Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:021/11
Data do Acordão:05/04/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:IRC
FIXAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
CORRECÇÃO TÉCNICA
ACTO DE LIQUIDAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ANULAÇÃO PARCIAL
Sumário:I - O acto tributário de liquidação é divisível e, consequentemente, pode ser só parcialmente anulado pelos tribunais, no respectivo processo de impugnação.
II - Deve, porém, anular-se totalmente o acto quando a Administração Fiscal tenha calculado a matéria colectável por correcções técnicas, supondo um determinado valor e o juiz concluir pela inexistência, em certos casos, de situações que justifiquem a introdução dessas mesmas correcções, bastantes para alterar, assim, o seu montante, ficando, por isso, na dúvida quanto à qualificação e quantificação efectuada, pois não cabe aos tribunais, substituindo-se à Administração, apurar a matéria colectável e proceder à correspondente liquidação.
Nº Convencional:JSTA00066941
Nº do Documento:SA220110504021
Data de Entrada:01/11/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPTRIB91 ART145 ART121.
LGT98 ART100.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1973/02 DE 2003/03/26.; AC STA PROC24101 DE 1999/09/22.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – O Representante da Fazenda Pública, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…, Lda, melhor identificada nos autos, contra o acto de liquidação adicional de IRC, no valor de 26.417.027$00, referente ao exercício de 1992 e, em consequência, condenou a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
I) Do douto aresto constam diversas situações relativamente às quais se entendeu não dever proceder a impugnação.
II) Assim, na parte IV - O Direito, no âmbito da apreciação da correcção efectuada pela AF e impugnada pela Impugnante relativa à aquisição de cheques-auto, no montante de 2.000.000$00, consta, nomeadamente o seguinte (fls. 256 dos autos):
“No caso que nos ocupa, pretende a impugnante demonstrar que os cheques-auto por si adquiridos se encontram documentados com facturas de abastecimento de combustível. Porém, como resulta do probatório, as referidas facturas de abastecimento de combustível não mencionam nem a viatura abastecida, nem o cheque-auto utilizado no pagamento, pelo que não se podem considerar documentos idóneos para a qualificação das despesas com cheques-auto como documentadas.”
E ainda que:
“Assim, na senda do supra mencionado Acórdão, improcede a argumentação da Impugnante, sendo de manter a correcção efectuada pela AF.”
III) Consta ainda, relativamente às correcções efectuadas pela AF respeitantes a despesas com deslocações, a que se refere o artigo 98° da p.i. (fls. 257 e 258 dos autos):
“Atentemos em cada uma das correcções.
• Lançamento 02/94 - no valor de Esc. 254.805$00 - Relativamente a este ponto a Impugnante não logrou provar que os custos se enquadram na actividade da empresa, pelo que se mantém a correcção efectuada pela AF;
• Lançamento 02/181- no valor de Esc. 284.166$00 - Impugna o acréscimo de Esc. 198.816$00 referente a refeições. No entanto, não logrou carrear para os autos elementos probatórios suficientes e credíveis que permitam ao tribunal concluir pela indispensabilidade destes custos, sendo que do depoimento das testemunhas inquiridas não resulta prova suficiente para o alcançar, pelo que se mantém a correcção;
• Lançamento 02/182 e lançamento 02/183 - Remete-se para o que se disse no ponto anterior, mantendo-se a correcção;
• Lançamento 02/304 (...)
• No que respeita às restantes correcções postas em causa no artigo 98° da p.i., não logrou a Impugnante demonstrar que aqueles custos eram indispensáveis à actividade, nem quem efectuou as viagens em causa, não tendo sido juntos aos autos elementos probatórios que permitam ao tribunal concluir em sentido contrário, pelo que se mantém a correcção;”
IV) No que concerne às correcções efectuadas pela AF respeitantes a ajudas de custo dos funcionários da impugnante, consta da douta sentença (cf. fls 259 dos autos) que é de anular a correcção efectuada, porém “à excepção dos valores pagos a B… no valor de 120.000$00, por não ser funcionária da empresa, como admite a impugnante.”
