Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0177/22.4BELSB
Data do Acordão:11/24/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:PROTECÇÃO INTERNACIONAL
CARGO
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:O acto que julga inadmissível o pedido de protecção internacional e determina a transferência do requerente para França, enferma de deficit instrutório se este invocara que, no período em que aí vivera, fora alvo de tratamento desumano ou degradante na acepção do art.º 4.º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, mas a entrevista pessoal que lhe foi realizada incidiu exclusivamente sobre o acolhimento que lhe fora prestado pelas autoridades italianas e o acto se fundamentou nas condições de acolhimento de que ele beneficiara em Brescia (Itália).
Nº Convencional:JSTA00071609
Nº do Documento:SA1202211240177/22
Data de Entrada:10/12/2022
Recorrente:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA (MAI) – SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
Recorrido 1:A.........
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

1. MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, inconformado com o acórdão do TCA-SUL que concedeu parcial provimento ao recurso que A…… interpusera da sentença do TAC de Lisboa que julgara improcedente a acção administrativa por este intentada, dele recorreu, para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:

" Resulta evidente que o Tribunal a quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice não teve em atenção o quadro legal atinente aos critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida.

Vejamos então,

O ora recorrido, em 06 de Setembro de 2021, apresentou no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, pedido de proteção às autoridades portuguesas.

Com base nas declarações, a que se refere o nº 6 do art.º 5º do Regulamento Dublin, foi ouvido em Auto aos 17/09/2021, mediante realização de entrevista e relatório, (cf. Págs. 19 a 27 do PA e entregue em 02/10/2021) e, após consulta do sistema EURODAC, sido confirmado o pedido de proteção internacional apresentado anteriormente em França.

De referir que resulta expresso no auto de declarações que o ora recorrido entrou em França no dia 09 de julho de 2018, onde solicitou proteção internacional, tendo referido em detalhe que “Da Nigéria fui para o Níger e Líbia. Depois da Líbia fui para Itália, de barco, onde cheguei em 2015, pedi proteção e lá permaneci 2 anos. Depois da Itália fui para França, pedi proteção e lá fiquei até vir para Portugal. Vim para Portugal de autocarro e comboio.”

Procedeu-se, pois, à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional, procedimento regido pelo art.º 36º e ss. da Lei nº 27/2008, de 30/06 (Lei de Asilo), tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 14/10/2021, pedido de retoma a cargo às autoridades francesas, de harmonia com o art.º 18º nº 1 al. d) do Regulamento Dublin.

Aos 29/10/2021, as autoridades francesas, expressa e inequivocamente aceitaram o pedido de retoma a cargo do (a) cidadão (ã), ao abrigo do artigo 18 nº 1 d) do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin), cfr. fls. 56 e ss do PA.

Obedecendo aos trâmites legais impostos quer pelo regulamento, quer pela lei de Asilo em vigor, a entidade demandada Recorrente (SEF), em conformidade, proferiu Decisão (vinculada), considerando o pedido inadmissível nos termos dos artigos 19º- A, nº 1 a) e 37º nº 2 da citada lei, determinando a transferência do ora requerido para França, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo nos termos do citado regulamento.

Estamos, portanto, perante um ato estritamente vinculado, sendo que a validade dos atos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feito em função dos pressupostos de facto e de direito fixados por lei, ou seja, pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei” (cf. Acórdão do TCA SUL de 19/10/2012, proc. Nº 08319/11).

10ª Com a devida vénia, afigura-se ao recorrente que o Acórdão, ora objeto de recurso, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do estado membro responsável, em conformidade com o Regulamento (UE) que o hospeda.

11ª Estatui a al. a) do nº 1 do art.º 19º-A da Lei 27/2008, de 30 de Junho que “O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV”.

12ª Sob a epígrafe «Procedimento especial de determinação do estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional», o capítulo IV estabelece no artigo 36º que “quando haja lugar à determinação do estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional é organizado um procedimento especial regulado no presente capítulo”.

13ª Quer isto dizer que, recebido o pedido de Proteção Internacional e verificado que, nos termos do nº 1 do art.º 37º, “a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro” as autoridades portuguesas, em conformidade com o legalmente estabelecido, iniciam um “procedimento especial”, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.

14ª Ou seja, a tramitação do procedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional obedece a regras de procedimento diferente, que são as estabelecidas pelo Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho (Regulamento Dublin).

15ª Assim, e no que toca à questão da existência de eventuais falhas sistémicas nos procedimentos de receção dos pedidos de proteção internacional por parte das autoridades francesas, esteve mal o douto Tribunal na sua apreciação.

16ª Estabelece o art.º 3º nº 2, do Regulamento Dublin o seguinte: “Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo a nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.”

16ª Estabelece o art.º 17º nº 1 do Regulamento de Dublin, que “Em derrogação do art.º 3º nº 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.”

17ª E nos termos do art.º 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (DFUE) “Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes.”

18ª Ora, quer no tocante ao sistema de análise dos pedidos de asilo da França, quer nos elementos constantes nos autos, inexistem quaisquer indícios que permitam concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante, ou que dadas as particulares condições do requerente a transferência implique um risco sério e verosímil de exposição a um tratamento contrário ao art.º 4º da CDFUE, nem risco objetivo (direto ou indireto) de reenvio para o país de origem, para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada, motivos esses que o requerente não invocou quando efetuou pedido de proteção internacional.

19ª Para melhor corroborar a posição do ora recorrente vejamos a argumentação do TACL no Processo 471/19.1BELSB, a qual desde já subscrevemos:

Em conformidade com a confiança mútua entre os Estados Membros no âmbito do SECA., existe uma forte presunção e no que as condições materiais de acolhimento oferecidas aos requerentes de proteção internacional nos Estados-membros serão adequadas, com respeito pelo Direito da União e pelos direitos fundamentais. Neste sentido, vejam-se as considerações expendidas no Acórdão do Tribunal de Justiça, de 21/12/2011, proferido nos processos apensos nºs C-411/10 e C-493/10.

