nº 5 e alínea a) do nº 7 do art.º 37º do RN), o que bem poderia suceder se, para o efeito, apenas se relevasse a informação criminal constante do respectivo certificado.

Assim,

IV. Secundando, como se demonstrou, a doutrina mais abalizada (cfr. Prof. Moura Ramos, ob. cit.) e a melhor jurisprudência, a prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, constitui impedimento absoluto à concessão da nacionalidade portuguesa por naturalização, independentemente de entretanto ocorrer a reabilitação do requerente da mesma;

Por isso,

V. Deve ser revogado o douto Acórdão recorrido

E

VI. Integralmente mantido o despacho que indeferiu a naturalização requerida»:


*

O recorrido, A………… não apresentou contra alegações.

*

O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 14.04.2016.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

Factualidade provada:

«1) O Autor, A…………, nascido em Luanda, Angola, em 05/08/1973, de nacionalidade cabo-verdiana, reside na Rua …………, nº ..., Amadora – doc fls 9/ss do PA anexo.

2) O Autor reside em Portugal desde 14/11/2003 – certidão fls. 15 a 18 e, fls. 64 do PA.

3) Em 30/06/2010, o Autor requereu a concessão da nacionalidade portuguesa por naturalização, nos termos do artigo 6-1, da Lei 37/81, de 03/10, com as alterações dadas pela Lei Orgânica 2/2006, de 17/04 [Lei da Nacionalidade (LN)].

4) Em Outubro de 1996, o Autor foi acusado pelo MP pela prática dum crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231-1, do CP, no Processo 35/96.6 SWLSB –fls fls 45/ss 68/ss.

5) Em 18/11/1997, pelo acórdão de fls 37/ss, transitado em julgado, no referido Processo 35/96.6 SWLSB, o Tribunal criminal de Lisboa (10ª Vara) condenou o arguido, ora Autor, na pena de «100 (cem) dias de multa à taxa diária de esc. 1000$00 na pena subsidiária de prisão de 66 (sessenta e seis) dias», «Pela prática de um crime de receptação».

6) Do Acórdão acabado de referir consta, quanto ao Autor, o seguinte que ora se destaca:

«Acordam os juízes que constituem o Tribunal (…)

I. O Ministério Público acusa os arguidos: (…) IX. A…………: (a) um crime de receptação p. e p. pelo artigo 231º, nº 1 do C. Penal; nos termos da acusação de fls 901 a 914 que aqui se reproduz.

O arguido A………… defendeu-se nos termos da sua contestação escrita junta a fls 1129, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Os restantes arguidos não apresentaram contestação. (…) o arguido A………… sabia que o objecto que adquiriu ao B………… era proveniente de acto ilícito perpetrado contra o património de terceiros.

Visava obter um benefício pecuniário correspondente à diferença entre o real valor do objecto e o preço pelo qual o adquiriu.

Todos os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente.

Sabiam que as suas condutas eram proibidas pela lei penal.

(…) Relativamente ao arguido A…………:

No exercício da sua actividade profissional aufere 5.500$00 por dia.

Vive com sua irmã e cunhada. Tem um filho menor. Como habilitações literárias tem o 7 º ano de escolaridade. É de muito humilde condição económica e social. Não tem antecedentes criminais.

Finalmente, e relativamente ao arguido A………… a matéria de facto assente como provada integra os requisitos objectivos e subjectivos de um crime de receptação. (…)

A favor dos arguidos (…) e A………… milita a ausência de antecedentes criminais e os seus estatutos económico-sociais muito humildes.

(…) DECISÃO. Por todo o exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal Colectivo em julgar parcialmente provada a acusação e em consequência: (…) Condenar o arguido A………… 1. – Pela prática de um crime de receptação na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de esc. 1.000$00, na pena subsidiária de prisão de 56 (sessenta e seis) dias. (…)» - Certidão judicial de fls. 37/ss do PA.

7) Em 14/05/2009, o Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, no Processo Gracioso de Reabilitação Judicial nº 6899/08.5TXLSB, considerando o ora Autor readaptado, proferiu a seguinte «3. Decisão. Pelo exposto, nos termos do artº 16º nºs 1 e 2 da Lei 57/98, de 18 de Agosto, decido deferir o pedido de reabilitação judicial apresentado por A………… e, consequentemente, determinar o cancelamento no registo criminal do mesmo das condenações sofridas nos P. 35/96.6 SWLSB e 11/06.2 ZFFAR».