V) Sendo que, igualmente, quanto à correcção feita pela AF no valor de Esc. 287.960$00, referente à amortização do capital contida nas rendas relativas ao contrato de financiamento efectuado pela Impugnante para realizar obras no seu imóvel, consta do douto aresto (fls. 260) que:
“A impugnante defende que se trata de um contrato conexo com a aquisição do imóvel. Não tem razão a impugnante.
A alínea c) do n.° 1 do artigo 23° do CIRC refere que são considerados custos fiscais os encargos financeiros, nomeadamente os juros, nela não se incluindo o valor de amortização do capital.
Assim sendo, bem andou a AF ao efectuar a correcção em apreciação, pelo que improcede a argumentação da Impugnante.”
VI) Não obstante, no que concerne às situações supra descritas, se verificar que não assiste razão à Impugnante, constata-se que conclui a sentença: “Nestes termos, atento o supra exposto, o Tribunal julga procedente a presente impugnação judicial, condenando-se a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios. Sem custas,”
VII) Consta ainda da douta sentença, no ponto 1- Relatório, onde se referirá o pedido da impugnante: “Termina pedindo a anulação da liquidação impugnada” e no Ponto IV - O Direito que: “A impugnante não concorda com algumas das correcções efectuadas pela AF, pelo que entende que deve a liquidação ser anulada.”
VIII) Assim, não obstante se verificar que a presente impugnação judicial foi apenas parcialmente procedente, constata-se que a decisão está em contradição com esta realidade, na medida em que julga procedente a impugnação, e condena a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios.
IX) Contudo, o próprio pedido formulado pela impugnante, contrariamente ao que consta na sentença recorrida, não é de anulação da liquidação mas de anulação parcial da liquidação, a entender-se que a douta sentença implica a anulação da liquidação, condena a Fazenda Pública para além do pedido.
X) Simultaneamente, a douta sentença refere que julga procedente a presente impugnação: “atento o supra exposto”.
XI) Pelo que, se retira da mesma que a produção de efeitos se restringe às correcções julgadas indevidas, só estas tendo sido consideradas ilegais.
XII) Porém, não se explicitando que a anulação da liquidação é apenas parcial, considerando-se na douta sentença ser indistinta a anulação total da anulação parcial, será a sentença recorrida nula na parte em que se possa interpretar como determinando a anulação total da liquidação impugnada.
XIII) De facto, a sentença recorrida, a permitir aquela interpretação, implica que os seus fundamentos estão em oposição com a decisão, e bem assim, que a condenação é em quantidade superior do que a objecto do pedido, apresentando-se ilegal e nula nos termos do art. 668° do Código de Processo Civil, não merecendo por isso ser confirmada,
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.
A recorrida contra-alegou, para concluir do seguinte modo:
(i) A douta Sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial apresentada contra o acto de liquidação de IRC n.° 8310025396, praticado com referência ao ano de 1992.
(ii) Nesse sentido, julgou a Exma. Senhora Juiz do Tribunal a quo “procedente a presente impugnação judicial, condenando-se a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios”;
(iii) Não obstante, o Representante da Fazenda Pública invoca, nas respectivas alegações de recurso, que a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo está ferida de nulidade com fundamento numa, alegada, (i) contradição entre os factos dados como provados e a Sentença e, bem assim, (ii), na condenação da Fazenda Pública para além do pedido.
(iv) Sustenta o Representante da Fazenda Pública que, não tendo o Tribunal a quo determinado a anulação de todas as correcções efectuadas pela Administração tributária com referência ao exercício de 1992 e que estiveram na origem da prática do acto de liquidação impugnado, não poderia a Sentença julgar procedente a impugnação judicial e determinar a anulação do acto de liquidação.
(v) Ainda de acordo com o Representante da Fazenda Pública, o Tribunal condena a Administração tributária para além do pedido uma vez que, tendo a Recorrida aceitado parte das correcções efectuadas pela Administração tributária, em sede de IRC, com referência a IRC do ano de 1992, o Tribunal não poderia determinar a anulação do acto de liquidação.
