Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0197/20.3BECBR
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:FALTA
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
SOCIEDADE EXTINTA
RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA
LEGALIDADE CONCRETA
ACTO TRIBUTÁRIO
LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - Uma sociedade comercial extinta pode ter personalidade tributária desde que possa ser considerada um centro de imputação de actividades económicas para efeitos tributários e os factos económicos respectivos sejam tributáveis, isso por previsão expressa do artigo 18.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, na parte em que inclui entre os sujeitos passivos as organizações de facto que, nos termos da lei [ver o artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC], estejam vinculadas ao cumprimento de obrigações tributárias.
II - Destarte, uma sociedade extinta que regresse à atividade comercial, mas não dê cumprimento ao disposto no artigo 161.º do Código das Sociedades Comerciais, não deixa por isso de ser um sujeito passivo de IRC o Código respectivo tributa principalmente situações de conteúdo económico, independentemente do tratamento jurídico que lhes é dado pelo Direito Comum.
III – E a questão de saber se – em concreto – uma sociedade extinta tem personalidade tributária já não releva para determinação da personalidade judiciária tributária, antes constituindo uma questão para a determinação da legalidade da constituição da relação jurídica substantiva, o que o mesmo é dizer, para a aferição da legalidade concreta do ato tributário da liquidação e não para a determinação da legalidade da constituição da relação jurídica processual. Dito de outro modo: prende-se com a verificação do mérito da causa se integrar, como integra, o seu objecto e não com a verificação dos pressupostos processuais.
Nº Convencional:JSTA00071303
Nº do Documento:SA2202111100197/20
Data de Entrada:05/24/2021
Recorrente:A.................
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:art. 03.º do CPPT;
art. 02.º do CIRC;
art. 18.º da LGT;
art. 147.º, art. 161.º, art. 163.º do CSC
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A…………….., na qualidade de ex-sócio e liquidatário da extinta sociedade B…………., Lda., melhor identificados nos autos, visando a revogação da sentença de 29-01-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial contra a liquidação de IMT do ano de 2019, com o número 14409/2019.

Inconformado, nas suas alegações, formulou o recorrente A……………., as seguintes conclusões:

1. A douta sentença recorrida, de fls., deve ser revogada;

2. A liquidação de IMT impugnada nos presentes autos, tal como identificada na PI de fls. e na fundamentação da sentença recorrida – liquidação nº 6258940 –, da autoria da Autoridade Tributária, é ilegal;

3. A B……………., Lda. (B……….), conforme dado por provado nos autos, no ponto 1 dos factos provados recenseados na sentença, foi dissolvida e liquidada e, portanto, extinta;

4. Tendo o registo da dissolução e encerramento da liquidação dessa entidade sido lavrado em 13.10.2017, ocorrendo, posteriormente, o cancelamento da matrícula e a cessação definitiva de atividade em IRC (IR);

5. Desde então, a B…………. deixou de poder ser considerada como sujeito de direitos e obrigações, tanto na perspetiva civil e comercial, como na perspetiva tributária;

6. Sendo sabido que no direito tributário não há uma coincidência absoluta entre o conceito de personalidade jurídica e o de personalidade tributária – podendo esta existir sem aquela –,

7. A atribuição (ou reconhecimento) de personalidade tributária não é um exercício discricionário, devendo ter o seu suporte na lei; www……… …….., Sociedade de Advogados, SP, RL Inscrição na Ordem dos Advogados Registo ……. NIPC ………….

8. Com efeito, nos termos do artigo 15º da LGT, “A personalidade tributária consiste na susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias.”

