Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0554/13
Data do Acordão:06/26/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
COIMA
Sumário:I - Atento a que o juízo do Tribunal Constitucional de não inconstitucionalidade do artigo 8.º do RGIT se assume hoje como a orientação jurisprudencial mais recentemente consolidada, que da decisão de não aplicação do artigo 8.º do RGIT com fundamento em inconstitucionalidade cabe recurso obrigatório do Ministério Público para aquele Tribunal e ainda em face ao disposto no artigo 8.º n.º 3 do Código Civil justifica-se que não se reitere o juízo de inconstitucionalidade do artigo 8.º n.º 1 do RGIT.
II - É nula, por contradição entre os fundamentos e a decisão, a sentença que considerando o oponente parte legítima na execução relativamente às dívidas de IRS e IVA decidiu, a final, julgar totalmente procedente a oposição.
Nº Convencional:JSTA000P16017
Nº do Documento:SA2201306260554
Data de Entrada:04/11/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 27 de Dezembro de 2012, que julgou procedente a oposição deduzida por A…………………………, com os sinais dos autos, à execução fiscal n.º 3190200601013106 e apensos, originariamente instaurada contra a sociedade “B………………………………….”., e contra si revertida, para cobrança coerciva de dívidas por coimas fiscais, IVA e IRS referentes aos anos de 2005 e 2006, no valor de 93.246,34 euros, para o que apresentou as conclusões seguintes:
A. Entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento quanto à sua apreciação do direito.
B. Considerou a douta sentença extinta a execução fiscal relativamente às dívidas de coimas, por entender, citando os acórdãos do STA n.º 0186/10, de 08.09.2010 e 0767/10 de 10.11.2010, que o n.º 1 do art. 8.º do RGIT é inconstitucional, pelo que as dívidas de coimas não podem ser exigidas ao revertido, “ainda que em termos de responsabilidade subsidiária”.
C. Todavia, o mais recente entendimento do Tribunal Constitucional o douto tribunal “a quo” errou na aplicação do direito, que a máxima jurisdição constitucional deu como assente em relação àquela questão.
D. Com efeito, o Tribunal Constitucional tem expressado o sentido de que a responsabilidade subsidiária por dívidas de coimas efectivada pelo mecanismo da reversão da execução fiscal contra gerentes ou administradores da sociedade originariamente devedora, consagrada no n.º 1 do art. 8.º do RGIT, não é inconstitucional.
E. De igual modo, os Tribunais Administrativos e Fiscais superiores têm acatado esta interpretação, reformulando o seu juízo em consonância com a jurisprudência do Tribunal Constitucional.
F. O douto tribunal recorrido formou a sua convicção e considerou o oponente parte legítima, no entanto, decidiu julgar a oposição procedente por ilegitimidade do oponente, determinando a extinção da reversão contra o oponente/recorrido.
G. Ora, os fundamentos da sentença recorrida deveriam conduzir a uma decisão oposta pelo que a sentença está ferida de nulidade, nos termos do disposto no nos artigos 125.º, n.º 1, do CPPT e 668.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
H. Entende a Fazenda Pública que deve ser, pois, concluído, como aliás, fundamenta a douta sentença recorrida, que se encontram preenchidos os pressupostos para a reversão, que o oponente não demonstrou, como lhe competia, ausência de culpa no não pagamento das dívidas tributárias em causa nestes autos,
I. pelo que, sendo o oponente parte legitima na execução, a oposição deve improceder.
J. Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que se julgue improcedente, por não provada, a presente oposição, com as legais consequências.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
1. A F.P. interpôs recurso da sentença proferida que julgou procedente a oposição que tinha sido apresentada por A…………………………… com vários fundamentos.
2. Emitindo parecer:
2.1 Quanto à questão da inconstitucionalidade do art. 8.º do RGIT:
É de reconhecer ter-se firmado o entendimento contrário à dita inconstitucionalidade, conforme decidido pelo acórdão de 3-10-11 que sob o n.º 437/11 foi proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional, ao abrigo do art. 79.º-D da Lei n.º 28/82, de 15/12, a que sucederam outros.
