Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:089/10.4BEMDL-A
Data do Acordão:02/01/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO ANULATÓRIO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31862
Nº do Documento:SA120240201089/10
Recorrente:MUNICÍPIO DE MONDIM DE BASTO
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO
AA, instaurou no TAF de Mirandela, os presentes autos destinados à execução da sentença proferida em 14.11.2017, contra o MUNICÍPIO DE MONDIM DE BASTO, sentença esta, que viria a ser confirmada pelo Acórdão deste STA de 24.10.2020, pedindo que fosse ordenado o prosseguimento destes autos de execução no sentido da execução coerciva dos actos materiais referidos em 16.º e 17.º, do requerimento executivo, mais se impondo sanção pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento, conforme preceituado pelo artigo 169º do CPTA.
*
O TAF de Mirandela por sentença proferida de 29 de Março de 2022, julgou procedente a presente execução e, em consequência, decidiu:
a) condenar o executado a, no prazo de noventa dias, contado do trânsito em julgado da presente decisão;
i. Reconhecer a produção de efeitos da celebração do contrato de trabalho por tempo indeterminado, com o exequente, a partir do dia 01/01/2010;
ii. Reconstituir a carreira do exequente, desde o dia 01/01/2010, como se ele tivesse exercido as funções de técnico superior – professor, reconhecendo a progressão na carreira a que tem direito relativamente ao período de tempo em que a relação de emprego público se repristinou por efeito da anulação, e proceder à contagem do seu tempo de serviço, e emissão do respectivo certificado, em conformidade;
iii. Pagar ao exequente as diferenças remuneratórias resultantes dessa reconstituição de carreira, incluindo as decorrentes da progressão na carreira, com juros de mora, à respectiva taxa legal, contados desde a data em que cada diferença parcelar lhe devesse ter sido paga, até ao seu efectivo e integral pagamento;
iv. Reconstituir integralmente a situação contributiva do exequente junto do Instituto da Segurança Social, procedendo ao pagamento das contribuições devidas à referida entidade por referência às remunerações mensais que deveriam ter sido pagas ao exequente nos termos supra mencionados em ii. e iii.; e,
b) fixar em 5% do salário mínimo nacional mais elevado, a sanção pecuniária compulsória devida pelo Presidente da Câmara Municipal de Mondim de Basto, a pagar por cada dia de atraso que, para além, dos prazos limites atrás estabelecidos, se possa vir a verificar na execução desta decisão.
*
Inconformado com esta decisão, o MUNICÍPIO DE MONDIM DE BASTO interpôs recurso jurisdicional para o TCA Norte, o qual, por acórdão proferido em 28 de Outubro de 2022, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
*
É desta decisão que vem interposto o presente recurso de revista, por parte do executado/ora recorrente MUNICÍPIO DE MONDIM DE BASTO, que conclui apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
«a) Por decisão proferida a fls. dos autos, foi negado provimento ao recurso de apelação oportunamente interposto pelo Município Mondim, e, em consequência, manteve a decisão proferida pela 1ª instância, designadamente:
- declarou não verificada causa legítima de inexecução do Acórdão proferido no processo principal;
- julgou a execução procedente e, em consequência condenou o executado a, no prazo de noventa dias, contado do trânsito em julgado da presente decisão:
i. Reconhecer a produção de efeitos da celebração do contrato de trabalho por tempo indeterminado, com o exequente, a partir do dia 01/01/2010;
ii. Reconstituir a carreira do exequente, desde o dia 01/01/2010, como se ele tivesse exercido as funções de técnico superior – professor, reconhecendo a progressão na carreira a que tem direito relativamente ao período de tempo em que a relação de emprego público se repristinou por efeito da anulação, e proceder à contagem do seu tempo de serviço, e emissão do respectivo certificado, em conformidade;
iii. Pagar ao exequente as diferenças remuneratórias resultantes dessa reconstituição de carreira, incluindo as decorrentes da progressão na carreira, com juros de mora, à respectiva taxa legal, contados desde a data em que cada diferença parcelar lhe devesse ter sido paga, até ao seu efectivo e integral pagamento;
iv. Reconstituir integralmente a situação contributiva do exequente junto do Instituto da Segurança Social, procedendo ao pagamento das contribuições devidas à referida entidade por referência às remunerações mensais que deveriam ter sido pagas ao exequente nos termos supra mencionados em ii. e iii.;
b) Fixar em 5% do salário mínimo nacional mais elevado, a sanção pecuniária compulsória devida pelo Presidente da Câmara Municipal de Mondim de Basto, a pagar por cada dia de atraso que, para além, dos prazos limites atrás estabelecidos, se possa vir a verificar na execução desta decisão;
c) Condenar a entidade executada no pagamento das custas processuais devidas.