(vi) Todavia, ficou aqui devidamente comprovado a Sentença proferida pelo Tribunal a quo não padece de qualquer nulidade.
(vii) Desde logo, o Tribunal a quo pronunciando-se sobre todas as correcções impugnadas pela Impugnante ora Recorrida determinando a anulação de maioria das correcções impugnadas, determinando, como não poderia deixar de ser, a anulação do acto de liquidação de IRC impugnado.
(viii) Na verdade, conforme é entendimento da jurisprudência, um acto tributário de liquidação não pode ser cindido, ou seja, anulado parcialmente, sem que haja a prática de um novo acto de liquidação, do qual sejam expurgadas as ilegalidades de que padecia o acto de liquidação originariamente praticado.
(ix) Deverá, pois, concluir-se que, não existe qualquer contradição entre os factos dados como provados e a Sentença recorrida.
(x) Acresce que, contrariamente ao que sustenta a Recorrente, o Tribunal a quo não condenou para além do pedido, pois, se é certo que a ora Recorrida aceitou parte das correcções praticadas pela Administração tributária com referência ao ano de 1992, impugnou na sua totalidade o acto de liquidação objecto dos presentes autos, pelo que o Tribunal a quo apenas se limitou, nos estritos limites do peticionado na petição inicial, a determinar a anulação do acto de liquidação.
(xi) Em face do exposto não se vislumbram quaisquer nulidades de que padece a Sentença recorrida, pelo que deve a mesma ser mantida e, consequentemente, confirmada a anulação do acto de liquidação de IRC praticado com referência ao ano de 1992.
Termos em que deverá ser mantida a Douta Sentença que julgou procedentes os presentes autos, determinando a anulação do acto tributário de liquidação adicional de IRC, respeitante ao exercício de 1992, por considerar que o mesmo padecia de ilegalidade, nos termos e com os fundamentos supra expostos.
O Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
2 – A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
a) A ora Impugnante, A…, Ldª, tem como objecto social a consultadoria, concepção de acções na área da imagem e da comunicação social promoção de imagem de pessoas individuais e colectivas, promoção de eventos, consultadoria, concepção e execução de acções nas áreas de marketing, publicidade e informática - Cfr. documento a fls. 91, documento 1, junto com a p.i.
b) À actividade da Impugnante referida em a), que antecede, corresponde o CAE 72200 (antigo 832900) - Consultadoria das áreas de marketing - Cfr. documento a fls. 28, e documento a fls. 91;
c) Em cumprimento da Ordem de Serviço n° 5430, emitida em 18 de Abril de 1995, os Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, procederam a exame à escrita da Impugnante relativa ao ano de 1992, na sequência de pedido do contribuinte, originado pela análise interna da declaração de rendimentos daquele exercício - Cfr. documento a fls. 89 a 110;
d) Em 31 de Julho de 1996 foi elaborado Relatório de Inspecção, por técnico da Administração Fiscal (AF), relativo ao exercício de 1992, do qual se destaca o seguinte:
(…) 5. ANÁLISE CONTABILÍSTICO-FISCAL
Da análise aos registos contabilísticos e correspondentes documentos de suporte, constataram-se várias irregularidades, entre as quais a contabilização como custo da empresa através de documentos e fotocópias em nome de terceiros, bem como a contabilização de gastos com deslocações e estadas, através de documentos sem os requisitos legais, maioritariamente representando mapas de deslocações do pessoal com utilização de viaturas próprias (a empresa possuía 22 trabalhadores incluindo os dois sócios, utilizando em 1992, 10 viaturas em ALD para além da viatura registada no imobilizado da empresa), despesas de combustíveis, lançadas na conta “deslocações e estadas” e grande quantidade de talões de restaurantes, situando-se estes na zona de Sintra (…)
5.5 CORRECÇÕES EFECTUADAS
Da análise efectuada por amostragem aos elementos contabilísticos do contribuinte e correspondentes documentos de suporte verificaram-se várias situações sujeitas a correcção, procedendo-se de seguida à sua identificação.
