Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0350/09
Data do Acordão:09/30/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
AUTO
SUSPENSÃO
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
NULIDADE PROCESSUAL
PRINCÍPIO DA OFICIALIDADE
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Sumário: I - Para além das diligências de prova requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.
II - Ao valorar na improcedência da requerida suspensão dos autos a falta de demonstração de outro processo instaurado pelo mesmo oponente em que alegadamente se discutia a situação tributária que terá originado o presente, sem que antes tenha ordenado a notificação do oponente para juntar o documento em falta e que ele na petição inicial protestara juntar ou indagado oficiosamente da sua existência juntos dos serviços competentes, violou o Mmo. Juiz “a quo” os princípios da oficialidade e do inquisitório, princípios estruturantes do processo judicial tributário e consagrados nos artigos 99.º, n.º 1 da LGT e 13.º, n.º 1 do CPPT.
III - Tal omissão, com manifesta influência no exame e na decisão da causa, configura nulidade prevista no artigo 201.º do CPC, que implica a anulação dos termos subsequentes a essa omissão, incluindo a própria decisão recorrida.
Nº Convencional:JSTA000P10901
Nº do Documento:SA2200909300350
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, residente na Covilhã, não se conformando com a sentença do Mmo. Juiz do TAF de Castelo Branco que julgou improcedente a oposição por si deduzida à execução fiscal instaurada pela FP por dívida de coimas aplicadas em processo contra-ordenacional, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1. A douta decisão do Tribunal de 1.ª Instância, de que ora se recorre, considerou que o Recorrente não alegou «… suficientemente, ou sequer foi demonstrado, a dependência de outro processo de oposição face ao que se discute. Verifica-se que não foi apresentada impugnação do processo de contra-ordenação onde foram aplicadas as coimas cujo valor se exige na execução fiscal posta em crise.» e acrescenta «Assim, não se vislumbra qual a invocada dependência de prestação a liquidar que possa conduzir à suspensão destes autos não sendo pois de aplicar o disposto no art.º 31.º, n.º 2 do RGI.».
2. Salvo melhor opinião, o Recorrente não se conforma com a sentença proferida por reputar a mesma como ferida de ilegalidade.
3. Compulsados os autos, é verdade que por manifesto lapso, que o Recorrente se penitencia, protestou juntar documento para prova da existência de oposição instaurada no competente tribunal administrativo e fiscal onde se discute se o imposto em dívida é devido, e não juntou tal documento.
4. Ora, o Recorrente apenas com a notificação da sentença de que ora se recorre se apercebeu do lapso cometido.
5. Por força do disposto no art.º 508.º, n.º 2 do CPC (ex vi do art.º 2.º, al. e) do CPPT), o juiz da causa tem a possibilidade de convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, nomeadamente para suprir irregularidades nos mesmos.
6. Podendo ainda o juiz convidar a parte que não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa, fixando prazo para o efeito, in casu, o documento que o Recorrente protestou juntar, sabendo que o mesmo é essencial para a boa decisão da causa.
7. Ao decidir pela improcedência da oposição, não suspendendo os autos conforme pedido, por não ter sido feita prova da dependência de outro processo de oposição face ao que se discute, o tribunal a quo está a agravar a quebra do princípio do inquisitório e direitos e deveres de colaboração processual, em clara violação do artigo 99.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, porquanto o «tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer».
8. Pelo que, por força do disposto nos artigos 508.º do CPC (ex vi do art.º 2.º, al. e) do CPPT e art.º 99.º da Lei Geral Tributária), o juiz a quo deveria ter notificado o Recorrente para juntar o documento em falta, querendo,
9. E assim ficar assegurado o princípio do dever de colaboração entre as partes relativamente a essa matéria.
10. Como resulta da fundamentação da decisão recorrida, tal documento em falta foi valorado para a improcedência da oposição deduzida, uma vez que o tribunal a quo considerou que não ficou provada a dependência de outro processo de oposição que fundamentasse o pedido de suspensão dos autos.
11. Houve manifesta influência da falta do referido documento na decisão da causa.
12. Pelo que, por força do disposto nos artigos 508.º do CPC (ex vi do art.º 2.º, al. e) do CPPT e art.º 99.º da Lei Geral Tributária), o documento em falta deveria ter sido notificado ao ora Recorrente para o mesmo proceder à sua junção, querendo,
13. Não se assegurou devidamente o princípio do inquisitório e direitos e deveres de colaboração processual.
14. Com tal omissão, verifica-se a nulidade prevista no art.º 201.º do CPC, que implica a anulação dos termos subsequentes a essa omissão bem como da própria decisão.