b) Porém, o recorrente não se conforma nem aceita a presente decisão, porquanto, a mesma não está conforme a lei;
c) Pois o princípio geral atinente à prática dos atos administrativos é o da sua irretroatividade. E, se uma vez que a regra do nosso ordenamento jurídico é o da não retroatividade dos atos administrativos, mutatis mutandis, os atos administrativos apenas produzem efeito para o futuro;
d) Assim, nem o novo ato administrativo é uma interpretação do ato anterior nem o Ilustre Supremo Tribunal Administrativo manda praticar o ato devido à data em que foi anulado o concurso público;
e) Pelo que, tendo o Município acatado com as decisões jurisdicionais e tendo, na prossecução desse desiderato, emitido um despacho a prosseguir com o concurso público não tem, o mesmo, qualquer tipo de responsabilidade pelo pagamento das quantias peticionadas pelo recorrido;
f) Não resulta nem da sentença condenatória, nem do acórdão que a manteve, qualquer decisão no sentido de condenar o recorrente em reconstituir a situação do recorrido como se o mesmo tivesse sido contratado em 2009, quando nem nesse ano, nem agora quando foi efetivamente contratado, havia certezas absolutas da sua contratação;
g) Por conseguinte, retrocedendo no tempo, o Tribunal não pode “obrigar” o recorrente a celebrar o contrato de trabalho por tempo indeterminado com o recorrido com produção de efeitos a partir do dia 01/01/2010, tanto mais que o procedimento administrativo não se encontrava ainda concluído, e se trata de um ato dependente da formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa;
h) Considerando o procedimento concursal em apreço, só após a homologação da versão final da lista unitária de ordenação final dos candidatos poderiam ser contratados pelo recorrente os três candidatos habilitados naquele procedimento concursal;
i) Na realidade, a anulação do aludido Despacho preteritamente determinada não tinha necessariamente como consequência a contratação automática do aqui recorrido;
j) Efetivamente, o recorrente respeitou como lhe competia os princípios gerais que norteiam o regime jurídico aplicável, tendo interpretado e aplicado adequadamente a douta decisão do Supremo Tribunal Administrativo, não merecendo assim qualquer censura;
k) De qualquer maneira sempre existiria grave prejuízo para o interesse público a execução pretendida de reconhecer a produção de efeitos da celebração do contrato de trabalho por tempo indeterminado, com o recorrido, a partir do dia 01/01/2010, pela circunstância de a pretendida execução implicaria o refazer das carreiras do recorrido e desses outros candidatos, em igualdade de circunstâncias, com a necessária instabilidade e perturbação dos serviços e dos funcionários, o que tudo o recorrente pretendeu acautelar;
l) Contudo e sem prescindir, o vínculo de emprego público de trabalhadores recrutados na sequência dos procedimentos concursais constitui-se por contrato de trabalho em funções públicas e encontra-se sujeita a publicação na 2.ª série do Diário da República. (cfr. alínea b) do nº 1 do artigo 4º da Lei nº 35/2014, de 20 de junho);
m) Porém, o recorrido à data do procedimento não tinha qualquer relação de emprego público com o recorrente nem qualquer tempo de serviço já prestado;
n) A que acresce o facto de durante o referido período, o recorrente ter prestado serviço em entidades de natureza privada ou pública, com a devida situação contributiva, o que põe em causa a reconstituição da carreira conforme a execução pretendida;
o) Com efeito, não se pode perder de vista que, o Senhor Presidente do Município de Mondim de Basto, proferiu Despacho no sentido de revogar o ato de abertura do Concurso Público Externo de Ingresso. Justificando tal decisão: “…efectuada uma nova valoração administrativa à luz do interesse público, no caso, por constatar que o Município se quedou para uma situação de ruptura financeira, não apresentando actualmente, condições para suportar encargos financeiros adicionais com a contratação de pessoal, sobretudo quando destinado, tal como no presente caso, ao preenchimento de vagas em áreas não fundamentais para o funcionamento do Município”;
p) Que a revogação do ato de abertura do concurso foi proferida enquanto o procedimento ainda estava em curso e antes da homologação da lista de classificação final do concurso;
q) Pelo que o direito alegadamente preterido quanto ao candidato/aqui recorrido, mais não era do que um putativo direito;
r) E nesta medida, não se pode concluir pela irrevogabilidade do ato de abertura do concurso “sem fundamento” e considerando que não se verificava nenhuma das exceções previstas no nº 2 do artº 140º do CPA/1991, e hoje à luz do artigo 165º do DL nº 4/2015, pois contrariamente ao defendido no acórdão, pelo decurso do tempo e dos termos do concurso em apreço, não se consolidou na esfera jurídica do candidato o direito à nomeação e ao recebimento das remunerações desde 01/01/2010;
s) A revogação de um ato de abertura de concurso, revogação essa que ocorreu antes da homologação da lista de classificação final de candidatos, não determina que à data da revogação de ato já se encontravam constituídos direitos subjetivos tuteláveis;
t) Essa revogação sucedeu devido à “situação de ruptura financeira” e, por consequência, à inexistência de “condições para suportar encargos financeiros adicionais com a contratação de pessoal, sobretudo quando destinado, tal como no presente caso ao preenchimento de vagas em áreas não fundamentais”, pelo que se encontra devidamente justificada, designadamente pela subordinação de toda a atividade administrativa à prossecução do interesse público (artº 266º da Constituição da República Portuguesa) e, por razões de mérito, conveniência e oportunidade, para efeitos do artº 140º do CPA/1991;
u) Os direitos ou interesses legalmente tuteláveis, só passariam a existir na esfera do candidato/administrado “após a homologação da lista que aprovou e graduou os candidatos”, pois só aí, é que eles têm o direito subjectivo de serem nomeados”, pelo que, o ato seria livremente revogável nos termos do artº 140º do CPA/1991;
v) E não tendo havido homologação da lista final de candidatos, o ato de abertura de concurso era revogável nos termos do artº 140º do CPA/1991, visto que até esse momento não foram praticados quaisquer atos constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos e justamente porque, não tendo criado para ninguém direitos ou interesses dignos de protecção legal, não há que ter em conta a protecção da confiança;
w) Ademais, no caso concreto dos autos, deve dar-se prevalência a situações que dão primazia ao dever de boa administração e de prossecução do interesse público, perante determinada situação de ruptura financeira do município e a natureza não fundamental da tarefa a desempenhar pelo candidato;
x) Sendo ponto assente que a prossecução do interesse público é o objetivo constitucional da administração pública, e constitui, por isso, momento teleologicamente necessário de qualquer atividade administrativa, de tal forma que a vontade da administração deve expressar o interesse público em cada caso concreto;
y) Sendo que, no presente caso, o interesse público assentou na defesa dos interesses patrimoniais, pois financeiramente não era sustentável a situação do concurso para a contratação daquele pessoal;
z) Nestes termos e por todos os fundamentos expostos, conclui-se, assim, que o Recorrente/Município podia revogar o ato de abertura do concurso, assim, por consequência, nunca poderia ser obrigado a indemnizar pelos danos eventualmente causados, mas, como se viu, no caso em apreço, contrariamente ao defendido pelo Tribunal “a quo”, verifica-se existir excepção prevista no art. 140.º do CPA1991 e actual art.º 165º do DL 4/2015, pelo que o poderia fazer, em virtude de, pelo decurso do tempo e dos termos do concurso em apreço, não se ter consolidado na esfera jurídica do candidato o direito à nomeação;
aa) Assim, o Tribunal “a quo” com a decisão proferida violou além do mais o disposto nos artigos 4º, 140º do CPA/1991 (em vigor à data dos factos) e actualmente acolhido no artigo 165º do CPA – DL nº 4/2015 do CCP, 153º nº 1, 156º do CPA e 173º do CPTA, 266º, nº 1 da CRP.»
