Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0197/20.3BECBR |
Data do Acordão: | 11/10/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | JOSÉ GOMES CORREIA |
Descritores: | FALTA PERSONALIDADE JUDICIÁRIA SOCIEDADE EXTINTA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA LEGALIDADE CONCRETA ACTO TRIBUTÁRIO LIQUIDAÇÃO |
Sumário: | I - Uma sociedade comercial extinta pode ter personalidade tributária desde que possa ser considerada um centro de imputação de actividades económicas para efeitos tributários e os factos económicos respectivos sejam tributáveis, isso por previsão expressa do artigo 18.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, na parte em que inclui entre os sujeitos passivos as organizações de facto que, nos termos da lei [ver o artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC], estejam vinculadas ao cumprimento de obrigações tributárias. II - Destarte, uma sociedade extinta que regresse à atividade comercial, mas não dê cumprimento ao disposto no artigo 161.º do Código das Sociedades Comerciais, não deixa por isso de ser um sujeito passivo de IRC o Código respectivo tributa principalmente situações de conteúdo económico, independentemente do tratamento jurídico que lhes é dado pelo Direito Comum. III – E a questão de saber se – em concreto – uma sociedade extinta tem personalidade tributária já não releva para determinação da personalidade judiciária tributária, antes constituindo uma questão para a determinação da legalidade da constituição da relação jurídica substantiva, o que o mesmo é dizer, para a aferição da legalidade concreta do ato tributário da liquidação e não para a determinação da legalidade da constituição da relação jurídica processual. Dito de outro modo: prende-se com a verificação do mérito da causa se integrar, como integra, o seu objecto e não com a verificação dos pressupostos processuais. |
Nº Convencional: | JSTA00071303 |
Nº do Documento: | SA2202111100197/20 |
Data de Entrada: | 05/24/2021 |
Recorrente: | A................. |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Legislação Nacional: | art. 03.º do CPPT; art. 02.º do CIRC; art. 18.º da LGT; art. 147.º, art. 161.º, art. 163.º do CSC |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por A…………….., na qualidade de ex-sócio e liquidatário da extinta sociedade B…………., Lda., melhor identificados nos autos, visando a revogação da sentença de 29-01-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial contra a liquidação de IMT do ano de 2019, com o número 14409/2019. 1. A douta sentença recorrida, de fls., deve ser revogada; 2. A liquidação de IMT impugnada nos presentes autos, tal como identificada na PI de fls. e na fundamentação da sentença recorrida – liquidação nº 6258940 –, da autoria da Autoridade Tributária, é ilegal; 3. A B……………., Lda. (B……….), conforme dado por provado nos autos, no ponto 1 dos factos provados recenseados na sentença, foi dissolvida e liquidada e, portanto, extinta; 4. Tendo o registo da dissolução e encerramento da liquidação dessa entidade sido lavrado em 13.10.2017, ocorrendo, posteriormente, o cancelamento da matrícula e a cessação definitiva de atividade em IRC (IR); 5. Desde então, a B…………. deixou de poder ser considerada como sujeito de direitos e obrigações, tanto na perspetiva civil e comercial, como na perspetiva tributária; 6. Sendo sabido que no direito tributário não há uma coincidência absoluta entre o conceito de personalidade jurídica e o de personalidade tributária – podendo esta existir sem aquela –, 7. A atribuição (ou reconhecimento) de personalidade tributária não é um exercício discricionário, devendo ter o seu suporte na lei; www……… …….., Sociedade de Advogados, SP, RL Inscrição na Ordem dos Advogados Registo ……. NIPC …………. 