Acresce que a reversão teve lugar já no domínio da alteração que foi introduzida ao art. 148.º n.º 1 al. c) do C.P.P.T., pela Lei n.º 3-B/2010, de 29/4, com efeitos desde 29-4-2010.
2.2 Quanto à ilegitimidade do oponente:
Na sentença recorrida conclui-se no sentido do mesmo ser parte legítima com base no art. 24.º al. b) da LGT.
Contudo, na parte decisória ficou a constar o contrário.
É, pois, de reconhecer a nulidade que se invoca nos termos do disposto nos arts. 125.º n.º 1 do CPPT e 668.º, n.º 1 al. c) do CPC.
2.3 Quanto ao sentido em que é de proferir acórdão:
Apesar de se entender ser de manter a posição que ficou expressa pelo MºPº em 1.ª instância quanto a não ter ocorrido a prescrição, afigura-se não ser possível conhecer em substituição desta questão que foi ainda suscitada pelo oponente e de que não se chegou a conhecer na sentença recorrida, que o demais prejudicado.
Com efeito, de acordo com o art. 12.º n.º 5 do E.T.A.F. o conhecimento em sede de recurso é o de revista, sendo por isso de aplicar as regras contidas nos arts. 729.º e 730.º do C.P.C.
É, pois, ao tribunal recorrido que incumbe antes de mais proceder ainda à sua apreciação.
3. Concluindo, parece ser de julgar o recurso procedente, revogando-se o decidido que na procedência das questões da inconstitucionalidade do art. 8.º do RGIT e da ilegitimidade do oponente julgou a oposição procedente, e determinando-se que o tribunal recorrido conheça ainda da questão da prescrição e do demais que se imponha.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
São as de saber se, como alegado, a sentença recorrida cometeu erro de direito ao julgar inconstitucional o n.º 1 do artigo 8.º do RGIT no que concerne à responsabilidade por coimas e bem assim se é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão quanto à questão da ilegitimidade do oponente.

5 – Matéria de facto:
A) Contra a “B………………………………” foi instaurado processo de execução fiscal n.º 3190200601103106 e aps, referente a dívidas de IVA, IRS e Coimas Fiscais, relativas aos anos de 2005 e 2006, no montante total de 93.246,34€, cf. informação oficial de fls. 30 e 31 e certidões de dívida junto aos autos.
B) Por despacho de 04/11/2009 a execução fiscal indicada em A), reverteu contra A……………………………….., aqui oponente, na qualidade de sócio gerente da executada, cfr. fls. 63 e 63 verso dos autos.
C) Em 17/11/2009 o oponente foi citado para a execução, cfr. fls. 64 a 66 dos autos.
D) O oponente foi gerente da sociedade executada originária desde a sua constituição tendo renunciado à gerência em 10/07/2008, cf. fls. 48 e 49 dos autos.
E) Em 21/12/2009 a presente oposição foi apresentada no Serviço de Finanças competente, cf. fls. 6 dos autos.

6 – Apreciando.
6.1 Da julgada inconstitucionalidade do artigo 8.º do RGIT.
A sentença recorrida, a fls. 136 a 144 dos autos, julgou procedente a oposição deduzida pelo ora recorrido, fundamentando o decidido quanto às coimas tributárias na inconstitucionalidade da reversão destas, por violação do princípio da intransmissibilidade das penas, da presunção de inocência e da violação dos direitos de audiência e defesa, conforme a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo, a que expressamente adere, citando nesse sentido os acórdãos de 8 de Setembro de 2010, rec. n.º 186/10 e de 10 de Novembro de 2010, rec. n.º 767/10, este último transcrito, na parte relevante, na sentença recorrida (cfr. sentença, a fls. 139 e 140 dos autos).
