Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01506/17.8BALSB
Data do Acordão:09/26/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I - A falta de audiência prévia à liquidação, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, conducente, em regra, à anulabilidade do acto (cfr. art. 135.º do CPA antigo, a que corresponde o n.º 1 do art. 163.º do actual CPA).
II - No entanto, há situações em que a preterição da formalidade pode não ter efeitos invalidantes (cfr. o n.º 5 do art. 163.º do actual CPA), designadamente quando, em procedimento de segundo grau, o interessado pôde pronunciar-se sobre as questões relativamente às quais foi omitida a audiência no procedimento de primeiro grau.
Nº Convencional:JSTA000P23658
Nº do Documento:SAP2018092601506/17
Data de Entrada:01/04/2018
Recorrente:Z......, S.A.
Recorrido 1:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 4 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo por oposição de acórdãos

1. RELATÓRIO

1.1 “Z…….., S.A.” (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido nestes autos em 16 de Fevereiro de 2017 pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte (de fls. 435 a 453), invocando oposição com o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Novembro de 2010, proferido no processo n.º 671/10, e identificando como questão jurídica fundamental decidida em sentido divergente a da relevância do incumprimento do dever de audiência prévia à conclusão do relatório de inspecção e/ou à liquidação.

1.2 Admitido o recurso, e em face das alegações produzidas ao abrigo do disposto no art. 284.º, n.º 3, CPPT, a Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Norte entendeu verificar-se a invocada oposição e ordenou a notificação das partes para alegaram nos termos do n.º 5 do mesmo artigo.

1.3 A Recorrente apresentou, então, alegações sobre o mérito do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão de 16.02.2017, no segmento em que este douto aresto considerou não ter sido violado o direito de audição prévia antes da liquidação e/ou da conclusão do relatório de inspecção tributária subjacente à liquidação.

2. Apesar do procedimento de inspecção que esteve na base da liquidação e da liquidação terem sido concluídos/efectivados antes da entrada em vigor da LGT, os artigos 100.º do CPA (redacção à data) e 267.º n.º 5 da CRP impunham que se concedesse ao contribuinte a oportunidade de exercer o seu direito de audição prévia antes da liquidação e/ou da conclusão do relatório de inspecção tributária subjacente à liquidação – o que, comprovadamente, não se verificou in casu.

3. O douto Acórdão aqui recorrido entendeu não ter sido violado o direito de audição prévia antes da liquidação e/ou da conclusão do relatório de inspecção tributária subjacente à liquidação “porque o contribuinte, neste meio de reacção administrativareclamação graciosa da liquidaçãoteve a oportunidade de se pronunciar sobre a liquidação adicional e sobre todas as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido previamente concedida a faculdade de se pronunciar, devemos considerar que ficou sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para o exercício do direito de audiência prévia à liquidação. (...) Na verdade, parafraseando os citados Autores, podemos afirmar que a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau (por que foi decidida o reclamação graciosa), pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação. (...) O certo é que a AT se pronunciou sobre o alegado pela ora Impugnante em sede de Procedimento de Reclamação Graciosa e manteve as correcções efectuadas e a respectiva liquidação (...). Logo, devemos considerar que ficou sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação.” (sublinhado nosso).

4. Ora, este entendimento está em oposição com o entendimento sufragado por este Venerando STA.

5. Com efeito, contrariamente ao entendimento do douto Acórdão aqui recorrido, a apresentação e apreciação administrativa da reclamação graciosa não sana o vício da falta de audiência prévia antes da liquidação e/ou da conclusão do relatório inspectivocomo resulta do douto Acórdão fundamento.

6. O exercício do direito de audição prévia antes da liquidação não se confunde com o (i) direito de audição prévia antes do indeferimento da reclamação graciosa, muito menos com o (ii) direito de reclamação graciosa.

7. E a preterição daquela formalidade legal prévia à liquidação – concessão, ao contribuinte, da oportunidade deste exercer o seu direito de audição prévia – não se degradou em formalidade legal não essencial, tão pouco se pode considerar sanada.

8. Com efeito, nada garante, em abstracto, que se fosse dada essa oportunidade ao contribuinte, antes da liquidação ou da conclusão do relatório final inspectivo, a liquidação final de imposto, ainda assim, seria necessariamente a mesma.

9. Muito pelo contrário, os sinais dos autos apontam precisamente em sentido contrário.

10. Com efeito, tal como resulta da factualidade provada, na L7 do Q20 do Mapa de Apuramento Modelo DC-22 (relatório inspectivo), relativa à correcção das provisões, consta uma correcção de Esc. 4.947.028$00 (cfr. G) dos factos provados).

11. Ora, como igualmente se extrai da factualidade provada (cfr. J), K) e L) dos factos provados), em sede de reclamação graciosa a AT chegou à conclusão que o valor da correcção das provisões em apreço deveria ser distinto daquele.

12. Ou seja, a própria AT considerou a possibilidade de alterar a posteriori o valor corrigido quanto às provisões não aceites para efeitos fiscais.

13. Pelo que, por maioria de razão, a Recorrente, no exercício do seu direito de audição prévia, antes da liquidação e/ou da conclusão do relatório inspectivo, poderia determinar uma alteração do valor da correcção das provisões.

14. Ou seja, a liquidação final de imposto, nos precisos moldes em que foi efectuada, não era inelutável e inevitável, não sendo possível afirmar, com total segurança, que, se o contribuinte tivesse tido a oportunidade de exercer o seu direito de audição prévia antes da liquidação, esta ainda assim seria necessariamente igual.

Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogando o douto Acórdão recorrido e julgando a Impugnação Judicial procedente, por violação do direito de audição prévia, com a consequente anulação da liquidação adicional de imposto e as demais consequências legais, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA».