Entendimento que foi vincado muito recentemente pelo TJUE em acórdão de 19/03/2019, proferido nos apensos C-297/17, C-318/17, C-319/17 e C-438/17, (…) E não poderia ser de outra forma, sob pena de o Sistema Europeu Comum de Asilo se tornar num “Asylum Shopping”, em que o requerente de asilo apresenta pedidos de proteção internacional em mais do que um Estado-Membro ou escolhe o Estado-Membro onde pretende ver o seu pedido apreciado em detrimento de outros, com fundamento nas condições de receção ou de assistência social que cada estado-membro tem para oferecer (optando pelo estado membro que ofereça melhores condições). Não é este, o escopo da concessão de proteção internacional às pessoas que, legitimamente procurem a proteção da União.

Sublinhe-se que, sem prejuízo, como não poderia deixar de ser, da aplicação integral da Convenção de Genebra de 1951, completada pelo Protocolo de Nova Iorque de 31 de Janeiro de 1967, a qual assegura que ninguém será enviado para onde possa ser novamente alvo de perseguições ou de maus-tratos e ofensas o Regulamento (UE) nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013, criou critérios objetivos e qualificativos quanto à determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional, assegurando, por conseguinte, a igualdade de tratamento de todos os requerentes e beneficiários de proteção internacional.

No caso dos autos, e atenta a factualidade provada, inexistem sequer indícios da existência de razões sérias para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de proteção Internacional em Itália, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, nos termos e na aceção acolhida pelo TJUE e à qual se faz referência supra.

Veja-se que, quando o Requerente foi informado de que a responsabilidade para a decisão do pedido de proteção internacional por si formulado competia à Itália, uma vez que o Autor havia apresentado lá um pedido antes do pedido apresentado em Portugal, este limita-se a dizer que não regressar à Itália, uma vez que lá sentia como se estivesse numa prisão, nada mais tendo alegado, concretizado ou demonstrado, mormente quanto ao tratamento e às condições a que esteve sujeito durante o período de cerca de dois anos em que esteve em Itália – cfr. Item E) do probatório.

Do relato do Autor, das informações constantes do processo administrativo ou da petição inicial, não resulta que as autoridades italianas sejam completamente alheias ou indiferentes às condições dos requerentes de proteção internacional, ao ponto de culminarem, em concreto para o Autor, numa situação de privação material extrema, que não lhe permitisse fazer sequer face às suas necessidades mais básicas.

Assim, não resultando quaisquer elementos do processo administrativo, mormente das declarações prestadas pelo próprio Autor, que indiciassem ou indicassem a existência de motivos válidos que levassem a Entidade demandada a crer que, existem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes em Itália, que implicassem o risco de o Autor vir a sofrer um tratamento desumano ou degradante [nas acepções supra referidas], nada mais lhe era exigido, a não ser decidir pela inadmissibilidade do pedido e, por conseguinte pela formulação do pedido de retoma a cargo à Itália, o qual foi, aliás, aceite [Veja-se nesse sentido decisão recente do TCAS no âmbito do processo nº 1353/18.0BELSB, de 10 de janeiro de 2019].

Concluindo-se, pois, que andou bem a Entidade Demandada, não se verificando os alegados vícios imputados ao acto impugnado, o qual será de manter.

(…)”

19ª Resulta evidente da Sentença reproduzida, a qual teve por objeto a análise e julgamento de uma situação semelhante à do ora Recorrido (Autor), que carece de fundamento a invocação que tem sido recorrentemente feita por requerentes de Asilo, que por razões de interesse particular não desejam ficar no país ou países onde anteriormente solicitaram proteção internacional, ou mesmo a quem o Asilo tenha sido recusado por não preencherem os requisitos legais exigidos, optando por abandonar os respetivos países e vir fazer novo pedido de proteção internacional junto das autoridades portuguesas, a fim de prolongarem um “modus vivendi” ou “modus operandi” que viola grosseiramente o propósito de um mecanismo tão nobre como é o preconizado pela Convenção de Genebra e materializado no Regulamento Dublin

20ª Na mesma linha veja-se a sentença proferida pelo TACL, no Processo nº 1741/18.1BELSB, a qual também desse já subscrevemos:

“(…) como explicita o TJUE, “O artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretados no sentido de que: - mesmo não havendo razões sérias para crer na existência de falhas sistémicas no Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, a transferência de um requerente de asilo no âmbito do Regulamento nº 603/2013 só pode ser feita em condições que excluam que essa transferência implique um risco real e comprovado de o interessado sofrer tratos desumanos ou degradantes, na aceção desse artigo (…) “. (sublinhado nosso) – cfr. acórdão do tribunal de justiça de 16/2/2017, proferido no proc. Nº C-578/16 PPU (disponível em www.curia.europa.eu)

Compulsada a p.i., verifica-se que o Autor não alegou factos concretos que a serem julgados provados permitissem concluir que o pedido de proteção internacional formulado deveria ser analisado em Portugal, designadamente, em virtude de estarmos perante uma situação em que na Itália ocorrem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requentes de proteção internacional que impliquem risco decretamento desumano ou degradante, na aceção do nº 4 da CDFUE, tal como previsto no art.º 3º, nº 2 do Regulamento Dublin.

Na verdade, o Autor alegou de forma genérica e inconclusiva que em Itália são violadas as regras da União Europeia relativas ao acolhimento de requerentes de asilo e que estas pessoas não são bem tratadas, fazendo, também, referência a notícias, no essencial relacionadas com o resgate de migrantes, sem que, no entanto, tenha alegado e demonstrado situações concretas reveladoras da existência de um risco nela e comprovado de o requerente vir a sofrer tratos desumanos ou degradantes, em caso de transferência para a Itália. Tanto mais que, tendo o Autor formulado um pedido de proteção internacional em Itália e resultando as declarações prestadas no âmbito do procedimento que aí esteve instalado num centro de acolhimento, nada alegou ou demonstrou quanto ao tratamento e às condições a que esteve sujeito durante esse período.

Em suma, da factualidade provada nos autos nada resulta que permita ao tribunal concluir pela existência de um risco sério de o requerente vir a ser alvo de tratos desumanos ou degradantes no estado-membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional.

A este propósito, há que sublinhar, também, que no que respeita às condições de acolhimento no Estado-Membro responsável, este está vinculado pela Diretiva 2013/33/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional.

