Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01237/09
Data do Acordão:01/20/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
EFEITO SUSPENSIVO
Sumário:O pedido de revisão oficiosa efectuado ao abrigo do disposto no segmento final da do nº 1 do art. 78° da LGT, não tem efeito suspensivo da cobrança da prestação tributária, a que se refere o art. 52°, nº 1, do mesmo diploma.
Nº Convencional:JSTA000P11378
Nº do Documento:SA22010012001237
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A…, com os sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pela Mma. Juíza do TT de Lisboa, lhe julgou improcedente a reclamação interposta do despacho do sr. Chefe do Serviços de Finanças, de 28/8/2009, pelo qual lhe foi indeferido o pedido de suspensão do processo de execução fiscal.
1.2. A recorrente termina as alegações do recurso formulando as Conclusões seguintes:
1. No Serviço de Finanças da Lourinhã corre termos o processo de execução nº 1538200501028898, para cobrança de uma dívida de IRS do ano 2000.
2. Em 23 de Julho de 2009, a Recorrente apresentou um pedido de revisão do acto de liquidação do IRS de 2000.
3. Nessa mesma data, apresentou, junto do Serviço de Finanças da Lourinhã, um pedido de suspensão dos autos de execução.
4. No âmbito do processo de execução em curso, foram penhorados um prédio urbano sito na Lourinhã e um veículo automóvel.
5. Não há quaisquer outros bens ou direitos penhoráveis.
6. O pedido de suspensão referido em 2. veio a ser indeferido pelo Chefe de Finanças, por despacho de 28 de Agosto de 2009, que considerou que o pedido de revisão do acto tributário não tem enquadramento no disposto no art. 169º do CPPT.
7. A Recorrente reclamou judicialmente deste despacho de indeferimento.
8. A Meritíssima Juiz a quo indeferiu a reclamação deduzida por considerar que o pedido de revisão do acto de liquidação, apresentado para além dos 15 dias previstos no CPA, não configura uma reclamação.
9. Nessa medida, o pedido de suspensão apresentado pela Recorrente não teria sustentação legal uma vez que o art. 169º do CPPT e o art. 52º da LGT não referem este meio procedimental como fundamento de suspensão da execução.
10. A Recorrente discorda porquanto considera que o pedido de revisão do acto de liquidação deve ser qualificado como uma reclamação em sentido lato, dado que o efeito pretendido é a anulação / revogação do acto de liquidação.
11. Isso mesmo concluiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 20/02/2008, proc. nº 999/07.
12. Embora formalmente sejam procedimentos distintos, a reclamação graciosa e o pedido de revisão do acto de liquidação visam os mesmos efeitos jurídico-materiais pelo que deverão ter os mesmos efeitos em sede de execução fiscal.
13. Esta é a interpretação mais consentânea com o princípio da prevalência da substância sobre a forma.
14. Acresce que a suspensão dos autos de execução referidos é a única forma de evitar a prática de actos inúteis por parte da Administração Fiscal, actos esses que poderão implicar um prejuízo patrimonial relevante para a Recorrente.
15. Com efeito, sendo o pedido de revisão deferido, o acto de liquidação será anulado e, consequentemente arquivado o processo de execução fiscal.
16. A eventual cobrança que haja sido feita à custa do património da Recorrente terá, pois, sido inútil, sendo a Administração Fiscal obrigada a reembolsar a Recorrente.
17. Se, contrariamente ao expectável, o pedido de revisão for indeferido, a Recorrente poderá impugnar judicialmente tal decisão, enquadrando-se esta situação - sem qualquer sombra de dúvida - no art. 169° do CPPT, havendo, por isso, lugar à suspensão dos autos de execução.
18. Os actos entretanto praticados terão sido inúteis e desnecessários.
19. Por tudo o que vem exposto, e tendo em conta os princípios da prevalência da substância sobre a forma e da economia processual - que impôs a recusa da prática de actos inúteis ou que se venham a revelar inúteis -, não merece provimento a douta decisão da Meritíssima Juiz a quo.
20. Consequentemente, deve ser revogada a sentença de indeferimento, ordenando-se a suspensão da execução, nos termos legalmente admitidos,
Termina pedindo que seja julgado procedente o recurso, e consequentemente, revogada a sentença proferida em 1ª Instância e, em consequência, ser ordenada a suspensão dos autos de execução que correm termos pelo Serviço de Finanças da Lourinhã, nos termos requeridos,
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. O MP emite Parecer no sentido da improcedência do recurso, fundamentando-se, em síntese, em que, embora se possa entender que o pedido de revisão do acto tributário, previsto no nº 1 do art. 78° da LGT, se reconduza a uma verdadeira reclamação, quando é feito dentro do prazo de reclamação administrativa, com o consequente efeito suspensivo da execução, já o mesmo se pode entender, em relação aos outros casos de revisão do acto tributário, mesmo quando a chamada «revisão oficiosa» é pedida pelo sujeito passivo, pois que, nestes casos, não se está perante reclamação, recurso, impugnação da liquidação ou oposição à execução e só nessas situações a lei prevê a possibilidade de suspensão desta.