9. Ora, a relação jurídica tributária é titulada por um sujeito ativo (v.g, a Autoridade Tributária) e por um sujeito passivo; donde, na perspetiva da economia dos autos, ter “personalidade tributária” consiste em poder ser sujeito passivo;

10. O conceito de sujeito passivo de imposto encontra-se vertido no artigo 18º, nº 3, da LGT.

11. Esse conceito contempla três possibilidades: a) uma pessoa, física ou jurídica, devidamente dotada de personalidade jurídica; b) um ente dotado de feição personalística, mas sem personalidade jurídica (ao qual a lei atribui personalidade tributária), como seja, por exemplo, uma sociedade irregular, ou um agregado familiar); e, por último, c), uma organização, sem feição personalística, onde avulte o elemento patrimonial (v.g., um património autónomo);

12. Ora, não sendo a B……………., após a extinção, uma pessoa jurídica, não se vê como pode a mesma integrar qualquer outra das duas hipóteses alternativas;

13. De resto, isso seria contrário ao telos do predito nº 3 do artigo 18º da LGT, que inculca, muito claramente, que o propósito do legislador tributário foi, perante a verificação do elemento personalístico ou organizacional/patrimonial, associado, em ambos os casos, ao exercício de uma atividade económica e produtiva, sem o concomitante reconhecimento de personalidade jurídica, atribuir a esses fenómenos “personalidade tributária”; www………………. ……….., Sociedade de Advogados, SP, RL Inscrição na Ordem dos Advogados Registo ……. NIPC ……………

14. Evitando que tais situações pudessem “fugir” à tributação dos rendimentos daí provenientes;

15. Ora, no caso dos autos, verifica-se que a sociedade extinta não tem nem uma componente “personalística” (dado que já não tem sócios) nem a componente “patrimonial” (dado que já não exerce qualquer atividade nem titula qualquer património);

16. O confronto com um dos exemplos clássicos de personalidade tributária sem personalidade jurídica (as sociedades irregulares) não podia ser mais eloquente: a sociedade irregular já tem atividade, mas não tem personalidade jurídica, porque não está ainda registada; a sociedade extinta registou a extinção e não tem atividade;

17. Se bem entendemos, o próprio STA, em douto Acórdão de 1.07.2020, citado pela douta sentença de 1ª Instância, propende para o entendimento de que fará sentido reconhecer essa personalidade tributária (da sociedade extinta) quando haja prosseguimento da atividade económica;

18. Caso em que o elemento personalístico e/ou o elemento organizacional estarão presentes, aproximando-se a realidade das “sociedades irregulares”;

19. Diversamente, na ausência desse circunstancialismo, é patente que uma sociedade comercial extinta não pode ser sujeito passivo de uma relação jurídica tributária;

20. Não se podendo considerar, sequer, como um “ente irregular”; www……………….. ………., Sociedade de Advogados, SP, RL Inscrição na Ordem dos Advogados Registo …… NIPC …………

21. Com efeito, a preocupação que ilumina o legislador é a de evitar cenários de “ausência de tributação”, o que, no caso vertente, não se coloca;

22. Com efeito, os factos tributários relevantes ocorridos antes da cessação da atividade e da extinção da sociedade comercial podem dar origem a uma liquidação administrativa (oficiosa), posterior à extinção (superveniente);

23. A questão não está em tributar ou não, mas sim, em quem tributar, ou seja, na identificação do sujeito passivo;

24. Ora, neste caso, sucedem à sociedade extinta (que não detém personalidade tributária) os liquidatários, nos termos, aliás, cristalinamente prevenidos nos artigos 147º, nº 2 e 163º, ambos do Código das Sociedades Comerciais.

25. Agindo estes como “substitutos”, precisamente ao abrigo do artigo 18º, nº 3, da LGT, dado serem eles mesmos pessoas singulares, com personalidade tributária.

26. Devendo o ato de liquidação ser praticado na pessoa destes, enquanto verdadeiros sujeitos passivos.

27. Entendimento ao qual, como vimos supra, não obsta a doutrina do STA, a qual, em nosso modesto entender, não terá sido cabalmente compreendida pela 1ª Instância.

28. Aplicando-se aqui, de pleno, a teoria da sucessão, como quanto às pessoas singulares. www…………… …………., Sociedade de Advogados, SP, RL Inscrição na Ordem dos Advogados Registo ……. NIPC ……….