*
O recorrido AA contra-alegou, apresentando as conclusões que seguem:
«1 – Em primeiro lugar, importa sublinhar que o presente recurso não cumpre com os requisitos constantes do artigo 150º do CPTA para a sua admissão, pelo que o mesmo deve ser rejeitado, com todas as devidas e legais consequências.
2 – No seu recurso o Recorrente alega que o Tribunal a quo não fez um correto enquadramento jurídico da questão decidenda e afirma que cumpriu escrupulosamente a obrigação resultante das sentenças proferidas e dos acórdãos que as confirmaram. Contudo, não lhe assiste razão.
3 - O conteúdo e o alcance do dever de executar sentenças de anulação de atos administrativos (como a deste processo) está hoje perfeitamente definido pelo ordenamento jurídico português no artigo 173º do CPA, o qual determina que: “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado” (nº 1), ainda que isso implique “(...) praticar atos dotados de eficácia retroativa” (nº 2).
4 - Deveria, portanto, ter sido com base neste critério legal de reconstituição da situação atual hipotética que o Recorrente deveria ter executado a sentença condenatória proferida nos autos.
5 - A reconstituição da situação atual hipotética a efetuar implica que, em juízo de prognose, se retroceda ao momento em que o ato anulado foi praticado, procurando repristinadamente reconstituir a situação que existiria caso o ato tivesse sido legal.
6 - Para o Exequente/Recorrido, a situação que existiria caso o ato anulado não tivesse sido praticado era a sua contratação em 1 de janeiro de 2010, por via da celebração com o Executado/Recorrente de um contrato de trabalho por tempo indeterminado.
7 - O que lhe garantiria hoje contar com 12 anos de serviço com todos os efeitos remuneratórios que lhe estão associados e com igual tempo de antiguidade com a garantia de ter progredido, pelo menos, ao nível remuneratório seguinte.
8 - Pelo que a execução do julgado nos termos em Tribunal a quo - muito bem – condenou, não constitui a violação da regra da não retroatividade dos atos administrativos plasmada no artigo 156º do CPA, mas sim a aplicação da regra legal do artigo 173º do CPA.
9 - Admitir-se que a execução do julgado nos termos em que o Executado/Recorrente fez constitui completa e bastante reconstituição da situação atual hipotética corresponde ao defraudamento do resultado material da anulação judicialmente decretada, que determinou que o procedimento concursal deveria ter sido concluído no ano de 2009 com a consequente e imediata admissão do Exequente/Recorrido.
10 - Ora, a não consideração de tal efeito repristinatório, como vem defendida pelo Executado/Recorrente, consistiria numa verdadeira denegação de justiça, na vertente da violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, na medida em que a aplicação de tal regra faria com que o recurso ao tribunal não garantisse a efetiva defesa dos direitos individuais do Exequente/Recorrido, impondo-lhe um injustificado e irremediável prejuízo.
11 - E abriria a porta a que tal forma de atuação da Administração Pública – anulação ilegal de concursos públicos ou outros procedimentos administrativos, de acordo com critérios não objetiváveis e contrários ao direito e ao interesse público, tal como reconhecidamente aconteceu no concurso dos autos – compensasse e proliferasse.
12 - É vasta a jurisprudência do Vosso tribunal que confirma o acerto da decisão recorrida e demonstra que a mesma fez o correto enquadramento jurídico da situação, reconhecendo às decisões judiciais anulatórias os três seguintes efeitos jurídicos fundamentais: constitutivo, conformativo e repristinatório.
13 - Mário Aroso de Almeida refere, a este propósito, que “a adequação da situação de facto à situação de direito decorrente da anulação apenas exige que a Administração estabeleça, no presente e para o futuro, uma situação conforme àquela que se teria tido se o facto produtivo (a anulação) se tivesse verificado no passado, colocando (para o futuro) a relação jurídica criada pelo ato anulado naquela posição de direito em que se teria encontrado se não tivesse intervindo o ato anulável” (in “Anulação de atos administrativos e relações jurídicas emergentes”, pags. 305 e 306).
14 - Tudo se deve passar, portanto, no que a este caso diz respeito, como se o ato de anulação do concurso nunca tivesse existido pois, como se constata, o que veio a suceder é que o Exequente/Recorrido voltou a ser confirmado como um dos admitidos no concurso em apreço.