5.5.1 FORNECIMENTOS E SERVIÇOS EXTERNOS
5.5.1.1. SUBCONTRATOS
Foi registado nesta conta, através do documento 03/130 do mês de Fevereiro, a factura n° 3286, de 26/02/96 emitido por C… Ldª referente a um adiantamento de 40% sobre o valor de uma encomenda de 2500 troféus para a D…, no valor de esc. 3.000.000$00, sobre a qual liquidou IVA no montante de esc. 510.000$00, e do qual se junta fotocópia em anexo n°1. Analisada a conta corrente do fornecedor e os respectivos documentos de suporte, verificou-se que todas as facturas emitidas e referentes à entrega dos referidos troféus, foram liquidadas por cheques de igual valor, não tendo nunca sido considerado o abatimento correspondente ao adiantamento inicial, pago através do recibo n° 1703, razão pela qual não pode ser aceite como custo fiscal o referido adiantamento, por se tratar de duplicação de custos, tanto mais que se trata de uma operação financeira, a qual deveria ter sido classificada como “adiantamento a Fornecedores” e não como custo do exercício.
Deste modo, procedeu-se à correcção do valor da factura n° 3286 pelo valor de esc. 3.000.000$00, indevidamente considerado como custo fiscal, por infracção dos art°s 17° e 98° do CIRC.
(…)
5.5.1.2 ELECTRICIDADE
Foi contabilizado nesta conta, pelo lançamento n° 03/1066, fotocópia do recibo “verde” n° BBI 113346 referente ao projecto eléctrico das novas instalações e que, para além de não se tratar de documento original, foi emitido apenas em 1993, razão pela qual se procedeu à correcção do referido custo no montante de esc. 390.000$00, em virtude de o documento não se apresentar de acordo com os art°s 17º e 98° do CIRC.
5.5.1.3 COMBUSTÍVEIS
Verificam-se nesta conta inúmeras situações em que os documentos de suporte não preenchem os requisitos legais, nomeadamente a identificação da empresa adquirente e das viaturas em que o combustível é utilizado, sendo grande parte destes documentos lançados a débito da conta “Deslocações e Estadas”.
Para além desta situação, constatou-se que a empresa, pelos lançamentos identificados no quadro seguinte, contabilizou como custo do exercício a aquisição de “cheques-auto” no montante de esc. 2.000.000$00.
Trata-se de custos insuficientemente documentados, uma vez que representam operações financeiras, sendo os custos reconhecidos apenas no momento da troca dos referidos cheques por combustível. (…)
Por se tratar de custos não documentados, procedeu-se à tributação autónoma nos termos do art°4° do Dec.Lei n° 192/90, de 9 de Junho, para além da correcção do custo considerado indevidamente, nos termos da alínea h) do n°1 do art° 41° do CIRC.
5.5.1.6 RENDAS E ALUGUERES
(…)
Na contabilização desta rubrica verificaram-se algumas situações sujeitas a correcção (...), referentes a:
a) (...)
b) Contrato de leasing referente a um imóvel, sede social da empresa, celebrado com a E… em 29/07/92 e pelo montante total de esc. 50.000.000$00 (...).
O valor residual para efeitos do referido contrato, nomeadamente para o exercício do direito de opção previsto nas condições gerais é de 15.800.000$00 (…).
Este contrato inicial foi posteriormente desdobrado, conforme planos financeiros fornecidos pela empresa em:
• Contrato n° 100203 no valor de 40.000.000$00 referente ao valor de aquisição do imóvel, efectuada pela E… ao seu anterior proprietário e custos de legalização inerentes (sisa e registos);
• Contrato n° 200203 no valor de esc. 10.000.000$00 e referente ao financiamento das obras a efectuar pela locatária.
Este segundo contrato consubstancia um vulgar contrato de financiamento, entendendo-se que, tal como para o recurso a pedidos de financiamento a outras entidades (instituições bancárias, etc.) se trata de uma operação financeira, não sendo portanto de aceitar como custo fiscal o montante correspondente à parte de amortização de capital contida nas rendas, procedendo-se à correcção no montante de esc. 287.960$00, de acordo com o art° 23° do CIRC.
