Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:010/13
Data do Acordão:04/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
CÔNJUGE DO EXECUTADO
Sumário:I - O cônjuge do executado, em execução fiscal em que foi penhorado um imóvel, e nesta citado nos termos do artigo 239º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que lhe confere os direitos de defesa do executado, está impedido de defender a sua posse mediante a dedução de embargos de terceiro.
II - Embora o meio adequado de reação ao despacho do órgão da execução fiscal seja a reclamação a que se refere o artº 276º e segs. do CPPT, não é admissível a convolação dos embargos para esta reclamação se estes foram deduzidos para além do prazo previsto no artº 277º, nº 1 do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00068220
Nº do Documento:SA220130423010
Data de Entrada:01/07/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPT09 ART239
CPC06 ART825 ART1038 N2 C
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0626/07 DE 2007/10/24; AC STA PROC01123/09 DE 2009/11/25; AC STA PROC0939/10 DE 2012/06/14
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………, com os demais sinais nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Braga que indeferiu liminarmente os embargos por si deduzidos contra a penhora do prédio urbano inscrito na matriz sob o artº 854º da freguesia e concelho de ………., apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
a) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls., que incidiu sobre embargos de terceiro, deduzidos pela ora recorrente, contra a Fazenda Nacional e B…………, por via da penhora levada a cabo por aquela, no seguimento da execução fiscal intentada contra aquele B………., sobre o seguinte prédio: Urbano, sito na freguesia de ……….., no concelho de ......... inscrito na matriz sob o artigo 854º, e quê julgando verificada a exceção de erro na forma de processo, declarou a absolvição da FP da instância.

b) Entende a recorrente que a douta sentença não encontra devidamente fundamentada designadamente em sede de direito, entendendo, mui respeitosamente, que o Meritíssimo Juiz “a quo” não decidiu bem, pois não fez uma correta interpretação e aplicação da lei ao caso concreto. Pois, uma correta interpretação e aplicação dos normativos aplicáveis, sempre levaria a decisão diversa, designadamente, de considerar os embargos de terceiro o meio processualmente adequado para defesa dos direitos da recorrente.

c) A decisão proferida, não se encontra devidamente fundamentada em sede de direito, na medida em que, uma correta interpretação e aplicação da lei, designadamente dos artigos 237º do C.P.P.T. e 351°. do C.P.C., sempre implicaria decisão diversa, ou seja, admitir liminarmente os embargos de terceiros deduzidos pela recorrente.

d) Conforme melhor resulta do disposto no artº 237°, nº 1 do CPPT, “quando o arresto, a penhora ou qualquer outro ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a pose ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro”.

e) Assim, o incidente dos embargos de terceiro é o, meio processual adequado para, quem for ofendido na ‘sua posse por arresto, penhora ou qualquer outro ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, a agir contra a ofensa dos seus direitos.

f) De acordo com citado artº 237°, nº 1, que para se poder embargar é necessário ser terceiro. Contudo não no dá o CPPT um conceito próprio de terceiro. Porém, nos termos do artigo artº 351º, nº 1 do CPC define-se “ o terceiro”: para efeito de embargos como aquele que não é parte na causa, ou seja, e terceiro quem, face à execução e face à diligência a que é apontada a ofensa, não deva ser citado como executado.

g) Acrescentaríamos ainda que, questionar sobre a qualidade de terceiro do embargante é questionar sobre a sua legitimidade processual ativa para intervir. No entanto, a legitimidade processual ativa, no Processo Civil é quem tem interesse direto em demandar, na falta de indicação da lei em contrário, o sujeito da relação material controvertida, é o autor - artigo 26.º do CPC.

h) Resulta que, no processo tributário, deve considerar-se sujeito da relação material controvertida de um lado, o contribuinte, incluindo o substituto ou responsável, do outro lado, a Administração Fiscal ou ainda o M.P., conforme os casos (artigo 9.º, n.º 1, conjugado com o seu nº 4 do CPPT).

i) No processo de execução fiscal, a legitimidade processual para intervir afere-se pelos seus artigos 152º e seguintes do C.P.P.T.. E, no que aos embargos de terceiro diz respeito, a sua legitimidade processual ativa afere-se por exclusão.

j) Isto é, só tem legitimidade para embargar de terceiro quem não for parte na execução. Nem como exequente nem como executado

k) Ora, a recorrente não tem no presente processo a posição de executado, no sentido em que, não figura como devedora no titulo executivo nem se mostra a execução instaurada ou revertida contra si.

l) Pelo que, deve a recorrente ser considerada terceiro para efeitos do processo de execução fiscal oportunamente instaurado.