29. Por falta de destinatário, dado que a B………….. não é, de acordo com a lei, depois de extinta, um sujeito passivo de imposto, o ato tributário de liquidação, porque dirigido a uma entidade extinta, passou a ser manifestamente impossível, logo, nulo, nos termos da al. c) do nº 2 do artigo 161º do CPA”.

30. No caso, a liquidação administrativa em causa tem um conteúdo e um objeto que é impossível, dado que a B………… deixou de ser um sujeito de direito e de ter personalidade tributária, o que que convoca um outro fundamento de nulidade do ato administrativo tributário de liquidação, qual seja o previsto na al. g) do nº 2 do artigo 161º do CPA.

31. Dado que o ato em causa não tem destinatário válido, porquanto a B……………. não é mais titular de direitos e/ou obrigações, não tendo personalidade tributária, não sendo um sujeito passivo (logo, falta um dos elementos essenciais do ato, o destinatário), o que se invoca.

32. Acresce que, para além da nulidade, sempre o ato tributário impugnado, de liquidação de IMT, seria anulável, por erro na qualificação jurídica dos factos, com vício de violação de lei, no caso, as regras emanadas do CSC, que impõem a responsabilização dos liquidatários (ex-sócios), como substitutos legais (v. artigos 16º, nº 3 e 18º, nº 3, ambos da LGT), na ausência de personalidade tributária da B…………., anulabilidade que subsidiariamente se argui;

33. Devendo, assim, revogar-se a douta sentença recorrida de fls. www…………….. ……, Sociedade de Advogados, SP, RL Inscrição na Ordem dos Advogados Registo ….. NIPC ………..
Termos em que, e melhores de Direito, se deve dar provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por decisão que dê provimento ao pedido formulado na PI de impugnação judicial de fls., declarando a nulidade da liquidação tributária impugnada (liquidação de IMT nº 6258940, devidamente identificada na PI de fls.), ou, sem prescindir, e assim não se entendendo, anulando-a, tudo com as legais consequências.

Não houve contra-alegações.

Notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, em síntese e sem prejuízo de infra se fazer a explanação completa dos motivos, por entender, apelando à jurisprudência deste STA que cita e transcreve, a liquidação não é nula ou anulável por ter sido efectuado ao sujeito passivo da obrigação jurídica tributária, no caso, a sociedade dissolvida, pelo que não padece a sentença em análise do erro de julgamento que lhe é imputado.


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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. Pela Ap. 1/20171013 foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade B………………., Lda., NIPC …………., bem como a nomeação como depositário de A……………., NIF ………….., tendo sido, pela Insc. Of. 5 à Ap. 1 efectuado o cancelamento da matrícula (fls.48 e ss. dos autos em suporte físico);
2. A AT liquidou à sociedade B………………….., Lda. IMT, por ter detectado que tal sociedade não tinha revendido no prazo de 3 anos, nos termos do art. 11.º n.º 5 do CIMT, que tinha terminado em 31-01-2011, o artigo urbano ……………… da União de Freguesias de Coimbra, adquirido com isenção de IMT, nos termos do art. 7.º do CIMT, em 31-01-2008 (cfr. fls. 35 e ss. e 43 do processo físico);

3. A liquidação de IMT, no valor total de € 59.631,18, foi enviada em nome da sociedade “B………………, Lda.”, pelo ofício n.º 30501/6648, de 04-12-2018, remetido por carta registada com AR, assinado em 06-12-2018, pelo titular do documento de identificação n.º ……………., para o Br …………, n.º …, …………., 3100-………… Pombal (fls. 1 a 4 do doc. n.º 5022610 do SITAF, constituído pelo PA);

4. A sociedade B………………., Lda. tinha a sua sede no Bairro …………., n.º ….., ….., Pombal (cfr. Certidão Permanente, a fls. 48 e ss. do processo físico);

5. O Impugnante apresentou, em 06-05-2019, reclamação graciosa contra a liquidação a que se refere o ponto 2. supra, a qual foi indeferida por despacho do DDF de Coimbra, de 05-12-2019, notificada ao Exmo. Mandatário por ofício n.º 8904, de 10-12-2019, remetido por carta registada do mesmo dia (fls. 6 a 12 do doc. 5022608 e fls. 11 e ss. do doc. 5022612 do SITAF, constituídos pelo PA);

6. Em 11-03-2020 a presente impugnação foi apresentada via fax e por correio electrónico no Serviço de Finanças de Coimbra 2 (cabeçalho da p.i., de fls. 1 a 54 e fls. 55 dos autos em suporte físico).