(...)
5.5.1.8 DESLOCAÇÕES E ESTADAS
Esta conta apresenta valores elevados, sendo os lançamentos referentes aos custos, de uma forma geral, insuficientemente documentados, como por exemplo, através de fotocópias de bilhetes de transporte relativos a viagens, facturas de agências de viagens sem especificação dos passageiros, datas das viagens e por vezes, falta de indicação do destino, talões de restaurantes sem identificação do utilizador do serviço e na sua maior parte situadas na zona de Sintra, e um número elevado de deslocações do pessoal com utilização de viatura própria, o que não parece muito justificável, tendo em conta o número de empregados (15 na folha de vencimentos de Novembro, incluindo os dois sócios) e o número de viaturas (1 pertencente ao imobilizado da empresa e 10 em sistema de ALD).
Da análise efectuada procedeu-se à correcção no montante de esc. 2.803. 081$00.
(…)
5.5.1.9 CONSERVAÇÃO E REPARAÇÃO
Da análise a esta conta verificaram-se as seguintes incorrecções:
A) - Lançamento n° 02/44 referente à factura n° 201 de F… (…) relativa à restauração de um jogo de maples no valor de esc. 190.000$00.
Trata-se de uma reparação que em princípio irá aumentar o período de vida útil do bem, razão pela qual se afigura mais aceitável o período de 3 anos para a amortização desta restauração, procedendo-se à correcção do valor correspondente a 2/3 do valor total da reparação, ou seja de esc. 126.667$00, nos termos do art° 32° do CIRC e art° 5° do Dec. Reg. 2/90.
(...)
5.5.2 CUSTOS COM PESSOAL
Da análise aos movimentos efectuados nas contas desta rubrica, verificaram-se algumas situações anómalas para as quais não existem documentos credíveis de suporte aos respectivos lançamentos:
• Pagamento de subsídios de doença
• Pagamento de ajudas de custo
• Pagamento de gratificações
A) (...)
B) - AJUDAS DE CUSTO
Trata-se de valores atribuídos a vários trabalhadores, entre eles um da categoria B (B…) sem qualquer documento credível de suporte, especificando nomeadamente justificação para a deslocação, locais e datas em que o direito a essas remunerações acessórias subsistia, bem como número de dias e valor diário atribuído a cada um dos beneficiários, elevando-se a esc. 5.310.000$00 relativamente ao documento n° 03/1068 e esc. 55.300$00 referentes ao documento n° 03/1033, ambos de Dezembro (...)
A situação descrita contraria o disposto nos art° 17º e 98° do CIRC.
6. CONCLUSÕES
Da análise efectuada por amostragem aos elementos contabilísticos do contribuinte conclui-se estar perante um contribuinte que, de uma forma geral, cumpre com as obrigações fiscais declarativas e de pagamento.
Constatou-se, no entanto, durante a presente acção, a contabilização de custos de valores elevados, cujos documentos de suporte não se apresentavam nos termos legais, razão pela qual se procedeu a correcções no âmbito do CIRC e do CIVA, nos montantes de esc. 43.244.111$00 e esc. 5.534. 720$00, respectivamente.