8) Em 15/03/2013, o Conservador-Auxiliar da CRC, por subdelegação, proferiu a decisão de indeferimento de fls. 19, fls. 115 do PA, «Ao abrigo do disposto no nº 11 do artº 27º do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro e em face dos documentos aduzidos no parecer, indefiro o pedido de naturalização de A…………, com fundamento na falta de verificação do requisito previsto na alínea d), do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade. (...)» [acto impugnado]; cujo referido parecer consta de fls. 15/ss e fls. 111/ss do PA.

9) Em 20/03/2013 e 27/03/2013, o Réu, pela CRC, dirigiu ao Mandatário e ao Autor os ofícios de fls. 116/ss do PA, pelos quais levou ao conhecimento dos mesmos a decisão de indeferimento acabada de referir.

10) O A deu entrada à presente acção no TAC de Lisboa em 11/06/2013 – fls. 2 e 3».


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2.2. O DIREITO

Através da presente acção, A………… impugnou no TAF de Sintra o despacho proferido pelo Conservador Auxiliar da Conservatória dos Registos Centrais que lhe indeferiu o pedido de concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização. O TAF julgou a acção improcedente, considerando que a condenação do requerente, por crime de receptação obstava à pretendida aquisição da nacionalidade, apesar de ter sido judicialmente reabilitado. Interposto recurso desta decisão, o TCAS por acórdão de 12/11/2015 concedeu provimento ao recurso do autor [esclarecendo, contudo, que quanto à questão da prática do crime, é irrelevante saber qual a concreta pena que o Tribunal aplicou pela prática de crime abstractamente punível com pena de prisão igual ou superior a três anos] condenando a entidade demandada/ora recorrente a deferir a pretensão de concessão da nacionalidade portuguesa formulada pelo requerente.

E é contra o assim decidido, que a recorrente se insurge, reiterando que a prática de um crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, constitui impedimento absoluto à concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, independentemente de entretanto ocorrer a reabilitação do requerente da mesma, não acolhendo a decisão judicial que entendeu que, tendo havido reabilitação, se encontrava previsto o requisito previsto na al. d), do nº 1 do artº 6º da Lei da Nacionalidade, mostrando-se, desta forma, unicamente em causa a análise e decisão acerca da reabilitação legal.

Mas não cremos que lhe assista razão, nesta discordância, uma vez que o acórdão recorrido fez aplicação da mais recente jurisprudência proferida por este Supremo Tribunal Administrativo, transpondo para a reabilitação legal, e para o âmbito da aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, (artº 6º da Lei da Nacionalidade) o entendimento que foi acolhido nos Acs. de 21/05/2015, in proc. nº 0129/15 e de 25/02/2016, in proc. nº 01262/15 acerca dos efeitos da reabilitação legal no domínio da aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade (artº 9º, al. d) da LN), jurisprudência esta também acolhida no Ac. nº 106/2016 do Tribunal Constitucional.

Vejamos:

O artigo 6º nº 1 da Lei da Nacionalidade; sob a epígrafe “Requisitos”, à data da prática do acto impugnado, dispunha o seguinte:

«1 - O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:

(…)

d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa».

Por seu turno, o artigo 19º do Regulamento da Nacionalidade – aprovado pelo D.L. nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro – sob a epígrafe “Naturalização de estrangeiros residentes no território português”, tem a seguinte redacção:

«1 - O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros quando satisfaçam os seguintes requisitos:

(…)

d) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa».

Atentemos, agora, na mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal acerca desta questão da aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, prevista na al. d), do nº 1 do artº 6º da LN, conjugado com o instituto da reabilitação legal ou de direito».