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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou totalmente improcedente a impugnação apresentada contra a liquidação de IMT, padece de erro de julgamento, uma vez que a sociedade comercial extinta não pode ser sujeito passivo de uma relação jurídica tributária, tendo o acto de liquidação que ser praticado na pessoa dos liquidatários, ao abrigo do disposto no artigo 18º, nº3 da LGT, porquanto são as pessoas singulares que nos termos dos artigos 147º, nº2 e 163º do CSC, agindo como “substitutos”, detêm personalidade tributária, pelo que o acto tributário, para além de nulo, seria anulável, por erro na qualificação jurídica dos factos, com vício de violação de lei, no caso, as regras emanadas do CSC, que impõem a responsabilização dos liquidatários (ex-sócios), como substitutos legais.
Vejamos.
Considerou-se na sentença recorrida que “A liquidação aqui impugnada diz respeito à sociedade extinta, sendo ela o sujeito passivo do imposto, já que diz respeito a factos apurados praticados antes da dissolução, e isto apesar de, aquando do apuramento desse imposto, já se encontrar extinta” em vez de ter considerado que sociedade comercial extinta não pode ser sujeito passivo de uma relação jurídica tributária, tendo o acto de liquidação que ser praticado na pessoa dos liquidatários, ao abrigo do disposto no artigo 18º, nº3 da LGT porquanto são as pessoas singulares que nos termos dos artigos 147º, nº2 e 163º do CSC, agindo como “substitutos”, detêm personalidade tributária.
Como resulta da matéria fáctica dada como assente, a liquidação efectuada pela AT à sociedade extinta respeita a imóvel por ela adquirido em 2008 (antes da extinção) e cuja caducidade da isenção de que beneficiou ocorreu também antes da sua extinção.
A sociedade extinta é a adquirente do bem imóvel, de acordo com o estatuído no artigo 4º do CIMT sendo que a obrigação tributária se constituiu em 2008, momento em que ocorreu a transmissão de acordo com o nº2 do artigo 5º do mesmo diploma legal que no mesmo preceito, no seu nº1, estabelece que “A incidência do IMT regula-se pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária”.
Em suma: a sentença filiou-se no entendimento de que a sociedade extinta é o sujeito passivo da obrigação tributária de acordo com a lei ancorando-se em jurisprudência do STA sobre a matéria, em especial no Acórdão prolatado em 17-12-2017, no P. 01433/13 que consagra a doutrina segundo a qual “…A dívida exequenda foi liquidada à sociedade devedora após a dissolução desta. Mas, como resulta do n.º 2 do art. 147.º («As dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios, embora reservem, por qualquer forma, as importâncias que estimarem para o seu pagamento».) do Código das Sociedades Comerciais, pelas “dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução”, “ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios”.
Assim, a sociedade extinta continua a ser o sujeito da relação jurídica tributária, mesmo que a lei designe outros responsáveis pelo respectivo pagamento. Nada na lei impede a AT de efectuar um acto tributário de liquidação de imposto já depois de extinta a pessoa (singular ou colectiva) sujeito passivo da obrigação jurídica tributária, ainda que o seu pagamento haja de ser exigido a outrem, que a lei designe como responsáveis pelo pagamento, designadamente os sócios…”
Donde que, como bem denota o EPGA no seu douto parecer, ao contrário do que defende o Recorrente (de que não pode ser sujeito passivo de uma relação jurídica tributária, tendo o acto de liquidação de IMT que ser praticado na pessoa dos liquidatários, ao abrigo do disposto no artigo 18º, nº3 da LGT, porquanto são as pessoas singulares que, nos termos dos artigos 147º, nº2 e 163º do CSC, agindo como “substitutos”, detêm personalidade tributária), a liquidação não é nula ou anulável por ter sido efectuado ao sujeito passivo da obrigação jurídica tributária, no caso, a sociedade dissolvida, pelo que não padece a sentença em análise do erro de julgamento que lhe é imputado, devendo ser negado provimento ao recurso.