(...)- Cfr. relatório de inspecção a fls. 89 a 110, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
e) Consta dos autos cópia de factura n° 3286 emitida por C…, Ldª, em nome da Impugnante, referente a Adiantamento de 40% sobre o valor da encomenda de 2500 troféus D… no valor de Esc. 3.000.000$00, acrescido de IVA, sendo o valor total de Esc. 3.510.000$00 Cfr. documento a fls. 36;
f) Consta dos autos cópia de recibo com o nº 1703, emitido por C…, Ldª, em nome da Impugnante, referente ao Valor da factura n° 3286 no valor total de Esc. 3.510.000$00, correspondente ao pagamento de 1000 troféus, parte da encomenda de 2500, referida na alínea antecedente - Cfr. documento a fls. 37 e depoimento das testemunhas G… e H…;
g) Consta dos autos cópia de factura n° 3555 emitida por C…, Ldª em nome da Impugnante, referente, nomeadamente, a 10 troféus D… (já entregues) no valor de 30.000$00 e a 204 troféus D… no valor de 612.000$00, acrescido de IVA - Cfr. documento a fls. 38;
h) Consta dos autos cópia de factura n° 3573 emitida por C…, Ldª em nome da Impugnante, referente, nomeadamente, a 210 troféus D… (35 caixas) no valor de 630.000$00, acrescido de IVA - Cfr. documento a fls. 39;
i) Consta dos autos cópia de factura n° 3579 emitida por C…, Ldª, em nome da Impugnante, referente, nomeadamente, a 198 troféus D… (33 caixas) no valor de 594.000$00, acrescido de IVA - Cfr. documento a fls. 40;
j) Consta dos autos cópia de factura n°3586 emitida por C…, Ldª em nome da Impugnante, referente, nomeadamente, a 180 troféus D…, no valor de 540.000$00 acrescido de IVA - Cfr. documento a fls. 41;
k) Consta dos autos cópia de factura n° 3604 emitida por C…, Ldª, em nome da Impugnante, referente, nomeadamente, a 204 troféus D… no valor de 612.000$00, acrescido de IVA - Cfr. documento a fls. 42;
l) Consta dos autos cópia de factura n° 3623 emitida por C…, Ldª, em nome da Impugnante, referente, nomeadamente, a 210 troféus D… no valor de 630.000$00, acrescido de IVA - Cfr. documento a fls. 43;
m) Consta dos autos cópia da factura n° 3645 emitida por C…, Ldª em nome da Impugnante referente, nomeadamente, a 286 troféus D… no valor de 858.000$00, acrescido de IVA - Cfr. documento a fls. 44;
n) Constam dos autos cópias de documentos de abastecimento de combustíveis, em nome da Impugnante, contribuinte nº …, respeitantes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Abril, Maio, Julho, Agosto, Outubro e Novembro de 1992, emitidas por I… - Cfr. documentos a fls. 45 e 46;
o) Constam dos autos cópias de documentos de abastecimento de combustíveis, em nome da Impugnante, contribuinte n° …, respeitantes aos meses de Janeiro a Dezembro de 1992, emitidas por J… - Cfr. documento a fls. 47;
p) Consta dos autos cópia de Declaração Modelo 10 (artigo 114° do CIRS), onde consta a identificação da relação dos funcionários da Impugnante e respectivas retenções na fonte efectuadas - Cfr. documento a fls. 48 a 51, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
q) Constam dos autos mapas de ajudas de custo, relativos a diversos funcionários da Impugnante, e diferentes meses do ano de 1992, onde se inclui o nome do funcionário, a categoria profissional, a deslocação efectuada, o valor da ajuda de custo e o mês a que respeita - Cfr. documentos a fls. 52 a 87, os quais se dão, aqui, por integralmente reproduzidos;
r) O projecto de electricidade referido no ponto 5.5.1.2 do Relatório de Inspecção foi efectuado no ano de 1992 - Cfr. depoimento das testemunhas G… e H…;
s) A reparação dos sofás a que se respeita o ponto 5.5.1.9 do Relatório de Inspecção, teve como intuito a reparação dos mesmos na sequência de danos causados no tecido por fagulhas lançadas da lareira da sala de reuniões onde os mesmos se encontravam - Cfr. depoimento das testemunhas G…, H… e L…;
t) No ano de 1992 o funcionário da Impugnante M… deslocou-se a Londres ao serviço da Impugnante - cf. depoimento da testemunha M…;
u) No seguimento da acção de fiscalização, em 8 de Novembro de 1996, a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IRC nº 8310025396 no montante de 26.417.027$00, cuja data limite para pagamento voluntário ocorreu em 6 de Janeiro de 1997 - Cfr. documento a fls. 121;
v) Em 12 de Fevereiro de 1997 deu entrada a presente Impugnação Judicial - Cfr. carimbo aposto no rosto da p.i. a fls.2.