15 - A situação de facto que releva para o cumprimento desta sentença é a existente em 2009, aquando da anulação ilícita do procedimento concursal. O que, na concreta situação do Exequente/Recorrido AA, equivaleria à sua admissão como Técnico Superior da autarquia, por via da celebração de um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, pelo menos desde janeiro de 2010 (data em que o procedimento concursal se teria concluído, caso não tivesse sido proferido o ato anulado, e que tinha conduzido à sua admissão), com todos os efeitos remuneratórios e legais daí decorrentes.
16 - Tal solução foi já adotada pelo Supremo Tribunal Administrativo, por diversas vezes, em situações idênticas à dos autos. Veja-se o que determinou no Acórdão proferido em 12/01/2005 no âmbito do processo 042003A, sendo idêntica a decisão proferida pelo Acórdão de 03/05/2007 no âmbito do processo 30373/92-A-20:
Em seguida, se o candidato recorrente não for excluído por outro motivo, deverão seguir-se os termos normais do concurso e, na sequência da eventual nomeação do Requerente no âmbito do concurso, deverá ser reconstituída a sua carreira como se a nomeação tivesse ocorrido na data em que ocorreria se não tivesse sido praticado o ato anulado, reconstituição essa que deverá assumir tudo o que com certeza ou forte probabilidade teria acontecido, inclusivamente a nível remuneratório, devendo ser pagas as diferenças eventualmente existentes entre as remunerações que auferiu desde o momento em que deveria ter sido provido no novo lugar na sequência do concurso e as que auferiria se tivesse sido nomeado, acrescidas de juros, às taxas legais que vigoraram desde os momentos em que se venceria cada uma das remunerações e até que se concretize o pagamento.”
17 - Tendo em vista tal reconstituição revela-se, assim, essencial que o Executado/Recorrente complete o procedimento de execução do julgado nos exatos termos em que foi condenado pela douta sentença do Tribunal a quo.
18 - E prefigura-se ser, assim, de concluir que só poderão improceder as alegações e o que foi por si peticionado em sede de recurso e ser dados como conformes e legais os fundamentos e a decisão proferida na douta sentença recorrida.»
*
O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artº 150º do CPTA], proferido em 02 de Março de 2023.
*
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 146º, do CPTA, não emitiu pronúncia.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto assente nos autos, é a seguinte:
«1. Em 05/09/2014 foi proferido Acórdão por este TAF de Mirandela, já transitado em julgado, no processo nº 89/10.4BEMDL, que julgou totalmente procedente a acção e anulou o despacho do Presidente da Câmara Municipal de Mondim de Basto, datado de 18/11/2009, que fez cessar o procedimento concursal aberto pelo Município de Mondim de Basto para o preenchimento por tempo indeterminado de três postos de trabalho da carreira/categoria de técnico superior (professor) e condenou a entidade demandada a prosseguir o procedimento concursal (cfr. sentença a fls. 208-226 dos autos principais nº 89/10.4BEMDL);
2. Do Acórdão referido no ponto anterior consta, além do mais, a seguinte fundamentação (cfr. sentença a fls. 208-226 dos autos principais nº 89/10.4BEMDL);
“(…)
II –FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Com relevo para a decisão a proferir, julgam-se provados os seguintes factos:
1. Em 01.10.2008, foi celebrado contrato-programa entre a Direcção Regional de Educação do Norte e a Câmara Municipal de Mondim de Basto quanto à “Generalização das actividades de enriquecimento curricular no 1º Ciclo do Ensino Básico” –cfr. doc. 1 junto com a contestação a fls. 80 a 85 dos autos em suporte físico que aqui se dá por integralmente reproduzido;
2. Em 05.01.2009, foi aprovado o mapa de pessoal da autarquia para o ano de 2009 – cfr. doc. 1 junto com a resposta do Autor a fls. 133 a 140 dos autos em suporte físico que aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. Em 30.06.2009, foi aprovada a alteração do mapa de pessoal da Câmara Municipal de Mondim de Basto – cfr. docs. 2 e 3 juntos com a resposta do Autor a fls. 141 a 155 dos autos em suporte físico que aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. Por despacho do Presidente da Câmara Municipal de Mondim de Basto de 21.08.2009, foi aberto procedimento concursal comum por tempo indeterminado para o preenchimento de três postos de trabalho da carreira/categoria de técnico superior (professor) – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial a fls. 19 a 25 dos autos em suporte físico que aqui se dá por integralmente reproduzido;
(…)
6. Pelo ofício 3117 2009, datado de 05.11.2009, foi o Autor notificado do seguinte – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial a fls. 26 dos autos em suporte físico:
“Serve o presente, para notificar V. Exª, de que foi admitido, no procedimento em epígrafe, com a nota final de 11,9 valores, conforme deliberação do júri, vertida na acta da quarta reunião e conforme lista unitária de ordenação final dos candidatos aprovados, anexa àquela (de que se junta cópia).
Mais fica notificado para, querendo, exercer o seu direito de audiência dos interessados, num prazo de 10 dias úteis a contar da respectiva notificação, encontrando-se para tanto disponível, na Secção de Pessoal da Divisão Administrativa e Financeira e na página electrónica do Município, impresso próprio, de utilização obrigatória, podendo ali também consultar o procedimento concursal, durante o horário normal de expediente (…);
7. Em anexo foi remetida a lista de ordenação final, com o seguinte teor – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial a fls. 27 dos autos em suporte físico:
Procedimento concursal comum por tempo indeterminado, tendo em vista o preenchimento de três postos de trabalho da Carreira / categoria de técnico superior (Professor)
LISTA UNITÁRIA DE ORDENAÇÃO FINAL DOS CANDIDATOS APROVADOS
Nota Final
Candidatos Aprovados:
1º BB--------------------------------13,9 Valores
2º CC--------------------------------13,4 Valores
3º AA--------------------------------11,9 Valores
(…)
8. Por despacho datado de 18.11.2009, o Presidente da Câmara de Mondim de Basto proferiu o seguinte despacho – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial a fls. 28 dos autos em suporte físico:
“(…) considerando:
- Encontra-se nesta data pendente, mas sem a ordenação final dos candidatos o procedimento concursal comum, para provimento, por tempo indeterminado, de três postos de trabalho da carreira/categoria de técnico superior (professor), cujo aviso foi publicado em Diário da República no dia 1 de Setembro de 2009.