Por esse diapasão percutem vários arestos do STA, designadamente, os de 10/02/2010, P. 0925/09, de 13/04/2005, P. 01265/04, de 12/03/2003, P. 01975/02, de 16/09/2009, P. 0372/09, e de 01/07/2020, P. 01041/17.4BEBRG.
Deste último, que é o mais recente, relatado pelo Sr. Conselheiro Nuno Bastos e em que o relator desta formação também interveio como 2º adjunto, pontifica a respeito o seguinte bloco fundamentador que sobremaneira releva para demonstrar o bem fundado da solução sustentada na sentença recorrida e que o Ministério Público também sufraga:
“(…)
Assim sendo, as duas questões sobre as quais o Supremo Tribunal Administrativo tem que se pronunciar são as de saber se a configuração de uma sociedade extinta como um sujeito passivo de imposto chega para lhe atribuir personalidade jurídica tributária e se, em caso negativo, lhe deve ser atribuída, ainda assim, personalidade judiciária tributária.
À primeira questão respondemos negativamente.
Ou seja, não é pelo facto de a Administração Tributária lhe atribuir personalidade jurídica tributária que a sociedade extinta a passa a ter efectivamente. Pelo que estamos de acordo com a afirmação, tirada da pág. 8 da decisão recorrida segundo a qual «o acto de liquidação de impostos pela Administração Tributária, do qual é sujeito passivo a sociedade extinta, não tem a virtualidade de fazer renascer a sua personalidade jurídica» (tributária).
Pela simples razão de que a personalidade jurídica tributária não deriva de nenhum ato administrativo, mas da lei. Não se é sujeito de direitos em relações jurídicas tributárias porque a Administração assim o diz, mas porque o diz a lei tributária. É da identificação do sujeito de imputação dos deveres tributários no facto constitutivo da relação jurídica tributária, tal como se encontra tipificado nas regras de incidência subjetiva para cada tributo, e no facto constitutivo das obrigações tributárias formais ou acessórias, tal como a lei as configura, que extrairemos a suscetibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias para os efeitos do artigo 15.º da Lei Geral Tributária.
Mas se isto é verdade, não o é menos que a subjetividade tributária não depende da personalidade jurídica em geral. Isto é, não é pelo facto de uma certa entidade ter deixado de ser considerada pessoa jurídica em geral (designadamente do ponto de vista do ordenamento jurídico civil ou comercial) que fica impedida de ter personalidade jurídica tributária.
E isto sucede porque a lei tributária releva como facto gerador de obrigações tributárias muitas situações de facto que nem sequer são reconhecidas ou tratadas, noutros ordenamentos, como factos suscetíveis de gerar relações jurídicas. E considera, por isso, sujeitos de direito certas sociedades e certas unidades patrimoniais sem personalidade jurídica, quando tal seja necessário para realizar os fins da tributação mencionados no artigo 5.º da Lei Geral Tributária e, designadamente, a distribuição equitativa da carga contributiva.
E esta observação vem ao caso porque, na decisão recorrida, foi dedicada muita atenção ao regime jurídico-comercial da liquidação e extinção das sociedades que, precisamente pelo que acima foi dito, prestam escassa serventia ao problema tratado. De todas elas, apenas a segunda parte do n.º 2 do artigo 147.º do Código das Sociedades Comerciais pode ser considerada uma disposição especificamente tributária (indevidamente enxertada num diploma com vocação distinta) e, ainda assim, sem interesse para o caso, porque não trata do problema de saber se a sociedade extinta tem personalidade tributária, mas do problema de saber quem tem responsabilidade tributária.
Ou seja, não trata do problema de saber quem é que é o sujeito passivo na relação jurídica de imposto, mas do problema de saber quem deve ser chamado a pagar o imposto.
E para quem tenha a ideia de que é a mesma coisa, importa objetar o seguinte: há muitas situações no direito tributário em que quem é chamado a pagar o imposto não é o sujeito passivo da relação jurídica tributária (a pessoa jurídico-tributária), mas quem detém o património ou a riqueza. O que sucede precisamente nos casos em que certas entidades que relevam como tal no direito tributário não são pessoas de direito privado e, por isso, não podem efetuar pagamentos.
