Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0229/11.6BELLE
Data do Acordão:10/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
CONTRATO MISTO
DENÚNCIA
Sumário:Não se justifica admitir revista de acórdão do TCA que entendeu válida uma cláusula contratual no sentido de só o utente de uma loja (talho) se poder opor à renovação automática do mesmo.
Nº Convencional:JSTA000P23754
Nº do Documento:SA1201810220229/11
Data de Entrada:10/01/2018
Recorrente:MERCADO MUNICIPAL DE FARO, EM
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.


Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. O MERCADO MUNICIPAL DE FARO E.M. recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Sul, proferido em 10 de Maio de 2018, que revogou a sentença do TAF de Loulé e julgou procedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA intentada contra si, por A…………, LDA. declarando que o acordo celebrado entre a autora e réu vigorará desde 11 de Junho de 2010 até 11 de Dezembro de 2025, só podendo ser denunciado pela autora, condenando a ré a abster-se de qualquer conduta que possa pôr em causa a normal fruição da loja identificada nos autos.

1.2. Justifica a admissão da revista por entender que com vista a melhor interpretação e aplicação do direito.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. Foi celebrado entre autora e ré um contrato misto de arrendamento e de prestação de serviços – tendo por objecto o exercício, pela autora, da actividade comercial de exploração de um talho. Esse contrato prevê a sua vigência por um ano renovável automaticamente até ao ano 2025 (clausula 2ª). Prevê ainda que apenas a autora possa denunciar o contrato, obstando assim à sua renovação. A ré, na qualidade de senhorio e prestador de serviço, denunciou o contrato, pretendendo evitar a sua renovação.

Entendeu a sentença, na primeira instância, que “para restaurar o equilíbrio do contrato, impõe-se interpretar a cláusula 2ª do contrato no sentido de o réu também ter o direito a opor-se à renovação do contrato nas mesmas circunstâncias da autora”. Daí que tenha considerado cessado o contrato, face à denuncia do mesmo pela ré.

3.3. O TCA Sul revogou a decisão recorrida e entendeu que a cláusula 2ª, deveria ser interpretado no sentido literal de só permitir a denúncia à autora, pois foi assim que acordaram, pretendendo então “claramente, impedir a Mercado Municipal de Faro E.M. de vir a denunciar o respectivo contrato durante a vigência do mesmo”. Mais entendeu o TCA Sul que não existia na aplicação deste regime qualquer abuso de direito.

3.4. A matéria em causa é relativa à interpretação de uma concreta cláusula contratual. A importância jurídica e social da questão não justifica a admissão da revista, desde logo porque a particularidade torna a sua solução exclusiva e sem repercussões em outras situações. É certo que foi discutida a validade da cláusula por eventual abuso do direito, mas mesmo assim – isto é perante um quadro jurídico geral – a questão jurídica foi solucionada perante aquela concreta cláusula e aquele concreto contrato. Portanto, a questão decisiva foi de subsunção, e desse modo, restrita a este caso.

Apenas poderia justificar-se a admissão da revista se o julgamento do TCA Sul evidenciasse erro evidente a justificar a intervenção deste STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito. Julgamos, todavia, que a solução encontrada pelo TCA Sul está fundamentada através de um discurso jurídico plausível. Na verdade tendo uma Empresa Municipal outorgado um contrato onde só o inquilino se poderia opor à renovação automática do mesmo, é plausível entender que essa cláusula deve ser interpretada tal como foi acordada pelas partes. Nem sequer pode dizer-se, no caso, que a Empresa Municipal era a parte frágil na negociação do espaço usado pela autora, e que, de algum modo, se viu na necessidade de aceitar aquela cláusula, pois é evidente que o não é. Daí que não exista necessidade deste STA reapreciar o caso.

4. Decisão

Face ao exposto não se admite a revista.

Custas pela recorrente.

Porto, 22 de Outubro de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.