- Tal procedimento foi aberto por despacho do anterior presidente da Câmara, datado de 21 de Agosto de 2009.
- Independentemente dos motivos que justificaram tal decisão, neste momento, as políticas de gestão de pessoal não aconselham o município assumir no imediato compromissos laborais por tempo indeterminado, até porque, outras soluções existem e que não estão suficientemente analisadas para satisfação das necessidades cuja satisfação se pretendia com o presente procedimento concursal.
Nestes termos, considerando a informação da Divisão Jurídica e Contencioso, porque ainda não se procedeu à ordenação final dos candidatos, ao abrigo do artº 38º nº 2 da Portaria n.º 83-A/2009 de 22 de Janeiro, determina-se a cessação imediata do procedimento supra referido.
(…)”;
9. Pelo ofício 3209 2009, datada de 19.11.2009, foi o Autor notificado da decisão de cessação do procedimento constante do ponto antecedente – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial a fls. 30 dos autos em suporte físico que aqui se dá por integralmente reproduzido; (…)”;
3. Em 14/11/2017 foi proferida sentença, nos presentes autos executivos, que julgou não verificada a causa legítima de inexecução do Acórdão proferido no processo principal e condenou o executado a “no prazo de 30 (trinta) dias, retomar o procedimento concursal, devendo o mesmo Júri proceder à apreciação das eventuais pronúncias apresentadas pelos interessados no âmbito do seu direito de participação procedimental, proferir deliberação final e elaborar a versão final da lista unitária de ordenação final dos candidatos, submetendo a mesma a homologação. Após a homologação, deverão ser contratados pelo Executado os três candidatos habilitados naquele procedimento concursal, com eles sendo celebrado contrato de trabalho por tempo indeterminado.” (cfr. sentença a fls. 195-239);
4. Em 27/09/2019 foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Norte que, concedendo provimento ao recurso apresentado pela entidade executada, revogou a sentença referida no ponto antecedente e declarou procedente a invocação da existência de causa legítima de inexecução da sentença (cfr. Acórdão a fls. 337-354);
5. Em 24/09/2020 foi proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo que, concedendo provimento ao recurso apresentado pelo exequente, decidiu: revogar a decisão recorrida; manter a decisão de 1ª instância; julgar inexistente qualquer causa legítima de inexecução; e, condenar o município a retomar o procedimento concursal (cfr. Acórdão a fls. 424-443);
6. Em 02/11/2020, a Presidente da Câmara Municipal de Mondim de Basto proferiu despacho do seguinte teor (cfr. fls. 1 do processo administrativo incorporado a fls. 56-617, doravante PA):
“(…) Retomando, assim, o Procedimento Concursal o Júri deverá apreciar as eventuais pronúncias apresentadas; proferir deliberação final e elaborar a versão final da lista unitária de ordenação final dos candidatos, submetendo a mesma a homologação. Notifica-se, pelo presente despacho, os candidatos em lista já seriada, para, querendo, apresentar pronúncia;
Estando no final do ano de 2020 e, atendendo da decisão das diligências do processo que prevê não se concluírem em 2020, ordeno que os serviços indiquem na proposta de Orçamento, no quadro pessoal anexo para o ano de 2021, os lugares necessários para o cumprimento do Acórdão.”;
7. Em 16/12/2020 foi aprovada pelo júri do concurso a acta nº ..., da qual consta, designadamente, o seguinte (cfr. acta a fls. 6-7 do PA):
“acta nº ...
Procedimento concursal comum por tempo indeterminado, tendo em vista o preenchimento de três postos de trabalho da carreira/categoria de Técnico Superior (Professor)
Aos dezasseis do mês de Dezembro do ano 2020, reuniu o Júri do processo supra referido, composto por DD, Técnica Superior, que assume o cargo de Presidente do Júri, por EE, Técnica Superior, que assume o cargo de 1ª Vogal Efectivo e por FF, Chefe de Divisão | Divisão de Desenvolvimento Social, que assume o cargo de 2ª Vogal Efectivo.
A presente reunia o tem por objectivo proceder a manutenção da ordenação final dos candidatos.
Primeiro:
Terminado o prazo para a audiência dos interessados sem que os mesmos tivessem apresentado qualquer pronuncia o júri delibera manter a ordenação final dos candidatos que completaram o procedimento concursal, nos termos do disposto no artigo 34º da Portaria nº 83-A/2009, de 22 de Janeiro, alterada pela Portaria nº 145-A/2011 de 6 de abril (doravante designado por Portaria) e conforme expresso na acta nº ..., datada de 4 de Novembro de 2009:
Candidatos Aprovados:
1º BB -----------------------------------------------13,9 Valores
2º CC------------------------------------------------13,4 Valores
3º AA ------------------------------------------------11,9 Valores
(…)”;
8. Em 23/12/2020 foi homologada pela Presidente da Câmara Municipal de Mondim de Basto a acta nº ... referida no ponto antecedente (cfr. fls. 8 do PA);
9. Em 13/01/2021 foi proposto ao ora exequente o seguinte posicionamento remuneratório (cfr. documento de fls. 21 do PA):
“(…)
[IMAGEM]
(…)”
10. Em 01/04/2021 foi outorgado CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS CONTRATO POR TEMPO INDETERMINADO, entre a entidade executada, como 1º outorgante e o exequente, como 2º outorgante, do qual consta, designadamente, o seguinte (cfr. contrato a fls. 39-42 do PA, junto como documento nº1 com o requerimento executivo):
“(…)
Primeira (Início e duração)
1. O presente contrato de trabalho em funções públicas produz os seus efeitos a partir do dia 1 de Abril de 2021, data em que o Trabalhador inicia a actividade, durando por tempo indeterminado.