Mas pode – em abstrato – uma sociedade comercial extinta ter personalidade tributária?
Faz sentido colocar esta questão em abstrato, porque a personalidade judiciária tributária resulta da personalidade tributária – artigo 3.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. O que significará, pelo menos, que não pode ser uma pessoa na relação processual tributária quem não a possa ser, em circunstância alguma, uma pessoa jurídica tributária.
A esta questão deve responder-se afirmativamente. Uma sociedade comercial extinta pode ter personalidade tributária. Desde que possa ser considerada um centro de imputação de atividades económicas para efeitos tributários e os factos económicos respetivos sejam tributáveis.
É o que resulta do artigo 18.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, na parte em que inclui entre os sujeitos passivos as organizações de facto que, nos termos da lei [ver o artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC], estejam vinculadas ao cumprimento de obrigações tributárias.
Assim, uma sociedade extinta que regresse à atividade comercial, mas não dê cumprimento ao disposto no artigo 161.º do Código das Sociedades Comerciais, não deixa por isso de ser um sujeito passivo de IRC. O que sucede porque – como já acima referimos – o Código respetivo tributa sobretudo situações de conteúdo económico, independentemente do tratamento jurídico que lhes é dado pelo Direito Comum.
Em sentido equivalente já se pronunciou este Supremo Tribunal, no acórdão de 17 de dezembro de 2014, processo n.º 1433/13.
E é isso que sucede no caso? Isto é, a Recorrente é uma sociedade comercial extinta a que deve ser atribuída personalidade tributária?
Esta é uma questão que já não faz sentido colocar aqui. Porque a questão se saber se – em concreto – uma sociedade extinta tem personalidade tributária já não releva para determinação da personalidade judiciária tributária. É uma questão para a determinação da legalidade da constituição da relação jurídica substantiva (isto é, para a aferição da legalidade concreta do ato tributário da liquidação) e não para a determinação da legalidade da constituição da relação jurídica processual. Tem a ver com a verificação do mérito da causa (se integrar o seu objeto) e não com a verificação dos pressupostos processuais.
Resta-nos, então, a segunda questão acima formulada: a de saber se a Recorrente tem personalidade judiciária tributária.
Tendo em conta que não estamos perante uma entidade que, em abstrato não possa ter personalidade jurídica tributária (isto é, que não possa constituir um centro de imputação de obrigações tributárias) e que lhe é imputado no ato tributário o dever de cumprimento de obrigações tributárias, deve responder-se afirmativamente a esta questão.
Até porque, de outro modo, poderiam ocorrer situações em que aquele a quem é imputada personalidade tributária não poderia impugná-la por não lhe ser reconhecida personalidade judiciária tributária. E em que, por isso, se estabilizasse na ordem jurídica uma decisão administrativa em que se reconhece personalidade tributária a um sujeito a quem foi negada personalidade judiciária tributária. Em colisão aberta com a lei, porque isso significaria que, nestes casos, a personalidade judiciária tributária não resultou da personalidade tributária.
Deve, assim, o artigo 3.º n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário ser interpretado no sentido de que a personalidade judiciária tributária resulta da atribuição da personalidade tributária a quem, em abstrato e nos termos da lei tributária, a possa ter.”
Improcedem, pois e in totum, as conclusões recursórias, sendo de negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.


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3. Decisão:

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

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Assinado digitalmente pelo relator (José Gomes Correia), que consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os restantes Conselheiros que integram a formação de julgamento.
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Lisboa, 10 de Novembro de 2021

José Gomes Correia (Relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.