1.4 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.5 Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, deu-se vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja verificada a oposição de acórdãos e negado provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido na ordem jurídica.
Após enunciar os requisitos do recurso por oposição de acórdãos e resumir as posições assumidas nos acórdãos recorrido e fundamento quanto à questão jurídica alegadamente decidida em oposição, concluiu que se verifica «manifesta contradição/oposição entre ambos os julgados» e propôs que o mesmo seja resolvido no sentido da doutrina do acórdão recorrido, com a seguinte fundamentação:
«[…]
O direito consagrado nos artigos 100.º e seguintes do CPA e 19.º/c) do CPT, vigentes à data, constitui uma concretização do princípio da participação dos particulares na formação das decisões administrativas que lhe digam respeito, dando, assim, satisfação à directriz consagrada no art. 267.º/5 da CRP, revestindo a natureza de um princípio estruturante da lei especial sobre o processamento da actividade administrativa, traduzindo a intenção legislativa de atribuição de um verdadeiro direito subjectivo procedimental.
No caso em análise impunha-se, pois, a audição do contribuinte antes da liquidação e/ou conclusão do RIT, o que não veio a acontecer, o que consubstancia vício de forma que pode conduzir à anulação da decisão final do procedimento, nos termos do disposto no, então, artigo 135.º do CPA.
Todavia, nem sempre a omissão de audição prévia conduz à anulação da decisão final do procedimento.
Na verdade, de acordo com o princípio do aproveitamento do acto administrativo, tal não se justificará, designadamente, “... nos casos em que se apure no processo contencioso que, se ela tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final, ou acabou por ter oportunidade de pronunciar-se, em procedimento de segundo grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), sobre questões as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau” (Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 4.ª edição 2012. página 515, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa).
Sobre a aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo cf. acórdãos do Pleno da SCT, de 22/01/2014 - P. 0441/1 3 e de 15/10/2014 - P. 01374/13.
Como referem os apontados autores, na obra atrás referida “Poderá também considera-se convalidado o acto primário que enferme de vício de violação do direito de audição se o interessado veio a utilizar meios de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) e neles acabou por ter oportunidade de se pronunciar sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau. Em situações deste tipo, quer o acto primário tenha sido mantido quer tenha sido revogado e substituído pelo acto de segundo grau, a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau, pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação. Porém, se a reclamação graciosa e o recurso hierárquico são facultativos e o interessado impugna contenciosamente o acto primário, não ocorrerá qualquer convalidação, subsistindo o vício de preterição do direito de audição se o acto primário enfermava dele. Isto é, não é apenas por o interessado ter a possibilidade de impugnar administrativamente o acto primário, mas apenas quando tenha deduzido efectivamente uma impugnação e nela se tenha pronunciado sobre as questões sobre as quais era necessário dar-lhe oportunidade de se pronunciar, que se pode considerar convalidado o acto, por ter sido atingida, antes de ser concluída a actividade administrativa, a finalidade visada por lei com a concessão daquele direito”.
A mais recente jurisprudência, plasmada no acórdão do STA, de 25/06/2015 - P. 01391/14, disponível no sítio da internet www.dgsi.pt, também aponta, exactamente, nesse referido sentido.
Ora, no caso em apreciação, o contribuinte teve plena oportunidade de, em sede de procedimento de reclamação graciosa, se pronunciar sobre todas as questões suscitadas face à sindicada liquidação e sobre as quais deveria ter sido ouvido em sede de procedimento de liquidação e/ou conclusão do RIT pelo que o acto primário de liquidação se mostra, devidamente, convalidado.
A decisão recorrida não merece, assim, censura.
Termos em que deve dar-se por verificada a oposição de acórdãos e negar-se provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido na ordem jurídica».

1.6 Colhidos os vistos dos Conselheiros desta Secção do Contencioso Tributário, cumpre apreciar e decidir, sendo que, antes do mais, há que verificar da existência da invocada contradição entre os acórdãos em confronto e só na afirmativa se passará, depois, a averiguar das infracções imputadas ao acórdão recorrido [cfr. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 O acórdão recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto:

«A) Foi efectuado “exame à escrita da impugnante”, referente ao exercício de 1992, sendo a Impugnante a sociedade dominante do Grupo “Z………., SA”, na sequência da qual foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 8310014789, de 1010711997, no valor de 29.940.444$00, constando da mesma a “Nota demonstrativa da liquidação do imposto”, com as importâncias da liquidação anterior e com as importâncias corrigidas.
Fls. 10 do PA.

B) Da liquidação referida na alínea anterior, consta o seguinte:
Fica V. Exa. Notificado(a) para, no prazo de 30 dias a contar do 3.º dia posterior ao do registo, efectuar o pagamento da importância de 29.940.444$, proveniente de liquidação de IRC do ano conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida…
Fls. 10 do PA.

C) A impugnante recepcionou a liquidação em 28/07/1997.
Cfr. arguido pela Impugnante e não impugnado pela Fazenda Pública.

D) Em 30/07/1997, a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças da Maia requerimento no qual refere que “… tendo sido notificada de liquidação de IRC do ano de 1992, ... , sem que o mesmo expresse a fundamentação que é devida – por força do disposto nos Arts. 21.º, 22.º, 64.º e 82.º do Código do Processo Tributário (CPT) – vem requerer a V. Exa. que se digne instruir os serviços no sentido de emitir a respectiva certidão de fundamentos, nos termos do n.º 1 do art. 22.º, e com os efeitos previstos no n.º 2 do mesmo art. 22.º do CPT...
Fls. 23.