m) Releva ainda que, a citação da ora recorrente no âmbito da execução fiscal foi efetuada com vista a que esta requeresse a separação de bens, para os feitos consignados no artigo 239º do C.P.P.T., e n° 3 do artigo 825°do C.P.C.;

n) Assim, a citação em causa, tendo em conta a conjugação dos normativos legais indicados na citação, tem por base o facto da dívida exequenda em causa ter por fundamento exclusiva responsabilidade tributária de um dos cônjuges.

o) Assim, no caso, a citação efetuada à ora recorrente, no âmbito da execução fiscal não tem por efeito atribuir ao cônjuge não responsável, a ora corrente, a posição de coexecutado.

p) Assim sendo, o cônjuge não devedor não assume a qualidade de parte no processo executivo e consequentemente não está impedido de recorrer aos embargos de terceiro para defesa da sua posse ou de outro direito próprio que considera ofendido pela diligência judicial;

q) Pelo que, sempre os embargos deviam ser aceite liminarmente e apreciados em conformidade, não se percebendo a posição assumida na douta sentença, que naturalmente não mostra conforme com a lei.

r) Ao decidir da forma que decidiu, o Tribunal “a quo” violou além do mais, o disposto nos artigos 239° do CPPT e ainda 351° e 825° do CPC.

Nestes termos e nos melhores de direito que mui doutamente serão supridos deve a sentença recorrida se revogada, proferindo-se decisão que admita o embargos deduzidos, tudo com as legais consequências.

Assim decidindo farão Exªs. a costumada Justiça.

2. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 67 no qual defende a improcedência do recurso.

3. Em primeira instância foram dados como provados os seguintes factos:

A) Corre termos no SF de Fafe o processo de execução fiscal nº 0400200501005740 no qual é executado, por reversão, B…………

B) Por despacho proferido pelo Chefe do SF de Fafe, no âmbito da execução fiscal mencionada em A), foi ordenada a penhora do prédio urbano inscrito na matriz sob o artº 854º da freguesia e concelho de ……….

C) Na qualidade de cônjuge do executado, naquela data, foi a autora citada , no processo mencionado em A), nos termos e para os efeitos do artº 239º do CPPT, ou seja para, entre outros, requerer, querendo, a separação judicial de bens, sob pena de a execução prosseguir no bem penhorado para efeitos de venda.

D) A citação mencionada em C) foi efetuada através do ofício nº 3228 de 25.03.2010.

4. Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

5. A única questão a conhecer no presente recurso é a de saber se a recorrente, tendo sido citada na execução ao abrigo do disposto no artº 239º do CPPT, pode deduzir embargos.

A decisão recorrida entendeu que não, uma vez que sendo uma situação em que a lei obriga à citação do cônjuge para requerer a separação, é inadmissível a dedução de embargos de terceiro por parte do cônjuge.
Por outro lado, tal situação é equivalente à prevista na 1ª parte alínea a) do nº 1 do artº 864º do CPC, pelo que a citação tem o alcance de colocar o cônjuge na situação de coexecutado com todos os direitos processuais atribuídos ao executado originário.
Isto implica que o cônjuge do executado tem de reagir contra atos ilegais que afetem os seus direitos através de meios processuais concedidos ao executado, se este já tiver sido citado, ou arguindo a nulidade insanável da falta de citação indevidamente omitida.

Deste entendimento comunga também o MºPº que, tal como a decisão recorrida, apela a jurisprudência deste STA.

A recorrente, por sua vez, defende o entendimento contrário, considerando-se “terceiro” na execução, uma vez que não figura como devedora no título executivo, nem se mostra a execução instaurada ou revertida contra si. Por outro lado, a citação da ora recorrente na execução fiscal foi apenas efetuada para que esta requeresse a separação judicial de bens.

Vejamos então qual destas teses, em nosso entendimento, colhe o apoio legal.

Desde já diremos, antecipadamente, que a decisão recorrida não merece censura.
Na verdade, tendo a recorrente sido citada nos termos e para os efeitos do artº 239º do CPPT, de acordo com a jurisprudência reiterada e uniforme deste STA, assumiu a posição de executada com todos os direitos processuais inerentes, não podendo, por isso, usar dos embargos de terceiro, por não ser terceiro (V., neste sentido, os Acórdãos de 15.03.2003-Processo nº 01845/02, de 23.06.2004 -Processo nº 01786/03, de 24.10.2007-Processo nº 0626/07, de 25.11.09 – Processo nº 01123/09 e de 14.06.2012 - Processo nº 0939/10).