3 – A ora recorrida impugnou a liquidação adicional de IRC, relativo ao exercício de 1992, que levou em consideração a matéria colectável a que a Administração Fiscal chegou por correcções técnicas, corrigindo a matéria colectável declarada de 16.704.055$00 para 59.948.166$00, liquidando, assim e em consequência, o imposto no valor de 16.141.380$00 e os juros compensatórios em 10.275.647$00, ou seja, no valor global de 26.417.027$00.
Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a impugnação foi julgada procedente e anulada a liquidação.
Fundou-se, para assim decidir, que a liquidação impugnada sofre de ilegalidade, por violação das regras de qualificação e quantificação da matéria colectável em relação a algumas das correcções efectuadas, a implicar a total anulação dessa liquidação.
É contra essa decisão que se insurge, agora, a Fazenda Pública, pois que e em relação às questões descritas na sua motivação do recurso, não se tendo concluído na sentença recorrida assistir razão à impugnante, não havia por isso, lugar à anulação in totum da liquidação, mas só à anulação parcial.
Sendo assim, a sentença recorrida não só é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão, mas também por que foi além do pedido.
Vejamos se lhe assiste razão.
Como é sabido, o acto tributário de liquidação, saldando-se no apuramento do imposto devido pelo sujeito passivo, é divisível “tanto por natureza como na própria expressão legal, pelo que é sempre susceptível de anulação parcial” (vide o Acórdão desta Secção do STA de 22 de Setembro de 1999, in rec. nº 24.101).
É asserção outras muitas vezes ditada por este Tribunal.
Neste sentido e por todos, pode ver-se, também, o Acórdão de 26/3/03, in rec. nº 1.973/02, que aqui vamos seguir de perto.
E resulta das disposições dos artºs 145º do Código de Processo Tributário (CPT) e 100º da Lei Geral Tributária (LGT).
“Ou seja, se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo só nessa parte, deixando-o subsistente no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira”.
Tal não é, todavia, possível em todos os casos.
Quando, como aqui acontece, a Administração Fiscal tenha calculado a matéria colectável por correcções técnicas, supondo uma determinado valor e o juiz concluir pela inexistência, em certos casos, de situações que justifiquem a introdução dessas mesmas correcções, bastantes para alterar, assim, o seu montante, ficando, por isso, na dúvida quanto à qualificação e quantificação efectuada, não lhe resta, senão, anular totalmente a liquidação.
É, de resto, o que resulta do disposto no artº 121º do Código de Processo Tributário, aqui aplicável: “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência ou quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”.
É que, num caso como este, o juiz não fica a saber e, consequentemente, não pode definir (mesmo admitindo que tanto lhe é permitido) qual o montante da matéria colectável correcta. Nada mais faz senão dizer que a qualificação e quantificação apuradas pela Administração é excessiva ou insuficientemente demonstrada.
E, portanto, tem que anular o acto, para que a Administração volte a calcular a matéria colectável, mas, desta vez, alicerçada em fundamentos mais sólidos, procedendo à liquidação a partir daquela a que então chegue.
“Ao juiz não compete, em nenhum caso, substituir-se à Administração no apuramento da matéria colectável e na elaboração da sequente liquidação”.
E, sendo assim, como é, também não colhe aqui o argumento da recorrente Fazenda Pública de que “a condenação é em quantidade superior do que a objecto do pedido”, já que “não é de anulação da liquidação, mas de anulação parcial da liquidação”.
A verdade é que na petição inicial a recorrida impugnou a liquidação e, como vimos, esta impugnação não pode deixar de afectar a totalidade da matéria colectável e, consequentemente, o acto de liquidação.
Assim sendo, ao julgar procedente a impugnação, importava anular o acto de liquidação no seu todo, como lhe competia.
Foi o que o Tribunal recorrido fez, que, deste modo, não condenou nem em mais nem em coisa diversa do que lhe era pedido.
Pelo que a sua decisão não merece o reparo da recorrente.
4 – Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente FP, fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 4 de Maio de 2011. – Pimenta do Vale (relator) – António Calhau – Casimiro Gonçalves.