E) A Direcção Distrital de Finanças do Porto remeteu à Impugnante o Ofício n.º 9865 de 2910711997 com o seguinte teor:
Assunto. Envio dos fundamentos das correcções efectuadas relativas ao IRC do exercício de 1992
De acordo com o disposto no n.º 2 do art. 64.º Código de Processo Tributário junto se remetem os fundamentos das correcções efectuadas à matéria colectável e/ou outros valores relevantes para efeitos de liquidação do IRC do exercício de 1992.
Mais se informa que a liquidação do imposto com base nas referidas correcções será, a breve prazo, feita e notificada pelos Serviços Centrais da DGCI...
Nos termos do artigo 111.º do Código do IRC, poderá V. Exa. reclamar ou impugnar a liquidação do imposto quando vier a ser efectuada pelos Serviços Centrais da DGCI nos prazos previstos, ...
Da presente comunicação dos fundamentos das correcções efectuadas não cabe qualquer reclamação ou impugnação ...
Fls. 25.

F) Em anexo ao Ofício referido na alínea anterior foram remetidos os “Fundamentos das correcções”, a fls. 26 a 45, cujo teor se dá por reproduzido, constando da fundamentação:
- o impresso “Quadros de recolha - Mapa de apuramento Mod. DC -22” preenchido pela A.T. com os valores das correcções efectuadas, destacando-se as seguintes:
• Provisões além dos limites legais (arts. 34.º, 35.º e 36.º): + 4.947.028$00
• Outros custos não especificados anteriormente: + 23.207.451$00
• Retenções na fonte: - 17.008.968$00
- a fundamentação das correcções efectuadas, destacando-se as seguintes:
• Linha 7 - Quadro 20: A X……….… considerou como custo provisões para créditos de cobrança duvidosa – créditos em mora, de valor superior ao estabelecido na alínea c) do n.º 1 do art. 34.º do CIRC, no montante de 4.947.028$00, não tendo o grupo acrescido o referido valor, para efeitos de apuramento do lucro tributável consolidado.
• Linha 22 - Quadro 20: O grupo contabilizou como custo e não acresceu, para efeitos de determinação do lucro tributável consolidado, a importância de 23.297.451$00 relativa a custos extraordinários, da empresa X…..… referente a um processo crime de abuso de confiança relativamente a uma funcionária da empresa e ainda a decorrer no tribunal Criminal do Porto - DIAP - 4.ª Secção - processo 2550/93B, que nos termos do art. 23.º do CIRC, não são aceites como custo fiscal.
• Linha 6 - Quadro 13: O grupo considerou em excesso 17.008.968$00, por retenções na fonte, nos termos da alínea e) do n.º 2 do art. 71.º do CIRC, na linha 7 do quadro 19 da declaração modelo 22/IRC do lucro consolidado do exercício de 1992. Este valor resulta do facto de o grupo ter deduzido indevidamente retenções na fonte declaradas pela sociedade V………... o montante em causa consta de relatório de exame à escrita, elaborado em 6 de Novembro de 1995 pela Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, em que se conclui não possuir a sociedade documentos que comprovem a totalidade do imposto contabilizado na conta “24123 - IRC s/ as rendas”, tendo-se procedido à correcção, no exercício de 1992, do montante de 17.008.968$00 considerado em excesso.
Fls. 26 a 45.

G) Por ofício de 06/08/1997 da Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, foram remetidas ao Impugnante as conclusões do “relatório do exame à escrita” da Impugnante, com o teor constante de fls. 47 a 52, que se dá por reproduzido, sendo de destacar o seguinte:
Em cumprimento da ordem de serviço n.º 3016/97 de 03/04/97, procedeu-se à análise do lucro consolidado do grupo “Z…………, SA”, do exercício de 1992, de que resultaram as seguintes correcções:
1.-IRC
1.1 - Ao nível do lucro tributável consolidado
O total de correcções proposto ao lucro tributável consolidado do grupo Z............., no exercício de 1992, ascende a 30.367.482$00, resultante de correcções assim discriminadas:
A)…
8) A X……………., S.A., considerou como custo provisões para créditos de cobrança duvidosa, créditos em mora, de valor superior ao estabelecido na alínea c) do n.º 1 do art. 34.º do CIRC, no montante de 4.947.028$00, não tendo o grupo acrescido o referido valor, para efeitos de apuramento do lucro tributário consolidado.
C) …
D)...
E) O grupo contabilizou como custo e não acresceu, para efeitos de determinação do lucro tributável consolidado, a importância de 23.207.451$00 relativa a custos extraordinários, da empresa X…………., S.A., referente a um processo crime de abuso de confiança relativamente a uma funcionária da empresa e ainda a decorrer no Tribunal Criminal do Porto - DIAP - 4 Secção - processo 2550/93B, que nos termos do art. 23.º do CIRC, não são aceites como custo fiscal.
F) …
G)...
H)...
1.2. Ao nível das deduções ao lucro tributável consolidado
O grupo Z…………, SA, no exercício de 1992 efectuou uma dedução ao lucro tributável, relativa a prejuízos fiscais, no montante de 365.469.000$00, absorvendo assim a totalidade do lucro tributável consolidado declarado.
Na sequência das correcções positivas de 30.367.482$00, efectuadas pela Administração Fiscal ao nível do lucro tributável consolidado do exercício de 1992 e em virtude de o reporte de prejuízos fiscais passível de ser efectuado no âmbito do lucro tributável consolidado, nos termos do artigo 46.º e 60.º do CIRC, permitir ainda a absorção do montante agora acrescido, procedeu-se ao ajustamento do reporte dos prejuízos fiscais por igual montante, passando o grupo a beneficiar da dedução do valor de 395.836.482$00, não resultando assim matéria colectável.
1.3. Ao nível das retenções na fonte
O grupo considerou em excesso 17.008.968$00, por retenções na fonte, nos termos da alínea e) n.º 2 do art. 71.º do CIRC, na linha 7 do quadro 19 da declaração modelo 22/IRC do lucro consolidado do exercício de 1992. Este valor resulta do facto de o grupo ter deduzido indevidamente retenções na fonte declaradas pela sociedade V…………., S.A. O montante em causa consta de relatório de exame à escrita, elaborado em 6 de Novembro de 1995 pela Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, em que se conclui não possuir a sociedade documentos que comprovem a totalidade do imposto contabilizado na conta “24123 - IRC s/as rendas” tendo-se procedido à correcção, no exercício de 1992, do montante de 17.008.968$00 considerado em excesso.
Fls. 47 a 52.