2. O presente contrato fica sujeito a período experimental, com a duração máxima de 180 dias, nos termos das disposições conjugadas da alínea c) do nº 1 do artigo 49º, nº 1 do artigo 51º ambos da LTFP, e da Cláusula 6ª do Acordo Colectivo de Trabalho nº 1/2009 de 24 de Setembro, permitida para a carreira e categoria do Trabalhador.
Segunda (Actividade contratada)
1. Ao Segundo Outorgante é atribuída a categoria de Técnico Superior, da carreira de Técnico Superior, sendo contratado para, sob a autoridade e direcção do Primeiro Outorgante, e sem prejuízo da autonomia técnica inerente à actividade contratada, desempenhar as respectivas funções e executar as tarefas correspondentes ao grau 3 de complexidade funcional, descritas no anexo à Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, referido no nº 2 do artigo 88º do mesmo diploma legal.
(…)
Quinta (Remuneração)
1. A remuneração base do Segundo Outorgante é fixada nos termos do disposto no artigo 144º da LTFP, sendo de € 1.205,08 (mil duzentos e cinco euros e oito cêntimos), correspondente à 2ª posição remuneratória da categoria e ao nível remuneratório 15 da tabela remuneratória única.
(…)”
11. Em 01/04/2021, o exequente subscreveu declaração do seguinte teor (cfr. fls. 43 do PA):
“(…) não obstante a assinatura e celebração do contrato com a Câmara Municipal de Mondim de Basto em 01/04/2021, reserva-se o direito de proceder à execução do Acórdão proferido no âmbito do processo 89/10.4BEMDL-A. Com efeito, o trabalhador entende que os termos estabelecidos no contrato em apreço não dão integral cumprimento à decisão judicial em apreço, porquanto ignora o efeito repristinatório que deverá verificar-se. Em conformidade o trabalhador aqui declarante recorrerá aos meios legais ao seu dispor para garantir o cumprimento da decisão judicial em apreço.”;
12. Em 23/04/2021 foi publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 79, o Aviso nº ...21, do seguinte teor (cfr. fls. 44 do PA):
“(…) torna-se público que, na sequência do procedimento concursal comum para o preenchimento de três postos de trabalho na carreira e categoria de Técnico Superior (Professor), na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, aberto pelo Aviso nº ...09, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 169, de 1 de Setembro de 2009, foram celebrados contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, sujeitos a período experimental, com os trabalhadores (…) AA, datados de 1 de Abril de 2021 e com inicio de vigência na mesma data, com a remuneração mensal de € 1.205,08 (mil duzentos e cinco euros e oito cêntimos), correspondente à 2ª posição remuneratória da categoria e ao nível remuneratório 15 da tabela remuneratória única, da carreira/ categoria de técnico superior. (…)”.»
*
2.2. O DIREITO
Conforme resulta dos factos provados, os presentes autos de execução tiveram o seu início com o pedido formulado pelo exequente do cumprimento, em sede de execução, da decisão judicial proferida em 05.09.2014 pelo TAF de Mirandela, no âmbito do proc nº 89/10.4BEMDL.
Desde aí, ocorreu todo um processado que importa ter em consideração para a decisão a proferir neste segmento recursivo que nos é solicitado e delimitar bem o enquadramento do mesmo.
Com efeito, por sentença proferida no TAF de Mirandela em 14.11.2017, foi julgada procedente a acção executiva e em consequência foi declarada como não verificada a causa legitima de inexecução do acórdão proferido nos autos principais; mais foi decidido condenar o executado a, no prazo de 30 dias, retomar o procedimento concursal, devendo o mesmo júri proceder à apreciação das eventuais pronúncias apresentadas pelos interessados no âmbito do seu direito de audiência de participação procedimental, proferir deliberação final e elaborar a versão final da lista unitária de ordenação final dos candidatos, submetendo a mesma a homologação.
E acrescentou ainda:
Após a homologação, deverão ser contratados pelo executado os três candidatos habilitados naquele procedimento concursal, com eles sendo celebrado contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Desta decisão, foi interposto recurso de apelação para o TCAN, que por Acórdão proferido em 27.09.2019 revogou a sentença do TAF de Mirandela, declarando procedente a invocação da existência de causa legítima de inexecução de sentença.
E deste Acórdão também foi interposto para o STA, que por Acórdão proferido em 24.10.2020, concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão do TCA Norte, julgou inexistente quaisquer causas legítimas de inexecução, condenando ainda o Município a retomar o procedimento concursal e relevante para a decisão que temos agora para decidir, manteve ainda a decisão de 1ª instância.
Ora, a manutenção da decisão de 1ª instância havia determinado algo extremamente importante, como supra deixámos enunciado, ou seja, devendo o mesmo júri proceder à apreciação das eventuais pronúncias apresentadas pelos interessados no âmbito do seu direito de audiência de participação procedimental, proferir deliberação final e elaborar a versão final da lista unitária de ordenação final dos candidatos, submetendo a mesma a homologação
Ou seja, o que na verdade este acórdão deste STA fez, foi repristinar a decisão da 1ª instância, no seu todo, ou seja, no seu pleno [mas sem que alguma vez tivesse determinado quaisquer datas com excepção do prazo de 30 dias dado ao exequente para retomar o procedimento].