No Acórdão citado na decisão recorrida, proferido em 21/05/2015, este STA após análise da Lei de Identificação Criminal em paralelo com as normas da LNP, consignou-se:

«(…)

«Em síntese, o que se poderá retirar da leitura de todos estes preceitos, é que, entre outros aspectos, a organização do registo criminal, o modo de veicular a informação através dos certificados do registo criminal, o acesso restrito e funcionalizado à informação, e a previsão do cancelamento ou cessação de vigência das decisões judiciais reabilitadas, tudo isto está disciplinado na Lei de Identificação Criminal [LIC] de forma estrita e rigorosa, devendo a obtenção de informações contidas no registo criminal ser feita através da forma prevista na lei [v.g., pelas entidades que a elas possam aceder]. Para o que agora mais nos interessa, é importante reter que existe uma proibição legal expressa de transcrição das decisões judiciais canceladas ou cuja vigência cessou nos certificados do registo criminal. Assim sendo, e tendo em conta que o conhecimento dos antecedentes criminais de uma pessoa se efectiva através do acesso ao seu registo criminal, nomeadamente através do respectivo certificado, há necessariamente que conjugar a LN, e designadamente o seu artigo 6º, nº1, alínea d), com a LIC e o regime jurídico nela contido. Mais ainda, e ao contrário do que sustenta a recorrente, a verdadeira excepção, que teria que estar expressamente contida, quer na LN, quer na LIC, seria a de permitir o acesso dos serviços competentes para a apreciação dos pedidos de aquisição da nacionalidade portuguesa [e para a sua concessão], no caso, por naturalização, a um ficheiro contendo o registo integral de todas as decisões judiciais condenatórias do requerente da nacionalidade. Pense-se, por exemplo, no facto de que os certificados de registo criminal pedidos para concorrer a certos empregos públicos ou privados que exijam especiais garantias de idoneidade poderão conter informações que são excluídas dos certificados emitidos para outros fins - possibilidade expressamente consagrada na LIC.

Mas atentemos no caso concreto dos autos. Sustenta a recorrente que a alínea d) do nº1 do artigo 6º da LN não excepciona nenhum caso, sendo este um dos argumentos a favor da irrelevância da reabilitação legal ou de direito do requerente da nacionalidade portuguesa. Sucede que ter em consideração a reabilitação não equivale a uma excepção. O conhecimento dos antecedentes criminais, necessário para verificar se a exigência contida em tal preceito foi cumprida, será atestado mediante a apresentação pelo interessado [ou mediante o pedido oficioso] do certificado do registo criminal do requerente da nacionalidade. Ora, se este tiver sido reabilitado, as decisões judiciais canceladas ou que cessaram vigência não poderão ser transcritas para o certificado. E, ainda que as decisões canceladas ou cuja vigência cessou não sejam imediatamente apagadas ou destruídas, elas não poderão ser livremente utilizadas [vejam-se os actuais artigos 10º e 11º, nº6, da LIC].

O argumento de que, a ser assim, não se justifica a referência feita ao SEF e à PJ no artigo 27º do Regulamento da Nacionalidade, ainda em vigor, também não colhe. A referência ao SEF é óbvia tendo em conta o requisito previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 6º da LN [Residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos]. Com efeito, é o SEF que emite o documento que comprova a residência legal em Portugal há pelo menos seis anos. A referência à PJ não poderá significar o acesso a registo com a transcrição integral dos antecedentes criminais do requerente da nacionalidade. E isto, basicamente, por dois motivos. Em primeiro lugar, se a ideia era tomar conhecimento de todas as decisões judiciais de condenação, mesmo aquelas que já foram canceladas ou que cessaram vigência, então o lógico é que essa informação fosse pedida directamente à DGAJ. Em segundo lugar, a PJ tem acesso ao registo criminal das pessoas para prosseguir os seus próprios fins de investigação criminal, não podendo desviar a informação para outros fins, como seja, para efeitos do procedimento de aquisição da nacionalidade (…)

2.3.2. Atentemos agora no instituto da reabilitação. Deixando de parte as considerações históricas a seu respeito, pode afirmar-se que actualmente ocorre uma assimilação desta figura ao simples cancelamento do registo criminal. Dito de outro modo, “Do ponto de vista dos resultados práticos, equivale a reabilitação ao cancelamento do registo criminal” [vide A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, página 217. Ver ainda J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, página 653].

A reabilitação legal ou de direito, contrariamente à reabilitação judicial e à administrativa [em que há uma indagação prévia sobre a reintegração social], opera de forma automática, impõe-se bastando-se com o simples decurso do tempo e a ausência de novas condenações sobre o indivíduo [A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, páginas 217-8, e J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, página 655]. Ela assenta na presunção de que o indivíduo se encontra reintegrado socialmente [ver A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, página 218, nota 393].