H) Em 28/11/1997, a Impugnante apresentou Reclamação graciosa contra o acto de liquidação, com o teor constante de fls. 2 a 44 do P.A. apenso aos autos, que se dá por reproduzido.
Fls. 2 a 44 do P.A.

I) No âmbito da análise da Reclamação graciosa, foi proferida Informação pela Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, constante de fls. 48 a 51 do P.A., cujo teor se dá por reproduzido.
Fls. 46 a 51 do P.A.

J) Foi proferido “Projecto de despacho” de indeferimento da Reclamação graciosa, notificado à Impugnante, concedendo-lhe o prazo de 15 dias para exercer o direito de audição.
Fls. 57 e 58 do P.A.

K) A Reclamação graciosa foi totalmente indeferida por despacho de 17/01/2003.
Fls. 61 do P.A.

L) Da Declaração “Modelo 22”, relativa ao exercício de 1992, da sociedade “X………” constam, entre outros, os seguintes valores:
• Quadro 17, Linha 324 - “Provisões não dedutíveis (artigo 33.º) - 3.130.504$00
• Quadro 17, Linha 325 - “Provisões além dos limites legais (artigos 34.º, 35.º e 36º) - 0$00
Fls. 40 do P.A.

M) A Impugnante pagou o valor do imposto liquidado, no valor de Euro 84.840,37.
Fls. 118».

2.1.2 O acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo indicado como fundamento – proferido em 10 de Novembro de 2010 no processo n.º 671/10 – deu como assente a seguinte matéria de facto (O texto foi retirado da base de dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P., onde os trechos que permitiriam a identificação dos contribuintes envolvidos se encontram substituídos por reticências.):

«1. A sociedade impugnante foi constituída por escritura de 02 de Julho de 1973, lavrada na Secretaria Notarial da Feira, com um capital inicial de 7.000.000$00 que foi aumentado uma primeira vez para 21.000.000$00, por escritura de 23 de Dezembro de 1983 e, depois, por escritura de 28 de Setembro de 1988, para os actuais 201.000.000$00;

2. O objecto social da impugnante consiste no exercício da actividade de fabricação de calçado;

3. O exame à escrita da impugnante surgiu após selecção efectuada internamente pela Inspecção-Geral de Finanças dos principais clientes de senhas de refeição adquiridas à sociedade “B…, SA”, com o NIPC …, com sede em Lisboa;

4. A impugnante adquiriu ao longo de 1993, 1994, 1995 e 1996 títulos de refeição à firma “B…, SA”;

5. A impugnante contabilizou directamente como custo do exercício as seguintes importâncias na subconta “64.8-Outros custos com o pessoal” (títulos de refeição):
AnosMontantes
1993
1994
1995
1996
1997
21.175.500$00
24.899.900$00
24.800.000$00
21.430.000$00
22.470.000$00
Soma114.775.400$00
6. As importâncias referidas em 5) encontram-se documentalmente suportadas por facturas e por listagens nominativas mensais, assinadas pelos beneficiários, designadas “registo de atribuição de títulos de refeição”;

7. A impugnante contabilizou nos exercícios de 1993 e 1995, na conta “64.8 – Outros Custos com o Pessoal” as importâncias de 30.000.000$00 e 17.347.000$00 a títulos de prémios de seguros do ramo vida”;

8. As importâncias referidas em 7) referem-se:
a. A dois contratos de seguros autónomos denominados “Seguro Vivo” (Plano Poupança) em que as pessoas seguras são os Administradores C… - apólice n.º 7.008.996 - e D… - apólice n.º 7.009.003;
b. O tomador dos seguros é, em ambos os casos, a impugnante;
c. A duração dos seguros é de 20 anos;
d. O seguro garante o pagamento aos beneficiários das importâncias previstas no respectivo contrato em cada uma das seguintes ocorrências:
i. A vida das pessoas seguras no termo do contrato;
ii. Incapacidade total e definitiva das pessoas seguras, se ocorrida até aos sessenta e cinco anos de idade;
iii. Morte das pessoas seguras antes do final do contrato;
e. Os beneficiários declarados são os trabalhadores da empresa no momento da verificação de qualquer dos factos indicados nas alíneas anteriores;
f. Consta das “Condições Gerais” dos dois contratos de seguro que a indicação dos beneficiários pode ser alterada a qualquer momento pelo segurado – os administradores da impugnante;

9. Foram ouvidos em auto de declarações o Técnico de Contas da impugnante, o Director Financeiro nos anos a que se reportam os factos, o responsável pelo sector de pessoal e ainda o responsável por uma das secções de produção;

10. A impugnante atribuía títulos de refeição para pagamento do subsídio de alimentação, cujo montante diário foi de 600$00 em 1993 e 1996 e de 650$00 em 1994 e 1995;

11. A 11 de Outubro de 2001 foi ordenada a notificação da impugnante para, querendo, exercer, por escrito, o seu direito de audição face ao projecto de decisão da reclamação graciosa;

12. A impugnante deu entrada em 07 de Novembro de 2001 na Direcção de Finanças de Aveiro da resposta em sede de exercício do direito de audição prévia no âmbito do processo de reclamação graciosa;

13. A presente impugnação deu entrada a 18 de Março de 2002 no Tribunal Tributário de 1.ª Instância;

14. A 17 de Setembro de 1998 foi efectuada a liquidação 8310013279 respeitante ao ano de 1993 no valor de 21.639.311$00, cuja data limite de pagamento ocorria a 25 de Novembro de 1998;