Assim, e em conformidade com a confiança mútua entre os Estados-Membros no âmbito do SECA, existe uma forte presunção de que as condições materiais de acolhimento oferecidas aos requerentes de proteção internacional nos Estados-Membros serão adequadas, com respeito pelo Direito da União e pelos direitos fundamentais. Neste sentido, vejam-se as considerações expendidas no acórdão do tribunal de justiça, de 21/12/2011, proferido nos processo apensos nºs C-411/10 e C-493/10 (disponível em www.curia.europa.eu)

No caso em apreço, a factualidade provada nos autos não indica a existência de razões sérias para crer que há falhas sistémicas o procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes em Itália, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante.

E considerando que o artigo 17º, nº 1 do Regulamento Dublin comporta uma faculdade discricionária reconhecida aos Estados-Membros serão adequadas, não pode o Autor exigir, com base nessa disposição, que as autoridades portuguesas apreciem o mérito do pedido de proteção internacional que formulou em território nacional.

Em face do exposto, considerando o princípio segundo o qual os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, determinado e função dos critérios enunciados no capítulo III, do citado Regulamento, conforme dispõem os artigos 3º, 7º, nº 2, 18º, nº 1 al. b) e 23º, não estão reunidos os pressupostos legais para que o pedido de proteção internacional formulado pelo Autor possa ser apreciado por Portugal, como decidiu a entidade demandada, não cabendo, pois, às autoridades portuguesas proferir decisão de mérito acerca desse pedido, por ser entidade responsável o Estado Italiano que, na ausência de resposta no prazo estabelecido ao pedido de retoma a cargo, aceitou tal pedido, nos termos previstos no art.º 25º nº 2, do Regulamento.

No caso vertente, reitere-se, não ocorre a violação dos referidos princípios. Em virtude de a decisão ora impugnada não ter considerado as circunstâncias pessoais do requerente para efeitos de proteção internacional, porquanto não estão reunidos os pressupostos legais para que o pedido de proteção internacional formulado pelo Autor possa ser apreciado em território nacional, não competindo às autoridades portuguesas analisar e proferir decisão acerca desse pedido, para efeitos de saber se ao requerente deve ou não ser concedido o direito de asilo. Tal decisão deverá ser emitida pelo estado Responsável pala análise do pedido.

Com efeito, tendo resultado provado que o Autor já tinha apresentado, em momento anterior, um pedido de proteção internacional em Itália, e que este estado aceitou o pedido de retoma a cargo, nos termos expostos, o Estado-Membro responsável pela análise do pedido do requerente é, pois, o estado Italiano e não Portugal, pelo que a Entidade demandada atuou de acordo com as regras previstas no Regulamento Dublin, e bem assim, ao abrigo dos artigos 36º e seguintes da lei de Asilo, estando impedida de analisar o pedido de proteção internacional do ora A. e vinculada a proferir decisão no sentido da inadmissibilidade daquele pedido, nos termos do disposto no art.º 19º-A nº 1, al. a) da referida Lei.

Nessa medida, o procedimento adotado pela entidade demandada é legal e não viola os invocados princípios da igualdade, imparcialidade, da justiça e da boa-fé, cuja violação vem, de resto, invocada nos autos de forma genérica e sem substanciação, fazendo o Autor referência a situações idênticas que não estão a ser objeto de igual tratamento pela Administração, sem, no entanto, identificar qualquer situação em concreto.

(…)”

21ª Com maior relevo, e ainda assim, não deixando de considerar aqui a relevância da jurisprudência supra invocada, invocamos a sapiente jurisprudência que tem vindo a ser assente pelo Supremo Tribunal Administrativo, a qual tem ido de encontro à posição defendia pelo ora Recorrente.

22ª A título de exemplo chamamos à colação os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, que recaíram nos processos 1419/19.9BELSB de 9 de Julho de 2020, 1088/19.6BELSB de 2 de julho de 2020 e processo 1786/19.4BELSB de 2 de julho de 2020, todos no sentido de considerar que os cidadãos requerentes de proteção internacional limitam-se a invocar, em termos genéricos e abstratos, deficiências do acolhimento em Itália, sendo que lhes competia alegar e demonstrar a existência dos circunstancialismos que lhes fossem próprios e não do conhecimento comum e generalizado das condições de acolhimento em Itália.

23ª Nos acórdãos supra mencionados, entenderam os venerandos Conselheiros que o SEF não estava obrigado a fazer quaisquer averiguações sobre eventuais falhas sistémicas do sistema de acolhimento italiano, uma vez que, nos casos apresentados, inexistiam quaisquer indícios de que os requerentes tenham sido ou pudessem vir a ser vítimas do mesmo, nomeadamente com a gravidade extrema que é pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante do art.º 3º nº 2 do regulamento Dublin III.

24ª Ainda com referência aos Acórdãos supra, importa salientar a sua posição relativamente às invocadas informações veiculadas pelos meios de comunicação social e por organizações internacionais de direitos humanos que relatam situações que evidenciam a existência de falhas sistémicas ao nível das garantias processuais e condições de acolhimento dos requerentes, que tal referem vem expressa no Acórdão 2240/18.7BELSB de 01/01/2020.

25ª No referido Acórdão lê-se o seguinte: “…as notícias levadas ao acervo factual provado, a título de factos notórios, não deixando de traduzir uma situação “anómala”, não são por si só, e atento os contornos da situação suscetíveis de configurar, motivos válidos para crer que se preenche - no caso concreto – a hipótese legal presente nos parágrafos 2º do nº 2 do art.º 3º do Regulamento (…) Isto é, elas não constituem razões sérias e verosímeis de que o requerente corre risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, mormente tortura, por parte das autoridades Italianas.”

26ª No que toca ao caso dos autos, sempre se dirá que mutatis mutandis, no tocante ao sistema de análise dos pedidos de asilo da França, afigura-se-nos curial que inexiste qualquer indício que permita concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo, único óbice para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada.

27ª Na verdade, o Tribunal ad quo apenas se ateve às declarações do ora recorrido, mormente de que terá alegadamente vivido na rua em França.