15. A arguição da nulidade é tempestiva em face do disposto no art.º 205.º do CPC, porquanto o mesmo não teve antes qualquer intervenção nos autos, nem dela teve conhecimento antes.
Em face do disposto, formula-se o seguinte pedido:
PEDIDO:
Deverá conceder-se provimento ao presente recurso, julgando procedente a nulidade decorrente de falta de notificação ao Oponente, ora Recorrente, para proceder à junção de documento em falta e que protestou juntar, e em consequência, anular toda a tramitação processual posterior a essa falta, incluindo a decisão recorrida, e determinar a baixa dos autos à 1.ª instância para aí se proceder à notificação do Recorrente para juntar o documento em causa – caso não seja admitida a sua junção com o presente recurso -, e aos trâmites posteriores.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
- Em 27/11/2007 e 01/04/2008 foram remetidas pela Administração Fiscal ao oponente notificações quer da instauração do processo contra-ordenacional n.º 0612200606001637, e seu teor, quer da possibilidade de se defender do mesmo.
- Ambas foram devolvidas sem recebimento pelo destinatário.
- Em 14/04/2008 foi expedida nova notificação relativa à possibilidade de se defender, a qual foi recebida no domicílio fiscal do oponente e assinado o aviso de recepção por B…, aí residente, em 18/04/2008.
- Em 08/05/2008 foi expedida notificação da decisão de aplicação de coima no processo contra-ordenacional, a qual foi recebida em 14/05/2008 pelo oponente que assinou o aviso de recepção.
Não se provou:
- A existência de outro processo de oposição instaurado pelo mesmo oponente em que se discute a situação tributária que alegadamente terá originado o presente.
III – Vem o presente recurso interposto da sentença do Mmo. Juiz do TAF de Castelo Branco que julgou improcedente a oposição deduzida pelo ora recorrente à execução fiscal contra si instaurada pela FP por dívida de coimas aplicadas em processo de contra-ordenação pela AF, no montante de € 2.262,19.
Fundamentou o recorrente a sua oposição invocando a falta de notificação, válida e eficaz, da liquidação e do processo de contra-ordenação que esteve na origem da dívida exequenda e, sustentando a existência de outro processo de oposição em que se discute a situação tributária que terá originado tal processo, de que protestou juntar documento comprovativo (ainda que o não tenha feito), requerendo a suspensão destes autos, nos termos dos artigos 47.º e 31.º, n.º 2 do RGIT.
Na sentença recorrida, o Mmo. Juiz “a quo” julgou o oponente validamente notificado e indeferiu a requerida suspensão dos autos, uma vez que não foi demonstrada a dependência de outro processo de oposição face ao que aqui se discute, nem apresentada impugnação do processo de contra-ordenação onde foram aplicadas as coimas cujo valor se exige na execução fiscal posta em crise.
Nas alegações de recurso que apresentou, o recorrente sustenta agora apenas que, ao decidir pela improcedência da oposição, não suspendendo os autos conforme pedido, por não ter sido feita prova da dependência de outro processo de oposição face ao que se discute neste, o tribunal “a quo” não assegurou os princípios do inquisitório e do dever de colaboração entre as partes relativamente a esta matéria, porquanto nem oficiosamente indagou da existência desse processo nem notificou o ora recorrente para que este procedesse à junção do documento que protestara juntar.
Com tal omissão, considera o recorrente verificar-se a nulidade prevista no artigo 201.º do CPC, o que implicaria, em seu entender, a anulação dos termos subsequentes a essa omissão bem como da própria decisão recorrida.
Termina pedindo se julgue procedente a invocada nulidade decorrente de falta de notificação ao oponente, ora recorrente, para proceder à junção do documento em falta e que protestou juntar, e, em consequência, se anule todo o processado posterior a essa falta, incluindo a decisão recorrida, devendo os autos baixar à 1.ª instância para aí se proceder à referida notificação, caso se não admita já a junção daquele documento, e seguir os trâmites posteriores.