15. A 24 de Setembro de 1998 foi efectuada a liquidação 8310013531 respeitante ao ano de 1994 no valor de 2.125.875$00, cuja data limite de pagamento ocorria a 23 de Novembro de 1998;

16. A 24 de Setembro de 1998 foi efectuada a liquidação 8310013532 respeitante ao ano de 1995 no valor de 10.843.732$00, cuja data limite de pagamento ocorria a 25 de Novembro de 1998;

17. A 24 de Setembro de 1998 foi efectuada a liquidação 8310013533 respeitante ao ano de 1996 no valor de 1.258.066$00, cuja data limite de pagamento ocorria a 23 de Novembro de 1998».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Pretende a Recorrente que se uniformize a jurisprudência relativamente a uma questão fundamental de direito, que considera que o acórdão recorrido, prolatado pelo Tribunal Central Administrativo Norte nos presentes autos, decidiu em sentido oposto ao decidido pelo acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Novembro de 2010, proferido no processo n.º 671/10 (Acórdão disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ecb17eda850d1878802577df00391c80.): a da relevância da falta de notificação do sujeito passivo para exercer o direito de audiência prévia à conclusão do relatório de inspecção tributária e/ou à liquidação quando se lhe seguiu reclamação graciosa. Entende a Recorrente que enquanto o acórdão recorrido «considerou que a apresentação e apreciação da reclamação graciosa sana o vício de falta de audiência prévia antes da liquidação», o acórdão fundamento «considerou, ao invés, que a apresentação e apreciação da reclamação graciosa não sana o vício da falta de audiência prévia antes da liquidação».

Como deixámos acima referido, antes do mais, há que averiguar da alegada contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento. Só depois, se esta questão for respondida afirmativamente, se passará a averiguar das infracções imputadas ao acórdão recorrido.

2.2.2 DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS

2.2.2.1 O presente processo de impugnação judicial iniciou-se no ano de 2003, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do art. 284.º do CPPT e do art. 30.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 1984, ex vi do preceituado no art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, diploma que aprovou o novo ETAF, e do art. 4.º, n.º 2 da Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro, dos quais decorre que o mesmo apenas se aplica aos processos instaurados após a sua entrada em vigor e que esta ocorreu em 1 de Janeiro de 2004.
Assim, para se poder falar em oposição de julgados legitimadora de recurso para o Pleno da Secção, nos termos do disposto no art. 30.º, alínea b´), daquele diploma legal (ETAF de 1984) e no art. 284.º do CPPT, necessário se torna que os acórdãos considerados em oposição hajam decidido sobre a mesma questão fundamental de direito, aplicando os mesmos preceitos legais de forma diversa a idênticas situações de facto. Como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção (Tantas vezes que nos dispensamos de citá-la.) relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os seguintes critérios:
i) identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
ii) que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
iii) que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
iv) a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

2.2.2.2 Começaremos por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso. Vejamos, pois, o que os dois acórdãos em confronto decidiram, no que à invocada oposição se refere.