28ª Porém, há que ter em conta que as alegações do recorrido são desprovidas do respetivo contexto temporal e circunstancial, na medida em que o próprio foi incapaz em sede administrativa de especificar em que período terá alegadamente vivido na rua, onde e por quanto tempo, vejam-se, pois, as suas declarações a fls. 31 do PA “não se recorda do tempo que ficou a viver na rua nem os detalhes.”

29ª Ora, o lapso de memória do recorrido, em nada vem abonar a seu favor, na medida em que não fornece qualquer detalhe sobre o período em que alegadamente terá vivido na rua, reforçando assim a ideia de que esse argumento, mais não é do que uma forma de tentar ludibriar as autoridades portuguesas, e continuar a usufruir de um estatuto que lhe tem permitido viver em território Europeu desde junho de 2015, altura em que chegou a Itália e aí solicitou, pela primeira vez, proteção internacional.

30ª Durante a sua estada em Itália (entre 2015 e 2018), onde o pedido veio a ser recusado, a final, o recorrido teve ao seu dispor todas as garantias e benefícios que são atribuídos aos requerentes de proteção internacional, nomeadamente, alojamento, alimentação, subsídio, cuidados de saúde e acesso à justiça e aos Tribunais.

31ª Findo o processo, e já fora do âmbito do pedido e mecanismo de proteção internacional, o recorrido, esgotados que estavam os benefícios atribuídos pelo Estado Italiano, dirigiu-se para França, onde chegou em julho de 2018 e onde, solicitou também proteção internacional.

32ª Em França, mais uma vez beneficiou de todas as regalias que são concedidas aos requerentes de proteção internacional, tendo tido inclusivamente direito a um subsídio mensal de 400,00 Euros e serviços de saúde sempre que necessitasse, pelo que não se pode considerar que o mesmo tivesse estado ao abandono como pretende fazer acreditar, entre Julho de 2018 e Outubro de 2021.

33ª O facto de não lhe ter sido atribuída uma casa não pode de todo querer dizer que não tivesse sido providenciado alojamento adequado durante o período em que foi analisado o seu pedido e posteriormente na pendência do recurso junto das instâncias judiciais.

34ª Quanto ao alojamento, tendo em conta que a França, tal como qualquer outro país da União, encontrando-se vinculada à convenção de Genebra, e respeitando o Acordo Dublin, necessariamente providenciou pelo seu alojamento, até porque seria impossível ao recorrido viver quase três anos na rua como vem alegado e mal explicado, uma vez que refere, pasme-se, que “não se recorda do tempo que ficou na rua nem dos detalhes

35ª Infere-se de tudo quanto até aqui foi dito, que o recorrido, vendo esgotadas todas as possibilidades de continuar a usufruir das regalias conferidas pelo mecanismo de proteção internacional em França (ao qual teve inequivocamente acesso e do qual usufruiu), decidiu deslocar-se para Portugal e aqui, iniciar novo ciclo de pedido de proteção internacional, beneficiando de todas as regalias que o mesmo confere enquanto não se encontram esgotadas todas as possibilidades de recurso.

36ª O “modus operandi” do recorrido vai de encontro ao sistema do “Asylum Shoping”, o qual, deve s.m.o. ser travado sempre que for evidente o uso de tal artifício, como acontece com o caso ora sub judice.

37ª Tendo em conta que a França, em 29 de outubro de 2021 (fls.56 e ss do PA) aceitou o pedido de retoma a cargo ao abrigo da al. d) do nº 1 do art.º 18º do Regulamento (UE) 604/13 estabelece que “O Estado-Membro responsável (…) é obrigado a Retomar a cargo, nas condições nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 29.º, o nacional de um país terceiro ou o apátrida cujo pedido tenha sido indeferido e que tenha apresentado um pedido noutro Estado-membro, ou que se encontre no território de outro Estado-membro sem possuir um título de residência”, e que o nº 1 do artº 20º determina que “O processo de determinação do Estado-Membro responsável tem início a partir do momento em que um pedido de protecção internacional é apresentado pela primeira vez a um Estado-Membro”, parece evidente que o seu pedido correu termos naquele Estado e é esse Estado quem deve prosseguir com a analise do pedido.

38ª Em suma não se vislumbra das declarações do recorrido quaisquer factos detalhadamente descritos que pudessem levar o recorrente a concluir pela existência de falhas sistémica no modo como são tratados os pedidos de proteção internacional em França.

39ª Crê-se destarte inequívoco que o Acórdão recorrido carece de legalidade, porquanto, conforme precedentemente explanado, no estrito cumprimento do estatuído pelo direito vigente sobre a matéria, se lhe impunha considerar impoluto o ato do ora Recorrente.

40ª Ao invés, assim, não atuou, razão pela qual ora se pugna pela revogação do douto Acórdão atenta a correta interpretação e aplicação da Lei por parte do ora recorrente.”

O A. contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

a) O aqui Recorrido impugnou nos presentes autos, a Decisão proferida a 02/11/2021, pelo Ex.mo Sr. Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que indeferiu o pedido de proteção internacional formulado a 06/09/2021 pelo mesmo;

b) O Tribunal de Primeira Instância proferiu Sentença totalmente improcedente quanto aos pedidos do aqui Recorrido;

c) O aqui Recorrido recorreu dessa Sentença e o Tribunal da Relação de Lisboa preferiu Douto Acórdão, no qual concedeu parcialmente provimento ao referido recurso, revogando a Sentença recorrida e, em consequência, julgou parcialmente procedente a presente ação, anulando o acto impugnado e condenou o aqui Recorrente a proceder, entre outras, a uma entrevista complementar ao aqui Recorrido e a solicitar informações a França, a fim de determinar se há lugar à transferência do autor para França e, em caso negativo, proceder à apreciação do pedido de proteção internacional;

d) O aqui Recorrente considera que, ao abrigo de um Recurso Extraordinário de Revista e nos termos dos n.ºs 1 e 2, do artigo 150.º, do CPTA, o Douto Acórdão deverá ser revogado, mas o aqui Recorrido não pode concordar com essa mesma pretensão;

e) Essa discordância resulta de não ter existido a violação de uma qualquer Lei substantiva ou processual;

f) Bem como, por não estar em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental;

g) Ou ainda, por não estar em causa uma qualquer melhor aplicação do Direito;

h) O que está aqui sobretudo em causa, constitui o Estado Português apurar previamente as condições de um eventual novo acolhimento do aqui Recorrido em França;

i) E apurar se, na atual conjuntura que se vive na Europa, fruto do número de refugiados resultantes da guerra na Ucrânia, aferir se a França está em condições de garantir toda a dignidade humana e todos os Direitos ao aqui Recorrido;

j) Assim, na apreciação sumária a realizar por este Douto Tribunal, deverá ser logo indeferida a pretensão e julgado improcedente o recurso apresentado pelo aqui Recorrente, com todas as legais consequências.

k) Face ao exposto, andou bem o Tribunal da Relação de Lisboa com o Acórdão proferido, o qual deverá aqui ser mantido em todos os seus exatos termos.”