De seguida, veio o exequente, não se conformando com a forma como o executado deu cumprimento à decisão anulatória, por em seu entender revelar absoluto desrespeito pelo limite de autoridade do caso julgado, requerer o prosseguimento dos autos de execução coerciva, designadamente, com a prática dos actos referidos nos artº 16º e 17º do requerimento apresentado, que aqui reproduzimos:
«(...) alteração do nº 1 da Cláusula Primeira do contrato de trabalho que celebrou com o Exequente de modo a que passe a prever o seguinte:
“1. O presente contrato de trabalho em funções públicas produz os seus efeitos a partir do dia 3 de Dezembro de 2009, data em que o trabalhador inicia a actividade, durando por tempo indeterminado” (...);
a) pagar ao Exequente a importância ilíquida de 130.136,25€ respeitante às diferenças entre as remunerações de trabalho que recebeu (no valor de 58.557,31€ cfr. declarações modelo 3 de IRS juntas como docs. 2, 3, 4, 5 e 6) e as que deveria ter recebido ao abrigo de tal contrato de trabalho no período compreendido entre 03/12/2009 e 01/04/2021 (no valor global de 188.693,56€);
b) reconstituir a sua carreira reposicionando-o na posição remuneratória seguinte (3ª), correspondente ao nível 19 da tabela remuneratória única, a partir de Janeiro de 2020, pagando igualmente as respectivas diferenças remuneratórias vencidas e vincendas, que na presente data ascendem a 3.642,66€ tudo se passando como se de facto o exequente tivesse estado em exercício de funções (...);
c) reconstituir integralmente a situação contributiva do Exequente junto do Instituto da Segurança Social, procedendo ao pagamento das contribuições devidas à referida entidade por referência às remunerações mensais que deveriam ter sido pagas ao Exequente nos termos supra mencionados em a) e b);
d) proceder à contagem do seu tempo de serviço docente, emitindo o respectivo certificado, tendo em conta que do aviso concursal (Aviso nº ...09 publicado no DR, 2ª série, de 01/09/2009) consta que o concurso se destinava ao preenchimento de três postos de trabalho da careira de técnico superior (Professor) para exercerem funções ao nível das AEC’s das escolas do município e isso mesmo foi já reconhecido nestes autos pela Executada;
e) pagar juros de mora sobre todas as quantias acima peticionadas até efectivo e integral pagamento, os quais na presente data se cifram no valor de 29.170,38€.” (cfr. requerimento executivo a fls. 458-466 da paginação electrónica do SITAF, a que se referem todas as fls. adiante indicadas sem outra referência)».
*
Perante isto, foi proferida sentença no TAF de Mirandela em 29.03.2022, que julgou a execução procedente e nessa procedência, decidiu:
«a) Condenar o executado a, no prazo de noventa dias, contado do trânsito em julgado da presente decisão:
i. Reconhecer a produção de efeitos da celebração do contrato de trabalho por tempo indeterminado, com o exequente, a partir do dia 01/01/2010;
ii. Reconstituir a carreira do exequente, desde o dia 01/01/2010, como se ele tivesse exercido as funções de técnico superior – professor, reconhecendo a progressão na carreira a que tem direito relativamente ao período de tempo em que a relação de emprego público se repristinou por efeito da anulação, e proceder à contagem do seu tempo de serviço, e emissão do respectivo certificado, em conformidade;
iii. Pagar ao exequente as diferenças remuneratórias resultantes dessa reconstituição de carreira, incluindo as decorrentes da progressão na carreira, com juros de mora, à respectiva taxa legal, contados desde a data em que cada diferença parcelar lhe devesse ter sido paga, até ao seu efectivo e integral pagamento;
iv. Reconstituir integralmente a situação contributiva do exequente junto do Instituto da Segurança Social, procedendo ao pagamento das contribuições devidas à referida entidade por referência às remunerações mensais que deveriam ter sido pagas ao exequente nos termos supra mencionados em ii. e iii.;
b) Fixar em 5% do salário mínimo nacional mais elevado, a sanção pecuniária compulsória devida pelo Presidente da Câmara Municipal de Mondim de Basto, a pagar por cada dia de atraso que, para além, dos prazos limites atrás estabelecidos, se possa vir a verificar na execução desta decisão;
c) Condenar a entidade executada no pagamento das custas processuais devidas».
*
Interposto recurso de apelação para o TCAN, veio a ser proferido Acórdão em 28.10.2022, que julgou o recurso improcedente e é deste Acórdão que foi interposta a presente Revista.
Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente.
Conforme resulta do probatório (cfr. pontos 6 a 12), em execução do julgado, o executado prosseguiu, voltando a cumprir o dever de audiência prévia, e concluiu o procedimento concursal, o qual culminou com a celebração, em 01.04.2021, de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado com o exequente (ponto 10).
Porém, o exequente entende que a celebração do contrato de trabalho não cumpre integralmente a execução ao julgado anulatório, na vertente de reconstituição da situação actual hipotética, devendo tal reconstituição equivaler à sua admissão como técnico superior da autarquia, por via da celebração de um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, pelo menos desde Dezembro de 2009, com os correspondentes efeitos remuneratórios e legais daí decorrentes.
Por sua vez, a entidade executada sustenta que das decisões proferidas nos autos apenas resulta a sua condenação a concluir o procedimento concursal, o que cumpriu, não tendo que pagar qualquer valor ao exequente.