2.2.2.2.1 O acórdão recorrido concedeu provimento ao recurso da Fazenda Pública no que se refere à questão da preterição do exercício do direito de audiência prévia.
A sentença proferida pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerou que, estando factualmente assente que o sujeito passivo não tinha sido notificado para exercer o direito de audiência prévia (à data, em que ainda não vigorava a LGT, imposto pelo art. 100.º do Código do Procedimento Administrativo, na redacção aplicável, como é entendimento da jurisprudência), nem antes da conclusão do relatório da inspecção tributária nem antes da liquidação, este acto tributário devia ser anulado por vício de forma decorrente da violação do direito de audiência prévia; e foi nesse sentido que decidiu.
A Fazenda Pública, no recurso que interpôs dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte, não discorda de que houve preterição do direito de audiência prévia. No entanto, considera que não devem ser-lhe reconhecidos efeitos invalidantes da liquidação adicional impugnada, verificando-se no caso os pressupostos para o funcionamento do princípio do aproveitamento do acto e, em consequência, para considerar que a preterição dessa formalidade não releva (degradou-se em não essencial). Isto por duas ordens de fundamentos: primeiro, porque a decisão da AT não podia ser outra senão a que foi tomada, o que impõe o aproveitamento do acto (de acordo com a conclusão S. das alegações do recurso interposto pela Fazenda Pública para o Tribunal Central Administrativo Norte, «no caso em concreto a preterição do direito de audição prévia não teria a mínima probabilidade de influenciar a favor do contribuinte a decisão tomada, impondo-se, assim, o aproveitamento do acto»); segundo, porque «[n]ão se justificará a anulação do acto nos casos em que em que se apure no processo contencioso que acabou por ter oportunidade de pronunciar-se em procedimento de segundo grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico)» (cfr. conclusão Z do referido recurso).
O Tribunal Central Administrativo Norte deu razão à Fazenda Pública nesse segmento do recurso e, se bem interpretamos o aresto recorrido, deu-a em razão da segunda ordem de fundamentos invocados. Vejamos:
Começou o acórdão recorrido por enunciar a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo em torno do princípio do aproveitamento do acto tributário, realçando, com base em citação doutrinal (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 15 ao art. 60.º, pág. 515 e segs.), para além do mais, que a preterição do direito de audiência prévia «nem sempre conduzirá à anulação», designadamente (i) quando «se apure no processo contencioso que, se ela [audiência prévia] tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final» ou (ii) quando o interessado «acabou por ter oportunidade de pronunciar-se, em procedimento de segundo grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau».
Depois, após vários considerandos em torno do princípio do aproveitamento do acto, considerou que, no caso de que se ocupava, «o que motivou o Tribunal a quo a decidir no sentido de que a omissão do dever de audição se consubstanciava na preterição de uma formalidade essencial foi a circunstância de a AT, aquando da apreciação da Reclamação Graciosa, reconhecer, no que concerne à correcção relativa às provisões não aceites para efeitos fiscais, que o valor deveria ter sido de 8.657.787$00, valor que não corresponde ao valor que oficiosamente decidiu acrescer - 4.947.028$00», ou seja, que «[n]a verdade, parece que a decisão não seria a mesma, mas não por força dos argumentos/elementos que a Impugnante deixou de apresentar em sede de audiência prévia, já que a alteração possível seria precisamente em desfavor da Impugnante» e concluiu: «Por isso, não se afigura correcto retirar-se deste facto a asserção de que “caso o contribuinte se tivesse pronunciado sobre as correcções projectadas, a AT poderia ter alterado o valor das mesmas”».
Salvo melhor opinião, afigura-se-nos que – na falta de uma declaração categórica de erro de julgamento – não poderá extrair-se desta formulação utilizada no acórdão recorrido («não se afigura correcto retirar-se deste facto a asserção de que “caso o contribuinte se tivesse pronunciado sobre as correcções projectadas, a AT poderia ter alterado o valor das mesmas”») o sentido de que o Tribunal Central Administrativo Norte usou o argumento da “insusceptibilidade de participação do interessado influenciar a decisão final, seja no seu sentido seja nos seus fundamentos” como fundamento para revogar a sentença.
Ou seja, o acórdão recorrido, para negar, como negou, o efeito invalidante da preterição da formalidade decorrente da falta de audiência prévia à liquidação, não se terá alicerçado numa eventual situação de absoluta impossibilidade de a decisão da AT ser influenciada pela participação do interessado; alicerçou-se, exclusivamente, no entendimento de que o referido vício de forma ficou sanado porque na reclamação graciosa o interessado (a ora Recorrente) teve oportunidade de se pronunciar sobre a liquidação adicional e sobre todas as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido facultada antes da liquidação a faculdade de se pronunciar (i.e. com base na segunda ordem de fundamentos invocados pela Recorrente).
Na verdade, o acórdão recorrido, louvando-se na doutrina (Ver nota anterior.) e na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (O Tribunal Central Administrativo Norte cita o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 25 de Junho de 2015 proferido no processo n.º 1391/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b3ee19b6d97f72bc80257e74003ef3fb.), entendeu que, porque a impugnação judicial foi deduzida na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela ora Recorrente, deve entender-se que a decisão administrativa final foi o acto proferido neste procedimento de segundo grau, devendo ser em relação a este que se afere se o interessado teve, ou não, possibilidade de participar na sua formação. Mais esclareceu, louvando-se na doutrina (Ver nota 4 supra.) que não basta a possibilidade de reclamar graciosamente ou recorrer hierarquicamente para que se considere convalidado o acto relativamente ao qual não foi oportunamente facultada a possibilidade de exercer o direito de audiência prévia, exigindo-se, para tanto, que tenha havido efectivo uso desses meios graciosos e neles o interessado se tenha pronunciado sobre as questões relativamente às quais era necessário facultar-lhe aquele direito. Nesses casos, prosseguiu o acórdão, pode considerar-se convalidado o acto, «por ter sido atingida a finalidade visada por lei com a concessão daquele direito».

Assim, e porque foi deduzida reclamação graciosa contra a liquidação, o Tribunal Central Administrativo Norte, ponderando que aí, nesse procedimento de segundo grau, a ora Recorrente se pronunciou sobre a errónea qualificação e quantificação do facto tributário, questionando as correcções efectuadas pela AT, ponderando também que a AT manteve as correcções efectuadas na decisão da reclamação graciosa e ponderando ainda que é esta decisão o acto impugnado nos presentes autos, concluiu que se deve ter por sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para o exercício de audição prévia à liquidação.
Por tudo isso, considerou que a sentença recorrida, ao entender diversamente (i.e., ao não considerar sanado aquele vício), fez errado julgamento. Consequentemente, revogou a sentença nesse segmento.

2.2.2.2.2 Por seu turno, no acórdão fundamento o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que, com fundamento em preterição de formalidade essencial por violação do dever de audiência prévia, anulou a liquidação impugnada.
O acórdão fundamento, após ter considerado que é inequívoca a exigência legal de assegurar ao interessado a participação no procedimento tributário – à data (ulterior à entrada em vigor do CPA, mas anterior à entrada em vigor da LGT), por força do disposto no art. 100.º do CPA –, considerou que no caso aí sob análise, porque a AT não cumpriu com o seu dever de facultar a audiência prévia, «as liquidações impugnadas enfermam de vício procedimental, por violação deste artigo 100.º, que é susceptível de ter reflexos na decisão final».
Depois, passando a apreciar a alegação da Fazenda Pública, aí recorrente, de que o direito de participação «operou, contudo, desde logo através do procedimento inspectivo, na reclamação graciosa e agora também na impugnação judicial», o acórdão considerou que «o facto de terem sido ouvidos, no decurso do processo inspectivo, o técnico de contas da impugnante, o seu director financeiro e os responsáveis pelo sector de pessoal e por uma das secções de produção, e a impugnante ter tido a possibilidade de reclamar graciosamente e poder impugnar judicialmente as liquidações, não torna não essencial o vício de violação daquele direito». Explicando essa asserção, e apelando a um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Refere-se ao seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 11 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 584/05, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b80552f90fdb4c72802570f9004cd3d9.), salientou que «o direito que é concedido pelo n.º 5 do art. 267.º da C.R.P. e está concretizado nos arts. 100.º e seguintes do C.P.A., é um direito de participação na formação da decisão e não um direito de impugnar, administrativa ou judicialmente, decisões já elaboradas.//Trata-se, assim, de um direito cumulável com o direito de impugnação de actos lesivos, pelo que o facto de este existir não retira operância àquele vício procedimental.//Assim, a preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só poderia considerar-se não essencial se se demonstrasse que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente».
E prossegue, referindo que no caso de que se ocupava não é possível concluir que, apesar de não ter sido concedida a faculdade de audiência prévia, a decisão a proferir não podia ser outra.
Depois, apreciando se a notificação da impugnante para exercer o seu direito de audição face ao projecto de decisão da reclamação graciosa convalida o acto de liquidação, afirma: «este [direito de audição face ao projecto de decisão da reclamação graciosa] é um direito de audiência que também tinha de ser assegurado, mas que se reporta a outro procedimento, que é o de reclamação graciosa, que é formal e substancialmente distinto do procedimento que conduziu à liquidação adicional. E foi a falta de exercício do direito de audição neste último procedimento e não no de reclamação graciosa que o contribuinte arguiu como vício no presente processo».
Por isso, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão fundamento manter a sentença que anulou a liquidação impugnada por preterição do direito de audiência prévia.