Pela formação de apreciação preliminar a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.

A Exmª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunto junto deste STA, notificada nos termos do art.º 146.º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer, onde concluiu pela procedência do recurso.

Sem vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

1. Em 30.06.2015, o A. foi identificado pelas autoridades competentes em Itália, aí tendo sido recolhidas as suas impressões digitais (cf. cópia do “EURODAC – Fingerprint Form” com a referência IT1BS03VJG junta a fls. 3 do processo administrativo no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

2. Em 09.07.2018, o A. foi identificado pelas autoridades competentes em França, aí tendo sido recolhidas as suas impressões digitais (cf. cópia do “EURODAC – Fingerprint Form” com a referência FR19930155004 junta a fls. 4 do processo administrativo no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

3. Em 25.03.2021, o A. foi novamente identificado pelas autoridades competentes em França, aí tendo sido recolhidas as suas impressões digitais (cf. cópia do “EURODAC – Fingerprint Form” com a referência FR19930450358 junta a fls. 5 do processo administrativo no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

4. Em 06.09.2021, o A. apresentou um pedido de protecção internacional junto do R. (cf. declaração comprovativa de apresentação do pedido de protecção internacional junta a fls. 14 do processo administrativo no SITAF, documento que se dá por integralmente por reproduzido).

5. Em 17.09.2021, o A. prestou declarações junto do SEF, cujo auto se reproduz parcialmente infra:

(…)

[Imagem]

(cf. auto de declarações junto a fls. 19-28 do processo administrativo no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

6. A final do auto de declarações a que se alude no ponto anterior, consta um quadro com a designação de “Relatório”, segundo o qual:

[Imagem]

(…)

(cf. cópia do auto de declarações junta a fls. 19-28 do processo administrativo no SITAF).

7. Em 22.09.2021, o A. apresentou um requerimento junto do R., cujo teor se reproduz parcialmente infra:

[Imagem]

(cf. cópias da mensagem electrónica e requerimento juntas a fls. 29-32 do processo administrativo no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

8. Em 23.09.2021, o SEF remeteu um pedido de retoma a cargo do A. às autoridades italianas, ao abrigo do 18.º, n.º 1, alínea d), do Regulamento (UE) n.º 604/2013 (cf. cópia do processo de determinação da responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional junta a fls.33-38 do processo administrativo no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

9. Em 07.10.2021, as autoridades italianas responderam à solicitação a que se alude no ponto anterior, declinando a retoma a cargo do A. (cf. cópia do ofício junta a fls. 39 do processo administrativo no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

10. Em 12.10.2021, o R. elaborou novo relatório, cujo teor se reproduz parcialmente infra:

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(…)

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(cf. cópia do relatório junta a fls. 41-43 do processo administrativo no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

11. Em 14.10.2021, o A. apresentou novo requerimento junto do R., cujo teor se reproduz parcialmente infra:

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(cf. cópias da mensagem electrónica e requerimento juntas a fls. 44-47 do processo administrativo no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

12. Em 14.10.2021, o SEF remeteu um pedido de retoma a cargo do A. às autoridades francesas, ao abrigo do 18.º, n.º 1, alínea d), do Regulamento (UE) n.º 604/2013 (cf. cópia do processo de determinação da responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional junta a fls. 48-53 do processo administrativo no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

13. As autoridades francesas aceitaram, em 29/10/2021, o pedido de retoma a cargo do A. a que se alude no ponto 12, ao abrigo do artigo 18.º, n.º 1, al. d), do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013 (cfr. fls. 56 e 57 do processo administrativo).

14. Em 02.11.2021, foi elaborada a informação n.º 2063/GAR/2021, cujo teor se reproduz parcialmente infra:

(…)

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(cf. cópia da informação junta a fls. 59-68 do processo administrativo no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

15. Em 02.11.2021, foi proferido despacho pelo Senhor Director Nacional Adjunto do SEF, sancionando o teor da informação a que se alude no ponto anterior, considerando o pedido de protecção internacional apresentado pelo A. como inadmissível, ao abrigo dos artigos 19.º-A, n.º 1, alínea a), e 37.º, n.º 2, ambos da Lei n.º 27/2008, de 30.06, e determinando a sua transferência para a França (cf. cópia da decisão junta a fls. 69 do processo administrativo no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

16. Em 19.01.2022, o A. foi notificado da decisão referida no ponto anterior (cf. termo de notificação junto a fls. 90 do processo administrativo no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

3. Após o TAC ter julgado improcedente a acção administrativa intentada pelo ora recorrido para impugnação do despacho, de 2/11/2021, do Director Nacional Adjunto do SEF – que, ao abrigo dos artºs. 19.º-A, n.º 1, al. a) e 37.º, n.º 2, ambos da Lei n.º 27/2008, de 30/6, julgara inadmissível o pedido de protecção internacional por ele apresentado e determinara a sua transferência para França –, o TCA-Sul, na sequência de recurso interposto pelo A., revogou a sentença, julgando a acção “parcialmente procedente, anulando o acto impugnado e condenando o réu a proceder às averiguações supra descritas, a fim de determinar se há lugar à transferência do autor para França e, em caso negativo, proceder à apreciação do pedido de protecção internacional”.

Para assim decidir, o Acórdão recorrido considerou:

“(…).

Vejamos.