8. Com efeito, nos termos do artigo 15º da LGT, “A personalidade tributária consiste na susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias.” 9. Ora, a relação jurídica tributária é titulada por um sujeito ativo (v.g, a Autoridade Tributária) e por um sujeito passivo; donde, na perspetiva da economia dos autos, ter “personalidade tributária” consiste em poder ser sujeito passivo; 10. O conceito de sujeito passivo de imposto encontra-se vertido no artigo 18º, nº 3, da LGT. 11. Esse conceito contempla três possibilidades: a) uma pessoa, física ou jurídica, devidamente dotada de personalidade jurídica; b) um ente dotado de feição personalística, mas sem personalidade jurídica (ao qual a lei atribui personalidade tributária), como seja, por exemplo, uma sociedade irregular, ou um agregado familiar); e, por último, c), uma organização, sem feição personalística, onde avulte o elemento patrimonial (v.g., um património autónomo); 12. Ora, não sendo a B……………., após a extinção, uma pessoa jurídica, não se vê como pode a mesma integrar qualquer outra das duas hipóteses alternativas; 13. De resto, isso seria contrário ao telos do predito nº 3 do artigo 18º da LGT, que inculca, muito claramente, que o propósito do legislador tributário foi, perante a verificação do elemento personalístico ou organizacional/patrimonial, associado, em ambos os casos, ao exercício de uma atividade económica e produtiva, sem o concomitante reconhecimento de personalidade jurídica, atribuir a esses fenómenos “personalidade tributária”; www………………. ……….., Sociedade de Advogados, SP, RL Inscrição na Ordem dos Advogados Registo ……. NIPC …………… 14. Evitando que tais situações pudessem “fugir” à tributação dos rendimentos daí provenientes; 15. Ora, no caso dos autos, verifica-se que a sociedade extinta não tem nem uma componente “personalística” (dado que já não tem sócios) nem a componente “patrimonial” (dado que já não exerce qualquer atividade nem titula qualquer património); 16. O confronto com um dos exemplos clássicos de personalidade tributária sem personalidade jurídica (as sociedades irregulares) não podia ser mais eloquente: a sociedade irregular já tem atividade, mas não tem personalidade jurídica, porque não está ainda registada; a sociedade extinta registou a extinção e não tem atividade; 17. Se bem entendemos, o próprio STA, em douto Acórdão de 1.07.2020, citado pela douta sentença de 1ª Instância, propende para o entendimento de que fará sentido reconhecer essa personalidade tributária (da sociedade extinta) quando haja prosseguimento da atividade económica; 18. Caso em que o elemento personalístico e/ou o elemento organizacional estarão presentes, aproximando-se a realidade das “sociedades irregulares”; 19. Diversamente, na ausência desse circunstancialismo, é patente que uma sociedade comercial extinta não pode ser sujeito passivo de uma relação jurídica tributária; 20. Não se podendo considerar, sequer, como um “ente irregular”; www……………….. ………., Sociedade de Advogados, SP, RL Inscrição na Ordem dos Advogados Registo …… NIPC ………… 21. Com efeito, a preocupação que ilumina o legislador é a de evitar cenários de “ausência de tributação”, o que, no caso vertente, não se coloca; 22. Com efeito, os factos tributários relevantes ocorridos antes da cessação da atividade e da extinção da sociedade comercial podem dar origem a uma liquidação administrativa (oficiosa), posterior à extinção (superveniente); 23. A questão não está em tributar ou não, mas sim, em quem tributar, ou seja, na identificação do sujeito passivo; 24. Ora, neste caso, sucedem à sociedade extinta (que não detém personalidade tributária) os liquidatários, nos termos, aliás, cristalinamente prevenidos nos artigos 147º, nº 2 e 163º, ambos do Código das Sociedades Comerciais. 25. Agindo estes como “substitutos”, precisamente ao abrigo do artigo 18º, nº 3, da LGT, dado serem eles mesmos pessoas singulares, com personalidade tributária. 26. Devendo o ato de liquidação ser praticado na pessoa destes, enquanto verdadeiros sujeitos passivos. 27. Entendimento ao qual, como vimos supra, não obsta a doutrina do STA, a qual, em nosso modesto entender, não terá sido cabalmente compreendida pela 1ª Instância. 28. Aplicando-se aqui, de pleno, a teoria da sucessão, como quanto às pessoas singulares. www…………… …………., Sociedade de Advogados, SP, RL Inscrição na Ordem dos Advogados Registo ……. NIPC ………. 29. Por falta de destinatário, dado que a B………….. não é, de acordo com a lei, depois de extinta, um sujeito passivo de imposto, o ato tributário de liquidação, porque dirigido a uma entidade extinta, passou a ser manifestamente impossível, logo, nulo, nos termos da al. c) do nº 2 do artigo 161º do CPA”. 