A reabilitação é um direito, um verdadeiro direito do condenado já ressocializado, susceptível de ser feito valer em juízo [ver A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, páginas 214 e 223, e J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, página 655]. Com a reabilitação cessa o estado de perigosidade e indignidade do réu ex-condenado e deixam de se justificar as considerações de necessidade de defesa social [A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, páginas 213-4].

No tocante especificamente ao cancelamento do registo criminal, o mesmo pode consistir na eliminação total ou parcial das inscrições contidas nos cadastros ou, pelo menos, na sua não comunicação às entidades que, de acordo com a lei, normalmente podem aceder a essas inscrições [A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, página 204].

Como decorre do que atrás foi exposto relativamente aos preceitos da LIC, pode determinar-se o cancelamento para certos fins ou pessoas. Pode, por exemplo, vedar-se o acesso ao registo para fins não judiciais.

Por último, diga-se que as decisões judiciais canceladas ou cuja vigência cessou devem ser consideradas extintas, não se lhes devendo ligar quaisquer efeitos [ver A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, página 378 - embora reportando-se especificamente à sua utilização como meios de prova para efeitos processuais]. Isso mesmo é assinalado no parecer da Provedoria de Justiça, onde é sugerido que nada justifica um tratamento distinto em termos de utilização da informação cancelada para fins processuais e para fins de aquisição da nacionalidade [Processo R-5580/08 (A5)].

2.3.3. De forma igualmente breve, deve referir-se que a partir de 2006 a LN aligeirou as exigências ou requisitos de aquisição da nacionalidade por naturalização. Para o que agora releva, desapareceram os requisitos da idoneidade moral e civil e da suficiência dos meios de subsistência. Porventura, o legislador terá percebido que, se por um lado, o Estado tem o poder de determinar quem são os seus nacionais, por outro, as políticas da nacionalidade não devem ser discriminatórias.

2.3.4. Em síntese, tudo tem que ver com o modo como deve ser interpretada a alínea d) do nº1 do artigo 6º da LN. Ora, uma adequada interpretação deste preceito deverá ter em conta não apenas o elemento textual, como de igual forma o racional e o sistemático. O resultado interpretativo obtido - vale por dizer, a aceitação da relevância da reabilitação legal ou de direito para efeitos de aquisição da nacionalidade -, por sua vez, é o que corresponde à solução mais rights friendly, na medida em que é o que confere mais plenitude ao direito à aquisição da nacionalidade e ao direito à reabilitação, bem assim como ao princípio da máxima efectividade».

(…)»

Ora, esta jurisprudência, que aqui também adoptamos [não desconhecendo que em tempos, estas questões eram alvo de decisões divergentes], para efeitos de decisão, nesta sede recursiva [aliás, também acolhida na íntegra no acórdão recorrido] por entendermos ser a que melhor interpreta a lei, e permite a sua aplicação de forma mais rigorosa, mostra-se perfeitamente adequada ao dissídio dos autos – no mesmo sentido cfr. o Acórdão nº 106/2016 do Tribunal Constitucional onde se decidiu «interpretar as normas da alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade portuguesa no sentido de que o impedimento de adquirir a nacionalidade portuguesa, nelas previsto, decorrente da condenação em pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, deve ter em conta a ponderação do legislador efectuada em sede de cessação da vigência da condenação penal, inscrita no registo criminal e seu cancelamento e correspondente reabilitação legal».

Com efeito, tendo em consideração a decisão proferida pelo Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, em 14/05/2009, que considerou o autor/recorrido readaptado, deferindo o seu pedido de reabilitação judicial e o cancelamento no registo criminal do mesmo das condenações penais sofridas [cfr. ponto 7 dos factos provados] é inequívoco que desapareceu o fundamento que obstava à concessão do seu pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa.

Esta interpretação, ao contrário do defendido pela recorrente, parece-nos a mais adequada à letra da lei e à unidade do sistema jurídico, não vislumbrando de que forma a mesma possa lançar incertezas nos serviços, o que aliás, o mesmo também não concretiza.

E quanto à incerteza da jurisprudência, igualmente entendemos que a agora preconizada, já se pode considerar sedimentada, impedindo assim, as alegadas incertezas e indefinições.

Impõe-se, pois, a improcedência do recurso interposto pela recorrente.

3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 15 de Setembro de 2016. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Jorge Artur Madeira dos SantosTeresa Maria Sena Ferreira de Sousa.