Quanto à aplicação do art. 17º, do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013 (Regulamento Dublin III) - o qual consagra a denominada cláusula de soberania que concede uma margem de discricionariedade aos Estados-Membros no sentido de afastar a obrigatoriedade de respeito pelas normas emitidas pela União Europeia quanto aos critérios de determinação do Estado-Membro responsável e a respectiva ordem, assumindo ele próprio determinado pedido de protecção internacional -, e como se refere na sentença recorrida:

“há que ter presente que, como o próprio disso dá conta, se está aí perante uma competência discricionária que é atribuída aos Estados-Membros, prerrogativa essa a lançar mão nos termos e casos em que a Administração assim o entenda e cuja sindicabilidade jurisdicional se queda, como tal, limitada, nos termos gerais de direito.

Não vindo invocada uma qualquer violação dos seus parâmetros externos nem, bem assim, dos princípios fundamentais que regem a actuação administrativa, evidente se torna que o acto impugnado não pode ser anulado por força de tal facto.”

De todo o modo, tal não implica a necessária improcedência deste recurso, pois cumpre ter presente que, de acordo com o disposto no art. 5º n.º 3, do CPC de 2013, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação das regras de direito, pelo que, face à factualidade invocada pelo autor, cabe determinar se a sentença recorrida violou (ou não) o art. 3º n.º 2, segundo parágrafo, do Regulamento Dublin III [afigurando-se que o aí previsto é ainda aplicável quando a transferência se faça ao abrigo do art. 18º n.º 1, al. d), desse Regulamento (neste sentido, Ac. do STA de 5.11.2020, proc. n.º 1108/19.4 BELSB)], ao julgar improcedente a presente acção.

Estatui o n.º 2 deste art. 3º, o seguinte:

“2. Caso o Estado-Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado-Membro em que o pedido tenha sido apresentado.

Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.

Caso não possa efetuar-se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado-Membro designado com base nos critérios estabelecidos no Capítulo III ou para o primeiro Estado-Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável passa a ser o Estado-Membro responsável.” (sublinhado nosso).

De acordo com o estatuído neste art. 3º n.º 2, segundo parágrafo, incumbe aos Estados-Membros, incluindo aos órgãos jurisdicionais nacionais, não transferir um requerente de asilo para o Estado-Membro responsável quando não possam ignorar que as falhas sistémicas ou generalizadas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado-Membro constituem motivos sérios e comprovados para crer que o requerente correrá um risco real de ser sujeito a tratamento desumano ou degradante, na acepção do art. 4º, da Carta, sendo certo que, para serem abrangidas pelo âmbito de aplicação deste art. 4º - cujo sentido e alcance são, por força do art. 52º n.º 3, da Carta, iguais aos conferidos pelo art. 3º, da CEDH -, as falhas devem ter um nível particularmente elevado de gravidade (cfr. neste sentido, entre outros, Acs. do TJ de 21.12.2011, procs. apensos C-411/10 e C-493/10, 10.12.2013, proc. C-394/12, 5.4.2016, procs. apensos C-404/15 e C-659/15, 16.2.2017, proc. C-578/16, e 19.3.2019, proc. C-163/17 e procs. apensos C-297/17, C-318/17, C-319/17 e C-438/17).

Conforme a este propósito se explicita no Ac. do TJ de 19.3.2019, proc. C-163/17, a propósito dos critérios ao abrigo dos quais se impõe apreciar a existência de falhas sistémicas ou generalizadas:

“90 A este respeito, quando o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso de uma decisão de transferência dispõe de elementos apresentados pela pessoa em causa para demonstrar a existência de tal risco, esse órgão jurisdicional deve apreciar, com base em elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados e por referência ao nível de proteção dos direitos fundamentais garantido pelo direito da União, a existência de falhas sistémicas ou generalizadas, ou que afetem determinados grupos de pessoas (v., por analogia, Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C-404/15 e C-659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.º 89).

91 Em terceiro lugar, no que se refere à questão de saber quais são os critérios à luz dos quais as autoridades nacionais competentes devem proceder a essa apreciação, importa sublinhar que, para serem abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 4.º da Carta, que corresponde ao artigo 3.º da CEDH, e cujo sentido e alcance são, portanto, por força do artigo 52.º, n.º 3, da Carta, iguais aos conferidos por essa convenção, as falhas mencionadas no número anterior do presente acórdão devem ter um limiar de gravidade particularmente elevado, que depende do conjunto dos dados da causa (TEDH, 21 de janeiro de 2011, M.S.S. c. Bélgica e Grécia, CE:ECHR:2011:0121JUD003069609, § 254).

92 Esse limiar de gravidade particularmente elevado é alcançado quando a indiferença das autoridades de um Estado-Membro tiver por consequência que uma pessoa completamente dependente do apoio público se encontre, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar-se, lavar-se e ter alojamento, e que atente contra a sua saúde física ou mental ou a coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana (v., neste sentido, TEDH, 21 de janeiro de 2011, M.S.S. c. Bélgica e Grécia, CE:ECHR:2011:0121JUD003069609, §§ 252 a 263).” (sublinhados e sombreado nossos).

O autor, ora recorrente, em sede de audiência prévia [cfr. n.º 11., dos factos provados, pois na entrevista que lhe foi realizada não lhe foram feitas perguntas sobre as condições de acolhimento em França, mas apenas em Itália (cfr. n.º 5., dos factos assentes), carecendo de fundamento o alegado no ponto 18., da informação 2063/GAR/2021, descrita em 14., dos factos provados, na qual assentou o acto impugnado de 2.11.2021, pois as declarações referidas nesse ponto 18. respeitam à estadia do autor em Itália (“Brescia”) e não em França] alegou factos concretos [em França viveu sempre na rua, pois numa lhe foi fornecida habitação, apesar de solicitada (e as tentativas para arrendar um apartamento sempre se mostraram infrutíferas)] que fundamentam a existência de um risco de vir a ser sujeito a tratamento desumano com a gravidade extrema que é pressuposto de aplicação da cláusula de salvaguarda do art. 3º n.º 2, do Regulamento Dublin III, caso seja transferido para França, pois referiu terem ocorrido deficiências graves nas suas condições de acolhimento em França - por não ter sido possível fazer face às suas necessidade básicas de alojamento -, onde esteve mais de três anos.

Ora, estes indícios de tratamento desumano que resultam das informações que o autor forneceu em sede de audiência prévia carecem de ser confirmados quanto à sua seriedade por elementos objectivos, fiáveis e precisos.