30. No caso, a liquidação administrativa em causa tem um conteúdo e um objeto que é impossível, dado que a B………… deixou de ser um sujeito de direito e de ter personalidade tributária, o que que convoca um outro fundamento de nulidade do ato administrativo tributário de liquidação, qual seja o previsto na al. g) do nº 2 do artigo 161º do CPA. 31. Dado que o ato em causa não tem destinatário válido, porquanto a B……………. não é mais titular de direitos e/ou obrigações, não tendo personalidade tributária, não sendo um sujeito passivo (logo, falta um dos elementos essenciais do ato, o destinatário), o que se invoca. 32. Acresce que, para além da nulidade, sempre o ato tributário impugnado, de liquidação de IMT, seria anulável, por erro na qualificação jurídica dos factos, com vício de violação de lei, no caso, as regras emanadas do CSC, que impõem a responsabilização dos liquidatários (ex-sócios), como substitutos legais (v. artigos 16º, nº 3 e 18º, nº 3, ambos da LGT), na ausência de personalidade tributária da B…………., anulabilidade que subsidiariamente se argui; 33. Devendo, assim, revogar-se a douta sentença recorrida de fls. www…………….. ……, Sociedade de Advogados, SP, RL Inscrição na Ordem dos Advogados Registo ….. NIPC ……….. * Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais. * 2. FUNDAMENTAÇÃO: 2.1. - Dos Factos: Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão: 1. Pela Ap. 1/20171013 foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade B………………., Lda., NIPC …………., bem como a nomeação como depositário de A……………., NIF ………….., tendo sido, pela Insc. Of. 5 à Ap. 1 efectuado o cancelamento da matrícula (fls.48 e ss. dos autos em suporte físico); 2. A AT liquidou à sociedade B………………….., Lda. IMT, por ter detectado que tal sociedade não tinha revendido no prazo de 3 anos, nos termos do art. 11.º n.º 5 do CIMT, que tinha terminado em 31-01-2011, o artigo urbano ……………… da União de Freguesias de Coimbra, adquirido com isenção de IMT, nos termos do art. 7.º do CIMT, em 31-01-2008 (cfr. fls. 35 e ss. e 43 do processo físico); 3. A liquidação de IMT, no valor total de € 59.631,18, foi enviada em nome da sociedade “B………………, Lda.”, pelo ofício n.º 30501/6648, de 04-12-2018, remetido por carta registada com AR, assinado em 06-12-2018, pelo titular do documento de identificação n.º ……………., para o Br …………, n.º …, …………., 3100-………… Pombal (fls. 1 a 4 do doc. n.º 5022610 do SITAF, constituído pelo PA); 4. A sociedade B………………., Lda. tinha a sua sede no Bairro …………., n.º ….., ….., Pombal (cfr. Certidão Permanente, a fls. 48 e ss. do processo físico); 5. O Impugnante apresentou, em 06-05-2019, reclamação graciosa contra a liquidação a que se refere o ponto 2. supra, a qual foi indeferida por despacho do DDF de Coimbra, de 05-12-2019, notificada ao Exmo. Mandatário por ofício n.º 8904, de 10-12-2019, remetido por carta registada do mesmo dia (fls. 6 a 12 do doc. 5022608 e fls. 11 e ss. do doc. 5022612 do SITAF, constituídos pelo PA); 6. Em 11-03-2020 a presente impugnação foi apresentada via fax e por correio electrónico no Serviço de Finanças de Coimbra 2 (cabeçalho da p.i., de fls. 1 a 54 e fls. 55 dos autos em suporte físico). * 2.2.- Motivação de Direito
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA. No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou totalmente improcedente a impugnação apresentada contra a liquidação de IMT, padece de erro de julgamento, uma vez que a sociedade comercial extinta não pode ser sujeito passivo de uma relação jurídica tributária, tendo o acto de liquidação que ser praticado na pessoa dos liquidatários, ao abrigo do disposto no artigo 18º, nº3 da LGT, porquanto são as pessoas singulares que nos termos dos artigos 147º, nº2 e 163º do CSC, agindo como “substitutos”, detêm personalidade tributária, pelo que o acto tributário, para além de nulo, seria anulável, por erro na qualificação jurídica dos factos, com vício de violação de lei, no caso, as regras emanadas do CSC, que impõem a responsabilização dos liquidatários (ex-sócios), como substitutos legais. * 3. Decisão: Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento e confirmar a decisão recorrida. * Assinado digitalmente pelo relator (José Gomes Correia), que consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os restantes Conselheiros que integram a formação de julgamento. * Lisboa, 10 de Novembro de 2021 José Gomes Correia (Relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro. |