Concretamente, em sede de Revista sustenta o exequente que o decidido no Acórdão recorrido é contrário à lei, por o princípio geral atinente á prática dos actos administrativos ser o da sua irretroactividade. E se a regra do nosso ordenamento jurídico é o da não retroactividade dos actos administrativos, mutatis mutandi, os actos administrativos apenas produzem efeitos para o futuro, não sendo o novo acto uma interpretação do acto anterior, nem tendo o STA mandado praticar o acto devido à data em que foi anulado o concurso. Não resultando nem da sentença condenatória, nem do acórdão que a manteve, qualquer decisão no sentido de condenar o recorrente em reconstituir a situação do recorrido como se o mesmo tivesse sido contratado em 2009, quando nem nesse ano, nem agora quando foi efectivamente contratado, havia certezas absolutas da sua contratação, já que considerando o procedimento concursal em apreço, só após a homologação da versão final da lista unitária de ordenação final dos candidatos poderiam ser contratados pelo recorrente os candidatos habilitados.
*
Pois bem.
É verdade que a sentença do TAF de Mirandela proferida em 14.11.2017 determinou de forma quase minuciosa a forma como devia ser dado execução ao procedimento concursal, e acrescentou que, após a homologação deverão os candidatos ser contratados pelo executado, sendo com eles celebrado contrato de trabalho por tempo indeterminado, dando a entender que, independentemente, do resultado da fase da audiência de interessados, o exequente deveria ser contratado de imediato no fim do procedimento.
E também é verdade que o Acórdão proferido por este STA, ao conceder provimento ao recurso, revogou o Acórdão do TCAN entretanto proferido [que declarou procedente a existência de causa legítima de inexecução da sentença], e ao mesmo tempo que julgou inexistir causa legítima de inexecução, manteve a sentença de 1ª instância e condenou o município a retomar o procedimento concursal.
No entanto, este segmento decisório, não pode ser entendido como aderindo no todo ao segmento decisório da sentença de 1ª instância, designadamente, quanto à forma aqui determinada de como se deve retomar o procedimento, até porque basta ler atentamente este Acórdão do STA de 24.10.2020, para percebermos de imediato que verdadeiramente a questão que ali foi decidida foi tão-somente a questão da verificação ou não dos requisitos/pressupostos que determinaram a conclusão da inexistência da causa legítima de execução.
Ou seja, o Acórdão não se pronunciou em concreto e de forma pormenorizada acerca da conformação como o procedimento deveria prosseguir, e muito menos que a execução integral do julgado anulatório, na vertente da reconstituição da situação actual hipotética deveria equivaler à admissão do exequente, pelo menos, desde Dezembro de 2009, com as consequências e efeitos remuneratórios e legais daí decorrentes, pelo que, com este fundamento, não podemos concluir pela existência da violação do alegado caso julgado.
Apenas se determinou o prosseguimento do procedimento concursal.
Não se afiançou nenhuma data.
E a fase em que o mesmo foi interrompido, foi precisamente quando o júri determinou que se procedesse à audiência de interessados.
Esta audiência de interessados constitui uma fase do procedimento administrativo que consiste na participação e auscultação dos interessados na formação das decisões ou deliberações que lhes digam respeito.
Mostra-se prevista desde logo na CRP [cfr. artºs 9º, 267º] e regulada no CPA.
A audiência dos interessados tem como função permitir a adopção de decisões administrativas justas que prossigam o interesse público e garantir o direito de defesa dos particulares e o seu direito ao contraditório perante a actuação da Administração Pública, no âmbito do procedimento administrativo e assume maior destaque e desenvolvimento no procedimento do ato administrativo atendendo à unilateralidade desta forma de actuação administrativa (artº 121º e segs. do Código do Procedimento Administrativo), encontrando-se também prevista, embora em termos mais limitados, no procedimento do regulamento administrativo (artigo 100º do CPA).
Serve, pois, para os particulares se poderem pronunciar sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, requerer diligências complementares, juntar documentos bem como ser informados do sentido provável da decisão (artigo 121º do CPA).
Ou seja, nesta fase da audiência de interessados, os candidatos ordenados pelo júri, podem ter uma expectativa de que serão admitidos ou excluídos, de acordo com a lista que lhes foi apresentada, mas só uma expectativa.
Não têm certezas absolutas, nem as podem ter, porque é precisamente nesta fase, antes da elaboração do relatório final, que pode haver uma “reviravolta”, na ordenação dos mesmos, constituindo esta fase, em regra, o último momento em que o júri, fundadamente, pode alterar os candidatos de posição, apesar de, em regra, a homologação do relatório final limitar-se a absorver os fundamentos do relatório final.
E, assim sendo, é óbvio que o “título executivo” não vai tão longe quanto a pretensão do exequente de ver a sua situação contratual reportada a 2009.
Acresce que, o contrato de trabalho em causa, tem um período experimental com a duração máxima de 180 dias, pelo que, também por aqui, não cremos que a carreira do exequente pudesse ser reposta da forma como o mesmo pretende.
Assim sendo, cremos que se mostra cumprida a execução do julgado proferido nos autos, atento o teor do disposto nos artºs 158º, 159º, 161º, nº 2, al. i), 173º, nº 1, 179º, do CPTA, tendo o executado praticado os actos jurídicos e realizado as operações materiais necessárias e imperativas de colocação no plano de facto e de direito relativamente ao julgado, concluindo com a celebração em 01.04.2021 do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado com o ora exequente
Se o executado tivesse, ao invés, concluído pela celebração do contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado pelo menos desde Dezembro de 2009, aí sim, estaria a agir sem título executivo bastante, uma vez que, nos autos, inexiste qualquer decisão judicial que o tivesse determinado.
*
3. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido.
Custas a cargo do executado.

Lisboa, 01 de Fevereiro 2024. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Claúdio Ramos Monteiro – Ana Paula Soares Leite Martins Portela.