Assim, será, desde logo, necessária a realização pelo SEF de uma entrevista complementar ao autor (pois na entrevista de 17.9.2021 ao autor não foi perguntado sobre as condições de acolhimento em França), a fim de este esclarecer designadamente a exacta data em que formulou os pedidos de protecção internacional em França e a data em que os mesmos foram definitivamente indeferidos, bem como as precisas condições de acolhimento de que beneficiou (ou que não beneficiou), sem prejuízo da realização pelo SEF de outras diligências que se mostrem pertinentes, maxime a solicitação à França - ao abrigo do art. 34º n.ºs 1, al. a), e 2, als. d) e g), do Regulamento Dublin III - de informação sobre o local de estadia do autor e se tal local foi fornecido pelas autoridades francesas, a data de apresentação de cada um dos pedidos de protecção internacional, a decisão tomada, respectiva data e eventual recurso interposto e decisão tomada no mesmo, bem como o recurso a relatórios regulares e concordantes de entidades credíveis sobre as condições de acolhimento em França.

Pelo exposto, deverá ser concedido parcial provimento ao presente recurso jurisdicional, revogada a sentença recorria e, em consequência, julgada parcialmente procedente a presente acção, anulando-se o acto impugnado (cfr. art. 163º n.º 1, do CPA de 2015) e condenando-se o réu a proceder às averiguações acima descritas, a fim de determinar se há lugar à transferência do autor para França e, em caso negativo, proceder à apreciação do pedido de protecção internacional (ponderando se tal pedido deverá ser apreciado como pedido subsequente).

Assim, este acórdão, considerando que, tal como tem decidido o STA (cf. Ac. de 5/11/2020 – Proc. n.º 1108/19.4BELSB), a cláusula de salvaguarda prevista no art.º 3.º, n.º 2, 2.º parágrafo, do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho (Regulamento Dublin III) era aplicável ainda que a transferência se fizesse ao abrigo do art.º 18.º, n.º 1, al. d), desse Regulamento, entendeu, face ao alegado pelo A., pela ocorrência de indícios suficientes da existência de falhas sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento em França que não lhe teriam permitido aceder a alojamento enquanto aí permaneceu justificadores de uma ulterior actividade instrutória a realizar pelo SEF.

Vejamos se este entendimento é de manter, considerando a impugnação que dele é feito pelo recorrente na presente revista.

Constitui jurisprudência do TJUE que, nas situações em que um Estado-Membro aceita a retoma a cargo, o requerente do asilo só pode pôr em causa a decisão se invocar a existência de deficiências sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento desses requerentes no Estado-Membro que constituam razões sérias e verosímeis da existência de um risco real de eles serem sujeitos a tratos desumanos ou degradantes na acepção do art.4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (cf. Acs. de 21/12/2011 – Proc. C-411/10 e C-493/10 e de 10/12/2013 – Proc. C-394/12).

Em consequência, “quando o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso de uma decisão de transferência dispõe de elementos apresentados pela pessoa em causa para demonstrar a existência de tal risco, esse órgão jurisdicional deve apreciar, com base em elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados e por referência ao nível de proteção dos direitos fundamentais garantidos pelo direito da União, a existência de falhas sistémicas ou generalizadas, ou que afetem determinados grupos de pessoas” (Ac. do TJUE de 19/3/2019 – Proc. C-163/17).

E – como também se referiu neste último acórdão citado – essas falhas “devem ter um limiar de gravidade particularmente elevado”, o qual “é alcançado quando a indiferença das autoridades de um Estado-Membro tiver por consequência que uma pessoa completamente dependente do apoio público se encontre, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas como, nomeadamente, alimentar-se, lavar-se e ter alojamento, e que atente contra a sua saúde física ou mental ou a coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana”.

Porém, quanto a esta questão das falhas sistémicas, a jurisprudência do TJUE também tem entendido que o sistema de asilo comum assente no princípio da confiança mútua faz presumir que o tratamento dado aos requerentes de asilo em cada Estado-Membro está em conformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com a Convenção de Genebra de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados e com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Portanto, porque a transferência de um requerente de asilo no âmbito do Regulamento Dublin III só pode ser feita em condições que excluam o risco de ele sofrer tratos desumanos ou degradantes na acepção do art.º 4.º, da Carta, incumbe às autoridades do Estado-Membro (e, se for caso disso, aos seus órgãos jurisdicionais) que deva proceder à transferência “dissipar quaisquer dúvidas sérias” que possam existir (cf. Ac. do TJUE de 1672/2017 – Proc. C-578/17).

No caso em apreço, resulta da matéria fáctica provada que o A., no âmbito do pedido de protecção internacional que formulou, prestou declarações junto do SEF em 17/9/2021, onde afirmou ter chegado a Itália em 2015 e, depois de aí ter permanecido durante 2 anos, deslocou-se para França, onde ficou até ter vindo para Portugal em Setembro de 2021. Nessa entrevista, ele pronunciou-se sobre as condições de acolhimento de que beneficiou em Itália, mas nada referiu, por não lhe ter sido perguntado, das que usufruiu no período em que permaneceu em França. Foi então elaborado um relatório, onde se considerou que seria a Itália o Estado-Membro responsável pela análise do pedido e se entendeu que o sentido provável da decisão a proferir seria o da inadmissibilidade do pedido com a consequente transferência do requerente para esse país. Após o A. se ter pronunciado em sede de audiência prévia sobre essa decisão e a Itália ter declinado a retoma a cargo, foi, em 12/10/2021, elaborado um novo relatório, exactamente igual ao anterior, apenas se substituindo as referências que eram feitas a Itália por França. O A., em sede de audiência prévia, veio então alegar que não queria ser transferido para França, nomeadamente por nunca lhe ter sido proporcionado alojamento, sempre tendo vivido na rua no período em que aí permaneceu. Depois de as autoridades Francesas terem aceitado o pedido de retoma a cargo, foi proferido o acto impugnado a julgar o pedido do requerente inadmissível e a determinar a sua transferência para França, com os fundamentos constantes da informação n.º 2063/GAR/2021, de 2/11/2021, na qual se concluía pela não aplicação ao caso da cláusula de salvaguarda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento Dublin III, designadamente porque «o requerente não referiu em nenhum momento da entrevista ou das alegações aqui apresentadas que o tratamento a que esteve sujeito em França foi desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da CDFUE», tendo aí declarado «em resposta à pergunta “Durante a instrução desse pedido [de asilo] de que tipo de apoios beneficiou? (alojamento, alimentação, apoio pecuniário, acesso à saúde)” o seguinte: “Sim, estava alojado num campo de refugiados em Brescia e tinha direito a dinheiro alimentação e saúde”».