Por despacho interlocutório proferido em 30/4/2009 (v. fls. 119), e já transitado, o Mmo. Juiz “a quo” decidiu não admitir agora a junção do documento em causa, tendo em conta o disposto no artigo 524.º, n.º 1 do CPC, por se tratar de peça processual que sempre esteve na posse do oponente e que poderia ter sido apresentada em momento anterior.
Vejamos. Não há dúvida que na petição inicial que o ora recorrente oportunamente apresentou no tribunal recorrido, além de invocar a falta de notificação da liquidação que esteve na origem da dívida exequenda, requereu também a suspensão do processo, alegando, designadamente, que “… não concordando com o teor da liquidação do imposto a que alegadamente se reporta o processo de contra-ordenação apresentou a respectiva oposição no competente Tribunal Administrativo e Fiscal.”, pois “… se o imposto não é devido, devida não é a alegada contra-ordenação que o mesmo terá originado.” e “… estando a correr processo de oposição fiscal, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discute a situação tributária que alegadamente terá originado o presente processo, no que não se concede, o processo contra-ordenacional suspende-se até que transite em julgado a respectiva sentença.” – v. artigos 6.º, 7.º e 9.º da p.i., e protestando juntar documento comprovativo de tal situação.
É certo que, todavia, não o fez.
Razão por que na sentença recorrida o Mmo. Juiz “a quo” consignou expressamente como facto não provado a “existência de outro processo de oposição instaurado pelo mesmo oponente em que se discute a situação tributária que alegadamente terá originado o presente” e, com fundamento precisamente em que não tendo sido alegado suficientemente, ou sequer demonstrado, a dependência de outro processo de oposição face ao que aqui se discute e não se vislumbrando qual a invocada dependência de prestação a liquidar que pudesse conduzir à suspensão destes autos, indeferiu a requerida suspensão dos autos.
Voltando, mais tarde, aquando da interposição do recurso da sentença, a recusar a junção do referido documento, agora já com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 524.º do CPC.
Alega o recorrente que o Mmo. Juiz “a quo” o deveria ter notificado, em devido tempo, para juntar o documento em falta ou oficiosamente ter realizado as diligências necessárias para apurar a verdade relativamente aos factos alegados, sob pena de, não o tendo feito, ter violado o princípio do inquisitório e do dever de colaboração entre as partes.
E tem, a nosso ver, razão.
Com efeito, estabelece o n.º 1 do artigo 13.º do CPPT que aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer, aí se consagrando dois princípios estruturantes do processo judicial tributário: o princípio da oficialidade e o princípio da investigação ou do inquisitório, este segundo também enunciado no n.º 1 do artigo 99.º da LGT.
Ou seja, para além das diligências de prova requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.
É certo que o juiz não está obrigado à realização de todas as diligências que sejam requeridas pelos intervenientes processuais mas apenas às que considere úteis ao apuramento da verdade.
No caso em apreço, não tendo o Mmo. Juiz “a quo” considerado a inutilidade do apuramento do facto alegado – existência de outro processo de oposição instaurado pelo mesmo oponente em que se discute a situação tributária que alegadamente terá originado o presente – para a descoberta da verdade e tendo, pelo contrário, como resulta da fundamentação da decisão recorrida, valorado a falta da sua demonstração, não há dúvida que houve manifesta influência da falta do referido documento na decisão em causa, pelo que se impunha, em obediência aos princípios supra citados, que o Mmo. Juiz “a quo” tivesse realizado ou ordenado oficiosamente as diligências que, neste caso, se lhe afigurassem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados, nomeadamente notificando o oponente para que juntasse o documento que protestara juntar com a petição inicial e indagando junto dos serviços do tribunal e da administração fiscal da existência ou não de outro processo instaurado pelo mesmo oponente em que se discute a situação tributária que alegadamente terá originado o presente.
Com tal omissão, verifica-se a nulidade prevista no artigo 201.º do CPC, com influência no exame ou na decisão da causa, o que implica a anulação dos termos subsequentes a essa omissão, incluindo a própria decisão recorrida.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso e, julgando verificada a alegada nulidade, anular toda a tramitação processual posterior aos articulados, baixando os autos ao tribunal recorrido para aí se proceder à realização das diligências de prova que se revelarem úteis ao apuramento da verdade, relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente o tribunal pode conhecer.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Setembro de 2009. - António Calhau (relator) - Brandão de Pinho - Miranda de Pacheco.