Discorda do decido quanto à julgada inconstitucionalidade da reversão de coimas nos termos do artigo 8.º, n.º 1 do RGIT a Fazenda Pública, alegando que na esteira da mais recente jurisprudência emanada do Plenário do Tribunal Constitucional, que decidiu, no seu Acórdão n.º 437/11 de 3 de Outubro, não julgar inconstitucional a norma do art. 8.º n.º 1 do RGIT, quando interpretado no sentido que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora, entendimento esse entretanto perfilhado pela Jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo não poderá ser recusada a aplicação da norma contida no n.º 1 do art. 8.º do RGIT com fundamento na sua inconstitucionalidade (cfr. as conclusões A) a E) das alegações de recurso supra transcritas).
Tem razão a Fazenda Pública na sua alegação.
Como se disse no Acórdão deste Supremo Tribunal de 9 de Janeiro de 2013, proferido no recurso n.º 1187/12, a posição maioritária deste Supremo Tribunal sempre foi em sentido divergente do entendimento agora sufragado pelo Tribunal Constitucional. Não obstante, atento a que o juízo do Tribunal Constitucional de não inconstitucionalidade do artigo 8.º do RGIT, tomado em formação plenária, se assume hoje como a orientação jurisprudencial mais recentemente consolidada e a decisão de não aplicação do artigo 8.º do RGIT com fundamento em inconstitucionalidade obriga a recurso obrigatório do Ministério Público para aquele Tribunal, deve decidir-se, atento ao disposto no artigo 8.º n.º 3 do Código Civil, em conformidade com essa jurisprudência constitucional e pelos fundamentos constantes do seu acórdão plenário n.º 561/2011 (proferido no rec. n.º 506/09 e publicado em DR, 2.ª série, n.º 243, 21 de Dezembro de 2011, pp. 49547 e ss), julgar não inconstitucional a norma do artigo 8.º n.º 1 do RGIT, havendo, nesta parte, que censurar a sentença recorrida, que perfilhou orientação diversa no que à inconstitucionalidade material do artigo 8.º n.º 1 do RGIT respeita.
Não obstante, a improcedência deste fundamento não determina o provimento do recurso da Fazenda Pública, pois que nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do RGIT a responsabilidade subsidiária por coimas pressupõe a prova pela Administração tributária da culpa do gerente na insuficiência do património societário, sendo certo que, ao contrário do que se passa em relação às dívidas abrangidas pela alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, o artigo 8.º n.º 1 do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa dos administradores ou gerentes, cabendo, pois, à administração tributária o ónus da prova de tal culpa como pressuposto necessário da efectivação dessa responsabilidade, prova essa que não foi feita.
E assim sendo, impõe-se concluir pela ilegitimidade do oponente no que à responsabilidade por coimas fiscais respeita.

6.2 Da nulidade da sentença recorrida por contradição entre os fundamentos e a decisão no que se refere à ilegitimidade do oponente quanto às demais dívidas exequendas
Alega a recorrente (conclusões F) a J) das suas alegações de recurso) que a sentença é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão na parte em que versou sobre a (I)Legitimidade do oponente, porquanto o douto tribunal recorrido formou a sua convicção e considerou o oponente parte legítima, no entanto, decidiu julgar a oposição procedente por ilegitimidade do oponente, determinando a extinção da reversão contra o oponente/recorrido, sendo, pois, que os fundamentos da sentença recorrida deveriam conduzir a uma decisão oposta pelo que a sentença está ferida de nulidade, nos termos do disposto no nos artigos 125.º, n.º 1, do CPPT e 668.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal no seu parecer junto aos autos e supra transcrito pronuncia-se no sentido da verificação da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão no que respeita à ilegitimidade do oponente.
Vejamos.
A fundamentação da sentença recorrida quanto à questão da (i)legitimidade do oponente (fls. 140 a 143 autos) refere que a ilegitimidade substantiva constitui fundamento de oposição à execução fiscal (art. 204.º n.º 1, alínea b) do CPPT) e que o oponente sustenta a sua ilegitimidade, na perspectiva de não ter sido por culpa sua a dissipação do património societário da executada originária, determinando a aplicação ao caso do regime de responsabilidade subsidiária previsto no art. 24.º da LGT uma vez que esta entrou em vigor em 06/01/1999 e, a dívida em causa são referentes aos anos de 2005 e 2006.