E, no caso, sendo indiscutível que a recorrente apresentou o pedido de revisão do acto tributário muito para além do prazo de reclamação administrativa, este assume a natureza de um pedido de revisão oficiosa, que não tem os efeitos nem o tratamento jurídico de uma impugnação administrativa tempestiva, não tendo a virtualidade de suspender a execução.
1.5. Sem Vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe decidir.
1.6. Face ao teor das conclusões da alegação de recurso, a questão que importa decidir é a de saber se o pedido de revisão oficiosa, previsto no art. 78º, nº 1, 2ª parte, da LGT, é susceptível de suspender a execução (desde que tal pedido seja acompanhado da constituição ou prestação de garantia idónea).
FUNDAMENTOS
2.1. Na sentença recorrida julgaram-se provados e não provados os factos seguintes:
A) Corre termos no Serviço de Finanças da Lourinhã, contra a ora Reclamante, o processo de execução fiscal nº 1538200501028898, para cobrança coerciva de IRS do ano de 2000, cujo termo para pagamento voluntário ocorreu em 19/1/2005 - cf. fls. 1 e 2 do processo de execução fiscal;
B) Nos autos de execução supra indicados, em 18/12/2008, foi penhorado o prédio urbano sito na freguesia de Atalaia, inscrito na matriz predial urbana da freguesia sob o artigo nº 4236 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lourinhã, sob nº 327 - cf. fls. 16 do PEF;
C) A referida penhora foi registada em 15/12/2008 - cf. fls. 17;
D) Por despacho de 8/7/2009 foi determinada a venda do imóvel identificado em B) por meio de propostas em carta fechada, e designado o dia 4/9/2009 para a abertura de propostas - cf. fls. 24 do PEF;
E) Em 23/7/2009 a ora Reclamante deduziu pedido de revisão do acto de liquidação de IRS de 2000 - cf. fls. 18 dos autos;
F) Em 24/7/2009 a Reclamante requereu a suspensão do processo indicado em A), invocando ter apresentado pedido de revisão do acto de liquidação indicado em b) - cf. fls. 40 do processo de execução fiscal;
G) Por despacho de 28/8/2009 foi indeferido o pedido de suspensão da execução - cf. fls. 42 do PEF;
2.2. Como se disse, a questão a decidir é a de saber se o pedido de revisão oficiosa, previsto no art. 78º, nº 1, 2ª parte, da LGT, é susceptível de suspender a execução.
A recorrente, invocando em seu apoio o decidido no ac. deste STA, de 20/2/2008, rec. 999/07, sustenta que o pedido de revisão do acto de liquidação deve ser qualificado como uma reclamação em sentido lato, dado que o efeito pretendido é a anulação/revogação do acto de liquidação e que, embora a reclamação graciosa e o pedido de revisão do acto de liquidação sejam, formalmente, procedimentos distintos, ambos visam os mesmos efeitos jurídico-materiais, pelo que deverão ter os mesmos efeitos em sede de execução fiscal.
Será esta a interpretação mais consentânea com o princípio da prevalência da substância sobre a forma, além de que a suspensão dos autos de execução é a única forma de evitar a prática de actos inúteis por parte da AF, os quais poderão implicar um prejuízo patrimonial relevante para a recorrente, pois que se o pedido de revisão for indeferido a recorrente poderá impugnar tal decisão, enquadrando-se esta situação no art. 169° do CPPT.
2.4. Vejamos.
À possibilidade de suspensão da execução fiscal referem-se os arts. 52° da LGT e 169° do CPPT.
Segundo o disposto no nº 1 do art. 52º da LGT “A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem nº 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.”
Por sua vez o art. 78º, também da LGT, dispõe o seguinte:
l. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa, da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2. Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação. (...)
(,,,)
7. Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização."
Por sua vez, o art. 169º do CPPT, dispõe:
“1. A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem nº 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195° ou prestada nos termos do artigo 199° ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente.
(...)
5 - Se for recebida a oposição à execução, aplicar-se-á o disposto nos nºs. l, 2 e 3."
2.5. Como se vê das transcritas normas, o pedido de revisão parece não estar ali contemplado, se atentarmos meramente no teor literal das mesmas.