Infere-se do que ficou exposto que a entrevista que foi efectuada ao A. – pressupondo que seria Itália o Estado-Membro responsável pela apreciação do seu pedido – incidiu sobre o acolhimento que lhe havia sido prestado pelas autoridades italianas, omitindo-se qualquer questão respeitante ao que lhe havia sido proporcionado em França e, mesmo depois das objecções que ele colocara à transferência para este país, a informação que as apreciou e em que se fundamentou o despacho impugnado limitou-se a afirmar a não aplicação da aludida cláusula de salvaguarda por ele próprio nunca ter referido que aí estivera sujeito a um tratamento desumano ou degradante na acepção do art.º 4.º, da CDFUE, exemplificando com perguntas feitas e respostas dadas sobre as condições de acolhimento em Itália, mais precisamente em Brescia.

Nestes termos, porque a invocada inexistência de alojamento que teria levado o A. a viver na rua configura, de acordo com a jurisprudência do TJUE, “uma situação de privação material extrema” e porque as deficiências instrutórias que ficaram apontadas tornaram o procedimento administrativo completamente imprestável para afastar essa alegação, não permitindo ao Tribunal – sobre quem recai o dever de apreciar a verificação de eventuais falhas sistémicas nas condições de acolhimento do país de destino – dissipar as dúvidas sérias que foram criadas apesar da presunção resultante do princípio da confiança mútua, julgamos perfeitamente justificadas as diligências complementares determinadas pelo Tribunal “a quo”, cuja decisão não merece, assim, qualquer censura.

Refira-se, finalmente, que, face à distinta matéria de facto em causa, a posição que agora se perfilha em nada contraria a linha jurisprudencial que tem sido seguida por este STA (cf. os acórdãos que ficaram indicados no acórdão que admitiu a presente revista) a propósito da existência de eventuais falhas sistémicas nas condições de acolhimento dos requerentes de asilo em Itália.

4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.

Sem custas (art.º 84.º, da Lei n.º 27/2008, de 30/6).

Lisboa, 24 de novembro de 2022. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) - Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (vencida conforme declaração em anexo).

Vencida. Teria julgado procedente o recurso e revogado o acórdão do TCA e mantido o decidido pelo TAC de Lisboa, por considerar que essa é a solução que está conformidade com a jurisprudência anterior firmada pelo STA, a que se alude no acórdão que admitiu a revista.

Com efeito, nenhum vício identificamos na decisão recorrida.

É correcta a decisão quanto à determinação de França como o Estado responsável pela retoma a cargo do Requerente por efeito do disposto no artigo 23.º, n.° 3 do Regulamento (UE) n.º 604/2013, como afirmaram as autoridades italianas em resposta ao pedido efectuado por Portugal (fls. 39 do PA junto aos autos).

É verdade que na entrevista ao Requerente e aqui A., apenas lhe foi perguntado sobre as condições de acolhimento em Itália, uma vez que as autoridades portuguesas, num primeiro projecto de decisão, consideraram ser esse o país responsável pelo procedimento à luz das regras do Regulamento Europeu. Porém, uma vez esclarecido que o Estado responsável pela retoma a cargo era França, o Requerente e A. foi ouvido no procedimento e pronunciou-se por escrito, de forma expressa e com desenvolvimento suficiente, sobre as condições de acolhimento naquele país (ponto 11 do probatório), visando, por esta forma, obstar à decisão de indeferimento do pedido apresentado em Portugal e ao procedimento de retoma a cargo por França. Consideramos esta pronúncia escrita suficiente para o cumprimento do artigo 16.° da Lei do Asilo, para a formação de um juízo pelas autoridades portuguesas quanto às ditas condições de acolhimento naquele país, e, por essa razão, não acompanhamos a conclusão de que seria necessária uma entrevista complementar, sem a qual, o procedimento estaria ferido de ilegalidade por défice instrutório. No nosso entender, nada no procedimento indicia sequer que uma tal diligência pudesse trazer novos elementos para a formação da decisão. Aliás, é nesse sentido que se interpretamos a fundamentação do acto recorrido quando, ao fundamentar a decisão de retoma a cargo por França, mencionar que não existem elementos no procedimento que possam objectar a essa decisão, maxime a referência pelo Requerente no procedimento a tratamento desumano ou degradante. Tendo o Requerente trazido aos autos a informação sobre as condições do seu acolhimento a França, por que razão não teria dito nesse documento que tinha sido submetido a condições desumanas? Lembre-se, de resto, como tem sido afirmado e reafirmado à saciedade pela jurisprudência deste STA, que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, a inexistência de “falhas sistémicas” se presume no âmbito dos países da UE e que, por essa razão, elas têm de ser comprovadas e apenas factos graves de desrespeito pelos direitos humanos podem preencher aquele conceito.

Por último, não pode igualmente acompanhar-se a decisão quando se considera que a circunstância de não ter sido concedido alojamento em espécie ao Requerente se deve qualificar como um indício de “falha sistémica” que cumpre apurar, pois tendo sido afirmado pelo Requerente que lhe foi atribuída uma prestação pecuniária mensal de cerca de 400€ por mês, acrescidos de atendimento sanitário e medicamentoso gratuito, pode inferir-se, pelo facto de esse montante não ser irrisório, que o mesmo seria suficiente para que o Requerente provesse às suas condições materiais de acolhimento. Aliás, a definição de “condições materiais de acolhimento”, artigo 2.°, n.° 1, al. e) da lei do asilo, é clara ao usar a conjunção alternativa “ou”, permitindo aos Estados optar por fornecer em espécie o alojamento, a alimentação, o vestuário ou sob a forma de subsídios ou de cupões ou de subsídios para despesas diárias.

Suzana Tavares da Silva.