Transcreve de seguida o artigo 24.º da LGT, dele retirando que continuaram a existir três pressupostos de responsabilidade subsidiária de quem geria a executada originária: - Insuficiência de bens penhoráveis da primitiva executada; - Efectivo exercício das funções de gerente por banda do revertido; - Da actuação culposa quanto à insuficiência do património social, considerando logo após que dos factos dados como provados ficou assente que os dois primeiros requisitos estão preenchidos.
No que ao terceiro requisito se refere, considerou a sentença recorrida, depois de distinguir o regime previsto na alínea a) e b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT quanto ao ónus da prova da culpa, que uma vez que no caso dos autos, relativamente às dívidas de IVA e IRS, se trata de uma situação em que o prazo de pagamento ou entrega da dívida terminou no período do exercício do cargo do gerente, e aqui oponente, verifica-se que dos elementos carreados para os autos nenhuma prova consta de que não foi por culpa sua que o património da sociedade executada se tornou insuficiente para a satisfação das dívidas, daí que conclua, quanto ao período da prova e prazos de constituição e pagamento das dívidas de IVA e IRS de 2005 e 2006, o oponente é parte legítima.
Não obstante a fundamentação aduzida, no segmento decisório da sentença ficou a constar que “Em consequência do exposto, na procedência da oposição, determina-se a extinção da reversão contra o aqui oponente”.
Ora, a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, verifica-se, na Lição de José Alberto dos Reis, quando os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam logicamente, isso sim, a resultado oposto. Existe um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão que se analisa em que a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente (Cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, reimp. da 3.ª ed. 1952, Coimbra, Coimbra Editora, p.141).
É manifestamente o que sucede no caso dos autos quanto à responsabilidade do oponente pelas dívidas exequendas revertidas de IRS e IVA: tendo a sentença considerado ser-lhes aplicável o regime de responsabilidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT – onde, como bem ponderou a sentença, se consagra uma presunção de culpa do gerente pela falta de pagamento – e bem assim que dos elementos carreados para os autos nenhuma prova consta de que não foi por culpa sua que o património da sociedade executada se tornou insuficiente para a satisfação das dívidas, daí que o oponente seja parte legítima, a conclusão lógica e necessária destas premissas é a de que a oposição seja, nesta parte, de improceder, e não o contrário, que foi o que se decidiu.
Suprindo a nulidade, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 731.º do CPC, declara-se modificada a sentença recorrida no sentido da legitimidade do oponente no que concerne às dívidas exequendas revertidas relativas a IRS e IVA, porquanto, como bem decidido, não logrou demonstrar a sua irresponsabilidade no seu não pagamento.

Na sua petição inicial de oposição o oponente invocava ainda a prescrição das dívidas exequendas, questão de que o Tribunal “a quo” não tomou conhecimento por tê-la considerado prejudicada. Impõe-se, pois, a baixa ao tribunal “a quo” para conhecimento desta questão, após a fixação do probatório relevante para o efeito.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em, no provimento parcial do recurso:
- revogar a sentença recorrida na parte em que julgou inconstitucional o n.º 1 do artigo 8.º do RGIT no que concerne à responsabilidade do oponente pelas dívidas exequendas provenientes de coimas, julgando nessa parte, e em substituição, procedente a oposição por ilegitimidade do oponente para ser responsabilizado por tais dívidas;
- anular a sentença recorrida na parte em que os fundamentos contradizem a decisão;
- suprir a julgada nulidade no sentido de julgar improcedente a oposição quanto às dívidas exequendas revertidas relativas a IRS e IVA;
- ordenar a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para conhecimento das demais questões suscitadas na oposição, designadamente a prescrição da dívida exequenda, depois de fixado o necessário probatório.

Custas neste STA pela recorrente, na parte em que decaiu.

Lisboa, 26 de Junho de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado -Dulce Neto.