Por isso, só se o pedido de revisão for enquadrável em qualquer dos meios procedimentais referidos nessas normas é que a respectiva apresentação poderá suspender a execução fiscal.
Ora, atentando no teor do citado nº 1 do art. 78º da LGT, havemos de concluir que, como sustenta Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 2º Volume, 2007, pag. 172, Anotação 3 b) e como se tem vindo a afirmar nos acórdãos deste STA (cfr. o ac. de 29/7/09, no rec. nº 649/09, bem como o ac. de 15/4/09, rec. nº 065/09, este referenciado, aliás, na decisão recorrida, que a revisão do acto tributário, por iniciativa do contribuinte, desde que exercida no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, se traduz numa verdadeira reclamação, dado que tem o mesmo prazo, é dirigida ao próprio autor do acto e por ele decidida e, sobretudo, tem o mesmo fundamento (qualquer ilegalidade - cfr. os art.s 70°, nº 1, e 99º do CPPT), correspondendo, pois, ao respectivo conceito doutrinal consagrado no artigo 158º, nºs. 1 e 2, al. a), do CPA e que, assim, seguindo o texto do ac. de 29/7, «por força do preceituado no referido artigo 52º, nº 1, da LGT, que faz uma referência genérica a “reclamação”, também este pedido de revisão terá efeito suspensivo, dentro do condicionalismo do nº 1 deste artigo 169º.
«No entanto, o mesmo parece não se poder entender em relação aos outros casos de revisão do acto tributário, mesmo quando a denominada «revisão oficiosa» é pedida pelo sujeito passivo (o que é permitido, como se vê, pelo nº 1 do artigo 49º e pelo nº 7 do artigo 78° da LGT). Com efeito, não se está aqui perante reclamação, recurso, impugnação da liquidação ou oposição à execução fiscal e só nestas situações o artigo 52°, nº 1, da LGT, prevê a possibilidade de suspensão da execução. Por outro lado, a suspensão da execução fiscal só pode ocorrer nos “casos previstos na lei” (artigo 85º, nº 3, do CPPT). O artigo 49º da LGT, ao referir o pedido de revisão do acto tributário entre os casos interruptivos da prescrição, mas ao não o incluir entre os casos de suspensão da prescrição derivada de paragem do processo de execução fiscal, corrobora esta conclusão, pois será a não existência de efeito de suspensão do processo de execução fiscal que justificará a não suspensão do prazo de prescrição”. Cfr. JORGE DE SOUSA, CPPT anotado e comentado, 2.° volume, 2007, p. 172, nota 3 b). E, mais desenvolvidamente, o acórdão do STA de 15 de Abril de 2009, processo nº 065/09.»
Conclui-se, portanto, que a não atribuição de efeito suspensivo da execução fiscal à revisão oficiosa, quando não é apresentada no prazo de impugnação administrativa, é a solução que se deve presumir ter sido adoptada pela lei (art. 9º, nº 3, do CCivil).
Ou seja, carece de razão a tese da recorrente, no sentido de que, embora formalmente sejam procedimentos distintos, a reclamação graciosa e o pedido de revisão do acto de liquidação, por visarem os mesmos efeitos jurídico-materiais, deverão ter os mesmos efeitos em sede de execução fiscal.
Acresce que no ac. de 20/2/2008, rec. nº 999/07, citado pela recorrente em abono do seu entendimento, não se faz a distinção entre os dois segmentos comportados no nº 1 do art. 78º da LGT, acima explicitados (o acórdão afirma que a revisão não está contemplada na letra da lei mas, sendo a revisão uma verdadeira reclamação, não pode deixar de se entender que também o pedido de revisão do acto tributário suspende a execução), o que sempre tornaria duvidosa a sua invocação no presente caso.
E porque no caso dos autos, o pedido de revisão do acto tributário foi apresentado em 23/7/2009 e o prazo de pagamento voluntário da dívida exequenda terminara em 19/1/2005, temos que concluir que tal pedido de revisão foi apresentado muito depois de ter terminado o prazo de impugnação administrativa (quer se entenda aplicável o prazo de 15 dias previsto no art. 162º do CPA, quer se julgue aplicável o prazo de 120 dias previsto no art. 120º, nº 1, do CPPT para a apresentação de reclamação graciosa), pelo que não pode ser considerado uma reclamação, para efeitos de suspensão da execução fiscal.
A sentença recorrida, que assim decidiu, deve, pois, ser confirmada.
DECISÃO
Termos em que se acorda em, negando provimento ao recurso, confirmar e manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2010. - Casimiro Gonçalves (relator) - Dulce Neto - Alfredo Madureira.