2.2.2.3 Ou seja, em ambos os arestos se reconheceu que tinha sido violado o direito de audiência prévia à liquidação, bem como se reconheceu que não se podia convalidar a liquidação com o fundamento de que, a ter sido facultada ao interessado a faculdade de exercer aquele direito, a decisão não poderia ter sido outra (Por a questão não ser inequívoca no acórdão recorrido, dedicámos tanto espaço ao seu tratamento no ponto 2.2.2.2.1.). Há, porém, uma divergência entre ambos no que respeita à convalidação do acto: enquanto no acórdão recorrido se entendeu que o acto (liquidação impugnada) se convalidou por força da interposição da reclamação graciosa em que o interessado teve a oportunidade de se pronunciar sobre todas as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido facultado o direito de audiência prévia à liquidação, no acórdão fundamento não se concedeu relevância, como eventual causa de convalidação do acto, à circunstância de o interessado ter deduzido reclamação graciosa contra a liquidação.
É certo que no acórdão fundamento a questão não foi abordada sob a mesma óptica que no acórdão recorrido: enquanto neste se enfatizou o facto de o interessado ter tido a oportunidade de se pronunciar em sede de reclamação graciosa sobre as questões relativamente às quais não lhe foi dada a oportunidade de se pronunciar antes da liquidação e de que, na sequência desse procedimento de segundo grau, o acto impugnado era a decisão que neste foi proferida, no acórdão fundamento a tónica é a de que não se confundem o direito de audiência prévia à liquidação, por um lado, e, por outro lado, o direito de impugnar graciosamente e o direito de audiência prévia à decisão da reclamação graciosa, não sendo o facto de estes terem sido assegurados que torna irrelevante o facto de aquele o não ter sido.
Afigura-se-nos, no entanto, que não poderá ser essa divergência na abordagem da relevância do vício de violação do direito de audiência quando, após a liquidação, o contribuinte impugnou administrativamente aquele acto, a impedir que se considere que os acórdãos em confronto deram diferente resposta à mesma questão e no âmbito da aplicação da mesma lei.
Verificando-se, como acima exposto, a identidade de questões de facto e de direito e, bem assim, a oposição de decisões expressas entre os acórdãos em confronto, encontra-se demonstrada a questão preliminar da oposição de acórdãos, exigida no art. 284.º, n.º 3, do CPPT, pelo que passamos a apreciar do mérito do recurso.

2.2.3 DO MÉRITO DO RECURSO

A questão a dirimir foi já tratada por este Supremo Tribunal Administrativo.
Foi-o no acórdão proferido em 25 de Junho de 2015, no processo n.º 1391/14 (Ver nota 6 supra.), que o acórdão recorrido seguiu de perto.
Porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, vamos passar a seguir de perto, quando não transcrevermos, o que deixámos dito naquele acórdão, na parte pertinente (Dispensando o uso das aspas por ter sido relatado pelo ora relator.).
A doutrina e a jurisprudência têm vindo a acolher o princípio do aproveitamento do acto – princípio que, à data, não tinha suporte directo em disposição legal alguma (Hoje, podemos lobrigar uma consagração desse princípio no n.º 5 do art. 163.º do novo CPA, que dispõe:
«5 - Não se produz o efeito anulatório quando:
a) O conteúdo do acto anulável não possa ser outro, por o acto ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;
b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;
c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o acto teria sido praticado com o mesmo conteúdo».), mas que assenta no entendimento de que não se justifica a anulação de um acto administrativo que foi praticado no exercício de poderes vinculados e está de acordo com os pressupostos fixados na lei –, nos termos do qual se admite que a falta de audiência dos interessados, quando obrigatória, possa não conduzir à anulação do acto final do procedimento, anulação que é a sua consequência, de acordo com o previsto no art. 135.º do CPA («São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção».), na redacção em vigor à data (hoje, corresponde-lhe o n.º 1 do art. 163.º do CPA). Essa omissão nem sempre conduzirá à anulação, «designadamente não a justificando nos casos em que se apure no processo contencioso que, se ela tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final, ou acabou por ter oportunidade de pronunciar-se, em procedimento de segundo grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau» (sublinhado nosso) (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e loc. cit.).

«Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se podem degradar em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las. Consequentemente, e tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur. O que exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso» (Cfr. o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 441/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/212bcafe7f4d180f80257c6f004ea9c0.).
Ou seja, entre as situações em que se admite que não se produza o efeito anulatório da preterição do direito de audiência prévia, a par daquelas em que se demonstre que o exercício desse direito não poderia influenciar de modo algum a decisão, contam-se também aquelas em que, tendo sido omitida a audiência no procedimento de primeiro grau, o interessado teve a oportunidade de se pronunciar em procedimento de segundo grau. O n.º 5 do art. 163.º do novo CPA veio mesmo consagrar expressamente esse entendimento, pois na sua alínea b) consagra como situações em que não se produz o efeito anulatório aquelas em que «[o] fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via».
Como judiciosamente observam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA (Ob. e loc. cit.), «Poderá também considerar-se convalidado o acto primário que enferme de vício de violação do direito de audição se o interessado veio a utilizar meios de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) e neles acabou por ter oportunidade de se pronunciar sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau. Em situações deste tipo, quer o acto primário tenha sido mantido quer tenha sido revogado e substituído pelo acto de segundo grau, a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau, pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação. Porém, se a reclamação graciosa e o recurso hierárquico são facultativos e o interessado impugna contenciosamente o acto primário, não ocorrerá qualquer convalidação, subsistindo o vício de preterição do direito de audição, se o acto primário enfermava dele. Isto é, não é apenas por o interessado ter a possibilidade de impugnar administrativamente o acto primário, mas apenas quando tenha deduzido efectivamente uma impugnação e nela se tenha pronunciado sobre as questões sobre as quais era necessário dar-lhe oportunidade de se pronunciar, que se pode considerar convalidado o acto, por ter sido atingida, antes de ser concluída a actividade administrativa, a finalidade visada por lei com a concessão daquele direito» (sublinhado nosso).
No caso sub judice, a ora Recorrente interpôs reclamação graciosa da liquidação adicional e neste meio de reacção administrativa teve a oportunidade de se pronunciar, como efectivamente se pronunciou, sobre todas as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido previamente concedida a faculdade de se pronunciar previamente à liquidação. Por isso, devemos considerar que ficou sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação.
Parafraseando os citados Autores, podemos afirmar que a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau (por que foi decidida a reclamação graciosa), pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação.
Pelo que deixámos dito, entendemos que o acórdão recorrido fez correcto julgamento da questão, motivo por que o recurso não merece provimento.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A falta de audiência prévia à liquidação, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, conducente, em regra, à anulabilidade do acto (cfr. art. 135.º do CPA antigo, a que corresponde o n.º 1 do art. 163.º do actual CPA).

II - No entanto, há situações em que a preterição da formalidade pode não ter efeitos invalidantes (cfr. o n.º 5 do art. 163.º do actual CPA), designadamente quando, em procedimento de segundo grau, o interessado pôde pronunciar-se sobre as questões relativamente às quais foi omitida a audiência no procedimento de primeiro grau.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar verificada a invocada oposição de acórdãos e negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

*

Lisboa, 26 de Setembro de 2018. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes (com voto de desempate) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (vencida, nos termos da declaração de voto do Consº Aragão Seia. – António José Pimpão – Dulce Manuel da Conceição Neto (vencida, pelas razões aduzidas na declaração de voto do Exmº. Juiz Conselheiro Aragão Seia) – José da Ascensão Nunes Lopes – Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula da Fonseca Lobo vencida pelas razões constantes da declaração de voto do Cons. Aragão Seia. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (vencido nos termos da declaração em anexo).


Voto de vencido


Respeitando a opinião que fez vencimento no acórdão supra permito-me discordar do decidido pelas seguintes, breves, razões:
Em meu entender a síntese final do acórdão “No caso sub judice, a ora Recorrente interpôs reclamação graciosa da liquidação adicional e neste meio de reacção administrativa teve a oportunidade de se pronunciar, como efectivamente se pronunciou, sobre todas as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido previamente concedida a faculdade de se pronunciar previamente à liquidação. Por isso, devemos considerar que ficou sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação.
Parafraseando os citados Autores, podemos afirmar que a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau (por que foi decidida a reclamação graciosa), pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação.”, afronta directamente jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal no tocante ao que deve ser o objecto da impugnação judicial subsequente a reclamação graciosa e faz uma desadequada aplicação do princípio do aproveitamento do acto tributário/administrativo nos casos de falta de audição prévia legalmente devida.

Quanto à primeira questão, tem este Supremo Tribunal afirmado e reafirmado, desde há muitos anos, que «nos casos em que a reclamação graciosa é expressamente indeferida, o objecto do processo de impugnação judicial é, formal e directamente, o acto de indeferimento, que manteve a liquidação que foi objecto da reclamação, mas o objecto real da impugnação, o acto cuja legalidade está em causa apurar, é o acto de liquidação que foi mantido pelo acto de indeferimento da reclamação», sendo certo que a impugnação não está, pois, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário, por todos, cfr. o acórdão datado de 18.05.2011, recurso n.º 0156/11 e mais recentemente o acórdão do Pleno da Secção Tributária datado de 03.06.2015, recurso n.º 0793/14.
Desta doutrina resulta que, o facto de o interessado deduzir reclamação graciosa contra a liquidação em que invoca unicamente os vícios de mérito, não o impede de posteriormente, em impugnação judicial subsequente à decisão de indeferimento total ou parcial da reclamação graciosa, invocar todos os restantes vícios de forma que entenda que se verificam, assim como inversamente pode reservar para a reclamação graciosa a invocação dos vícios de forma/ procedimentais e reservar para a impugnação judicial os vícios de mérito ou de substância.
Ou seja, o facto de lançar mão do procedimento gracioso de segundo grau, só por si, não degrada, não pode degradar, em não essenciais os vícios procedimentais, nomeadamente a violação do direito de audição prévia, retirando-lhes a sua capacidade invalidante do acto de liquidação.

Por outro lado, estando-se perante procedimentos da administração que não têm origem em requerimento expresso da interessada contribuinte e que se configuram como procedimentos altamente agressivos da sua esfera jurídica, entendemos que o princípio do aproveitamento do acto, do acto tributário da liquidação do imposto, apenas terá aplicação nos casos em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto, tal como se decidiu no acórdão do Pleno da Secção Tributária deste Supremo Tribunal, datado de 15.10.2014, recurso n.º 01374/13, em situação idêntica à destes autos, em que a impugnação judicial foi precedida de reclamação graciosa.
Assim, teria dado provimento ao recurso.

Lisboa, 26 de Setembro de 2018.
Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.