A fundamentação deste STA, sobre a questão, está espelhada neste último aresto (que embora se reporte ao CPCI é inteiramente aplicável ao caso concreto dos autos), onde ficou escrito, para além do mais, o seguinte:

“Ora, embora o legislador do CPCI não dissesse o que entendia por terceiro, a doutrina e a jurisprudência sempre consideraram que ele remetia para o conceito de terceiro constante do art.º 1037.º do CPC (na redação anterior à reforma introduzida pelo DL n.º 375-A/99, de 20.09), segundo o qual se considerava «terceiro aquele que não tenha intervindo no processo ou no ato jurídico de que emana a diligência judicial, nem represente quem for condenado no processo ou quem no ato se obrigou».
O cônjuge do executado teria, assim, a posição de terceiro, nos termos e para os efeitos constantes tanto do art.º 1038.º do CPC como do art.º 186.º do CPCI, quando não figurasse no título nem representasse quem nele figurasse e não tivesse tido intervenção no processo ou no ato de penhora.
No caso vertente, a embargante, ora Recorrente, não figura nos títulos executivos que servem de base à execução fiscal. Todavia, foi citada para essa execução em 25/03/1991, nos termos previstos no artigo 212.º do CPCI, por força da penhora de bens imóveis, já que a penhora desse tipo de bens sempre obrigou, no processo de execução fiscal, à citação do cônjuge do executado, tal como constava expressamente do art.º 212.º do CPCI e do posterior art.º 321.° do CPT, bem como do atual art.º 239.º do CPPT.
E como a doutrina e a jurisprudência sempre afirmou, essa citação ou chamamento à execução confere ao cônjuge a qualidade de parte na execução, com a possibilidade de exercer, a partir daí, todos os direitos processuais que são atribuídos ao devedor que consta do título executivo.
Verifica-se, assim, que o regime das execuções fiscais é, nesta parte, diverso do que constava do art.º 864.º, n.º 1, alínea a), do CPC, que apenas obrigava à citação do cônjuge do executado quando a penhora tivesse recaído sobre imóveis que este não pudesse alienar livremente.
Por outro lado, enquanto no processo executivo comum movido contra só um dos cônjuges e caso haja lugar a moratória, o exequente, querendo penhorar bens comuns do casal, deve, ao nomeá-los à penhora, requerer logo a citação do cônjuge do executado para os efeitos do art.º 825º do CPC (caso em que o cônjuge fica expressamente impedido de deduzir embargos de terceiro, conforme decorre do disposto no art.º 1038.º, n.º 2, al. c), do CPC), o mesmo não acontece na execução fiscal, dado que a citação do cônjuge é oficiosa, não sendo necessário requerimento do exequente, ficando, assim, o cônjuge impedido de embargar de terceiro contra a penhora de bens comuns logo que realizada essa citação.
Em suma, a obrigatoriedade da citação do cônjuge do devedor nos casos de penhora de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo na execução fiscal, com a subsequente atribuição da posição de parte nesse processo executivo, que já encontrava previsão no CPCI, implica que a Recorrente não tenha a possibilidade de embargar de terceiro, devendo reagir contra atos ilegais que afetem os seus direitos através dos meios processuais concedidos ao executado. Deste modo, se após a separação de meações e partilha dos bens realizada após a sua citação, a propriedade do imóvel penhorado lhe é atribuída, poderá pedir o levantamento da penhora no próprio processo executivo - caso esteja em causa dívida da exclusiva responsabilidade do devedor que consta do título executivo – sendo tal pedido analisado e decidido pelo órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação da sua decisão para tribunal, nos termos previstos no artigo 276.º do CPPT (A que correspondia o recurso judicial previsto no artigo 355.º na vigência do CPT)”.

Pelo que ficou dito o recurso improcede.

6. Conforme resulta da decisão recorrida, esta julgou que os embargos não constituíam meio processual adequado para a pretensão da recorrente, não tendo, porém, apreciado qual o meio correto e se era admissível a convolação.

Ora, de acordo com o disposto no artº 97º, nº 3 da LGT ordenar-se-á a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei, sendo certo que esta convolação é de natureza oficiosa.

Cumpre então apreciar qual seria o meio processual adequado e se era legalmente admissível a convolação.

Na petição inicial a recorrente insurge-se contra o despacho que ordenou a penhora, que lhe foi notificada em 02.05.2012, pedindo, a final, a revogação do despacho que ordenou a referida penhora.

Ora, o despacho que ordena a penhora é da autoria do órgão da execução fiscal, sendo certo que, de acordo com o artº 276º do CPPT, dos despachos do órgão da execução fiscal se reclama para o tribunal tributário de 1ª instância.

Sendo assim, no caso concreto, seria admissível a reclamação prevista no citado artº 276º, se oportunamente deduzida.

Ora, essa reclamação deve ser deduzida no prazo de 10 dias após a notificação da decisão lesiva do direito do interessado (artº. 277º, nº 1 do CPPT). No caso concreto, tendo a notificação ocorrido em 02.05.2012 e a petição sido apresentada em 23 seguinte desde logo se vê que não é possível a convolação já que isso significaria dar à recorrente um direito que ela não tinha - a de apresentar a reclamação muito para além do prazo legalmente previsto.

7. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de abril de 2013. – Valente Torrão (relator) – Francisco Rothes – Pedro Delgado.